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Sociologia, Problemas e Práticas

versión impresa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  no.70 Oeiras set. 2012

https://doi.org/10.7458/SPP2012701215 

Escola e Estudantes Da Europa [Susana da Cruz Martins, 2012, Lisboa, Editora Mundos Sociais]

José Veiga Simão*

 

* Ex-ministro da Educação, doutor honoris causa pelo Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL). E-mail: veiga.simao@aip.pt

 

O livro Escola e Estudantes da Europa é um excelente estudo donde constam abundantes dados e análises comparativas sobre os sistemas educativos da União Europeia — sobre as próprias escolas e as comunidades educativas — dando relevo a diferenciações e similitudes em termos de configurações orgânicas, de governo das escolas e universidades, de financiamentos e apoios públicos, de recursos para aprender e ensinar na sociedade de informação, de estruturas sociais e percursos escolares e de desigualdades nas “bagagens” dos alunos no acesso e frequência do ensino superior. Desde logo, é de louvar a preocupação da autora em integrar as análises comparativas no quadro europeu e implicitamente referir forças e fraquezas que determinaram a evolução do sistema educativo no nosso país.

A densidade de referências, recorrendo a investigação própria e a estudos publicados por autores reconhecidos, é notória e compreensível, embora não facilite exercícios relativos à linearidade e originalidade do raciocínio e não confira o relevo merecido a reflexões conclusivas da autora.

O livro integra-se, aliás, num conjunto de trabalhos que a doutora Susana da Cruz Martins vem realizando como investigadora do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), designadamente sobre o ensino secundário e superior, literacia e competências na sociedade do conhecimento, padrões de vida e modernização das estruturas sociais, para além de diversos artigos e comunicações em conferências e revistas da especialidade.

Os comentários que selecionei incidem essencialmente sobre aspetos conceptuais que chamaram a minha atenção. Assim:

·       As análises comparativas incidindo sobre os países da UE-27 não são fáceis de construir, mesmo restringindo o seu âmbito à última década do século XX e à primeira década do século XXI. As razões são diversas: alterações que nesse período sofreram os sistemas educativos (e que o livro refere com minúcia) e diversidade estrutural dos sistemas, apesar da convergência dos princípios e de muitos dos objetivos. As políticas educativas assumem prioridades diversas interpaíses e intrapaís naquele período de tempo, embora sobressaia a tendência para definir um espaço europeu de educação, de se aprovarem níveis de qualificação comuns, como orientações estratégicas, fazendo corresponder a esses níveis competências profissionais, devidamente reconhecidas. Infelizmente temos de constatar que com os dados do presente livro, apesar de essenciais, ficamos limitados nos estudos prospetivos devido à atual “crise na União Europeia”, cujos efeitos em 2010 e 2011, porventura entre 2012 e 2015, se traduzem em recuos significativos e heterogéneos em indicadores quantitativos e qualitativos da educação nos diversos países da UE-27.

·       É o caso dos financiamentos pelo estado, por instituições da sociedade civil, por empresas e pelas famílias na educação e formação. É notoriamente diferente, por razões conhecidas, o posicionamento de governos da Europa do Norte, de Leste e do Sul, a que se adicionam desempenhos e prioridades governamentais por vezes antagónicos. Os reflexos negativos em indicadores de qualidade, como no rácio professor/aluno, no culto da observação científica e cultural e na participação das famílias e das comunidades são inevitáveis, se não se definir uma política autenticamente solidária para a educação e formação na União Europeia.

·       O livro revela com clareza que a “turbulência criativa” a que têm sido sujeitos os “sistemas educativos”, as “estruturas organizacionais”, os “planos e conteúdos curriculares” nem sempre consonantes com a “evolução do conhecimento”, dá origem a nomenclaturas que refletem e escondem posições sociais e educativas algo contraditórias, mas que a autora por si ou reproduzindo textos faz esforços para harmonizar. É o caso das designações ensino básico (1.º, 2.º e 3.º ciclos), de ensino secundário inferior (3.º ciclo), de ensino secundário superior (4.º ciclo), ou de ensino secundário geral e complementar. É, ainda, o caso do ensino terciário, que abrange o pós-secundário não superior e o pós-secundário superior (universitário e politécnico). O conceito de ensino obrigatório com e sem gratuitidade (a qual não acontecendo não justifica a obrigatoriedade, mas acontecendo pode não ter cumprimento); o caso das desigualdades sociais, que teimam em aumentar cada vez mais, e da contribuição que deve dar a educação para a sua correção (o que leva, na minha opinião, a defender a obrigatoriedade e gratuitidade do pré-escolar entre os três e os cinco anos). Note-se que ao ser referida a escolaridade obrigatória e gratuita em Portugal se constatam insólitos avanços e recuos: avanços na I República; recuos no Estado Novo; avanços na Reforma Educativa de 70; recuos em 1975; avanços em 1986, avanços em 2009. Este último avanço para doze anos de escolaridade obrigatória e gratuita apresenta contradições com as leis do trabalho, as quais têm de ser resolvidas…

·       Por sua vez os quadros nacionais de qualificação têm sofrido alterações de vária ordem que não podem resumir-se a mudanças de nível. Uma delas diz respeito aos cursos de especialização tecnológica, considerados pós-secundários não superiores, que passaram do nível 4 para o nível 5 sem que os conteúdos curriculares correspondam aos domínios que caracterizam os resultados da aprendizagem (conhecimento, aptidões e atitudes). A verdade porém é que o livro de Susana Martins consegue com êxito, num quadro de dificuldades, manusear dados estatísticos de diversas fontes, quer os harmonizados, os compatibilizados e os difundidos por agências internacionais, quer os que resultam de estudos em colaboração internacional, mercê de inquéritos nacionais. Mas, e muito bem, a autora não deixa de alertar para a falta de “olhares mais para dentro da escola e para os conteúdos do que é aprendido”. Por isso salienta que “a comparação dos currículos escolares e da organização escolar” — a que eu acrescento “da avaliação do desempenho da escola” — tem sido limitada nos estudos da União Europeia. Esses estudos, como bem diz, poderiam reverter para melhor deslindar os processos de aprendizagem e interpretar os resultados escolares.

·        O livro é ainda de grande utilidade para quem deseja aprofundar ou interpretar configurações e perfis educacionais, definir espaços socioeducacionais e correspondências múltiplas e ensaiar o que a autora designa por “clusters educativos”, porventura mais virtuais do que reais. De facto, na sociedade em que vivemos, o conhecimento é o alimento determinante do “desenvolvimento” e a sua transformação em “bens económicos e culturais”, em termos da economia de mercado, é um desígnio das nações para os próximos anos e a garantia da identidade e sobrevivência de um país como “criador de riqueza”. Curiosamente, apesar dos séculos, hoje mais do que nunca, adquire pleno significado o termo educare atribuído por Cícero em De Amitia como sendo: “alimentar”, “formar”, “treinar”, “conduzir para longe”, “empreender”. Nesse contexto, a doutora Susana Martins refere uma vertente que confessa não aprofundar “a análise sobre as relações das estruturas educacionais e o mercado de trabalho no contexto europeu” e, naturalmente, no âmbito da sociedade do conhecimento. As consequências sobre a “oferta” e a “procura” educativa em relação ao “tecido produtivo”, ao “tecido cultural” e ao equilíbrio “pessoa humana versus Natureza”, em termos atuais e prospetivos constitui, sem dúvida, um desafio prioritário para a reestruturação ou aperfeiçoamento dos sistemas educativos e formativos da próxima década do terceiro milénio.

·        No entanto, a doutora Susana Martins não deixa de abrir algumas “janelas” nesse patamar, quando refere alguns dados relativos ao ensino secundário humanístico e científico, ao ensino secundário tecnológico e ao ensino profissional e, bem assim, à existência de “escolas secundárias polivalentes” e de “escolas secundárias especializadas”. Desde logo uma questão pertinente que se evidencia é a das “bases culturais científicas mínimas” que devem existir em todas elas. Um problema que teve uma evolução cheia de contradições em Portugal no pós-Abril. Os seus maiores reflexos, que ainda hoje permanecem, resultam da forma como se atinge a igualdade do “status social” versus “diversidade curricular” entre o ensino liceal e o ensino tecnológico, o ensino humanístico e científico e o ensino tecnológico e o ensino profissional. É interessante verificar o modo como estes ensinos são cultivados nas escolas públicas e privadas. No que respeita ao ensino superior, a nível informativo, a autora refere as tipologias dos sistemas de dominação universitária, dual, binária e estratificada, as quais são “simbioses imperfeitas” dos modelos napoleónico-latino, anglo-saxónico nas variantes europeia e americana e, ainda, os sistemas de dominação “estatista”, com as nuances correspondentes aos países na órbita da ex-União Soviética e aos países que resultaram da desagregação da ex-Jugoslávia, onde uma autogestão hierarquizada atingiu graus elevados nos estatutos das instituições. Seria interessante analisar, neste contexto, o impacto do Legislative Reform Program do Conselho Europeu, dirigido a todos os países do Leste europeu, que teve lugar entre 1993 e 1999. A doutora Susana Martins parece-me benévola em relação à aplicação do processo de Bolonha em Portugal, quer no ensino politécnico quer no universitário. Na verdade acentua o sucesso na “engenharia curricular do Diário da República” mas não refere a heterogeneidade gritante na centralidade da aprendizagem do aluno, no ensino tutorial e na evolução da relação professor/aluno, o que pode pôr em causa o valor dos diplomas e graus. Eu sei que há “nichos de excelência”, como é o caso de várias áreas no ISCTE-IUL. Acresce que, ainda hoje, não está definida a correspondência entre a licenciatura (1.º ciclo de três anos) e os títulos profissionais, gerando polémicas com as Ordens Profissionais. O Processo de Bolonha também não devia ser aproveitado pelo estado para diminuir o financiamento, designadamente no que respeita a “mestrados não integrados”, representando um recuo assinalável na igualdade de oportunidades. A qualidade, por sua vez, devia ser financiada. A estrutura fundacional do ISCTE-IUL julgo que reduz alguns destes efeitos negativos. Penso que a caracterização do “espaço do ensino superior” e as modalidades institucionais que o preenchem deviam ser aprofundadas e, bem assim, do espaço de ensino pós-secundário não superior, dadas as consequências da sua qualidade sobre a competitividade dos países e as realizações individuais. Será que o Processo de Bolonha vai tornar igual o ensino politécnico e o ensino universitário? Será que as carreiras docentes passam a ser iguais? Será que são eliminados os estágios correspondentes aos antigos bacharelatos profissionais, hoje licenciaturas? Será que os cursos de especialização tecnológica serão apenas portas de entrada para o ensino superior? Muitas outras questões se podiam colocar no domínio pós-graduado, mas estão fora do âmbito desta intervenção.

·       Italo Calvino, que a doutora Susana Martins muito apropriadamente cita e segue ao optar pela “continuidade da vida”, dissertou sobre os valores do terceiro milénio que os sistemas educativos devem cultivar, entre eles, a “leveza do saber pensar”, a “rapidez e consistência na passagem do pensamento à ação”, a “coerência na organização”, a “exatidão na análise crítica”, consciente sempre de que são os “bits” que comandam as “máquinas”. Pelo que dissemos a autora privilegia no conteúdo deste livro as análises comparativas do “universo escolar”, ou seja, às comunidades de professores, alunos, técnicos e funcionários, aos órgãos de governo, à natureza das organizações, às origens sociais, aos contextos e recursos da família, aos apoios públicos e privados, ao financiamento do estado e de instituições não estatais. Em paralelo dá ênfase natural à educação-formação e à sociologia. Será, porém, de grande oportunidade continuar esta análise e associar a economia e a cultura. É que, no que respeita ao que se pode designar por “continuidade e complexidade da vida” com a “argamassa do conhecimento” o nosso país tem de construir hélices triplas que associem o governo, a escola e a empresa (económica e cultural), substituindo “esferas de competência” por “espaços de cooperação”. Não é fácil, dada a promiscuidade existente entre o “poder político” e o “poder económico”. Mas se assim não for o “conhecimento não será utilizado como oportunidade ao serviço do cidadão”, e como disse Einstein: quem não faz as coisas a tempo está perdido. Está em causa não apenas o “saber” mas também o “saber fazer” e o “fazer”.

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