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Sociologia, Problemas e Práticas

versão impressa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  no.78 Lisboa maio 2015

https://doi.org/10.7458/SPP2015784043 

ARTIGO ORIGINAL

Cultura de leitura e classe leitora em Portugal

Reading culture and reading class in Portugal

Culture de la lecture et classe lectrice au Portugal

Cultura de lectura y clase lectora en Portugal

 

José Soares Neves*

* Docente do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) e investigador no CIES-IUL, bolseiro de pós-doutoramento FCT (SFRH/BPD/84919/2012), Avenida das Forças Armadas, 1649-026, Lisboa. E-mail: jose_soares_neves@iscte.pt

 

RESUMO

Neste artigo analisam-se as práticas de leitura à luz do quadro conceptual que distingue cultura de leitura de classe leitora, utilizando como base empírica o último inquérito sociológico sobre práticas de leitura realizado em Portugal. O artigo incide na leitura em suportes impressos e nos contextos de lazer e de estudo / profissional. Analisa-se a classe leitora quanto às práticas e às caraterísticas socioeconómicas. Refletem-se ainda novas linhas de problematização com vista ao aprofundamento da temática em causa no contexto digital.

Palavras-chave práticas de leitura, cultura de leitura, classe leitora, Portugal.

 

ABSTRACT

In this article we analyze the reading practices theoretically based on the conceptual framework that distinguishes reading culture from reading class, and empirically supported by the last sociological survey on reading practices conducted in Portugal. It focuses on reading on printed materials and reading for job or schooling demands, as well as for entertainment and information. The reading class is analyzed by the reading practices and socio-economic characteristics. We also discuss new lines of questioning and researching to understand reading in the digital age.

Keywords reading practices, reading culture, reading class, Portugal.

 

RÉSUMÉ

Dans cet article, les pratiques de lecture son analysées à la lumière d’un cadre conceptuel qui distingue culture de lecture de classe lectrice, en utilisant comme base empirique la dernière enquête sociologique sur les pratiques de lecture détenues au Portugal. L’article se concentre sur la lecture dans les médias imprimés et les contextes de loisirs et d’information, ainsi que de la formation / profession. La classe lectrice est analysée sur les pratiques et les caractéristiques socio-économiques. Des nouvelles lignes de questionnement et de recherche pour le développement ultérieur de la matière étudiée dans cette ère numérique sont également prises en compte.

Mots-clés pratiques de lecture, culture de lecture, classe lectrice, Portugal.

 

RESUMEN

En este artículo analizamos las prácticas de lectura a la luz del marco conceptual que distingue la cultura de lectura de la clase lectora. La base empírica es la última encuesta sociológica frente a las prácticas de lectura realizada en Portugal. El artículo se centra en la lectura de los medios impresos y en los contextos de ocio y información, así como de formación / profesión. Analiza las prácticas y las características socio-económicas de la clase lectora. Refleja también en nuevas líneas de cuestionamiento y investigación para el ulterior desarrollo de la materia estudiada en esta era digital.

Palabras-clave prácticas de la lectura, cultura de lectura, clase lectora, Portugal.

 

Introdução

A leitura, tal como a escrita, é uma atividade da vida quotidiana da generalidade dos indivíduos das sociedades contemporâneas ocidentais. Pode ser abordada segundo múltiplos pontos de vista. O que aqui se adota ancora-se na sociologia da cultura e, mais concretamente, na problemática que tem por objeto central de estudo as práticas e os hábitos de leitura. Do ponto de vista conceptual isso implica, em primeiro lugar, que o foco recai nas práticas e não tanto nas aprendizagens e nas competências. Em segundo lugar, implica que é tomada como nuclear a leitura que os indivíduos fazem por prazer, como atividade de lazer, nos tempos livres, distinguindo essa leitura cultural da escolar e da profissional. E, em terceiro lugar, implica ainda que se trata da leitura de suportes impressos, e em particular de livros.

Entre as abordagens sociológicas da leitura toma-se como referência a que Wendy Griswold e outros autores vêm elaborando e cujos principais conceitos são cultura de leitura e classe leitora. Discute-se a aplicação deste modelo à realidade portuguesa com base num dispositivo analítico que visa testar a hipótese geral segundo a qual a classe leitora em Portugal se restringe a uma pequena parte da população mas a leitura abrange virtualmente toda a população. Na discussão desta hipótese são consideradas duas dimensões: práticas de leitura e composição socioprofissional dos leitores. Esta última é abordada com base na tipologia ACM (Costa, 1999: 229-230; Costa, Machado e Almeida, 2007). Coloca-se assim uma outra hipótese: a de que a classe leitora se aproxima — nas práticas e nas qualificações — da categoria “profissionais técnicos e de enquadramento” (PTE na tipologia ACM).

A estratégia metodológica adotada é extensiva quantitativa. O núcleo central da análise é o inquérito “A Leitura em Portugal” — o qual tem por base uma amostra de 2552 indivíduos, representativa da população portuguesa residente em Portugal continental, alfabetizada, com 15 e mais anos de idade — cujo trabalho de campo decorreu entre novembro de 2006 e janeiro de 2007.

A terminar refletem-se novas linhas de problematização e de pesquisa com vista ao aprofundamento das práticas de leitura no contexto da sociedade da informação e do conhecimento, contexto marcado pela rápida generalização das tecnologias da informação, da internet e dos conteúdos digitais de leitura, incluindo os livros eletrónicos.

Leitura como prática cultural

A leitura pode ser abordada segundo diversas óticas. A perspetiva sociológica que aqui se adota estuda as práticas nos diversos suportes escritos, os seus usos em vários contextos; é em grande medida uma sociologia da leitura de livros, que distingue a leitura realizada em período de lazer, como ocupação de tempos livres, que as pessoas fazem por prazer e por procura de informação, como prática cultural, da realizada por motivos escolares e profissionais (Griswold, McDonnell e Wright, 2005; Griswold, Lenaghan e Naffziger, 2011).

Nesta perspetiva, estudam-se de modo aprofundado os fenómenos ligados à leitura como atividade social em que se manifestam significações coletivas múltiplas, incluindo efeitos de constrangimento sobre a consciência individual (Daviet, 1996: 7), como uma atividade empiricamente observável e, mais do que isso, socialmente regulada (Peroni, 2004). Procura-se definir um quadro analítico que identifique os fatores que descrevem e explicam a atividade da leitura, a interação entre os sujeitos leitores e o que eles leem (Donnat, Freitas e Frank, 2001: 25). O referido quadro pode ser sintetizado num conjunto de interrogações com largo espetro temporal na pesquisa sociológica: Quem lê? Como leem? O que leem? O que fazem com o que leem? (Berelson, 1973 [1951]; Coelho, 1980; Freitas e Santos, 1992; Griswold, 2000, 2008; Donnat, Freitas e Frank, 2001: 15; Horellou-Lafarge e Segré, 2003: 84-90; Santos et al., 2007).

Embora a principal referência seja, como atrás mencionado, a leitura como uma atividade realizada por prazer, em tempo de lazer, sem ser por motivos de estudo ou profissionais, importa ter em conta contaminações mútuas: as leituras “de divertimento”, “utilitárias”, “profissionais” (Segré, 2001: 160-161).

Importa fazer ainda uma outra consideração. A leitura é aqui considerada como prática e não como competência, abordagem própria dos estudos sobre literacia (Griswold, Lenaghan e Naffziger, 2011: 19). Ou seja, por leitor entende-se aquele que opta por ler no seu tempo livre, não o que sabe ler ou que lê por motivo de estudo ou de trabalho (Griswold, McDonnell e McDonnell, 2006: 38). Deste ponto de vista as práticas de leitura não dependem das competências de descodificação dos textos. Algumas pessoas com o mesmo nível de competências escolhem ler muito no seu tempo livre, ao passo que outras raramente leem (Griswold, 2000: 93).

A intensidade das práticas de leitura varia enormemente. Disso procuram dar conta as classificações com o número de livros lidos. Bouillin-Dartevelle, Thoveron e Noël (1991: 193-194) utilizam quatro categorias: “pequenos leitores” (menos de 10 livros); “médios” (10 a 20); “grandes apetites” (20 a 50); “bulímicos” (mais de 50). Nos inquéritos às práticas culturais em França utilizam-se igualmente três grupos: pequenos (1 a 9 livros), médios (10 a 19) e grandes (mais de 20) (Horellou-Lafarge e Segré, 2003: 71). A mesma classificação é utilizada por Freitas, Casanova e Alves (1997: 128), mas apenas o escalão dos grandes leitores coincide (1-5; 6-20; mais de 20). No SPPA — Survey of Public Participation in the Arts (EUA) são quatro: 1 a 5 livros; 6 a 11; 12 a 49; e 50 ou mais (Bradshaw e Nichols, 2004: 4). E, neste inventário não exaustivo, Antonio Ariño Villaroya dá voz igualmente a três escalões: 1-4; 5-11; 12 ou mais (Ariño, 2010: 78).

 

Generalização da leitura, restrição dos grandes leitores

De acordo com o quadro teórico anteriormente exposto, a perspetiva que aqui se privilegia parte de duas constatações: uma é que nas sociedades contemporâneas ocidentais a leitura é uma prática generalizada, massificada, e a outra é que o grupo dos grandes leitores é, como sempre foi, um grupo minoritário, embora na atualidade com um peso como nunca antes teve. Assim, são igualmente dois os principais conceitos — cultura de leitura (reading culture) e classe leitora (reading class) (Griswold, 2000, 2001, 2008; Griswold, McDonnell e Wright, 2005; Griswold, McDonnell e McDonnell, 2006).

Cultura de leitura

O que se entende, então, por cultura de leitura?

De um modo geral, podemos afirmar que existe uma cultura de leitura numa sociedade em que a taxa de alfabetização seja relativamente elevada, não excluindo qualquer estrato social. Tal cultura assume a alfabetização como condição para a plena participação social, vista como um direito; e o analfabetismo como um fracasso pessoal ou sistémico. Os meios de comunicação comuns na vida económica, política e comercial ocorrem através da escrita. A existência de uma imprensa popular juntamente com outras formas massificadas de edição impressa, assim como de publicações um pouco mais específicas e de sistemas eficazes de distribuição, fazem com que os materiais de leitura estejam amplamente disponíveis. A leitura é uma atividade habitual na vida profissional das pessoas, assim como no seu tempo de lazer. (Griswold, 2000: 117)

Nesta perspetiva, trata-se de uma sociedade que valoriza a leitura em todos os suportes e contextos sociais. A autora adianta que haverá quem considere a noção de cultura de leitura em sentido estrito, “a verdadeira cultura de leitura”, “em que as pessoas estão habituadas a ler livros relativamente sérios, e que preferem a leitura a outras formas de lazer”, mas conclui que, nesta aceção, se aplica a nichos de leitores e poucas nações poderiam ser consideradas como uma cultura de leitura (id., ibid.: 117).

Uma cultura de leitura pode assim corresponder a diferentes estádios de amadurecimento; numa cultura de leitura estabelecida,

existe uma associação aproximada, mas direta, entre o prestígio de um emprego e a quantidade de leitura que o mesmo requer. Para além disso, a leitura como forma de entretenimento está presente em quase todos os níveis sociais, com materiais de leitura estratificados desde as belles lettres até às bandas desenhadas ou mesmo às fotonovelas para os semialfabetizados. Numa cultura de leitura, o que se lê acaba por se tornar numa forma útil de estratificação e sinalização social. (Griswold, 2001: 4)

Deste ponto de vista, numa cultura de leitura estão presentes vários níveis de cultura (grande, popular e de massas) (Santos, 1988), e o que cada um lê tem significado do ponto de vista da estratificação social.

Os usos e os contextos de leitura são múltiplos, mas a parte da população que lê por prazer e por necessidades de informação num dado local, região ou país é mais significativa do que aquela que lê por motivos profissionais ou escolares:

Uma cultura de leitura consiste num local (uma cidade, uma região, um país), onde a maioria das pessoas, para além das exigências do seu trabalho ou educação, leem habitualmente materiais impressos em busca de entretenimento e informação. (Griswold, 2008: 164)

Uma cultura de leitura define-se ainda pela valorização social e pela diversidade dos suportes de leitura disponíveis (livros, jornais, revistas, outros), pela relação direta entre o prestígio de um emprego e a quantidade de leitura que ele requer. A predominância da leitura de lazer relativamente à profissional e à escolar, bem como a diversidade da oferta (incluindo a literatura considerada popular ou “comercial”) sugerem a vitalidade de uma dada cultura de leitura, não o contrário. A este propósito, Griswold, McDonnell e Wright constatam que “assim que uma cultura de leitura popular se estabelece, os comentadores começam a preocupar-se com o declínio da leitura” (2005: 129). Ou, como refere Daviet, numa perspetiva próxima do “arbitrário cultural” (Bourdieu, 1979), “paradoxalmente, o louvor da leitura, o qual atrai o cidadão com os seus bons sentimentos, acaba por resultar muito frequentemente no mal que denuncia. Gostaria de preencher o fosso que existe entre os letrados e os iletrados, mas impondo a todos os gostos e os juízos que são, precisamente, os dos letrados mais tradicionais” (Daviet, 1996: 9). Ou ainda, de forma mais genérica, quando Passeron afirma “devemos felicitar, encorajar qualquer leitura, qualquer que seja” (1995 [1991]: 383-384).

Por outro lado, tal cultura de leitura não depende apenas dos leitores atuais, mas também dos potenciais, que poderão vir a ler mais em circunstâncias favoráveis, e dos futuros leitores, aqueles que ainda frequentam o sistema de ensino (Griswold, 2000: 92). E, para que sejam adquiridos hábitos de leitura, é preciso que esta seja uma atividade estimada e que os jovens sejam socializados na cultura de leitura. A leitura é um produto da organização social, os hábitos de leitura são suportados por uma imensa infraestrutura que inclui a educação, os média e outras formas específicas, institucionais e corporativas (Griswold, McDonnell e Wright, 2005).

De acordo com os vários atributos, que incluem ainda os níveis de qualificação escolar e académica, foram definidos quatro tipos de culturas de leitura: avançadas, restritas, emergentes (em que os autores incluem Portugal) e potenciais (Griswold, Lenaghan e Naffziger, 2011: 31).

Classe leitora

Quanto ao conceito de classe leitora inclui aspetos socioeconómicos e de práticas. Define-se por:

indicadores socioeconómicos incluindo, mas não limitados à sua relação com os meios de produção. Inclui os membros dessas classes, ou frações de classe, que recorrem habitualmente à leitura para o seu trabalho e entretenimento. A escolaridade estabelece os limites da classe leitora e é a porta de entrada para membros de diferentes contextos socioecónomicos. (Griswold, 2001: 4)

Compreende os membros das classes e frações de classe que usam normalmente a leitura para o seu trabalho e para seu entretenimento. A conjunção dos dois contextos de leitura afigura-se de grande importância e será aprofundada adiante.[1] De momento, importará recorrer a uma outra citação um pouco mais extensa, de modo a apreender os vários atributos da noção de classe leitora, numa dupla perspetiva: histórica e dos seus desenvolvimentos futuros.

A leitura sempre esteve associada à educação e, mais geralmente, às elites sociais urbanas. Embora os comentadores contemporâneos lamentem o declínio do “hábito de leitura” ou da “leitura literária”, historicamente, a idade de ouro da leitura de massas, ocorrida entre meados do século XIX e meados do século XX, no noroeste da Europa e América do Norte, é que foi a exceção. Agora assistimos ao retorno da leitura à sua base social inicial: uma minoria que se autoperpetua, a qual chamamos classe leitora.
Ao passo que a estratificação nos séculos XIX e XX envolvia aquilo que as pessoas liam (por exemplo, o cânone clássico contra os jornais da classe trabalhadora ou revistas cor-de-rosa), este novo século poderá aproximar-se mais de épocas anteriores, em que a diferença fundamental se fazia entre quem lê e quem não lê. Ao contrário do passado, a maioria das pessoas no mundo desenvolvido terá a capacidade de ler, e irão de facto ler no desenrolar dos seus empregos, das suas atividades online, e da sua vida quotidiana. No entanto, somente uma minoria irá ler livros regularmente [...]. (Griswold, McDonnell e Wright, 2005: 138)

Apesar de uma parte mais alargada da população ser capaz de ler, a diferença fundamental será entre quem lê como parte do seu trabalho e da sua vida quotidiana e quem lê livros com regularidade.

Está também aqui implicada uma discussão sobre o futuro da leitura, a qual tem sido feita em torno de vários fatores: o sistema de ensino, a concorrência de outras formas de entretenimento, os valores associados à leitura (por sua vez associada a livros) e a divisão entre a leitura como uma atividade de praticamente toda a população e a leitura de literatura, de não ficção e de imprensa “de qualidade” por uma elite “educada”.

Uma [ênfase sociológica] reside no prestígio da leitura. Quando estudaram os cidadãos de Lancaster, Barton & Hamilton (1998) constataram que a simples ideia de ser leitor estava imbuída de valores. A leitura era vista como uma coisa boa, e os leitores eram considerados pessoas inteligentes. A velha atitude da classe trabalhadora britânica de considerar os leitores como sendo preguiçosos ou antissociais tinha-se desvanecido. Ser leitor significava ler livros, não apenas revistas ou jornais (Barton & Hamilton, 1998, p. 158). [...] A segunda ênfase sociológica reside em ver a leitura como um produto da organização social. Uma infraestrutura imensa apoia o hábito de ler. Muito embora o ensino seja a forma mais óbvia, assim como os meios de comunicação impressos [...], existem formas de leitura institucional e empresarial mais específicas que incentivam e sustentam a leitura. [...] A terceira perspetiva, produto das duas primeiras, consiste na divisão entre, por um lado, a leitura enquanto prática prosaica inerente à generalidade dos indivíduos e, por outro, a leitura de literatura séria, de não ficção, de imprensa de qualidade, como uma prática estimada, apoiada, de uma elite educada. (Griswold, McDonnell e Wright, 2005: 138-139)

A noção de classe leitora reporta-se então a um determinado perfil sociodemográfico e a um tipo de leitores:

Um segmento de elite da população, altamente escolarizado, rico, metropolitano e jovem criou grandes leitores assim como utilizadores precoces da internet. Expondo o efeito de concentração [a diminuição da leitura verificada em vários países incide mais nos leitores ocasionais do que nos grandes leitores], verificamos que estes leem mais do que os leitores médios do passado. Neste momento são estas pessoas — os leitores ávidos,[2] a elite das comunicações, os omnívoros, culturais,[3] a maior parte da “classe criativa” — juntamente com os leitores de longa data, mais idosos e tecnologicamente menos avançados, que formam a classe leitora. (Griswold, 2007: 4)

Mais especificamente quanto à classe criativa (Florida, 2004 [2002]), numa clarificação que ajuda a compreender a composição socioprofissional da classe leitora, Griswold considera que, apesar das sobreposições, existem algumas diferenças:

Embora exista alguma sobreposição entre a classe leitora e a “classe criativa” (Florida, 2002), em parte por ambos serem altamente escolarizados, os dois grupos não são congruentes. Alguns dos grupos que Florida inclui (engenheiros de software, empresários) poderão não ser grandes leitores, ao passo que bibliotecários e professores do ensino básico e secundário, baluartes da classe leitora, não são incluídos no grupo de profissionais criativos altamente móveis de Florida. (Griswold, 2007: 13)

Quanto aos indicadores de práticas de leitura de livros, a autora adianta que a classe leitora (tomando como exemplo os EUA) coincide aproximadamente com leitores classificados como frequent ou avid (Griswold, 2008: 60).

A caracterização da classe leitora faz-se também por determinados comportamentos típicos. Trata-se, então, daqueles, poucos, que

… se perdem na leitura de um livro, procuram jornais em busca de notícias e revistas em busca de prazer e são chamados “leitores” pelos seus familiares e amigos […] leem constantemente por entretenimento […] têm sempre em curso a leitura de um livro, nunca viajam sem algo para ler, têm algum material impresso em todas as divisões das suas casas. (Griswold, 2008 : 36-37)

Em suma, a classe leitora define-se pelo perfil social e pelo padrão de práticas de leitura. Quanto ao perfil social, caracteriza-se por níveis de escolaridade e rendimento económico elevados e idade jovem. Inclui as elites urbanas, os membros das classes e frações de classe mais qualificadas e que, quanto às práticas, leem regularmente em situação de lazer e entretenimento e (importará aprofundar) para o seu trabalho, são, quanto ao número de livros lidos, grandes leitores e, do ponto de vista do gosto, “omnívoros” (Peterson e Kern, 1996).

 

O caso português

Na operacionalização das noções de cultura de leitura e de classe leitora para a realidade portuguesa retêm-se, como indicadores de práticas, os suportes de leitura (jornais, revistas e livros), a tipologia de leitores de livros (pequenos, médios e grandes) e os contextos, motivos ou razões de leitura de livros (de lazer e escolar/profissional) (Santos et al., 2007). Do ponto de vista das características socioeconómicas utiliza-se a tipologia ACM (Costa, 1999: 229-230; Costa, Machado e Almeida, 2007). Resulta de forma clara dos vários inquéritos sobre práticas culturais e públicos da cultura uma regularidade pesada: a sobrerrepresentação entre os praticantes culturais da categoria PTE — profissionais técnicos e de enquadramento. Assim, um aspeto de particular interesse analítico é o confronto entre o conceito de classe leitora e esta categoria que parece ser a mais próxima quanto à composição social e às práticas de leitura.

Entre as grandes tendências das últimas décadas está a generalização da leitura na vida quotidiana e o declínio da percentagem da população leitora de livros. Disso são exemplo países como a França (Coulangeon, 2005; Donnat, 2011), Holanda (Knulst e Kraaykamp, 1997; Knulst e Broek, 2003), EUA (NEA, 2013: 24-27) e o conjunto dos países da UE-27 (Eurobarometer 399, 2013).

Especificamente quanto a Portugal, os inquéritos mais recentes (e coincidentes com o período de crise financeira e económica) confirmam a tendência quanto aos leitores de livros. De 2007 para 2011 caem dois pontos percentuais, para 42% (INE, 2012: 37), ou, segundo um outro estudo, dez pontos, para 40%, entre 2007 e 2013 (Eurobarometer 399, 2013).[4]

Contudo, por via dos três inquéritos sociológicos disponíveis sobre hábitos e práticas de leitura dos portugueses — o último dos quais data justamente de 2007 — os principais traços eram ainda a diminuição dos não leitores e o crescimento dos leitores de cada um dos três suportes considerados, incluindo livros (Santos et al., 2007).

Leitores por suporte: evolução e tipos de leitores de livros

O indicador leitores por suporte[5] do inquérito de 2007 mostra uma evolução positiva face ao de 1995 (Freitas, Casanova e Alves, 1997) com um forte acréscimo de 14 pontos percentuais nos leitores de jornais, e mais modestos, de sensivelmente três pontos percentuais, nas revistas e nos livros (quadro 1). Em 2007, os jornais são, destacadamente, o suporte com mais leitores (83%), a que se seguem as revistas (73%) e, a alguma distância, os livros (57%). Relativamente ao inquérito de 1988 (Freitas e Santos, 1992) a hierarquia dos suportes habitualmente lidos é análoga à que se evidencia no estudo de 2007, embora com percentagens mais baixas.[6]

 

 

Outro dado de grande relevância do ponto de vista da cultura de leitura é a diminuição em quase oito pontos percentuais da categoria dos não leitores:[7] 12% em 1995 contra 5% em 2007. No inquérito de 1988 esta categoria significava 15% (Freitas e Santos, 1992: 15).

Pode, então, afirmar-se que até 2007 a evolução foi de sentido positivo, em linha com os processos de recomposição social da população portuguesa em curso (Viegas e Costa, 1998), designadamente nas dimensões educativa e socioprofissional, duas das mais influentes na explicação dos níveis de leitura (Neves, 2011: 87-91).

Quanto aos livros é visível a quebra dos não leitores (de 51% para 45%), uma quebra ligeira dos grandes leitores (de 2,7% para 2,3%) e, pelo contrário, acréscimos dos pequenos (de 34% para 37%) e dos médios leitores (13% para 15%) (quadro 2). Uma vez que o crescimento dos pequenos e médios leitores se deve no essencial à diminuição dos não leitores, ele é sinónimo de alargamento e não de fragilização da leitura (Bahloul, 1990: 14; Poulain, 2004: 33).

 

 

Conclui-se assim que, seja qual for o ponto de vista, a cultura de leitura em Portugal registou, até 2007, uma evolução positiva com um aumento dos níveis de leitura, em particular de jornais e, especificamente quanto à leitura de livros, um crescimento dos pequenos leitores. O que se poderá explicar pela evolução estrutural da sociedade portuguesa e pelos baixos níveis anteriormente registados. Pode ainda concluir-se que a classe leitora (na sua componente de grandes leitores de livros), para além de minoritária, registou ainda uma ligeira contração.  

Categoria socioprofissional, leitores de livros e géneros preferidos

Deixa-se agora a perspetiva diacrónica e centra-se a análise no inquérito de 2007. O cruzamento dos que leem livros (independentemente do tipo) pela categoria socioprofissional evidencia duas categorias com valores percentuais mais elevados: profissionais técnicos e de enquadramento (PTE) (85%) e, secundariamente, empregados executantes (EE) (59%) (figura 1). A categoria empregados dirigentes e profissionais liberais (EDL) regista ainda um valor relevante (51%) ao passo que nas duas outras predominam os que não leem livros.

 

 

É, deste modo, notória a clivagem entre os PTE e as demais categorias, sendo possível identificar uma hierarquia quanto ao peso dos leitores de livros nestas últimas: do mais significativo para o menor, EE, EDL, TI e O.[8]

A análise do contingente dos que leem livros, evidenciando agora a sua estrutura socioprofissional, destaca a categoria EE como a que mais contribui para esse contingente (46%), situando-se o contributo da categoria O apenas um ponto percentual abaixo de PTE, como se pode verificar pelo quadro 3.

 

 

A principal distinção estará, assim, na intensidade e não na leitura ou não de livros. O cruzamento com a tipologia de leitores de livros mostra que, embora nas várias categorias socioprofissionais a grande maioria dos indivíduos sejam pequenos leitores, os valores mais elevados nos médios e grandes leitores situam-se, com nitidez, na categoria PTE (36% e 6%, respetivamente), bem acima da média da amostra que é, respetivamente, de 27% e 4%.

A inversão do sentido do cruzamento das duas variáveis, de modo a identificar a estrutura socioprofissional de cada tipo de leitor de livros, acompanha a distinção antes referida. Destacam-se novamente EE e PTE, sendo esta a que regista a diferença mais significativa quando se passa dos pequenos para os grandes leitores (quadro 4).

 

 

Confirma-se assim que a categoria PTE tem os índices mais elevados de leitura de livros, seguida de EE, ao passo que O é a mais distante da leitura. Constata-se, por outro lado, que há leitores (seja qual for o tipo considerado) em todas as categorias socioprofissionais, mas que a que mais contribui para os contingentes totais é EE.

Numa outra perspetiva, segundo os géneros de livros, verifica-se que, na maioria, os valores percentuais mais elevados das preferências recaem nos PTE, sem dúvida a categoria socioprofissional mais eclética, “omnívora”, em termos de gostos. Apenas dois deles registam preferências mais elevadas em relação aos EE (quadro 5).

 

 

O cruzamento com a tipologia de leitores de livros permite identificar aqueles géneros que mais se destacam em cada tipo (quadro 6). As combinatórias não deixam de ser reveladoras (significativas estatisticamente ou não), sendo de destacar que o género “científicos e técnicos” é dominante entre os grandes leitores.

 

 

Este resultado parece constituir mais um argumento para que se considere a leitura por razões profissionais, e não apenas a leitura lúdica, entre as práticas características da classe leitora.

Categoria socioprofissional e contextos de leitura de livros

São vários os contextos ou razões de leitura de que dão conta as três categorias analíticas utilizadas: lazer, escolar e profissional. As fronteiras nem sempre são claras e as implicações que advêm de diferentes interpretações das perguntas colocadas também não são de fácil apreensão. Apesar disso é analiticamente relevante comparar os respetivos pesos na sociedade portuguesa. Numa primeira abordagem verifica-se que a leitura de lazer (sem ser para a escola/trabalho) se destaca com clareza (87%) face às demais (23% profissionais e educativas como leitura obrigatória, e 30% educativas não obrigatórias). Confirma-se assim que a leitura de livros é sobretudo uma prática cultural.

Mas importa procurar entender qual a relação entre as razões profissionais e de lazer: serão cumulativas ou mutuamente exclusivas? Para a maioria (69%) são exclusivas, confirmando-se assim, de novo, que a principal razão da leitura de livros se situa nos períodos de lazer. Entretanto, importa notar que um em cada cinco leitores lê pelas duas razões (quadro 7).

 

 

Considerando que o contingente situado na interseção das duas razões se aproxima da noção de classe leitora na aceção daqueles que leem regularmente para o trabalho e por entretenimento, torna-se relevante aprofundar a sua composição socioprofissional. Haverá também que depurar essa categoria de modo a aproximá-la do que se entende por regularmente. A opção tomada (que tem em conta os contingentes em causa e o significado estatístico da análise) distingue os que leram entre um e três livros e os que leram quatro ou mais livros nos 12 meses de referência (quadro 8).

 

 

Uma primeira conclusão é que a categoria PTE se evidencia por ser a única com uma distribuição bimodal, ou seja, com um peso significativo não só na leitura “só lazer” (por ser o mais baixo, 41%) mas sobretudo pelo de “ambas” (claramente o mais elevado, com 47%), sobrerrepresentação esta que pode ser atribuída à ambivalência de uma prática em que se misturam motivos de puro lazer e motivos profissionais, ainda que indiretos (Coulangeon, 2005: 50). A segunda é que o contingente correspondente aos indivíduos que se situam na interseção de “ambas as razões de leitura” e “quatro ou mais livros” é inferior a 4%. Qual o perfil social predominante deste último contingente, talvez o que mais se aproxima da noção de classe leitora? A habitual predominância feminina esbate-se (52% versus 48%) — o que se compreende, uma vez que se está a operar com os livros profissionais, género que os homens leem mais — e incide mais acentuadamente nos mais jovens, naqueles que têm ensino médio ou superior e nos PTE. Para além de grandes leitores de livros são também mais acentuadamente leitores cumulativos de livros, jornais e revistas. Mas importa salientar que o perfil social predominante desta categoria de leitores (a classe leitora portuguesa?) apenas se distingue substancialmente do perfil dos grandes leitores de livros (Neves, 2011: 162) quanto ao sexo, uma vez que nas restantes variáveis o que se verifica é um aumento percentual dos atributos mais comuns.

 

Leitura de livros e uso da internet

Passa-se agora a uma outra dimensão de análise, a da leitura de documentos (livros) eletrónicos. A propósito das abordagens sociológicas da leitura em ecrã, Roger Chartier, considera que:

o mundo digital ocupa ainda pouco espaço, e as investigações têm-se focado principalmente na descrição e quantificação das práticas de leitura nos seus objectos tradicionais, essencialmente impressos, desde o livro ao jornal e até mesmo à revista, etc. (Chartier, 2001: 2)

Este autor chama a atenção para a diferença entre os ecrãs da televisão e do cinema (mundo de imagens falantes e em movimento) e os ecrãs do mundo digital, os quais, ao contrário daqueles, “utilizam não apenas, mas fundamentalmente, a escrita”, e conclui: “parece-me que estamos na presença desta ambivalência digital no mundo da sociologia, das práticas de leitura, como concorrente e como suporte” (id., ibid.: 2-3). Ambas as perspetivas se situam a montante da problemática da leitura de livros eletrónicos (Bélisle, 2004), de e-books que, embora remontem historicamente aos anos 70 do século passado (Lebert, 2009), só recentemente ganharam relevo do ponto de vista da oferta (Thompson, 2011 [2010]) e integraram a reflexão sociológica quanto aos seus impactos na classe leitora (Griswold, Lenaghan e Naffziger, 2011).[9]

Tendo presente que, com frequência, o advento de um desenvolvimento tecnológico promove em vez de eliminar aquele que vinha substituir (como ocorreu com os livros em CD-ROM, segundo Manguel, 1999 [1996]: 144), as TIC vêm igualmente suscitando interrogações sobre quais os seus impactos: serão no sentido da sua diminuição? Haverá proximidade entre os perfis dos grandes leitores e dos grandes utilizadores da internet? Este é um outro ângulo na abordagem da classe leitora que será desenvolvido de seguida.

A resposta à primeira questão é negativa (Griswold e Wright, 2004). Os autores analisam a relação entre leitura e internet, com base no tempo a elas dedicado, de acordo com duas perspetivas que apelidam “de soma nula” (zero sum) e “cumulativa” (more-more). A primeira baseia-se na perceção de que o tempo gasto numa atividade significa menos tempo ocupado na outra. Esta perspetiva sustenta diversas hipóteses, entre as quais os autores destacam três: (i) ou mais tempo a ler ou mais tempo na internet; (ii) se o tempo gasto numa atividade aumenta, diminui o gasto na outra; (iii) os grandes utilizadores da internet terão características diferentes dos grandes leitores. Por seu turno, a segunda perspetiva sustenta que as duas atividades são cumulativas e que as pessoas que passam mais tempo na internet passam também mais tempo a ler. Significa homogeneidade social entre os utilizadores frequentes da internet e os leitores regulares, ou seja, os perfis de uns e de outros serão semelhantes (id., ibid.: 204).

Tendo em conta as características dos grandes utilizadores da televisão e da internet, por um lado, e as dos grandes leitores, por outro, concluem que a perspetiva da soma nula se aplica à relação entre a televisão e a leitura, mas que a que melhor caracteriza a relação entre internet e leitura é a cumulativa. Verificam inclusivamente um efeito de reforço positivo — e não apenas uma mera associação — entre as duas atividades. Uma vez que a alternativa lógica a more-more é less-less, a exclusão das tecnologias digitais e as bolsas de excluídos da leitura irão a par. Assim, os autores concluem que a internet não irá substituir a leitura mas sim possibilitar aos leitores regulares (a classe leitora) mais uma vantagem.

Como se relaciona então a leitura de livros (excluindo escolares ou profissionais) com o uso da internet em Portugal no início do século XXI? O cruzamento destes dois indicadores[10] mostra uma clara polarização entre, por um lado, os que são simultaneamente regulares leitores e utilizadores da internet (representam 52%) e, por outro, aqueles que não leem livros nem utilizam a internet (80%). A relação entre as duas práticas é direta: quanto mais elevada a frequência da leitura de livros, maior a percentagem dos que usam regularmente a internet (Neves, 2010: 181-191; 2011: 288-291).

Do referido cruzamento resulta uma tipologia com quatro tipos: “nunca as duas” (32%); “nunca a internet mas sim leitura de livros” (25%); “nunca leitura de livros mas sim internet” (8%); e “sim às duas práticas” (35%). Destaca-se aqui apenas o perfil do tipo leitores de livros e utilizadores da internet, o qual se caracteriza por distribuições equilibradas pelos dois sexos (sendo, apesar de tudo, as mulheres sensivelmente mais leitoras e os homens sensivelmente mais utilizadores da internet), por ser juvenilizado, qualificado do ponto de vista da escolaridade, com um peso muito significativo entre os estudantes e com destaque novamente para a categoria socioprofissional mais qualificada, os PTE.

 

Conclusão

De acordo com a perspetiva teórica adotada conclui-se que a leitura em Portugal tende a generalizar-se, que a leitura de livros parece atravessar um período de retrocesso após 2007 — período coincidente com a aguda crise económica — quando até aí os estudos mostravam avanços significativos nos índices de leitura, o que mostra a fragilidade da “emergente” ou “inacabada” cultura de leitura portuguesa. Concluiu-se igualmente que a noção de classe leitora, categoria social com peso estatístico restrito, se aproxima, embora sem se limitar a ela, da categoria profissionais técnicos e de enquadramento (PTE), tanto do ponto de vista das práticas de leitura (são grandes leitores, omnívoros, cumulativos) como das características socioeducativas e socioeconómicas (são mais qualificados nas duas vertentes). Aquela limitação é menos nítida quando se tem em conta o contexto profissional da leitura, e não apenas o de lazer, sendo justamente na conjugação da leitura nos dois contextos que os PTE mais se evidenciam relativamente a outras categorias, em particular os empregados executantes (EE).

Nesta aproximação à classe leitora aferiu-se ainda das características sociais dos grandes leitores de livros (como prática cultural) e dos grandes utilizadores da internet, tendo-se concluído pela homogeneidade dos dois perfis sociais, bem como pela existência de uma relação direta entre as duas práticas.

Os resultados a que se chegou, conjugados com a emergência da era digital cujos impactos são ainda largamente desconhecidos (em particular quanto aos suportes de leitura, designadamente os e-books), suscitam novas questões: o digital promoverá a generalização da leitura? Em que condições? Contribuirá para o alargamento dos grandes leitores? Ou antes para o reforço dos atuais grandes leitores? Contribuirá para alargar a leitura como prática cultural? E a leitura escolar ou profissional? Que implicações terá nos vários contextos de leitura?

Os resultados sugerem portanto a necessidade de complexificar os conceitos do modelo com a inclusão de dois eixos analíticos — leitura de lazer e leitura profissional, por um lado, e leitura em suportes impressos, offline, e leitura em suportes digitais e online, por outro — cujas relações importa aprofundar com pesquisas intensivas que permitam acompanhar os seus efeitos nas práticas e usos da leitura, na cultura de leitura e, em particular, na classe leitora.

 

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Receção: 25 de junho de 2014 Aprovação: 18 de agosto de 2014

 

Notas

[1] Noutros textos refere-se apenas a leitura em período de lazer (Griswold, McDonnell e Wright, 2005; Griswold, McDonnell e McDonnell, 2006: 40).

[2] Outros termos próximos de leitores avid: gros, keen/heaviest, lettore forte, lectore fuerte (Signorini, 2003). Embora não coincidam necessariamente no número de livros lidos (como antes se viu) reportam-se sempre à categoria que agrupa os que leem mais. No SPPA, leitor light equivale a um a cinco livros lidos por ano; moderate a seis a 11; frequent 12 a 49 (ou seja, pelo menos um livro por mês) e avid a mais de 50 livros (Bradshaw e Nichols, 2004: 4).

[3] Ao contrário do intelectual snob, o “omnívoro” está aberto a apreciar atividades populares, ou seja, não se trata de gostar de tudo indiscriminadamente mas sim da abertura para apreciar tudo. Dito de outro modo, refere-se à passagem de uma exclusão snob a uma apropriação omnívora (Peterson e Kern, 1996). Note-se que, embora a tese da alteração de gosto dos intelectuais tenha sido construída com base na música, foi posteriormente alargada à leitura de livros, de peças de teatro, de poesia e de romances, entre outras (Peterson e Rossman, 2007).Operfil traçado pelos autores inclui uma ligeira sobrerrepresentação feminina e evidente predominância dos mais escolarizados, mas não trata a categoria socioprofissional, antes o rendimento.

[4] A diminuição dos leitores de livros em Portugal acompanha, embora de forma mais acentuada, a verificada na UE-27 (3 pontos percentuais, de 71% para 68%).

[5] Os leitores por suporte correspondem aos que leem habitualmente pelo menos um género de cada um deles. A leitura de livros inclui “escolares e profissionais” (inquérito de 1995) e “escolares”e “científicos e técnicos” (inquérito de 2007) e a de revistas “científicas” e “profissionais/técnicas” (1995) e “científicas ou técnicas” (2007), pelo que não coincidem exatamente com a noção de prática cultural. No inquérito de 2007, se se excluírem os casos que mencionam apenas os referidos géneros, os leitores de livros baixam de 56,9% para 53,7% e os de revistas de 73,0% para 72,4%.

[6] Leitores de jornais: 68%; de revistas: 61%; e de livros: 54% (Freitas e Santos, 1992: 28, 44 e 48). O método de construção deste indicador é similar nos três inquéritos.

[7] A categoria “não leitor” aplica-se aos que não leem habitualmente qualquer dos géneros de livros, jornais e revistas. Mas, se ser leitor não é necessariamente sinónimo de ser leitor de livros (Santos, 1988), ser não leitor também não significa que não leia nada. Apenas 0,5% dos 4,7% classificados como não leitores se reportam aos que não assinalaram pelo menos uma das 11 opções de leitura presentes no dia a dia ou, dito de outro modo, apenas 0,5% da amostra declararam não ler nenhum dos suportes nem qualquer das outras possíveis leituras (Neves, 2011: 152).

[8] A categoria operários (O) inclui agricultores independentes e assalariados agrícolas (Santos et al., 2007: 49).

[9] A propósito da relação da classe leitora com a e-reading, os autores consideram que “é pouco provável que a classe dos novos media venha a substituir a classe leitora (homens jovens não se transformarão em mulheres de meia-idade) e também parece pouco provável que a classe leitora se venha a converter totalmente aos livros em formato digital" (Griswold, Lenaghan e Naffziger, 2011: 32).

[10] Indicadores utilizados: “ler livros” (excluindo escolares ou profissionais) e “usar a internet” (perguntas de escala) atrás mencionadas.

 

Agradecimentos

O autor agradece aos avaliadores anónimos os contributos e as sugestões à versão inicial do artigo.

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