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Sociologia, Problemas e Práticas

Print version ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  no.76 Lisboa Sept. 2014

https://doi.org/10.7458/SPP2014763482 

ARTIGO ORIGINAL

Ser contemporâneo, sobrevivendo às classificações do pensamento sociológico

Being contemporaneous, surviving the classifications of sociological thinking

Etre contemporain et survivre aux classifications de la pensée sociologique

Ser contemporáneo, sobreviviendo a las clasificaciones del pensamiento sociológico

 

Augusto Santos Silva*

* Professor da Faculdade de Economia e investigador do Instituto de Sociologia da Universidade do Porto, Rua Dr. Roberto Frias, 4200-464 Porto, Portugal. Email: asilva@fep.up.pt

 

RESUMO

O pensamento sociológico é muito influenciado por classificações de natureza dicotómica. Uma, especialmente influente, é a que se organiza em torno da categoria de modernidade, e que opõe quer moderno a pré-moderno, quer pós-moderno a moderno. Mas o que queremos dizer quando usamos estas categorias e fazemos este tipo de oposições binárias? Elas ainda fazem sentido hoje, para a teoria sociológica? Elas só podem ser empregues em dicotomias, ou há formas alternativas e mais produtivas? Este artigo procura responder a estas questões. Primeiro, mostra a enorme influência cultural e teórica da ideia de modernidade e das categorias que dela decorrem. Depois, que estas categorias devem ser consideradas na sua tensão relativa: ainda somos modernos e já não somos só modernos. Em seguida, que a redução dessa tensão à forma de uma dicotomia empobrece e enviesa a explicação sociológica. Finalmente, o artigo sugere um posicionamento ao mesmo tempo mais modesto e mais aberto, em matéria epistemológica: definirmo-nos apenas como contemporâneos, isto é membros da nossa circunstância, mas capazes de mobilizar todas as possibilidades que ela nos confere.

Palavras-chave modernidade, conhecimento em rede.

 

ABSTRACT

Sociological thinking is strongly influenced by dichotomous classifications. Especially influential is the one organised around the category ‘modernity’, opposing modern to pre-modern on the one hand and to post-modern on the other. Just what is it that we want to say when we use these categories and establish this kind of binary opposition? Do they still make sense in today’s sociological theory? Can they only be used in the shape of dichotomies, or are there other, more productive ways? This article seeks to answer these questions. It begins by demonstrating the huge cultural and theoretical influence of both the idea of modernity and the categories derived therefrom. It then shows how one should look at these categories in the light of the tension between them: we are still modern, and yet we are not just modern; before going on to say that reducing this tension to a simple dichotomy impoverishes and slants its sociological explanation. Finally, the article suggests a positioning that is simultaneously more modest and more open in epistemological terms: that we should simply define ourselves as contemporaneous – i.e. that we are part of our circumstances, but capable of mobilising all the possibilities they give us.

Keywords modernity, networked knowledge.

 

RÉSUMÉ

La pensée sociologique est très influencée par des classifications de nature dichotomique. Une classification particulièrement influente est celle qui s'organise autour de la catégorie de modernité et qui oppose aussi bien le moderne au pré-moderne, que le post-moderne au moderne. Mais que voulons-nous dire en utilisant ces catégories et en faisant ce genre d'oppositions binaires? Ont-elles encore aujourd'hui un sens pour la théorie sociologique? Peuvent-elles uniquement être employées dans des dichotomies ou bien y a-t-il des formes alternatives et plus productives? Cet article cherche à répondre à ces questions. Il montre tout d'abord l'énorme influence culturelle et théorique de l'idée de modernité et des catégories qui en découlent, puis que ces catégories doivent être considérées dans leur tension relative : nous sommes encore modernes et nous ne sommes plus seulement modernes. Ensuite, que la réduction de cette tension à la forme d'une dichotomie appauvrit et biaise l'explication sociologique. L'article suggère enfin un positionnement à la fois plus modeste et plus ouvert sur le plan épistémologique : nous définir uniquement comme contemporains, c'est-à-dire membres de notre circonstance, mais capables de mobiliser toutes les possibilités qu'elle nous confère.

Mots-clés modernité, connaissance en réseau.

 

RESUMEN

El pensamiento sociológico está muy influenciado por clasificaciones de naturaleza dicotómica. Una especialmente influyente es la que se organiza en torno de la categoría de modernidad, y que contrapone tanto lo moderno a lo pre-moderno, como lo pos-moderno a lo moderno. ¿Pero, qué se quiere decir cuando usamos estas categorías y hacemos este tipo de oposiciones binarias? ¿Ellas todavía tienen sentido hoy, para la teoría sociológica? ¿Ellas sólo pueden  ser utilizadas en dicotomías, o hay formas alternativas y más productivas? Este artículo procura responder a estas cuestiones. Primero, muestra la enorme influencia cultural y teórica de la idea de modernidad y de las categorías que de ella devienen. Después, que estas categorías deben ser consideradas en su tensión relativa: aún somos modernos y ya no somos solamente modernos. A continuación, que la reducción de esa tensión a una dicotomía empobrece y distorsiona la explicación sociológica. Finalmente, el artículo sugiere un posicionamiento al mismo tiempo más modesto y más abierto, en materia epistemológica: definirnos apenas como contemporáneos, es decir como miembros de  nuestra  circunstancia, aunque capaces de movilizar todas las posibilidades que ella nos otorga.

Palabras-clave modernidad, conocimiento en red.

 

O problema, não a querela

As querelas terminológicas são fúteis. Refletindo sobre a pertinência e utilidade de algumas das mais fortes categorizações do pensamento sociológico — aquelas que se estruturam em torno da contraposição entre “moderno” e “não moderno” — quero, não prolongar, mas sair de tais querelas. A condição de saída é precisamente escrutinar as categorizações.[1]

Os nomes valem muito, dão identidade às coisas. E valem ainda mais os nomes que designam pontos de vista, ou portas de entrada na observação interpretativa dos processos sociais, para todos quantos renunciarem ao conforto das epistemologias “fundacionistas” (a palavra pertence a Clifford Geertz, 1984: 273).

É certo que estas epistemologias são boas redutoras de complexidade. Fazem-no por duas vias fundamentais, que podem ser percorridas complementarmente. A primeira é da ordem do tempo, a segunda sugere-nos uma representação no espaço. Aquela explica diacronicamente os factos, numa sequencialidade linear que encadeia uns nos outros a título de origens e consequências, causas e efeitos, condições e desenvolvimentos. É a flecha do tempo que torna inteligível o curso das coisas. Já a segunda via as projeta como partes de um edifício, ou componentes de um sistema, isto é, como elementos de um conjunto no qual seja possível distinguir o que está em cima e o que está em baixo, o que está no centro e o que está nos lados, dispondo-os por camadas ou em blocos, cada um dos quais se explica pelo jogo de forças com os demais.

Linear ou estratigráfico, o modelo de explicação fundacionista supõe sempre o desenho de grandes eixos de determinação. Muitas vezes, na sua aplicação, o eixo temporal mostra determinações de superfície, a que o eixo estratigráfico vem depois conferir a espessura das determinações de profundidade, desvendando “causas primeiras”, “últimas instâncias” ou “configurações sistémicas”. E assim se procura ancorar a interpretação social na lógica de um qualquer fator essencial, seja ele a Razão ou a Troca, os Meios de Produção ou a Estrutura Social, a Matéria ou a Energia, a Cultura ou o Símbolo (uso novamente palavras e maiúsculas de Geertz, 1984, a que acrescento outras).

Mas como postular uma relação linear e unidirecional que organize cada totalidade social sem comprometer a apreensão da sua complexidade, abertura e dinamismo? E como distinguir de modo apriorístico ou simplesmente formal o princípio e o fim, a origem e a consequência, a estrutura e o estruturado senão por crença, anterior e transcendente ao trabalho específico de conhecer e compreender realidades múltiplas e, uma a uma, singulares? Não implicará, ao contrário, este trabalho uma abordagem intelectual bem mais modesta na ambição esquemática, mas menos esquecida das interdependências?

Nessa abordagem, as realidades serão apercebidas, não como encadeamentos sequenciais ou camadas sobrepostas, antes como redes; ou, dito mais rigorosamente, as sequências e camadas tomarão lugar dentro de redes, isto é, de configurações complexas, abertas e dinâmicas, cujas lógicas de estruturação e desenvolvimento hão de ser matéria de investigação empírica e não de pressuposição abstrata e geral (não repetirei aqui o argumento de Silva, 1994: 47-51). Ressalvadas as devidas proporções, o que Italo Calvino (2002 [1990]: 89) disse da sua criação literária — e a propósito de As Cidades Invisíveis — poderíamos dizer muitos de nós, que recusamos as epistemologias fundacionistas, da nossa pesquisa: “construí uma estrutura multifacetada em que cada texto está próximo dos outros numa sucessão que não implica uma consequencialidade ou uma hierarquia, mas sim uma rede dentro da qual se poderão traçar múltiplos percursos e extrair conclusões plurais e ramificadas”.

O modelo da rede melhora a nossa capacidade para ler o real na multilinearidade, mutabilidade e incompletude (mais talvez do que infinitude) que o constituem; ao passo que a busca ansiosa de determinações macro ou últimas empobrece a compreensão do mundo. Mas, então, a explicação é coextensiva da descoberta, o modo como vamos dando conta dos processos sociais está intimamente associado ao percurso que fazemos de observação e análise. Conhecer em rede é conhecer a partir de certos ângulos e pontos de entrada no que começa por ser um emaranhado de relações de interdependência. Cada interpretação é contingente à perspetiva escolhida. O que significa que só a variação das perspetivas, a sondagem a partir de diferentes pontos de entrada, a pluralidade das interpretações (cada uma legítima, cada uma, em si mesma, parcelar e incompleta) é que enriquecem o conhecimento. Fora da sombra plácida das Grandes Causas, desenvolvemos abordagens intelectuais tentativas e contingentes: em aproximações sucessivas a realidades que são sempre mais compósitas do que as interpretações, inexauríveis por elas, irredutíveis a qualquer esquematização. A quem isto parecer demasiado fora de pé, só me resta replicar o conselho de Clifford Geertz (1984: 276): “se queríamos verdades caseiras, deveríamos ter ficado em casa”.

Definir o ângulo de observação do real, está, pois, muito longe de ser um problema de moda, filiação em escola, ou mera terminologia. É marcar uma perspetiva, logo uma representação. A questão não é se podemos não escolher, mas como havemos de escolher.

A ciência social oitocentista e de grande parte de Novecentos sempre escolheu. Mas de um modo tão paradigmático que era quase naturalizado. Ciências do seu tempo, a economia e a sociologia perfilhavam o ponto de vista do seu tempo — europeu, ocidental, secular, nos termos de então “industrioso”. Como a economia era o estudo racional do comportamento racional de produtores e consumidores, assim a sociologia era a ciência moderna de análise das sociedades modernas. Mas o que é ser moderno? Como podemos entender e praticar a sociologia sem nos interrogarmos criticamente sobre a modernidade e (como escreveria Fernando Pessoa) o nosso ser moderno nela?

Acresce que recusar o fundacionismo não é renunciar à explicação holística — e já ficam assim o leitor e a leitora prevenidos de que o caso não se vai resolver com nenhuma mezinha pós-moderna. É, sim, procurar tornar mais adequada e útil a explicação holística, preocupada com as configurações estruturais dos factos e sistemas que considera. Quanto menos essencialista e fechada ela for, mais produtiva será (adoto e adapto os termos, muito importantes nesta questão absolutamente decisiva, de Mouzelis, 2008: 221-224).

Explorando um todo sempre a partir de uma sua parte, não queremos circunscrever-nos à parte, tomando-a explícita ou implicitamente pelo todo. Queremos compreender o todo inquirindo a partir de diferentes partes (e cada parte como o todo que em si mesma é); queremos compreender por via da interpretação singular da singularidade de cada todo, e não por imputação apriorística de uma hierarquia ou encadeamento universal.

Deixemos, portanto, os emblemas, mas não fujamos aos problemas. O que é ser moderno, em sociologia? O que é e como é visto o não moderno que ser moderno pressupõe? E há alternativa a ser moderno? A nossa entrada analítica nos processos e estruturas sociais beneficia em alguma medida com este ou outro tipo de categorização?

Já estamos fora de casa. Quem quisesse verdades caseiras não devia prosseguir viagem.

 

Todos somos (de alguma forma) modernos

Porque é que sentimos (quase todos nós, os cientistas sociais, e muito especialmente os que se dedicam à sociologia) necessidade de equacionar as classificações geradas a partir da ideia de modernidade?

Porque somos modernos. Eis a matriz. O sistema de conhecimento que cultivamos é originariamente devedor da transformação datável, no quadro europeu (insisto, europeu), do século XVII. A revolução científica estabeleceu o grande programa intelectual a que ainda (para segui-lo ou criticá-lo) nos referimos: a aplicação da razão a todos os domínios humanos e a sua emancipação, para esse efeito, de determinações extrínsecas (de ordem política, religiosa e moral); as regras da observação e da prova e a dúvida metódica praticada individual e coletivamente; a ambição explicativa; a ligação do conhecimento ao controlo da natureza e à organização da sociedade.

Depois, enquanto sociólogos ou economistas, seguimos disciplinas forjadas para a análise e interpretação das sociedades ditas modernas, isto é, que de algum modo alargaram e institucionalizaram o equivalente de tal programa no desenho de Estados, administrações, mercados, locais de trabalho, comunidades, e na influência sobre os comportamentos e as interações. “A modernidade é em si mesma profunda e intrinsecamente sociológica”, escreveu Anthony Giddens (1990: 43), parecendo-me exprimir bem o elo entre, digamos, o quadro cognitivo e o ordenamento social que se foram consolidando e impondo na Europa e no Ocidente dos séculos XVIII, XIX e XX.

Claro que as e os colegas que pesquisam outros contextos enfatizam, por exemplo, a espantosa modernidade do conhecimento árabe do tempo correspondente ao que a taxonomia historiográfica chamou a Idade Média. Com toda a razão. Porém, a própria enunciação — “a modernidade” — revela a força categorial das representações que fomos construindo, nós os herdeiros da revolução científica seiscentista e do campo cultural oitocentista.

Quando, em 1863, um dos primeiros construtores da autonomia do campo cultural (sigo, claro, Bourdieu, 1996 [1992]: 67-138), o poeta Charles Baudelaire, usou a palavra modernité para designar a ideia que queria defender, não associou apenas uma e outra, ideia e palavra, à reorientação da criação para o presente. Fê-lo, decerto, e crucialmente: como apologia da atitude criativa que bebia inspiração na efervescência da “vida moderna”, quer dizer, coeva, e procurava exprimir o seu sentido e explorar o seu potencial poético, em vez de continuar aprisionada no cânon convencional, académico e clássico (Baudelaire, 1986 [1863]). Mas referia-se também à diferença que essa efervescência marcaria face ao passado (com a cidade, a multidão, a moda, os novos tipos e encontros sociais, no inventário baudelairiano) e faria do moderno outra coisa que não apenas a circunstância presente, ou forma transitória, de uma história no seu “caráter” essencial eterna.

 Assim, “moderno” não conota apenas proximidade (moderno porque nosso próximo, por contraste com antigo, porque transato). Igualmente importante é o conteúdo semântico de descontinuidade: a diferença deste próximo face a outros, duplamente afastados — longínquos e diversos. O ponto está em que a história não se faz apenas incrementalmente, por gradual complexificação do que começou por ser simples e gradual diferenciação do que começou por ser sincrético, como ainda hoje creem certas variantes do evolucionismo; também opera por ruturas. Uma conceção descontinuísta da história precisou e precisa de usar categorias, como a de modernidade, que acentuem as quebras, evidenciando a natureza global das transformações.

Assumo a lição de Giddens (1990). Não porque possa subscrever, duas décadas depois, a leitura eurocêntrica das “dimensões (institucionais) da modernidade” (o Estado, a administração, o industrialismo, o capitalismo); mas sim porque ele mostra bem a matriz generativa da modernidade.

O primeiro vetor é a aceleração (do ritmo) e o alargamento (do escopo) das mudanças sociais. Não há sociedades (as que seriam não modernas) “paradas”: todas, mesmo as mais elementares, são realidades dinâmicas. A velocidade e o âmbito da mudança é que são qualitativamente diferentes — e a mudança é concebida e apropriada, pelos atores, as instituições e os valores modernos, não como uma ameaça e sim como um fator de ordenamento e desenvolvimento social.

O segundo vetor é a “distanciação”, como escreve Giddens, da ação social ao longo do espaço-tempo — e o correlativo “desencaixe” dos sistemas sociais face aos contextos particulares. Este, por assim dizer, alongamento das estruturas sociais implica a separação do tempo do espaço, o incremento dos meios de simbolização e comunicação (das línguas à moeda) e a expansão dos sistemas de consolidação da confiança e da previsibilidade (do direito dos contratos às tecnologias, da disciplina ao profissionalismo). Mais uma vez, não se trata de dizer que estas sejam criações da modernidade (europeia); mas que foi ela que as articulou sistemicamente.

O terceiro vetor é a institucionalização da reflexividade. Claro que toda a ação é reflexiva; todavia, ao passo que “a tradição [era] um modo de integração da orientação reflexiva da ação na organização espácio-temporal da comunidade” (Giddens, 1990: 37), a modernidade institucionaliza uma reflexividade de segundo grau, nomeadamente no conhecimento científico e na tecnologia.

Por conseguinte, o impacto da dialética entre o moderno e os seus contrários no discurso sociológico não é apenas o efeito da hegemonia de uma representação intelectual. Claro que basta meditar um pouco no facto de a linguagem da crítica ao moderno se fazer nos seus próprios termos (porque ao dizer que somos pós-modernos ou antimodernos, ainda estamos a designar-nos como modernos…) para perceber o efeito. Mas ele não é tudo. Somos, em cada momento, modernos, porque precisamos de exprimir uma proximidade (nomeando aquilo a que julgamos pertencer) e uma descontinuidade (separando-nos de outros universos de pensamento e ação).

Neste plano, a ideia de modernidade pode ser formulada como um conceito — e bastante útil.

Desde logo, está bem para lá das cronologias primárias, tão devedoras de conceções eurocêntricas e teleológicas da história. A sua definição sociológica já não se refere à sucessão de acontecimentos-clímax em que se havia baseado a classificação oitocentista: a Queda de Roma em 476, a Queda de Constantinopla em 1453, a Tomada da Bastilha em 1789. E prevê várias modalidades de inscrição no espaço e no tempo: a modernidade pode ser balizada geográfica e historicamente de uma forma para a Europa e a América do Norte, de outra para a América Latina, de outra para o Sudeste Asiático, e assim sucessivamente.

O que significa — segundo aspeto a reter — que a concetualização da modernidade pode e deve escapar à imagem originária que a restringiu à Europa dos três ou quatro últimos séculos. Não é único o caminho para a modernidade, nem é única a modernidade como destino ou marco. As modernidades são múltiplas (Eisenstadt, 2001 [2000]), distintas umas das outras, sendo a modernidade europeia ocidental um entre casos; e, em si mesmos, são singulares cada processo de modernização e cada modernidade. Várias são as tipificações propostas, como a já resumida de Giddens, ou a de Eisenstadt (acentuando o “programa cultural e político” de autonomia e emancipação humana face à autoridade tradicional, domínio da natureza e reconstrução da sociedade, assim como as dimensões legais, administrativas e institucionais ligadas ao Estado-nação), ou a de Mouzelis (definindo um conceito “não eurocêntrico” que assinala as dinâmicas de mobilização e incorporação das populações no centro societal e, quanto à dimensão de integração sistémica, as dinâmicas de diferenciação institucional, cf. Mouzelis, 2008: 145-163) — para não recuar até às grandes interpretações da modernização construídas por Marx, Durkheim, Weber e Parsons. Não obstante, é possível elaborar um conceito sociológico de modernidade suficientemente geral para dar conta da diversidade das configurações concretas e suficientemente plástico para estabelecer, em bases não eurocêntricas, o seu denominador comum.

Assim se preserva uma certa abertura teórica e filosófica. Uns distinguem primeira e segunda modernidade, modernidade industrial e modernidade reflexiva; outros falam de modernidade tardia ou hipermodernidade para qualificar os desenvolvimentos mais recentes. Como Jeffrey Alexander sugeriu, num texto apropriadamente intitulado “Modern, anti, post and neo: how intellectuals explain ‘our time’” (Alexander, 2003: 193-228), as classificações não são apenas da ordem da epistemologia, mas também da ordem da escatologia, projetando visões e preferências de futuro. Ora, o mínimo que se pode dizer é que esse polvo de múltiplos braços a que nós vamos chamando “o moderno” se tem revelado ágil a sobreviver em vários e dissemelhantes habitats.

 

Já não somos (só) modernos

No texto em que recorre à palavra modernité, Charles Baudelaire (1986 [1863]: 11) escreve que, sendo esta a imersão na “vida presente” em vez do refúgio em arquétipos passados, de modo a retirar um novo sentido artístico da efervescência do presente (vivo, multitudinário, fugaz), é também “o transitório, o fugidio, o contingente, a metade da arte, cuja outra metade é o eterno e o imutável”.

Esta ideia de “metade” — abertura e incompletude, logo dinamismo — também é consubstancial à modernidade como “programa cultural e político”.[2] Por várias razões. A “emancipação” da razão humana (face aos artigos de fé, convenção e costume) e a secularização da ordem social implicam necessariamente a admissão e (nas melhores tradições liberais) a celebração do dissenso e do debate. A institucionalização da reflexividade (de uma reflexividade de segundo grau) comporta necessariamente a da sua dimensão crítica (a sujeição dos enunciados à prova e aos argumentos cruzados). Esta dimensão é uma condição essencial para o desenvolvimento das formas seculares de regulação, desde os contratos voluntários até aos sistemas periciais. E enfim, como bem mostrou Pierre Bourdieu em As Regras da Arte, o eixo do programa moderno de definição de um campo cultural autónomo é a “institucionalização da anomia”, opondo à regra dogmática gerada e aplicada por uma autoridade académica central a pluralidade dos critérios e agentes de apreciação e valoração (Bourdieu, 1996 [1992]: 89).

A modernidade não é pois, apenas, na fórmula baudelairiana, “metade da arte”, requerendo para ser plena a dialética com o que classicamente permanece; é ainda inerentemente crítica, pluralmente crítica, não só das convenções a que se opõe como de si própria.

Heterogeneidade e confronto crítico marcam, portanto, o quadro moderno de representações, interpretações e ações no mundo. Os seus operadores intelectuais fundamentais alimentam a diversidade e a conflitualidade: várias modernidades que se desafiam, várias declinações do que é ser moderno e das suas consequências. A distinção entre o individualismo cultural radical e o liberalismo económico, em que Daniel Bell (1977 [1976]: 45-89) identificou uma “contradição cultural do capitalismo”, é apenas uma entre várias. E o que é próprio da modernidade é recusar outra forma que não a imanente de regular essas tensões: pela comunicação argumentativa, pela troca mercantil, pelo contrato civil e social, pela representação parlamentar e o sufrágio, pelo escrutínio técnico e pericial, pela dialética das inovações e dos desafios — mas não pela evacuação por assim dizer administrativa da diversidade, submetida a uma ordem transcendente ou a uma hierocracia indisputável.

Não se pode fazer a história ou a sociologia da modernidade sem ter em conta esta natureza multíplice e pluriforme. Vários programas modernos conflituam entre si: este é o panorama, olhemos do ângulo das artes, das ideologias, das religiões (e das “religiões seculares”), ou das ciências e humanidades. O “sistema” da modernidade como um todo (ou seja, o quadro comum em que a conflitualidade ocorre, se exprime e desenrola) vive tipicamente da confrontação entre programas, que se interpelam também na base de que uns são novos e outros antigos, uns heterodoxos e outros ortodoxos, uns orientados para o futuro e outros já tradicionalizados. É esta funcionalidade autopoiética que torna produtiva, ao olhar moderno, a “anomia”.

Assim, a história social da modernidade é a história da recorrente crítica moderna da modernidade. Baste notar como a economia marxista dialogou tensamente com a clássica e liberal; como as escolas compreensivas disputaram o terreno do positivismo; como as doutrinas socialistas desafiaram as bases censitárias e os princípios atomísticos do Estado liberal; como o pensamento de Walter Benjamin estabeleceu um claro contraste com o ascetismo adorniano; ou como, no imediato Pós-II Guerra, às teorias da modernização em via única (de um Rostow) logo se contrapuseram as teorias do desenvolvimento. Os exemplos poderiam ser multiplicados, não só no campo do pensamento e da ciência social, como na esfera criativa ou na dimensão ideológica. Ao contrário do que as representações primárias da modernidade ditas anti ou pós-modernas, mas sempre caricaturais, querem fazer crer, ela foi um espaço plural e conflitual, esse sendo um fator fundamental da sua consolidação e hegemonia. Mais uma vez nos deparamos, pois, com uma matriz que não vale a pena denegar: por via dela, todos somos modernos, e somo-lo específica e enfaticamente quando somos críticos.

Contudo, fazendo uso de atitudes e categorias tipicamente modernas, e por aí fortalecendo a razão moderna como razão crítica, o escrutínio e a interpelação foram colocando em causa, uma e outra vez, os alicerces mesmos da modernidade. Alternativa ou complementarmente, foram assinalando a sua exaustão e a sua violência. No primeiro caso, diagnosticando “contradições”, “incompletudes” ou “fragilidades” do seu programa; no segundo caso, e ainda mais perturbadoramente, associando-lhe lógicas de controlo e dominação antagónicas dos princípios e compromissos racionais e humanistas de que havia feito bandeira.

Numa das versões mais benevolentes, a de Karl Marx, a modernidade burguesa e capitalista estaria condenada, pelo desenvolvimento das forças históricas que libertava, ao esgotamento e ultrapassagem por outro tipo de ordem, moderna certamente, mas radicalmente diversa da que hegemonizava a Europa e a sua colonização do mundo. Interpelações mais fortes e fundas identificarão uma contradição básica entre os chamados pilares modernos da emancipação e da regulação, denunciando a crescente subsunção daquele neste. De tal forma que romper com tal subsunção implicará ou a “radicalização da modernidade” (Giddens, 1990: 150), ou uma nova integração republicana universalista (Habermas, 1998 [1996]), ou a opção por “uma outra via da modernidade”, propriamente reflexiva (Beck, 2006 [1986]: 22), ou a escolha de uma orientação essencialmente diversa, numa pós-modernidade de resistência e crítica (Santos, 1994: 69-101). E ainda mais forte e mais funda é a interpretação dos processos aparentemente não modernos da dita Idade Contemporânea como o desenvolvimento da própria modernidade.

Sem esquecer outras demonstrações importantíssimas — seja no que respeita à formação do totalitarismo (por Hannah Arendt), seja no que toca às técnicas jurídicas, administrativas e práticas de disciplinação e biopolítica (por Michel Foucault), seja no que concerne ao taylorismo industrial (pela generalidade dos sociólogos das organizações) — importa ter em conta pelo menos as três abordagens seguintes.

Uma é a caraterização, que devemos a Ulrich Beck, da sociedade moderna como sociedade de risco. A sociedade de risco é um desenvolvimento da sociedade industrial: nela, os riscos não podem ser considerados dados exteriores ou efeitos colaterais, porque são produzidos pela própria sociedade. É por isso que a sua gestão só faz sentido no quadro de uma segunda modernidade, menos “truncada” e mais “reflexiva” (Beck, 2006 [1986]: 26-30).

A segunda abordagem pertence a Samuel Eisenstadt, quando interpreta os fundamentalismos oitocentistas e pós-oitocentistas (primeiro no seio do protestantismo norte-americano, depois em outros contextos civilizacionais, incluindo o islâmico) como processos modernos. Eles aplicam elementos-chave do “programa político e cultural moderno” — como a valorização do potencial transformador da ação humana e da sua dimensão política, a ocupação e recriação das instituições do centro societal, a rutura com a história, e a projeção utópica, missionária e universalista. Fazem-no, decerto, contra princípios seminais da modernidade e em reação a processos de modernização; incorporando, porém, plenamente “aspetos tecnológicos e organizacionais” da modernidade e, em particular, a sua ambição de uma reconstrução ideológica totalizante das instituições e de uma fusão dos centros e periferias sociais, abolindo ou enfraquecendo as esferas intermédias (cf. Eisenstadt, 1997: 47-54, 2011 [2006]: 233-273; ver também Bauman, 1997 [1989]: 41-108, para os aspetos modernos do racismo).

A terceira abordagem que importa considerar, nesta sequência de interpelações que tocam nos alicerces mesmos da cultura moderna, elenca as afinidades tão perturbadoras entre a modernidade e o Holocausto, com a sua lógica de programação racional, altamente tecnicizada e pormenorizadamente planificada, formada e aceite no coração da Europa. A abordagem foi defendida e praticada por vários autores; mas podemos sintetizá-la através das vigorosas palavras de Zigmunt Bauman: “O Holocausto foi gerado e posto em prática na nossa sociedade moderna e racional, numa fase avançada da nossa civilização e num momento álgido da nossa cultura — e, por esta razão, é um problema dessa sociedade, dessa civilização e dessa cultura”; ele “foi um fenómeno tipicamente moderno, que não se pode entender fora do contexto das tendências culturais e dos sucessos técnicos da modernidade” (Bauman, 1997 [1989]: XIII, XVII; cf. também Steiner, 1992 [1971]: 37-64).

Está-se a ver, pois, que uma reflexão crítica sobre a modernidade enquanto categoria básica da nossa “estrutura cultural” (aproveito o conceito de Jeffrey Alexander, 2003), não pode ficar por aspetos parciais. E, para ser global, tem de distanciar-se — ao menos metodicamente — dos seus pressupostos epistemológicos e ideológicos.

O sentido mais produtivo do primeiro pós-modernismo residiu, a meu ver, nesta interpelação global: a “incredulidade em relação às metanarrativas” (Lyotard, s.d. [1979]: 8) organizadoras do discurso, do conhecimento e da ação moderna, tal como esta foi tomando forma e dominando o mundo a partir da Europa e da América dos séculos XIX e XX; a defesa de um pensamento mais pragmático, menos sistemático, mais próximo das artes e da experiência comum; a atenção ao sentido, à comunicação e à cultura.

 

Portas e pontes

A nossa relação de sociólogos com a modernidade é, pois, complexa: ao mesmo tempo interna e crítica. Tão complexa como a própria modernidade.

Na verdade, a ideia de modernidade organiza um quadro de categorias e classificações intelectuais que remete para três ordens paralelas. Uma é a tipologia social: distinção analítica entre sociedades, diacrónica ou sincronicamente estabelecida, de modo a que possamos ter uma primeira leitura global da sociedade que estamos a considerar (pré-moderna, moderna, moderna com que qualificação, pós-moderna?). A segunda é a tipologia de estruturas culturais (no sentido de Alexander): que valores, crenças e regras e que princípios e operadores lógicos, éticos e estéticos definem o quadro de referência (framework) da nossa visão, interpretação e orientação face ao mundo, e o diferenciam de outros? A terceira é a tipologia de paradigmas ou programas teóricos e disciplinares, que desenham os princípios e ferramentas e codificam os resultados fundamentais do nosso conhecimento.

A sociologia é um terreno de eleição para explorar a articulação entre a primeira e a terceira ordens, entre a tipologia das sociedades e a tipologia dos paradigmas, exatamente porque se constituiu como conhecimento científico (por aí, moderno) da modernidade (quer dizer, das sociedades ocidentais de economia industrial e urbana e organizadas na forma política do Estado-nação). Entretanto, uma exploração bem-sucedida requer a ligação da segunda ordem com a primeira, demandando como a formação de uma nova estrutura cultural acompanhou (e antecipou) a evolução do ordenamento societal; e a ligação da segunda ordem com a terceira, de modo a compreender quer a estrutura cultural do conhecimento sociológico, quer os efeitos culturais do conhecimento sociológico. É por isso que precisamos de olhar para os aspetos filosóficos e ideológicos deste conhecimento, coisa para a qual o conceito kuhniano de paradigma não bastará (cf. também Alexander, 1988: 11-13), sendo talvez mais interessante reciclar o termo clássico de pensamento sociológico. E, finalmente, mesmo quando, por facilidade de comunicação, recorremos ao singular (quando, por exemplo, falámos de “estrutura cultural”), isso não deve obscurecer o facto básico da pluralidade e diversidade: várias modernidades, vários programas, paradigmas, estruturas, conjuntos institucionais, padrões culturais modernos, confrontando-se e comunicando entre si.

Este complexo jogo de relações ajuda a perceber porque é que a teoria sociológica — que é, como tal, uma das dimensões da reflexividade de segundo grau e institucionalizada típica do processo de modernização e da sociedade moderna — é tão sensível ao que sucede na ordem social e na ordem cultural da modernidade; como nela repercutem tão imediata e densamente as forças e relações de forças socioculturais e como, por sua vez, tem uma presença proativa nelas.

Desenvolvimentos e impasses, normalização e contestação, aplicação e crítica, hegemonia e interpelação: não parece possível abordar a ideia de modernidade senão a partir das tensões que a constituíram e foram transformando. A reflexividade não podia parar, e não parou, à porta da modernidade. Seja (muito kantianamente) como radicalização crítica da modernidade, seja como sua densificação hermenêutica, seja como viragem pós-moderna, a interpelação pertence à história, ao presente e ao futuro da estrutura cultural e teórica de que o pensamento sociológico é parte.

Quem preferir aos modelos prontos a vestir um conhecimento em rede estará menos interessado na arrumação escolar das interpelações críticas do que na consciência plena da tensão que organiza e faz avançar este pensamento. É que desconfiamos das metanarrativas; mas precisamos de interpretações holísticas. Abdicamos das pressuposições apriorísticas do sentido espácio-temporal dos encadeamentos causais; mas queremos propor explicações dos processos que consideramos. Não celebramos acriticamente a razão cognitivo-instrumental; mas não a declaramos extinta ou inútil, nenhuma regra subsistindo. Valorizamos as realidades desprezadas pelas sínteses grandiosas, essas realidades fragmentárias, mestiças, dinâmicas, irredutíveis a divisões extremas e absolutas; mas continuamos a referir o local ao global, a ação à estrutura, a dimensão ao sistema, e a descrição de cada aspeto à indagação intelectual sobre a razão da sua contingência.

Ora, não é possível compreender bem esta tensão entre elementos que se implicam reciprocamente se apenas seguirmos a lógica da classificação em categorias binárias — uma lógica demasiado influente no pensamento sociológico.

Desde logo, como agudamente mostrou Pierre Bourdieu, a natureza dualista das “formas escolares de classificação” ecoa e reforça as oposições polares que tendem a estruturar as relações de poder e as lutas pelo poder em cada campo (cf., por exemplo, Bourdieu, 1989: 17-47). A contraposição entre hegemónico e dissidente, central e periférico, canónico e marginal, ortodoxo e herético, estabelecido e revolucionário, antigo e novo, velho e jovem, clássico e moderno, organiza a expressão e a mobilização em torno de grandes eixos de luta pela definição dos termos e enunciados das questões, que é o que está em causa no poder simbólico. Não há nenhuma razão para não ver a querela entre moderno e pós-moderno também como uma luta de classificação, pelo menos parcialmente determinada por elementos exógenos ao trabalho intelectual propriamente dito.

Mais devedoras de estratégias comerciais e políticas do que da lógica científica, as grandes classificações binárias que procedem a distinções categóricas em disciplinas como a história, a economia ou a sociologia tendem a ser construídas etnocêntrica e teleologicamente. Elas projetam no passado diferenças recentes ou presentes cuja transitoriedade assim obscurecem, reconstruindo os processos de desenvolvimento histórico como marchas mais ou menos hegelianamente orientadas para a realização de tais diferenças. Transformam-nas em essências, situando-as aquém da relatividade e variação das circunstâncias de tempo, espaço e contexto social. E interpretam-nas hierarquicamente, como se opusessem, não coisas distintas e equivalentes, mas coisas desiguais em valor, devendo ser umas encarecidas como normas ou modelos e as outras reduzidas a desvios.

Jack Goody tem mostrado a matriz eurocêntrica da leitura (moderna) da história como o processo de singularização de uma modernidade europeia que seria possível fazer remontar teleologicamente ou à Antiguidade Clássica, ou à Baixa Idade Média, ou ao Renascimento, e face à qual as restantes civilizações eurasiáticas só poderiam ser vistas como incompletas, imperfeitamente modernas, isto é, desclassificadas. Essa leitura tem contribuído para “roubar a história” ao Oriente, concentrando-a na Europa e no Ocidente (Goody, 2012 [2006]). Ora, se há classificação binária que contribui não só para naturalizar a dominação mas também para dificultar o seu escrutínio crítico, é esta que opõe a modernidade ocidentalocêntrica ao que, por não sê-la, não chega a ser inteiramente.

Em vários aspetos, a teorização aparentemente alternativa da pós-modernidade como uma nova etapa histórica e uma nova estrutura cultural associadas às transformações da globalização — por via da intensificação dos fluxos de pessoas, capitais e símbolos, da plasticidade e volatilidade das referências morais e comportamentais, da desancoragem e desvinculação social, da esteticização do comportamento e da vida quotidiana, etc. — reproduz a mesma lógica classificatória que distingue binariamente entre o tudo e o nada, o mesmo e o outro, o presente e o passado, como se fossem essências incomunicantes e incomunicáveis. Se a dialética entre pós-modernidade e modernidade for da mesma ordem lógica da dialética entre modernidade e pré-modernidade, o Outro não europeu continuará “roubado”, destituído da condição de sujeito histórico.

O ponto é, de cabo a raso, epistemológico, no sentido próprio da palavra. Tem a ver com a forma como construímos e aplicamos as nossas categorias intelectuais, os instrumentos e modelos de conhecimento. A cadeia de dicotomias (moderno contra pré-moderno, pós-moderno contra moderno e assim sucessivamente) nada explica por si mesma; mas afasta-nos da explicação.

Por múltiplas razões.

Em primeiro lugar, querendo reservar para uma das categorias qualidades que tem por essenciais, logo exclusivas, dela, a dicotomia desarma-nos perante o que realmente existe, e é dinamismo, variabilidade, transformação. Consideremos, por exemplo, a complexidade da questão das tradições, que a visão ocidentalocêntrica da modernidade tanto desqualifica. Precisamente ao contrário do que esta sugere, todas as sociedades — e não apenas as modernas — estão “instaladas” no tempo e na mudança; e todas as sociedades — não apenas as pré-modernas — elaboram e consolidam tradições, que são plásticas e polissémicas. Como sublinhou Eric Hobsbawm (1996 [1983]), as tradições são “inventadas”, criadas e recriadas em contextos e segundo processos que é preciso conhecer, para compreendê-las. Uma das grandes ideologias da Europa oitocentista, o nacionalismo, é mesmo um caso lapidar de invenção de tradições, no duplo sentido da palavra: criação e fingimento (veja-se Geary, 2008 [2002]). As tradições são chaves de interpretação e quadros de orientação mais ou menos abertos, que favorecem, decerto, a reprodução social, mas também ajudam a perceber e a lidar com a mudança social. E por isso é tão importante observar que “a mudança não é o que se opõe à tradição” (Silva, 2000: 7-84); por isso é tão importante identificar e interpretar as tradições modernas (assim mesmo, como tradições modernas) e até notar como aquelas que procuraram lançar contra os processos de modernização a que se opunham supostas tradições primordiais, fechadas e impositivas, tiveram, pura e simplesmente, que reinventar as tradições (falo dos modernos fundamentalismos religiosos e apoio-me em Eisenstadt, 1997: 52-53).

Em segundo lugar, a visão binária do mundo afasta-nos do trabalho de explicação sociológica porque, sobrevalorizando a diferença que opõe os dois termos de cada dicotomia, desincentiva a análise fina de cada termo. Convida a ficar pela superfície das coisas, secundarizando não só a densidade que as constitui, como também a heterogeneidade, a diversidade interna, as contradições até que as fazem mover. Aqui como noutros planos, o custo da generalização pode ser a perda de profundidade. Dividindo esquematicamente A e B (o moderno do pré-moderno, o pós-moderno do moderno, o moderno do antimoderno, e por aí adiante), como se serem eles contrastantes entre si bastasse para compreendê-los, rapidamente preferimos o rótulo à substância e, em vez de abrir, fechamos a porta que deveria levar-nos à descoberta e interpretação da realidade multifacetada e dinâmica de cada A e cada B, condição prévia e necessária para uma verdadeira comparação dos dois.

Como bem escreveu Jack Goody (2012 [2006]: 152), “as categorias binárias não admitem a pluralidade e a contradição”. E assim — terceira razão de afastamento da explicação sociológica — não estimulam, antes dificultam a comparação. Se pressupusermos que a modernidade da civilização europeia a separa qualitativamente de outras civilizações que teriam falhado a modernização no tempo próprio e por impulso endógeno, ou se o olhar que projetarmos sobre o fundamentalismo contemporâneo o descrever imediatamente como o inverso absoluto da modernidade (e outros exemplos poderiam aduzir-se, atenho-me às duas investigações seminais de Goody e Eisenstadt), não só estaremos a tornar logicamente menor e até supérflua a indagação teórico-empírica de cada concreta configuração histórico-social, como estaremos a impedir qualquer comparação sistemática entre as várias configurações. Para os cultores da teoria evolucionista da modernização, como para aqueles que brandem contra o relativismo alegados universais (e os casos poderiam multiplicar-se), o foco está na medida do “desvio” de um termo menor face à norma definida pelo termo maior da oposição. É o desvio do Outro face ao Nós, da tradição face à modernidade (e à pós-modernidade), do diferente face ao idêntico — e, em termos mais propriamente cognitivos, da realidade empírica face ao modelo e à sua elegância formal. Ora, isso não é comparação, não é a comparação sistemática de que a sociologia (e a economia) tanto precisa, devendo para tal ter comunicação franca e frequente com a história, a geografia e a antropologia. Numa abordagem mais densa, deveria antes ver-se — escreveu Goody (2012 [2006]: 157), numa frase que os leitores saberão sopesar — “os dois lados da comparação como desvios em vez de ver um como a norma”.

Claro que precisamos de categorias. Nem que seja como “meras tabuletas de sinalização”, para lembrar o sarcasmo de um livro mais antigo de Jack Goody (1988 [1977]: 18). Mas façamos um uso prudente, instrumental, não categórico das categorias; e fujamos à sua reificação. Combatamos, como exige Nathalie Heinich (2009a: 62-64, 139-140), “o sofisma da categoria” e o “sofisma da oposição disjuntiva”. Não daremos conta de uma realidade social que é complexa, multifacetada e contingente com taxonomias baseadas em classificações dicotómicas e formais. E, portanto, o pensamento sociológico e a estrutura cultural em que faz sentido hão de ser mais abertos à comparação do que à classificação, à análise do que à nomenclatura, à substância do que ao nome.

Regresso a Baudelaire: a modernidade, o presente que flui, é “metade da arte”; para ser inteira, tem de dialogar com a outra metade, o que permanece. Não vejo razão para que os programas de conhecimento não façam seu este princípio central do programa artístico. Claro que é forçoso separar, nomear, dividir, classificar: estabelecer diferenças e quadros de diferenciação. Mas também relativizar e contextualizar as diferenças; conhecer e comparar as diferenças (não como o afastamento de um outro face a um, mas sim a comunicação entre os que são sempre os outros de outros e, por isso mesmo, são radicalmente equivalentes); e integrar as diferenças na complexa e mutável unidade que elas, por serem múltiplas e diversas, fazem. Para aproveitar a bela metáfora de Georg Simmel: precisamos de pontes como de portas.

 

Combinações em vez de dicotomias

Bridging the Divide, escreveu Nicos Mouzelis (2008) a propósito da teoria sociológica, numa fórmula cuja elegância a tradução não restituiria totalmente. Não se trata de negar as diferenças e os contrastes: aqui como nas outras esferas da vida, por mais perniciosa que seja a dicotomia, ela é sempre preferível à ilusão da unicidade. Mas importa levar a sério a complexidade única de cada um dos termos singulares que a oposição separa; e explorar os pontos e as formas de comunicação entre os separados.

Como será isto possível sem romper com a lógica dicotómica tão preponderante nas “formas escolares de classificação” (regresso à fórmula de Bourdieu), sem lhe preferir outro quadro de problematização? Um dos cientistas sociais que mais tem pugnado por isso, o antropólogo Jack Goody, sugere outra imagem gráfica: em vez da lista de pares opostos, uma tabela, uma “grelha de análise”, em que várias linhas se cruzam com várias colunas, em combinações mais densas do que a pura forma da identidade (A = A) e da diferença (A ¹ B). Essa seria “uma abordagem mais subtil do que a usual […] de lidar com categorias, frequentemente exclusivas” (Goody, 2012 [2006]: 48).

Ora bem: com esta ou outras imagens, o que estamos fazendo é aproximar-nos do que chamei, no início deste ensaio, um conhecimento em rede. Como modelo de abordagem dos processos sociais, ele não tem de pressupor (a partir de uma única Grande Síntese ou metanarrativa teórica, de entre as que a estrutura cultural moderna foi construindo) uma determinação causal entre factos que se impusesse universalmente, isto é, não dependesse da configuração concreta dos factos e do seu conhecimento específico. A rede prolonga a imagem da tabela até uma grelha aberta, isto é, em que o número de linhas e colunas não é definível aprioristicamente, mas resulta do ponto de entrada e da extensão e profundidade da nossa indagação intelectual. No entanto, recusando as modelizações tão estranhas a circunstâncias de espaço e tempo que só podem encontrar respaldo em crenças, afirmando a coextensividade da descoberta e da interpretação, a abordagem em rede quer pôr em melhor relevo a complexidade das interdependências, isto é, as múltiplas relações e direções da determinação e as margens de incerteza, o jogo do estrutural e do contingente e do macro e do micro que faz e muda as realidades sociais. Quer, em suma, constituir um inquérito racional mais denso e chegar a uma explicação mais ampla, menos esquemática, mais rica. Tal como está longe das grandes classificações formais, está também longe da renúncia, que muitos designam como pós-moderna, a qualquer ambição explicativa e a qualquer esforço intelectual de abstração e generalização, de interpretação holística dos processos sociais.

Poderíamos, pois, dizer: nem inteiramente modernos — isto é, subordinados ao paradigma das ciências ditas positivas de Oitocentos, que tanto se demorou, em algumas ciências sociais, ao longo de todo o século XX — nem complacentemente pós-modernos — isto é, refugiados na narrativa e na descrição, por mais vívidas, dos factos, ou mesmo circunscritos a um discurso circular a seu pretexto; mas situando-nos bem para lá dessoutra dicotomia entre modelos de conhecimento que, fazendo cristalizar os termos que classifica, adormece em vez de agitar a nossa inteligência. Aliás, porque não aplicar à luta de definição e (des)classificação entre modernidade e pós-modernismo o que Clifford Geertz (1984: 263) escreveu a propósito da contenda entre relativistas e antirrelativistas — que foi “uma batalha de ontem”, e os gritos de mobilização que nela fizeram sentido com ela passaram?

Significa isto a irrelevância, para o nosso tempo, da constelação de categorias que se foram forjando na estrutura cultural moderna e a partir da ideia de modernidade? Que devemos passar uma esponja sobre as relações de articulação e tensão entre elas, que foram tão marcantes para o pensamento sociológico? Que as arrumemos no capítulo próprio da história social e intelectual da nossa disciplina?

Não, por certo. Por um lado, isso seria reproduzir por nossa conta a mesmíssima lógica de classificação categórica e dicotómica que acabávamos de contestar, seria cometer o mesmo erro, tão bem sintetizado por T. Brook: “ao separar o moderno do pré-moderno, a história moderna desacreditou o pré-moderno como fonte de valor ou sentido contemporâneo” (citado por Goody, 2012 [2006]: 129). E, por outro lado, seria desistir da compreensão dos fundamentos e encruzilhadas da nossa própria estrutura cultural.

A questão não é, insisto, dispensar as categorias — seria um absurdo lógico. A questão é usá-las como ferramentas, não como rótulos; servir-nos delas como de chaves que abrem portas, havendo de combinar várias para poder abrir as múltiplas portas de entrada na enorme diversidade dos processos sociais. A questão é valorizar as categorias mais como instrumentos de compreensão do que de classificação; dispô-las em redes mais do que em oposições polares.

Dispostas em oposições disjuntivas, as categorias da modernidade excluem-se: moderno é o que não é tradicional, e tradicional não é moderno; moderno contrapõe-se a antigo, e antigo não pode ser moderno; moderno distingue-se de clássico, e ou se é clássico ou moderno; e depois pós-moderno opõe-se a moderno, ou opõem-se entre si as várias “qualidades” ou tempos de modernidade, e por aí sucessivamente. Muros que dividem, arrumam, assinalam propriedades e dissuadem intrusos. Mas, colocadas em grelhas, em tabelas de variáveis linhas e colunas, colocadas em redes atravessáveis por vários caminhos, as categorias são formas de pensar, nomear e comunicar as coisas e de estruturar o nosso pensamento acerca e a partir delas; e as classificações a que procedem, não constituindo produtos finais, são todavia recursos úteis.

Moderno contrapõe-se a tradicional, seguramente: quando conota uma descontinuidade num percurso histórico e num padrão de relações (numa ordem social, em sentido analítico). Mas as tradições, enquanto padrões de identidade e ação que se formam, consolidam e transmitem, são geradas quer por sociedades simples quer por sociedades complexas, quer por “comunidades” quer por “sociedades”, quer pelo “pré-moderno” quer pelo “hipermoderno”. E, se moderno conota o dinâmico, o que se move, o que muda, o que se transforma, então são bem modernas muitas tradições de tempos ou espaços anteriores ou exteriores ao que a classificação evolucionista descreve como modernidade: as tradições das sociedades sem escrita, ou das sociedades rurais, ou de enclaves e periferias. Combinações de modernidade e tradição, irredutíveis a dicotomias básicas e absolutas.

Moderno contrapõe-se a antigo, como ao velho se contrapõe o novo e o próximo ao distante. Porém, se moderno conota e bem o que julgamos mais novo, mais recente e próximo de nós, então o que é moderno agora será antigo num futuro mais ou menos imediato (o “paradoxo” assinalado por Jauss, 1994 [1978]: 158-209). Essa caraterização apenas designa, pois, o provisório e “fugidio” de cada momento (voltamos a Baudelaire): é um nome relativo e, por isso não pode fundar, ao contrário do que postulam as habituais teorias da modernização, nada mais do que o relativo.

Por seu lado, é também moderno o que há de próximo, intelectual ou materialmente próximo de nós, em contextos às vezes cronologicamente distantes em milénios — por exemplo, o que está próximo de nós na Grécia Clássica ou as descobertas que vamos fazendo de elementos que estão ou deviam estar próximos de nós (o que quer dizer, nós deles) nas grandes civilizações antigas do Oriente e do Sul. Logo, podemos e devemos salientar a por vezes espantosa modernidade de muito o que, por outro critério, bem designaremos como antigo. Moderno contra antigo, sim: mas um moderno que se tornará antigo, e um antigo com tanto de moderno…

Moderno contrapõe-se a clássico. Mas, se o faz como a variedade e a variabilidade se opõem ao que perdura, então clássicas são todas as obras criadas pela ação humana que passam o teste do tempo, incluindo as obras da modernidade. E porque passam esse teste senão porque nenhum uso particular delas é capaz de exauri-las; porque se pode generalizar a mais domínios o que Italo Calvino escreveu a propósito da literatura: “um clássico é um livro que nunca acabou de dizer o que tem a dizer”, “uma obra que provoca incessantemente uma vaga de discursos sobre si, mas que continuamente se livra deles” (Calvino, 1994 [1991]: 9, 10)?[3] Ou seja: porque continuam modernas para lá da modernidade imediata do seu tempo, permanecem nossas contemporâneas para lá da sua contemporaneidade originária, circunstancial e já passada.

Porém, se clássico é o moderno de amanhã, sobrevivendo ao moderno de hoje, clássico é também o padrão de aferição do moderno — e isso inverte a ideia moderna do progresso, já que sugere que o futuro e a orientação linear para o tempo futuro não é o critério único ou necessário de valor. Prezar deste modo o clássico é introduzir um ponto de consciência crítica muito importante para a nossa estrutura cultural de cunho mais tecnológico e lúdico que humanístico: como diz George Steiner (1992 [1971]: 136-137), é ter bem viva a ideia de que o tempo — e o seu teste — não é necessariamente comandado pelo futuro. E, finalmente, o que é verdadeiramente o clássico senão aquilo que cada presente e a sucessão dos presentes — isto é, dos modernos — convenciona tratar como tal, dedicando-lhe, na frase irónica e certeira do misterioso Borges (1983 [1968]: 234-235), uma “misteriosa lealdade”?

Tradicional, antigo, clássico, moderno — ou modernista, ou modernidade? O certo é que a exploração das múltiplas relações entre categorias que só se compreendem plenamente em tensão umas com as outras é bem mais promissora do que o simples elenco em grandes divisões binárias, como as dicotomias esquemáticas entre moderno e pré-moderno e entre pós-moderno e moderno. O que Simmel (1993 [1909]) disse acerca da ação humana — que liga o que está separado e separa o que está unido, que estabelece portas e constrói pontes — deve aplicar-se, por maioria de razão, à sua estrutura cultural. Nesta, o que se contrapõe não se contrapõe necessariamente aos pares, mas em configurações variadas (e aqui me afasto das análises de Alexander, 2003); e contrapor-se não é simplesmente dividir-se.

Depois, acresce que cada estrutura cultural comporta múltiplas dimensões, não podendo a interpretação ignorá-lo. Portanto: não podemos ficar pelas dicotomias esquemáticas porque elas reduzem a complexidade pluridimensional de qualquer estrutura cultural e paradigmática a uma só dimensão; e porque elas reduzem a complexidade relacional entre as categorias a uma só forma, e a mais frustre: a divisão binária.

Quem frequentar regularmente a literatura há de certamente notar quão próximo me encontro, neste ponto, da epistemologia associada a algum do grande romance novecentista, aquele que Calvino (2002 [1990]: 42, 127-128, 145) disse ser uma “procura de conhecimento”, um “método de conhecimento”, uma “rede de conexões entre os factos, as pessoas e os mundos”, “uma grande rede”. “Hoje em dia — continua Calvino (2002 [1990]: 138, 137) — já não se pode pensar numa totalidade que não seja potencial, conjetural e multíplice”; e, portanto, o conhecimento dela deve ser ele próprio concebido “como uma multiplicidade”.

A aproximação que favoreço entre a indagação sociológica de realidades sociais complexas e abertas e o que há de conhecimento na recriação literária destas não se destina, porém, a justificar (como faz algum pós-modernismo) qualquer renúncia à ambição de explicar e interpretar holisticamente, considerando as coisas como totalidades. Não é a circularidade sem fim de narrativas mais ou menos imaginosas que busco, mas ao contrário a progressão em espiral. Se, na bela frase de Calvino, cada totalidade já não o é senão em modo potencial, conjetural e multíplice, interpretá-la significa abordá-la uma e outra e outra vez, de cada vez partindo de um novo ponto de entrada e de um novo ângulo de observação, e percorrendo analítica e interpretativamente os fios possíveis a partir de cada ponto e cada ângulo. Isso obriga frequentemente a reconstruir a interpretação. Mas cada reconstrução enriquece, acrescenta conhecimento. Como n’O Quarteto de Alexandria de Lawrence Durrell, que devia ser bibliografia fundamental nos cursos de epistemologia das ciências sociais: os três primeiros volumes iluminam de forma diferente a mesma sucessão de acontecimentos e a mesma galeria de personagens, porque contrastam os pontos de vista; e é essa variação, culminada depois num desenlace de que o quarto volume dá conta, que permite aos leitores compreender o verdadeiro objeto deste romance prismático que é a cidade de Alexandria. Também a sociologia pode ser “n-dimensional” (Durrell, 2012 [1962]: 204); e sê-lo pode fazê-la progredir, não na ilusória linearidade dos positivismos tardios, mas em espiral envolvente, demorada… e ascendente.

As dicotomias devem ser reputadas, pois, adversárias do conhecimento em rede que propugno. O conhecimento em rede não pode ser modelizado e classificado no quadro de uma dicotomia.

 

Ser apenas contemporâneo

As identidades precisam de nomes. Não o ignoro, nem à sua consequência: que nome invocar para identificar a posição epistemológica para que estou convidando os meus leitores?

Apenas sugiro que, se a nossa circunstância continua a exigir alguma rebeldia face às classificações demasiado estandardizadas e taxativas (ora bem: categóricas) do pensamento sociológico — e em particular face às classificações dicotómicas — então não podemos escolher para nosso nome um dos termos vinculativos que estruturam essas mesmas classificações, qualquer que ele seja (por exemplo: moderno ou pós-moderno). Devemos é escolher um nome que seja mais oblíquo, ou exterior, a tais dicotomias.

Por isso me quero declarar apenas contemporâneo.

Afirmação de modéstia, qualidade bem necessária ao trabalho intelectual: contemporâneo é o que eu não posso deixar de ser, pertencendo à circunstância que me coube em sorte. Nada mais.[4] Se sou mais moderno ou mais pós-moderno, ou até mais pré-moderno, ou neomoderno (neobarroco, neoclássico, neotradicionalista, a lista dos rótulos, para quem os apreciar, é inesgotável), é coisa que já não sei dizer com propriedade, tão enviesadas me parecem essas “tabuletas de sinalização”. O que sinto quando me belisco para ter a certeza de que sou real, é o meu ser na sua circunstância: o meu ser no meu tempo. Há frases lapidares de filósofos que adornarão bem este ponto.

Mas ele, que é muito importante, não é o mais importante. Ao ser do meu tempo, sou virtualmente de todas as possibilidades abertas no e pelo meu tempo. Não tenho de fechá-las à partida, para me encerrar nesta ou naquela história; não tenho de considerá-las necessariamente como alternativas, obrigando-me a escolhas liminares e pouco menos que definitivas. Posso tomá-las por ferramentas, cuja utilidade só pragmaticamente se testa — e as mais das vezes nenhuma será útil só por si, mas sim em combinação com outras.

Autores como Nicos Mouzelis, John Parker e Rui Pena Pires têm proposto tratar a teoria sociológica como uma “caixa de ferramentas”. Isto não significa ignorar o modo como ela se declina em diferentes e contrastantes paradigmas; mas, pelo contrário, reconhecer até que, sendo esses paradigmas parcialmente incomensuráveis, a pluralidade é inevitável. Significa sim, acentuando o critério operatório, facilitar a intercomunicação, mostrando como as distintas ferramentas (heurísticas e interpretativas) podem ser aplicadas e adaptadas a observações e para teorizações específicas. Ora bem: alvitro que se estenda este empreendimento — que Pena Pires (2007) mostrou tão eloquentemente poder sustentar a reconstrução de “árvores conceptuais” na teoria sociológica da ação e da estrutura — ao plano ainda mais geral das categorias que organizam a nossa estrutura cultural. E, pelo menos, a essas categorias-chave do pensamento sociológico que gravitam em torno da ideia de modernidade.

Em vez de rotulagens categóricas, designações mais frouxas e plásticas. Em vez da obsessão com a etiqueta, atenção à substância do pensamento. Em vez de querelas terminológicas e lutas de (des)classificação, articulações produtivas. Em vez de lealdade às pressuposições de valor (o termo weberiano é bastante apropriado), investimento na indagação intelectual, teórica e empiricamente informada, da realidade humana. Cada tempo é um entrelaçamento de tempos: eis provavelmente a mais importante lição da história (Silva, 2013). Pois apliquemo-la também ao domínio do conhecimento: desenhando a grelha pedida por Goody, como alternativa às grandes dicotomias, em cujas linhas e colunas podemos dispor as múltiplas ordens de inteleção e as suas categorias principais, assim compreendendo melhor como não somos nem modernos nem pós-modernos porque somos simultânea e tensamente modernos e pós-modernos, clássicos e modernos, modernos e antigos, vinculados ao nosso presente, ao passado que o fez e aos futuros que ele abre. E tendo de olhar em todas as direções, ao contrário dos militantes de escolas, que nos querem orientados só para uma. Como dizia Balthazar a Darley, na Alexandria imaginada por Durrell (2012 [1962]: 730): “em cada ponto do tempo você defronta a multiplicidade”.

Recorro, para concluir, a um trecho de Walter Benjamin (1992 [1928]: 105-106):

O marinheiro “devorou” a proximidade e já só o interpelam as nuances exatas. Ele pode mais facilmente distinguir os países pela forma de preparação dos seus peixes do que pela arquitetura e o décor da paisagem. Está de tal forma à vontade no detalhe que, para si, as rotas em que se cruza com outros navios (e com o apoio de sirenes cumprimenta a sua própria firma) se transformam em estradas ruidosas em que é preciso dar passagem. No mar alto habita uma cidade onde na Canebière marselhesa se encontra uma taberna de Port Said, obliquamente defronte de um bordel de Hamburgo e o Castel dell’Ovo napolitano se encontra na Plaza Cataluña de Barcelona. Para os oficiais, a sua cidade natal ainda tem a primazia. Mas para o grumete ou o fogueiro, as pessoas cuja força de trabalho transportada mantém contacto com as mercadorias no bojo do navio, os portos que cruzam já nem sequer são pátria, mas sim berço. E, se os escutarmos, compreendemos quanta mentira se oculta no viajar.

Eis uma boa alegoria da indagação intelectual que prefiro. Aceito que os oficiais do meu mister optem por exercê-lo a partir da cidade natal do seu Sistema — e assim distingam as coisas e as nossas responsabilidades perante elas de acordo com sucessivas dicotomias operadas por categorias básicas, estáveis e exclusivas. O Sistema tem a vantagem de uma topografia simples; e as rotas para percorrê-lo podem ser solidamente estabelecidas por deduções encadeadas, antes mesmo de começar cada viagem. Esse conforto parece, contudo, ter um custo, a muita mentira que se esconde na viagem, e resulta da redução do mundo ao mapa. Uma prática mais vagabunda, intersticial, tentativa, menos fortalecida mas também menos aprisionada pelo Grande Esquema, há de perturbar a observação e o seu registo: mais sombras, labirintos, pontos de vista, tonalidades; mais efeitos da passagem, da ida e da vinda, do término e do recomeço, do avanço e do retorno. Com menos tabuletas de sinalização o caminho deixa de ser linear, previamente reconhecido, percorrido uniformemente por todos (e sujeito aos mais incríveis controlos institucionais!…). O risco de perder-se aumenta exponencialmente. Mas também a possibilidade de desbravar em várias direções as várias partes de vastos e complexos territórios, também a probabilidade da descoberta (e da serendipidade mertoniana). Em suma: não só cresce a capacidade de explorar e conhecer caso a caso, parcela a parcela, porto a porto, cidade a cidade, mas cresce ainda, e crucialmente, a visão panorâmica e a interpretação holística — já não fundadas agora na perspetiva de Sirius de uma Grande Teoria, que aplana o que é rugoso e despreza o chão vivido das coisas, mas pelo contrário calcorreando esse chão, ou (diria Benjamin) navegando os diferentes mares e perambulando pelos portos e escalas. Isto é: uma interpretação holística elaborada a partir de comparações sistemáticas e não etnocêntricas; a partir de narrativas e explicações não teleológicas; a partir do uso operatório e plástico dos múltiplos ângulos e instrumentos de observação e análise que vamos construindo e testando.

Não estou longe, espero, desse “pensamento do meio-dia”, o “pensamento dos limites” que, logo em 1951, Albert Camus opunha ao sonho moderno do Absoluto e à ameaça totalitária que ele comportava. Justamente em nome de uma leitura mais radical da modernidade, a que deduzia da sua consciência crítica (de “revolta”, os sociólogos de hoje diriam de emancipação) a ideia de limite (e não a suspensão da crítica em favor da nova causa, ou a suspensão da justiça em nome da justiça futura, ambos germes dos totalitarismos modernos) (Camus, 2008 [1951]: 349-382). A desconfiança “revoltada” (crítica) perante todos os absolutos e perante todas as utopias finalistas que julgam poder absorver as zonas de dúvida, dissidência, confrontação e criação — ou seja, tudo quanto faz a liberdade, intelectual e humana — não é apenas essencial no plano da ação e organização social como também, para sê-lo efetivamente, há de pautar os elementos próprios das estruturas culturais e dos paradigmas e programas cognitivos. Porque, como vimos, a modernidade articulou esses três planos social, cultural e científico.

Eis, pois, um pequeno kit epistemológico para sobreviver às classificações do pensamento sociológico: ceticismo perante as visões binárias do mundo e os quadros de entendimento construídos apenas sobre divisões categóricas; escrutínio permanente das grandes sínteses e firme denúncia dos seus pressupostos naturalistas e etnocêntricos e das suas reconstruções teleológicas; desprezo pelas técnicas de rotulagem e as lutas de escola. Isto do lado da negação. E do lado da afirmação: emprego operatório e instrumental das categorias; sua colocação em rede, permitindo interações a vários sujeitos e em várias dimensões; respeito por e aproveitamento do caráter plástico, adaptativo, polissémico das categorias da cultura e do pensamento; multiplicação das comparações, que fazem mudar o ponto de vista e as realidades observadas, e das interpretações holísticas estabelecidas a partir delas; exploração sistemática das possibilidades (em vez do culto quase religioso de Sistemas que as fecham), as possibilidades abertas por este jogo de interdependências, indeterminações e contaminações ou fecundações recíprocas entre ideias, categorias e quadros de pensamento.

Estou muito convencido de que esta maleta de primeiros socorros ajuda a sobreviver às classificações. Mas talvez sirva para mais. Talvez seja um ponto de partida para a compreensão e a prática mais ágil e criativa das ferramentas sociológicas.

Há uma maneira de pô-las sobre a mesa seguindo estritamente as respetivas instruções: faremos todos mais ou menos da mesma maneira, publicaremos segundo as mesmas regras e formatos, corroboraremos pela enésima vez a teoria que aplicamos ou registaremos a enésima “anomalia” kuhniana que tornará mais próximo o seu desabamento. Mas podemos ser menos disciplinados, menos repetitivos, mais desenvoltos, jogando as fichas nas múltiplas combinações e nas múltiplas possibilidades. O mais certo é que a “prosa do mundo”, que Hegel dizia ter começado com Roma e de que a instituição académica se está tornando uma das mais lídimas e potentes expressões, venha a resmungar. Mas talvez possamos invocar George Steiner (2012: 219-222) e pedir autorização para cultivar, pelo menos nas humanidades e ciências sociais, essa ligação essencial entre pensamento e linguagem poética. Ou mesmo sermos mais atrevidos e dizer dessa casa menos compacta mas mais aberta que é uma epistemologia não fundacionista nem classificatória, o que a grande poeta Emily Dickinson disse da poesia, em versos memoráveis: I dwell in Possibility/A fairer House than Prose…[5]

 

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Receção: 6 de fevereiro de 2014 Aprovação: 27 de maio de 2014

 

Notas

[1] O texto desenvolve a conferência proferida no quadro do programa de doutoramento em sociologia do ISCTE-IUL, no ano letivo de 2013-2014. Agradeço o convite da direção do programa e os comentários dos seus participantes.

[2] Recorro à expressão de Samuel Eisenstadt, mas previno contra a sua reificação. O “programa” moderno não pode ser tratado como um sujeito histórico; é o que um anglófono designaria como framework, um quadro operatório que moldará vários sujeitos e várias ideias de sujeitos (por exemplo, o liberalismo e o socialismo, o secularismo e os neotradicionalismos, etc.).

[3] Ou, noutro registo, o célebre dito que as coleções de ditos atribuem a André Malraux: “A Gioconda sorri porque todos os que lhe puseram bigodes estão mortos”.

[4] Noutros sistemas de classificação que não o do pensamento sociológico, “contemporâneo” quer dizer mais, denota um género próprio. É o que se passa com a arte contemporânea, ou com a música contemporânea. Não tenho aqui espaço para considerar esta questão específica, mas tenciono abordá-la noutra ocasião. Entretanto, os leitores interessados aprenderão muito, querendo, com as análises de Nathalie Heinich (por exemplo, 1999, 2009b).

[5] Os leitores interessados encontrarão boas traduções portuguesas em Dickinson (2010a e 2010b).

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