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Sociologia, Problemas e Práticas

Print version ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  no.84 Lisboa May 2017

https://doi.org/10.7458/SPP2017849462 

RECENSÃO

Dismantling Public Policy. Preferences, Strategies And Effects [Michael W. Bauer e outros, 2012, Oxford, Oxford University Press]

 

Luísa Araújo*

* Vogal da direção do FPP — Fórum das Políticas Públicas, Rua Duque de Palmela, n.º 27, 5.º esquerdo, Lisboa, Portugal. E-mail: mlluisa.araujo@gmail.com  

 

As orientações de restrição orçamental e de austeridade adotadas por governos da Europa Ocidental na sequência da crise das dívidas soberanas de 2010 colocaram no centro das atenções, no campo de análise das políticas públicas, o problema da descontinuidade das políticas.

Na década de 1970, Garry Brewer defendeu a inclusão de uma fase suplementar no modelo analítico sequencial,[1] que refletisse o fim de uma política (policy termination). [2] Mas foi Pierson, com o seu livro de referência Dismantling Welfare State?, publicado em 1994, que impulsionou a investigação em torno do problema. Como afirmam Bauer et al. (2012: v), o trabalho de Pierson estava mais orientado para a análise do fenómeno de retração das políticas — mais concretamente para a redução e contração do estado social num tempo de austeridade — não se ocupando efetivamente do processo de desmantelamento da política.

O modelo teórico apresentado por Bauer et al. no livro Dismantling Public Policy. Preferences, Strategies and Effects propõe-se enquadrar a análise do desmantelamento de políticas, visando contribuir para a evolução do campo de análise da mudança de políticas — tradicionalmente direcionado para o estudo dos processos que conduzem à expansão e à continuidade das políticas. O seu objetivo é encontrar respostas para um conjunto de questões: (i) Porque os decisores políticos optam pelo desmantelamento de uma política, atendendo a que esse desmantelamento pode originar mudanças potencialmente dolorosas para pelo menos alguns grupos sociais? (ii) O tipo de estratégia de desmantelamento de políticas adotado pelos decisores é condicionado pelas preferências de outros atores, pelas oportunidades e constrangimentos institucionais e por fatores situacionais específicos? (iii) Porque os decisores, enquanto atores racionais, cujo objetivo último é assegurar a sua própria reeleição, se comprometem de forma deliberada e consciente com um processo potencialmente impopular como é o desmantelamento de políticas? (Bauer et al. 2012: 31). O desmantelamento de políticas é definido pelos autores como

uma mudança de natureza direta, indireta, oculta ou simbólica que diminui o número de políticas numa determinada área e reduz o número de instrumentos de política utilizados e/ou diminui a sua intensidade. Pode envolver mudanças nestes elementos cruciais da política e/ou ser alcançada através da manipulação das capacidades para implementação e acompanhamento da política (Bauer et al., 2012: 35)

Assim, e partindo da assunção de que o desmantelamento de uma política é uma forma particular de mudança política, que pode envolver cortes, reduções ou mesmo abolição de políticas existentes (o que pode ser particularmente relevante em tempos de crise e austeridade) os autores enumeram um conjunto de variáveis (presença da política, instrumentos de política e força dos instrumentos mobilizados) e de dimensões (densidade e intensidade da política e dos instrumentos) que permitem identificar a ocorrência de um processo de desmantelamento e medir a sua extensão.

O modelo Policy Dismantling coloca no centro da análise os decisores políticos — designadamente governantes e parlamentares — procurando identificar os motivos que estão na base das decisões de desmantelamento. Os autores argumentam que estas tomadas de decisão devem ser analisadas por referência à perceção que os decisores têm dos custos e benefícios políticos que poderão gerar para si próprios, o que deve ser claramente distinguido dos impactos sociais decorrentes da decisão de desmantelar a política.

Neste sentido, as decisões de desmantelamento ocorrem, regra geral, em duas situações, quando os decisores políticos, entendidos como atores dotados de uma racionalidade limitada (no sentido atribuído por Simon),[3] têm a perceção de que: (i) os benefícios políticos do desmantelamento são superiores aos respetivos custos; (ii) os custos políticos do desmantelamento são inferiores aos da continuidade da política.

Mas o comportamento dos decisores políticos é afetado por um conjunto de fatores que podem condicionar a decisão de optar por estratégias de desmantelamento. São eles (Bauer et al., 2012: 38-42):

Fatores externos, como alterações na estabilidade do sistema financeiro, mudanças tecnológicas, a propagação de ideologias que defendem reformas para o setor público (como o neoliberalismo económico) ou a atenção pública a determinados assuntos.

·         Oportunidades e constrangimentos institucionais. As estruturas institucionais (e.g. o sistema eleitoral, os partidos políticos, o Tribunal Constitucional) podem condicionar (positiva ou negativamente) o desenvolvimento de ações de desmantelamento de políticas, atendendo ao considerável grau de oposição que é expectável que estas decisões encontrem.

·         Fatores situacionais, que podem contribuir para condicionar as oportunidades e constrangimentos institucionais e que simultaneamente são institucionalmente enquadrados, designadamente: (i) a proximidade dos ciclos eleitorais (o período imediatamente após a eleição é o mais favorável à adoção de estratégias de desmantelamento; pelo contrário, no fim das legislaturas os decisores tendem a não investir no desmantelamento de políticas); (ii) a existência de maiorias ou consensos parlamentares, ou outras situações em que a oposição não tenha a força suficiente para condicionar a ação dos decisores, representa uma oportunidade para o desmantelamento de políticas; (iii) a possibilidade de colocar o ónus e a responsabilidade das decisões de desmantelamento em instituições supra ou subgovernamentais (por exemplo, no caso dos países da UE, colocar a responsabilidade nas instituições europeias) é igualmente um fator favorável ao desmantelamento; (iv) o tipo de política tem também um impacto sobre as tomadas de decisão a este nível, consoante os custos e benefícios resultantes do desmantelamento possam afetar um largo número de grupos sociais ou estarem relativamente concentrados; da mesma forma, têm peso na decisão a capacidade que os públicos-alvo das políticas têm de se organizarem e de se mobilizarem, bem como a existência de empreendedores políticos que defendam ativamente as suas posições.

Os autores consideram que tão importante como perceber em que circunstâncias e em que oportunidades os decisores políticos optam por desmantelar políticas é conhecer o tipo de estratégias que são utilizadas para corporizar as decisões. Com este objetivo, construíram quatro ideais-tipo de estratégias de desmantelamento, que se distinguem em duas dimensões: (1) em que medida a decisão de desmantelamento é ou não tomada de forma deliberada e consciente, consubstanciada numa decisão formal; e (2) em que medida os decisores políticos pretendem esconder ou publicitar as atividades de desmantelamento (Bauer et al., 2012: 42-45).

 

Ideais-tipo das estratégias de desmantelamento de políticas

O desmantelamento por defeito, caracterizado pela ausência de uma tomada de decisão formal e pela sua baixa visibilidade, é a estratégia de desmantelamento mais subtil, que consiste na redução, na prática, do nível de serviços existente, e é geralmente adotada nas situações em que os custos da decisão possam ser altamente negativos para os decisores e/ou em que sejam expectáveis fortes constrangimentos institucionais. No desmantelamento por mudança de área, em que existe uma tomada de decisão formal, mas com baixa visibilidade, a estratégia consiste em mudar a arena em que a política se desenvolve (por exemplo, para outros níveis e estruturas de governação), evitando assim que os custos do processo sejam diretamente atribuídos aos decisores políticos A estratégia de desmantelamento simbólico é adotada quando as decisões de desmantelamento trazem, potencialmente, benefícios para os decisores políticos, mas em que constrangimentos institucionais dificultam uma tomada de decisão formal; a estratégia de desmantelamento ativo pode ser escolhida nas situações em que os decisores políticos estejam convictos de que as ações de desmantelamento são a decisão mais apropriada e vantajosa, quer por razões políticas e eleitorais, quer por razões ideológicas. A adoção deste tipo de estratégia não significa necessariamente que não existam constrangimentos institucionais, mas antes que os benefícios da decisão são superiores aos custos decorrentes das estratégias para ultrapassar esses constrangimentos.

Por fim, os autores do modelo consideram que os resultados e efeitos das decisões de desmantelamento são distintos, conforme o ideal-tipo de estratégia adotado (Bauer et al., 2012: 45-46):

·         no caso das estratégias com baixo grau de visibilidade, não é expectável que sejam identificados efeitos diretos das decisões de desmantelamento, uma vez que no desmantelamento por defeito, o conjunto de instrumentos políticos é deixado praticamente inalterado e no desmantelamento por mudança de área as ações desenvolvidas têm a ver principalmente com a transferência de responsabilidade para outras áreas ou níveis de governação, o que não é diretamente relacionado com decisões de desmantelamento;

·         relativamente à estratégia de desmantelamento simbólico, o alto grau de visibilidade pretendido pelos decisores, não sendo acompanhado por uma tomada de decisão formal, traduz-se essencialmente em discursos e anúncios de intenções, que induzam na opinião pública a ideia de que estão a ser desenvolvidos esforços de consolidação e melhoria da ação governativa através da descontinuação de determinadas políticas ou medidas de política, sem que na realidade sejam efetuados quaisquer alterações ao nível da respetiva intensidade e densidade;

·         nas estratégias de desmantelamento ativo, é expectável uma redução da densidade e da intensidade substancial das políticas, traduzida na abolição ou diminuição drástica de políticas e instrumentos.

A abordagem teórica desenvolvida neste livro constitui, de facto, um importante contributo para o alargamento das perspetivas de análise das politicas públicas e um instrumento de análise de tendências emergentes nas sociedades europeias, associadas aos impactos da crise económica e financeira nas políticas públicas.

 

Notas

[1] O modelo analítico sequencial prevê que, para efeitos analíticos, "as políticas públicas sejam analisadas como o resultado deumciclo político que se desenvolve emetapas… a desagregação em etapas ou categorias de análise torna todo o processo das políticas públicas mais facilmente apreensível. Desta forma, a ação pública, orientada para a resolução dos problemas, é analisada comoumprocesso sequencial e inacabado que se repete e reconstrói,emresultado de mudanças induzidas por efeito de feedback das próprias políticas públicas, ou por alterações do contexto ou da relação entre os atores e instituições envolvidas." Ver M. L. Rodrigues (2014), Exercícios de Análise de Políticas Públicas, Lisboa, INCM, pp. 17-34.

[2] Ver MichaelW. Bauer (2009), The Policy Termination Approach. Critique and Conceptual Perspectives, Lehrstuhl Politik und Verwaltung,Working Paper Series, n.º 1, Humboldt University, disponível em: http://www.sowi.hu-berlin.de/lehrbereiche/politikundverwaltung/wps/working- paper1 (consultado em 09-05-2013)

[3] Simon introduz no campo da análise das políticas públicas o conceito de racionalidade limitada dos decisores políticos (bounded racionality), argumentando que a capacidade de lidar com os problemas de uma forma racional é limitada por fatores exógenos e endógenos, como a natureza
necessariamente fragmentada e incompleta do conhecimento e da informação, a ocorrência de mudanças imprevisíveis de contexto, o limite de tempo disponível para a tomada de decisão, a capacidade limitada da memória humana ou mesmo os valores e interesses próprios. Ver Wine Parsons (1995), Public Policy. An Introduction to the Theory and Pratice of Policy Analysis, Cheltenham, UK, Northampton, MA, Edward Elgar, p. 277.

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