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Sociologia, Problemas e Práticas

versión impresa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  n.65 Oeiras ene. 2011

 

Community, Culture and The Makings Of Identity. Portuguese-Americans along the Eastern Seaboard

 

Graça Índias Cordeiro*

* Docente do Departamento de Métodos de Pesquisa Social do ISCTE-IUL e investigadora do CIES-IUL. E-mail: graca.cordeiro@iscte.pt

 

[Kimberly Dacosta Holton e Andrea Klimt, 2009, Portuguese in the Americas Series, North Dartmouth, MA, University of Massachusetts,  Center for Portuguese Studies and Culture]

A imigração portuguesa para os EUA iniciou-se através das rotas baleeiras do século XIX, maioritariamente originária dos arquipélagos atlânticos dos Açores e de Cabo-Verde, e foi-se fixando em três regiões costeiras do país: no Nordeste, com uma maior expressão nos estados de Massachusetts e Rhode Island, na Califórnia e no Havai. A extensa colectânea agora publicada pelo Center for Portuguese Studies and Culture da University of Massachusetts, em Dartmouth, situada a sul de Massachusetts, no coração do “arquipélago português”, reúne um conjunto de estudos sobre Portuguese-Americans and other related communities nesta região e em Newark (Nova Jérsia), com algumas discretas incursões comparativas com outros destinos imigratórios, como sejam o Canadá (Bloemraad) ou a Alemanha (Klimt). As suas organizadoras, professoras na University of Massachusetts, em Dartmouth (Andrea Klimt),  e na Rutgers University, em Newark (Kimberly DaCosta Holton), têm uma longa experiência de investigação e de ensino sobre esta “diáspora”, com a qual convivem no seu quotidiano profissional. Analisar a história, a cultura e as dinâmicas sociais dos Portuguese-Americans e outras comunidades com eles interconectadas (p. 22), avançar na compreensão da “migração transnacional e subsequente processo de identidade e formação de comunidade entre imigrantes e seus descendentes” (ibidem) são os objectivos genéricos desta obra.

Com enquadramentos disciplinares próximos — desde a sociologia e a antropologia, até à ciência política e aos estudos culturais — os 20 capítulos que a compõem estão organizados em cinco grandes unidades temáticas: 1) citizenship, belonging and community; 2) expressive culture, media representations and identity; 3) education, social mobility and political culture; 4) work, gender and family; 5) e uma última parte que, sob o título race, post-colonialism, and diasporic contexts, reúne os capítulos que não se dedicam exclusivamente a portugueses ou seus descendentes. Trata-se de uma organização flexível que tenta dar coerência a um conjunto de textos que contrastam entre si, quer pelo momento em que foram publicados (entre 1980 e 2009), quer pelas abordagens teóricas e metodológicas distintas, quer, inclusivamente, pela sua qualidade. Neste sentido, a organização nestas cinco partes é meramente indicativa dos assuntos tratados em cada um dos capítulos, independentemente da forma como estes se complementam ou interagem entre si.

Numa apreciação individualizada, por capítulo, são de sublinhar os excelentes artigos inéditos aqui publicados,  que acrescentam algo de novo a uma área de estudos que, a partir dos anos de 1970, se foi definindo em torno de uma discreta, embora numerosa, “minoria invisível” (hidden minority) residente nesta região dos EUA e que suscitou um conjunto de textos, hoje de referência, para quem se interesse pelo tema (Adler, 1972; Smith, 1974; Handler, 1981; Machado, 1981; Pap, 1981, entre outros). Seguindo a ordem do livro, uma especial referência para o texto de Irene Bloemraad, “Citizenship, naturalization and electoral success: putting the portuguese-american experience in comparative context”, em que a autora discute os factores que afectam a tão conhecida “invisibilidade” política dos imigrantes portugueses na área de Boston, contrastando com os de Toronto, e mostrando, entre outras coisas e de modo admirável, como as “linguagens da raça e etnicidade operam de forma diferente no Canadá e nos Estados Unidos” (Bloemraad: 43), sendo, no primeiro caso, a linguagem do multiculturalismo orientada para a etnicidade e, no segundo caso, para os grandes grupos raciais. Tal como nos igualmente bons textos de Clyde Barrow, “The political culture of Portuguese-Americans in southeastern Massachusetts”, e de M. Glória de Sá e David Borges, “Context or culture: Portuguese-Americans and social mobility”, o contexto de recepção é crucial para compreender algumas das peculiaridades atribuídas aos imigrantes portugueses como fazendo parte da sua “herança histórica e cultural” (tal como fraca mobilidade social, pouca instrução, pouca participação política e assim por diante). “Muito do conhecimento convencional sobre a relação entre política e Portuguese-Americans é, simplesmente, mitologia ou estereótipo étnicos” (Barrow: 292). Cada um destes textos convoca para a sua análise, de forma rigorosa, dados quantitativos que, devidamente contextualizados, ajudam a identificar alguns factores organizacionais, políticos, económicos, simbólicos, que caracterizam o encontro particular, em tempos e espaços bem delimitados, das populações em análise, rebatendo assim estereótipos e imagens destorcidas que se têm reproduzido em torno dos portugueses e seus descendentes, particularmente nos EUA.

Outra referência especial merece o capítulo da autoria de Miguel Moniz, “The shadow minority: an ethnohistory of Portuguese and Lusophone racial and ethnic identity in New England”, que empreende uma minuciosa exploração etno-histórica em torno da “natureza maleável da categorização étnica e racial portuguesa”, analisando de modo perspicaz as complexas intersecções entre white portuguese e black portuguese (cabo-verdianos), as classificações e a lei; e, ainda, o texto de Marylin Halter, que, partindo da sua anterior investigação sobre a imigração cabo-verdiana para os EUA (1865-1960), consegue traçar um quadro muito rico e expressivo das mais recentes mudanças que continuam a desafiar “rigorosas classificações culturais, desafiando as noções de raça, etnicidade, cor e identidade” (Halter: 552); particularmente interessante é a sua análise sobre a interacção com outras “comunidades” lusófonas, como a brasileira, que desde finais do século XX alteraram profundamente o panorama do falar português (portuguese-speaking) nesta região (“Diasporic generations: distinctions of race, nationality and identity in the Cape Verdean community, past and present”). Próximo deste capítulo de Marylin Halter, podemos referir ainda a valiosa etnografia de Gina Sánchez Gibau, “Contested identities: narratives of race and ethnicity in the Cape Verdean diaspora”, que, apesar de ser uma republicação dum texto de 2005, nos traz a frescura de um olhar conhecedor sobre Dorchester e Roxbury, bairros de maior concentração cabo-verdiana na cidade de Boston.

Todos estes capítulos são actuais, maioritariamente inéditos, e fariam, só por si, uma excelente colectânea, pois trazem um olhar renovador sobre uma realidade imigratória cujo conhecimento se tem reproduzido demasiado em torno de ideias feitas. Apesar das suas perspectivas diferentes, há algo em comum que os une: incluem o contexto como parte intrínseca dos casos em análise, assumindo que o contacto entre populações — nas suas várias dimensões, desde as socioeconómicas até às político-culturais — é algo que se passa em lugares e tempos concretos. Que o contexto não é apenas paisagem e que as “identidades culturais” não são “coisas”, mas sim “processos” (Brubaker, 2009), por vezes contraditórios e imprevisíveis.

Dos restantes catorze capítulos, vale a pena distinguir um conjunto de textos que são contribuições valiosas para um maior aprofundamento do tema em causa. Uns são casos delimitados em torno de acontecimentos festivos e rituais, como as festas do Espírito Santo (João Leal), uma digressão de uma banda em Portugal (Khaterine Brucher), ou de fontes, como uma exposição museológica (Lori B. Baptista), um corpus de notícias de jornal (Rui Correia) ou um “caso de polícia” que se tornou mediático (Onésimo T. Almeida). Outros tratam da relação entre trabalho, género e família, com dois textos datados (Louise Lamphere e outros, 1980; Ann Bookman, 1988) e uma excelente análise de Penn Reeve (1998) sobre a participação dos portugueses no labor mouvement do sueste de Massachusetts entre 1920 e 1950. E, ainda, o esforço de comparação que Andrea Klimt faz entre uma investigação consolidada sobre imigração portuguesa para a Alemanha e um olhar assumidamente menos consolidado sobre o caso do sueste de Massachusetts; diria que este texto vale, sobretudo, pelos problemas e dúvidas que levanta, desde logo ao assumir, como um dado de partida, que está a observar two relatively similar groups of migrants como se a partilha de uma mesma nacionalidade resultasse numa homogeneidade não questionável.

Finalmente, resta-nos referir os textos que, afirmando situarem-se no âmbito dos actuais debates sobre transnacionalismo e transmigração (Bela Feldman-Bianco, Kimberly DaCosta Holton) acabam por nos devolver uma velha imagem essencialista do “ser português”, assumindo que a saudade é, “na verdade, uma construção cultural que define a identidade portuguesa no contexto de múltiplas camadas de espaço e tempo (passado)” (Feldman-Bianco: 51), tema que sustenta 43 páginas sobre a relação entre a identidade “cristalizada” dos imigrantes e o Estado português; ou a análise dos ranchos folclóricos portugueses em Nova Jérsia (Holton); ou, ainda, uma crítica pouco fundamentada sobre a integração dos retornados na sociedade portuguesa, partindo da análise das memórias de seis angolanos que migraram para Nova Jérsia (Holton)… São capítulos que, ao (sobre)valorizarem as “continuidades” com um Portugal imaginado, reproduzem uma imagem descontextualizadamente “exótica” destas “comunidades”, contribuindo assim para o mito que os outros textos tentam desconstruir.

Organizar uma colectânea desta dimensão constitui um desafio apreciável. Os critérios que presidiram à escolha dos textos não são, contudo, claros. Nem na definição do período em análise, nem no recorte populacional proposto.

Em primeiro lugar, no que se refere ao período em análise. A ideia de reunir num único volume textos inéditos e antigos, já publicados, é, em si, uma boa ideia, mas obrigaria a uma contextualização histórica mais informativa. Os textos publicados nos anos 80 e princípios dos anos 90 referem-se a uma realidade ainda muito marcada por uma significativa chegada de imigrantes portugueses, o que, a partir dos anos 90, praticamente termina. Em 2009 a realidade dos Portuguese-Americans é muito diferente — como bem se nota na maioria dos textos inéditos. A dominante actual da imigração de língua “portuguesa” é a brasileira — que, paradoxalmente, conta com um artigo apenas (Ana Ramos Zaya). A não explicitação dos critérios para esta selecção de textos antigos, talvez considerados “históricos”, leva a uma visão de conjunto com risco de atemporalidade, como se não fosse importante o momento histórico das análises e das realidades subjacentes. Visão esta que é reforçada pela forma de apresentar a bibliografia em bloco, no final, descontextualizada dos diferentes textos que a referem. Uma antologia é feita de artigos autónomos, datados, com bibliografia própria, o que aqui desaparece, retirando ao leitor a possibilidade de apreender as opções bibliográficas, teóricas, metodológicas e, até, políticas de cada autor.

Do ponto de vista do seu recorte populacional, a ambiguidade prende-se, talvez, com uma decisão tardia de inclusão de outras comunidades, para além da Portuguese-American, o que resulta num desequilíbrio — desde logo presente no título, que não refere esta mudança de enfoque. Dos 20 capítulos, 15 debruçam-se sobre portugueses e seus descendentes e apenas cinco sobre “outros casos”. Com efeito, a última parte do livro, que inclui estes “outros”, acaba por ser a única que, realmente, trata da intertwined social dynamics of these immigrant communites que, em 2009, são maioritariamente brasileiras e cabo-verdianas, se formos rigorosos com o termo “imigrante”.

Na sua síntese final, Caroline Brettel propõe uma leitura cruzada dos textos, fazendo-os dialogar em torno de algumas questões, sempre úteis para quem estuda a “diáspora” portuguesa nos EUA. E relembra, uma vez mais, o seu estatuto de “enclave étnico” e “minoria invisível”, referido por tantos autores. O que nos faz pensar se esta invisibilidade não resultará, também, de uma certa invisibilidade científica do “caso português”, cujo conhecimento se tem desenvolvido de um modo relativamente “endogâmico”, reproduzindo uma espécie de “enclave teórico” baseado em perspectivas comuns… Com algumas raras excepções, presentes nesta obra!

 

Referências bibliográficas

Adler, James P. (1972), The Portuguese Ethnic Minorities in Cambridge, vol. 1 (integral), Cambridge Planning and Development Department, Cambridge, MA, The City of Cambridge Printing Department.

Brubaker, Rogers (2009), “Ethnicity, race, and nationalism”, Annual Review of Sociology, 35, pp. 21-42.         [ Links ]

Handler, Mark (1981), “Azoreans in America: migration and change reconsidered”, em Joan Rollins, Hidden Minorities. The Persistance of Ethnicity in America Life, Washington, DC, University Press of America, pp. 177-231.

Machado, Deirdre Meintel (1981), “Cape Verdean Americans”, em Joan Rollins, Hidden Minorities. The Persistance of Ethnicity in America Life, Washington, DC, University Press of America, pp. 233-256.

Smith, M. Estellie (1974), “Portuguese enclaves: the invisible minority”, em T. K. Fitzgerald (org.), Social and Cultural Identity. Problems of Persistence and Change, Athens, GA, University of Georgia, Southern Anthropological Society Proceedings, pp. 81-91.

Pap, Léo (1981), The Portuguese-Americans, Boston, Twayne Publishers.

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