SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número63Las configuraciones político-administrativas y la selección de los dirigentes: el caso de la administración pública portuguesaLa posibilidad de des-civilización índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Sociologia, Problemas e Práticas

versión impresa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  n.63 Oeiras mayo 2010

 

Gangues de rua em Luanda

De passatempo a delinquência

 

Paulo de Carvalho*

* Professor associado na Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto (Luanda, Angola). E-mail: paulodecarvalho@sociologist.com

 

Resumo

Na segunda metade da década de 1990, os grupos juvenis de Luanda começaram a transformar-se em gangues de rua, que exercem actividade marginal em espaços geográficos predeterminados. O artigo examina as causas da delinquência juvenil na capital angolana, apresentando ainda as características e a forma de actuação dos gangues de rua. Os integrantes dos gangues têm consciência da actividade marginal que desenvolvem e da forma como essa actividade é socialmente condenada. Utilizando a teoria da rotulagem, o autor conclui que, uma vez rotulado como delinquente, o jovem é socialmente estigmatizado e socialmente levado a assumir esse rótulo, reincidindo na prática desviante e mantendo-se no grupo.

Palavras-chave: anomia, criminalidade, delinquência juvenil, gangue, violência.

 

Street gangs in Luanda: from amusement to delinquency

Abstract

In the second half of the 1990s, the juvenile groups in Luanda began to transform themselves into street gangs, carrying out marginal activities in predetermined geographical areas. This article examines the causes of juvenile delinquency in the Angolan capital, while also presenting the street gangs’ characteristics and their way of operating. The gang members are conscious of the marginal activity in which they are engaged and the way in which this activity is socially rejected. Using the theory of labelling, the author concludes that once young people have been labelled as delinquents they are socially stigmatised and socially led to assume this label, relapsing into the deviant practice and remaining in the group.

Key-words: anomie, crime, juvenile delinquency, gang, violence.

 

Les gangs de rue à Luanda: du passe-temps à la délinquance

Résumé

Durant la seconde moitié des années 1990, les groupes de jeunes de Luanda ont commencé à se transformer en gangs de rue, qui exercent une activité marginale dans des espaces géographiques prédéfinis. Cet article examine les causes de la délinquance chez les jeunes de la capitale angolaise et il présente les caractéristiques ainsi que les modes d’action des gangs de rue. Les membres des gangs savent que leur activité est marginale et combien cette activité est socialement condamnée. En utilisant la théorie de l’étiquetage, l’auteur conclut qu’une fois qu’il a l’étiquette de délinquant, le jeune est socialement stigmatisé et socialement poussé à assumer cette étiquette, ce qui l’oblige à récidiver dans la pratique déviante et à rester dans le groupe.

Mots-clé: anomie, criminalité, délinquance juvénile, gang, violence.

 

Bandas callejeras en Luanda: de pasatiempo a delincuencia

Resumen

En la segunda mitad de la década de 1990, los grupos juveniles de Luanda comenzaron a transformarse en bandas callejeras, que ejercen actividades marginales en espacios geográficos predeterminados. El artículo examina las causas de la delincuencia juvenil en la capital angoleña, presentando también las características y la forma de actuación de las bandas callejeras. Los integrantes de las bandas tienen consciencia de la actividad marginal que desenvuelven y de la forma como esa actividad es socialmente condenada. Utilizando la teoría de la etiquetación, el autor concluye que una vez etiquetado como delincuente, el joven es socialmente estigmatizado y socialmente obligado a asumir esa etiqueta, reincidiendo en la práctica desviante y manteniéndose en el grupo.

Palabras-llave: anomia, criminalidad, delincuencia juvenil, banda, violencia.

 

Introdução

O ser humano pode desviar-se das normas impostas pela sociedade, seja por desconhecimento dessas normas, seja por opção ou coerção. Há comportamento desviante quando se regista o não cumprimento das normas impostas ou aceites pela sociedade.

Quase toda a gente transgride a normas. Mesmo aqueles que estão convencidos de terem um comportamento absolutamente de acordo com as normas sociais, há momentos em que desrespeitam normas (mesmo legais) — quanto mais não seja, por ser prática comum desrespeitá-las ou por se considerar socialmente que não deveria haver lugar à sua imposição.

Para além disso, é preciso considerar o meio em que determinada norma vigora (cf. Becker, 1973; Gerhardt, 1989; Neto, 2004). O que se passa é que as regras sociais podem diferir de sociedade para sociedade e em função de divisões com base na estratificação social e na estrutura de poder. Há normas características da classe média, por exemplo, que diferem dos códigos que vigoram em classes sociais mais baixas.

Associado ao conceito de desvio está o conceito de anomia, que é um estado patológico, visto pressupor a ausência de conformidade com as normas vigentes numa sociedade (Durkheim, 1984a II: 145-167), sendo um dos factores que originam o suicídio (Durkheim, 2001). A anomia é gerada pela pressão que os valores culturais exercem sobre a estrutura social, fazendo com que os indivíduos deixem de actuar de acordo com as normas sociais. Robert Merton (1938 e 1970) refere a existência de cinco tipos de adaptação individual à forma como a estrutura cultural pressiona a estrutura social, que são:

conformismo, que é o estado de conformidade com os padrões culturais, com utilização simultânea dos mecanismos socialmente considerados legítimos (trata-se do tipo mais difundido e do mais comum, em sociedades estáveis);

inovação, onde apesar de haver aceitação das metas culturais, não existe absorção das normas institucionais para alcance dessas metas, recorrendo-se a procedimentos ilegítimos;

ritualismo, que ocorre quando existe abandono ou redução das metas culturais e se traçam metas individuais, mantendo-se entretanto o cumprimento das normas institucionais;

retraimento, que consiste no abandono simultâneo de metas e normas (diz respeito aos “deserdados sociais”, sendo o tipo menos comum de adaptação);

rebelião, que pressupõe a rejeição das metas dominantes e dos padrões vigentes e a sua substituição por metas e padrões alternativos.

O primeiro tipo de adaptação é aquele que é socialmente desejado, por estar de acordo com os padrões sociais. Os demais são anómicos, por não estarem em conformidade com tais padrões.

Pode-se acrescentar que os primeiros quatro tipos de adaptação têm a ver com a acomodação no quadro da estrutura social vigente, enquanto o último (a rebelião) pressupõe a mudança dessa estrutura social, com novos objectivos, novos valores e novos comportamentos.

 

Comportamento delinquente

Fala-se em delinquência quando estamos diante de comportamentos ilícitos, que não estão de acordo com os códigos de conduta estabelecidos pelas autoridades de determinado espaço geográfico e com os preceitos morais socialmente estabelecidos. Delinquente é aquele indivíduo que comete delitos ou infracções à lei (crimes), infringindo simultaneamente códigos de conduta moral.

A delinquência juvenil tem a ver com comportamentos ilícitos praticados por adolescentes ou jovens (Mulligan, 1960; Griffin e Griffin, 1978). A importância da abordagem da delinquência juvenil tem fundamentalmente a ver com o facto de boa parte dos delinquentes em idade adulta ter uma história criminal que começou na infância ou na adolescência ou, ainda, com a necessidade social de compreensão da dimensão deste fenómeno para prevenção do aumento do índice de criminalidade.

Quanto a causas de delinquência, referem-se normalmente factores de natureza psicológica, económica e social, havendo quem mencione também factores de natureza biológica.

As teorias do desvio explicam a forma como ocorre e se difunde o comportamento delinquente. As abordagens biológicas e psicológicas identificam características físicas ou de personalidade que conduzem à predisposição para a prática de crimes (cf. Sheldon, 1949; Lykken, 1995 e 1997, Born, 2005).

No que diz respeito às teorias sociológicas do desvio, mencionamos em primeiro lugar aquela que refere a anomia como causa do crime (Merton, 1970), já referida acima. A delinquência é um estado anómico que pode pressupor a aceitação das metas culturais de elevado sucesso pecuniário e a adopção de procedimentos ilegítimos para alcance desse sucesso. Neste caso, enquadra-se no tipo de adaptação que Merton designa por “inovação”. Mas há casos pouco comuns em que o comportamento delinquente se enquadra também no tipo de adaptação que envolve simultaneamente a rejeição das metas culturais e a sua substituição por metas alternativas (a “rebelião”). Opta-se pela delinquência com o fim de garantia de sobrevivência ou para enriquecimento, ou sucede simplesmente que a delinquência é produto da falta de oportunidades gerada por famílias ou por comunidades desviantes, à qual se associa o insucesso escolar (Palmore e Hammond, 1964; cf. Cloward e Ohlin, 1960).

Uma outra teoria que aqui nos interessa considerar é a do “desvio aprendido”, que relaciona o crime com aquilo a que Sutherland (1949) designa por “associação diferencial”. Um indivíduo torna-se delinquente por associação com outros que praticam a delinquência. Esta teoria é importante no caso de grupos organizados de delinquentes, como são os gangues juvenis da cidade de Luanda.

Já a “teoria da rotulagem” estabelece o vínculo entre o desvio e o rótulo que se atribui ao desviante. Havendo clara diferença entre o normal e o patológico (Durkheim, 1984b), o desvio é aqui entendido como um processo que resulta da interacção entre desviantes e não desviantes. Da mesma forma como no caso do doente é o médico quem lhe atribui o rótulo (Gerhardt, 1989), no caso do delinquente o rótulo é atribuído por quem impõe as definições de moralidade (as camadas superiores da hierarquia social ou as forças da ordem). Uma vez rotulado, o delinquente é socialmente levado a assumir esse rótulo e, consequentemente, a reincidir na prática desviante (cf. Kelly, 1978).

 

Contexto em que ocorre a delinquência

Nos últimos anos, tem vindo a espalhar-se por Luanda a organização de grupos de jovens que praticam delitos de toda a sorte. Antes de fazermos referência à organização e actuação desses grupos, vejamos o contexto em que ocorre a proliferação desses gangues pelos diferentes bairros da cidade de Luanda (urbanos e suburbanos).

Podem enumerar-se as seguintes causas estruturais que estão na origem da proliferação de tais grupos associados à delinquência juvenil:

o   o conflito armado, que perdurou desde a proclamação da independência de Angola (1975) até 2002;

o   a forma como são executadas as políticas públicas, que promove a informalidade e que retira da escola um elevado contingente de adolescentes e remete para o desemprego e o subemprego um elevado número de pessoas;

o   o elevado índice de pobreza urbana em Angola;

o   a forma como a estrutura social é pressionada pelas políticas económicas do Estado, com o que se associa a quebra de valores morais (mais acentuada nos grandes centros urbanos).

O primeiro aspecto a referir tem a ver com o conflito armado, que durou cerca de 27 anos, desde a altura da proclamação da independência de Angola. O conflito opôs inicialmente os movimentos de libertação e, mais tarde, o Estado angolano e o principal partido político da oposição, havendo a registar envolvimento estrangeiro. Tratou-se de uma guerra de destruição total, com o objectivo de destruir e mutilar.[1]

A guerra agiu de forma destrutiva, não apenas na economia (através da destruição de infra-estruturas, da destruição de fábricas e da minagem de campos agrícolas), mas também na estrutura demográfica de Angola. Devido à guerra, cerca de um terço dos habitantes de Angola foram forçados a migrar, fixando-se em áreas urbanas. Isso ocasionou a explosão demográfica nas cidades, que não estavam preparadas para receber tanta gente em tão pouco tempo. [2] Em consequência disso, registou-se o crescimento desordenado dos subúrbios, as cidades foram-se ruralizando e a informalidade foi ganhando cada vez mais espaço e maior importância para a sobrevivência de um número cada vez maior de famílias. [3]

Não nos podemos esquecer ainda que os 27 anos de guerra fizeram com que uma parte considerável da população (fundamentalmente jovens, mas também crianças; HRW, 2003; Ventura, 2003) não tenha aprendido outra coisa senão a manejar armas, destruir e matar. Trata-se de um factor importante a considerar na análise acerca das causas do aumento do índice de delinquência, visto que, com o final da guerra, boa parte dos antigos soldados (sem qualquer outra profissão) pode facilmente enveredar pela marginalidade.

Em situação de guerra, foi débil o investimento no sector social. O índice de desenvolvimento humano acusa valores bastante baixos em Angola (0,446 em 2005, o que colocava Angola em 162.º lugar numa lista de 177 do mundo (PNUD, 2007: 231-234), quer devido à baixa esperança de vida dos angolanos (41,7 anos), quer devido a uma reduzida taxa bruta de escolarização (25,6%), quer ainda devido ao baixo acesso à assistência sanitária (das mais elevadas taxas de mortalidade infantil e de crianças em todo o mundo) (cf. Carvalho, 2004: 75).

A taxa de desemprego urbano atinge o valor de 45%, estimando-se que acima de 70% dos jovens com idade abaixo dos 20 anos estejam desempregados. A maioria dos demais possui empregos precários. Por outro lado, mais de metade da população sobrevive graças ao recurso a actividades informais (Sousa, 1998).

Em consequência da guerra e da forma como se executam as políticas económicas, estimava-se há alguns anos que dois terços dos angolanos viviam em situação de pobreza (Ceita, 2001). A situação é bastante dramática, se considerarmos cinco factos relacionados com a pobreza urbana em Angola, nomeadamente (cf. Carvalho, 2004):

o   a incidência da pobreza vinha aumentando, ano após ano;

o   nos últimos dez anos, vem-se registando o empobrecimento da grande maioria da população, incluindo a classe média;

o   de 1995 a 2001, duplicou a incidência da pobreza extrema em meio urbano angolano;

o   há uma faixa considerável da população que permanece em situação de pobreza durante um longo período de tempo;

o   a pobreza associa-se normalmente a outras dimensões de exclusão social, o que faz com que seja mais difícil a ascensão a níveis credíveis de inclusão social.

A última causa estrutural referida tem a ver com a forma como as políticas económicas do Estado pressionam a estrutura social, ocasionando dinâmicas de fechamento social que dificultam a mobilidade social ascendente e provocam o recurso a meios ilícitos de enriquecimento por parte de um número cada vez maior de angolanos. A percepção subjectiva de corrupção generalizada e de impunidade em relação aos crimes de colarinho branco ocasiona um cada vez maior desrespeito pelos valores morais (cf. Carvalho, 2002: 141-151).[4]

Este tipo de comportamento enquadra-se naquilo que Chabal e Daloz (1999) designam por “lógica da desordem”, onde cada um pretende aproveitar-se da situação de falta de ordem, em benefício próprio. Um grupo reduzido de pessoas beneficia de fundos do Estado, enquanto à maioria não resta senão lucrar de forma menos camuflada. A delinquência está, pois, generalizada, não sendo por isso de estranhar que proliferem grupos organizados de adolescentes e jovens que se dedicam a pequenos roubos, com maior ou menor impunidade.

 

Como surgiram os gangues em Luanda

Sempre existiram grupos de rua compostos por adolescentes e jovens do sexo masculino, na cidade de Luanda. Mas enquanto anteriormente esses grupos não tinham estrutura própria nem regras de conduta rígidas, nem sequer se dedicavam necessariamente a actividades marginais, na segunda metade da década de 1990 começam a emergir grupos com formato de gangue e fins diferentes dos anteriores.

Anteriormente, o fim era fundamentalmente recreativo e de ocupação do tempo de lazer, em conversas de amigos e confrades. Juntavam-se jovens com diversas afinidades, fundamentalmente residentes em áreas circunvizinhas, para trocar experiências e pontos de vista sobre assuntos que diziam respeito à comunidade ou a cada um deles, ou para se distraírem (jogando à bola ou jogando cartas, por exemplo). Os grupos serviam também para troca de experiências amorosas e sexuais. Uma das principais características desses grupos era o facto de o mais comum ser cada um dos jovens ter uma ocupação (estudo ou trabalho, ou ainda ambas as coisas), juntando-se com os seus pares ao cair da tarde e aos fins-de-semana.

Os grupos citadinos de jovens que acabámos de referir nada têm a ver com comportamento desviante, sendo mesmo salutar a acção destes grupos. Havia já entretanto pequenos grupos de jovens delinquentes, que nada tinham a ver com estes, cujas características acabámos de descrever. Nessa altura, os grupos de delinquentes encontravam-se em locais escondidos ou de difícil acesso, para planearem as suas acções criminosas — e não à vista de toda a gente, como os grupos de jovens que deram origem aos gangues.

A partir da segunda metade da década de 1990, a delinquência juvenil começa a adquirir uma proporção mais acentuada. Os grupos de jovens começam a ganhar estrutura própria, adquirem normas de conduta rígidas e começam a enveredar por práticas não aceites socialmente, infringindo mesmo a lei. Envolvem-se em rixas (mesmo sem qualquer motivo aparente) e promovem distúrbios, organizam actividades que atentam contra o código de estrada (os exemplos mais comuns são as corridas de carros e de motorizadas em plena via pública — primeiro durante a madrugada e, depois, a qualquer hora do dia) e começam até a envolver-se em actividades de natureza criminal, como sejam roubos na via pública, agressões e, até, homicídios. Trata-se ainda, nesta fase, de grupos constituídos maioritariamente por jovens que têm uma ocupação e se reúnem somente no final do dia ou aos fins-de-semana. Mas são já “grupos compactos”, com cooperação e interdependência entre os seus membros, começando também a emergir uma liderança com exercício do poder pessoal. A reunião de jovens como forma de passatempo começa então a ganhar proporção diferente, que vai mais tarde desembocar no recurso à delinquência organizada, como ocupação e forma de sobrevivência.

Os primeiros destes grupos com formato de gangue urbano reuniam jovens de proveniência social diversa, sendo a sua maioria proveniente da classe média. Rapidamente este género de organização alastrou para os subúrbios, passando a constituir-se gangues de adolescentes e jovens com origem social diferente — provenientes fundamentalmente das camadas sociais mais desfavorecidas, para quem a opção pela delinquência passou a constituir uma forma de subsistência. Neste caso, o jovem delinquente deixa de ter uma ocupação relacionada com a formação académica ou a subsistência, para enveredar por práticas ilícitas e amorais, para garantia de um melhor nível de vida. Os grupos compactos de jovens evoluem assim para grupos organizados, com estrutura hierárquica e papéis definidos e com regras que regulam a interacção entre os seus membros.

 

Características dos entrevistados

Para obtermos informação acerca da forma como estão organizados e como actuam os gangues juvenis na cidade de Luanda, entrevistámos cinco jovens pertencentes a grupos desses, que nos falaram a respeito da razão de ser da sua adesão a um gangue, da forma como os gangues actuam e da maneira como os jovens desses grupos encaram o seu futuro. Tratou-se de entrevistas aprofundadas, uma técnica que se enquadra no método qualitativo de investigação sociológica.

Os entrevistados pertencem a grupos que actuam nos bairros Ingombota, Maculusso, Maianga, Petrangol, São Paulo e Sambizanga, todos da cidade de Luanda. Trata-se de jovens com idades compreendidas entre 20 e 24 anos. Um deles provém da classe média, enquanto os demais são oriundos de famílias pobres. Em termos de instrução académica, estudaram até à 6.ª, 8.ª ou 9.ª classe. Nenhum deles estudava no momento da entrevista, dedicando-se somente à actividade do respectivo gangue.

As entrevistas decorreram no período entre 5 e 12 de Agosto de 2005.

O recrutamento dos entrevistados esteve a cargo de um assistente do autor. Os jovens acederam a conceder as entrevistas em espaço aberto, com a condição de não serem filmados. As entrevistas decorreram no pátio da Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto. [5]

 

Actuação dos gangues de Luanda

Em 2005, os gangues de Luanda eram compostos por um número que variava entre 40 e 70 membros, havendo ainda a assinalar o facto de alguns deles integrarem também crianças que, não sendo realmente membros do grupo, actuam como auxiliares deste. [6]

Os membros dos gangues têm idades compreendidas entre 14 e 35 anos, havendo também crianças com idades entre 7 e 13 anos. Cada grupo possui uma área de actuação preestabelecida, não se tolerando qualquer invasão por parte de grupos de áreas vizinhas. [7]

Há grupos organizados que se formaram a partir dos anteriores grupos compactos de jovens, como é o caso mencionado por um dos entrevistados:

Aquele grupo criou por causa da dança. Então, dentro da dança, víamos que pra dançar rápido é preciso uma inspiração, pra dançar rápido é preciso uma inspiração… e naquela, começamos a criar actividades disso — tomar Diazepan, fumar um pouco… [21 anos, 6.ª classe, residente na Petrangol]

Cada grupo tem um líder, cuja voz de comando deve ser respeitada. O líder é a pessoa que exerce simultaneamente o poder posicional e o poder pessoal, ou seja, é quem se ocupa da distribuição de tarefas, de recompensas e de punições, e quem detém a influência resultante das características pessoais (onde se incluem a informação, a competência, a força e a capacidade para gestão de conflitos) (cf. French e Raven, 1959). Ao líder compete decidir a forma de actuação dia após dia, agindo simultaneamente como agente disciplinador e de manutenção da coesão do grupo. O líder é normalmente um dos membros mais antigos ou o mais velho, o mais perspicaz e o mais forte. Trata-se da pessoa que dispõe de maior quantidade de informação, que lhe permite o controlo da actividade do grupo. Mas é também aquele que mais influência deve ter junto da comunidade, onde se incluem as forças da ordem e os grupos de pressão bem localizados na estrutura social.

O gangue está dividido em grupos menores, que actuam em áreas mais pequenas, dentro da grande área de actuação do grupo.

A entrada para um gangue faz-se por intermédio de um dos seus integrantes, por amizade ou companheirismo ou a partir da constatação de que se trata de um jovem corajoso, disposto à acção em benefício do grupo e sem se importar com as consequências que daí advenham para si próprio. Normalmente, só o líder decide pela entrada de alguém no grupo. Se a proposta for do líder ou de alguém muito próximo de si, não se coloca a possibilidade de não aceitação do candidato. Mas não havendo alguém que afiance da sua coragem, o candidato tem de demonstrar ser klander ou vip: [8]

Os que não têm conhecimentos, não têm primo, não têm amigo lá, o chefe manda assim fazer alguma coisa — aí na escola por exemplo, esperar alunos, no fim da escola, chamar, receber sapatilhas, ou roupa, ou pasta, dinheiro… pra ver se ele mesmo é pessoa que tem coragem de fazer isso. Se o chefe vê que ele é bom, é aceite no grupo. [22 anos, 8.ª classe, residente no bairro São Paulo]

Antes de entrar nesse grupo, tamém já fui operativo. Mas o brother que me deu o convite e que curtiu da minha tamém, viu que eu sou um klander. […] Klander é um vivo, um gajo que quando tá mesmo numa acção não quer saber mesmo de nada — ele, ou vai a vida, ou vai a morte. Chama-se um klander. [23 anos, 9.ª classe, Maianga]

Ao entrar num gangue, o jovem faz uma espécie de juramento de fidelidade ao grupo e de obediência ao líder. Se por alguma razão não venha a cumprir o juramento, está sujeito a sevícias de toda a sorte, colocando inclusivamente em risco a integridade dos seus familiares directos:

A mim foi o juramento que me falaram assim: “Dás népia um dos dias no grupo, quem vai tar em jogo é a tua família. ” Porque nós temos muito dessa — é tipo uma batucada. Os batuqueiro quando entra num grupo, tamém tem muito dessa, de se ameaçar nas life de família… a tua life… se você fatigar o bolão [grupo], fatigar um dos kamba, quem vai tar em jogo é o teu filho ou a tua mulher, ou a tua mãe, ou o teu pai. É por isso que você ali tem que tar concentrado, pra poder se equipar naquele próprio acto… tem de ter coração e estômago. [23 anos, 9.ª classe, Maianga]

O comum é o candidato ter também de demonstrar ser consumidor de drogas. As drogas mais comuns são a liamba, o álcool, a libanga ou lira[9] e o Diazepan (ingerido com Coca-Cola). Mas também se consomem drogas mais pesadas, como é o caso da cocaína. Se nalguns casos é indispensável o consumo de determinadas drogas, noutros pode dispensar-se uma droga específica, desde que se consuma outra. Notámos haver grupos com alguma liberdade de opção pela droga a utilizar ou pela frequência de utilização de drogas, em função do critério de cada um:

Eu, por exemplo, em todos os L… [nome do grupo] que tão lá no São Paulo, né?, dizem assim: “Você é um dos bandido com boas característica”… dizem isso, porque todos os meus amigo têm sinal na cara… todos os dias drogado… mas eu já não sou dessa vida. [20 anos, 9.ª classe, Sambizanga]

Graças a Deus memo, os A… [nome do grupo] não tem gajos que fuma lira. […] É assim: nos 100%, só 10… nos 100, 10% é que fumam. Os 90 são grandes caretas… Não gostam. […] Eles pensam já… Eles só já gostam já de beber… Só beber muita cerveja… São nossos puto, memo… [24 anos, 8.ª classe, São Paulo]

Pertencer a um gangue e não utilizar pelo menos uma droga causa estranheza e pode conduzir à desconfiança em relação à solidariedade e coesão internas. Sendo os gangues grupos de grande coesão interna, a utilização de drogas funciona como meio de cooperação e de aproximação permanente entre os membros, para além de ser uma força que actua no sentido de os membros permanecerem no grupo (Festinger, 1950). Não demos conta de um só gangue onde não se utilizam drogas, visto que estas são usadas para aumentar a coragem dos jovens delinquentes:

De princípio, fumávamos… bebemos… por exemplo, na Coca-Cola temos tendência de pôr comprimido, Diazepan, pra meter mais força, energia… aquela atitude, que você tá ir num perigo, não pode ter medo. Assim, pedo uma garrafa, dá logo! [21 anos, 6.ª classe, Petrangol]

Comecei com os meus 17 anos. […] Foi um brother, que andava sempre com esses bizness… é o brother que me induziu nesse erro… e agora ficou já um vício pra mim… [23 anos, 9.ª classe, Maianga]

Normalmente, os entrevistados garantem que os gangues a que pertencem não traficam drogas, apesar de os seus integrantes as consumirem. Mas essa negativa pode ocorrer somente por desconhecimento de parte das actividades do gangue, pois as actividades com maior rendimento ou que são acompanhadas por forças policiais especiais (como é o caso do tráfico de drogas) são do domínio de apenas alguns dos integrantes dos grandes grupos de delinquentes, melhor situados na sua hierarquia. Demonstra-o a seguinte afirmação:

Por exemplo, os nossos mais velhos, os nossos kotas mesmo do bolão [do gangue], por exemplo assim o nosso líder é que faz essas lifes… tamém faz esse movimento [tráfico de drogas]. [23 anos, 9.ª classe, Maianga]

Hipoteticamente, qualquer adolescente ou jovem pode pertencer a um gangue, desde que demonstre destreza física, agilidade, à-vontade com pelo menos uma droga e espírito de cooperação. Uma vez aceite no grupo, a associação com delinquentes provoca a rápida inserção do jovem no gangue, através do comportamento desviante comum no grupo. Mas a entrada nos gangues está facilitada no caso de se tratar de alguém que provém de um estrato bem localizado na hierarquia social, por duas razões: primeiro, porque mais facilmente dispõe de informação a respeito das elites que se pode revelar de utilidade; segundo, porque se pode conseguir o apoio dos pais desse membro, em caso de denúncia ou prisão. Isso pode verificar-se na seguinte declaração de um dos integrantes de um gangue que actua num bairro suburbano de Luanda:

O nosso líder é assim, ele diz antes de você entrar, primeiro tens que saber… ele vai te perguntar: “Como é que é, a tua família como é que é constituído? Você tem alguém, tens alguém assim que tem dinheiro ou alguém assim superior, da tua família?” Eh pá, se dizeres que tens, você aí é o mais querido… você ali é o mais querido. Mas agora, caso que não tiveres, pá… ele diz: “Eh pá, aqui só pode entrar no meu grupo, se tiver alguém que é superior da família dele. ” Porque sabe, qualquer coisa ali, vai lhe tirar… [20 anos, 9.ª classe, Sambizanga]

Por que razão se entra para um gangue? Os entrevistados mencionam como principal causa a pobreza ou a ausência de empregos bem remunerados, mas num dos casos a causa principal foi o estado de frustração, resultante de um estágio avançado de superprotecção por parte dos pais.

Portanto, para além das causas estruturais descritas acima, outra importante causa de delinquência tem a ver com a forma como se processa a educação de crianças em meio urbano. Em primeiro lugar, regista-se o facto de os pais terem cada vez menos tempo para dedicar à educação dos seus filhos, fundamentalmente devido ao muito tempo que são forçados a dedicar à garantia de sobrevivência (no caso das camadas sociais mais desfavorecidas) ou que preferem dedicar ao enriquecimento ou ao lazer (no caso das camadas sociais mais favorecidas). Em segundo lugar, vem a forma como se educam os filhos: uma forma rígida, que promove o distanciamento entre as duas gerações (fundamentalmente no caso das camadas sociais mais desfavorecidas) ou o excesso de atenção e de mimos, que faz com que o adolescente se acostume a ver satisfeitos todos os seus desejos e opte por rebelar-se contra a ordem social estabelecida (no caso das camadas sociais mais favorecidas).

Um outro importante factor que determina a entrada num grupo de marginais é a ânsia pela fama. Sendo reduzida a possibilidade de se obter a almejada fama de forma moralmente aceitável (as possibilidades mais comuns ocorrem através da música ou do desporto, mas são muito poucos a conseguir a ascensão social por essa via), surge como alternativa o recurso aos gangues. Sendo activos nos gangues, os jovens vêem os seus nomes utilizados na comunidade e vêem as suas pessoas temidas ou adoradas. A ânsia pela fama foi inclusivamente a principal causa de entrada num gangue, por parte de um dos entrevistados. Trata-se, pois, de um importante factor a considerar na análise acerca das causas do rápido crescimento dos grupos organizados de jovens delinquentes. A seguinte declaração é prova disso:

As dama tão a curtir mais de uí assim, famosos… famoso, sem dinheiro… mas é só música e essa toda coisa é que elas seguem… Elas praticamente, agora, tão a nos sustentar. […] Elas agora é que me dão. Elas tão a seguir a fama […]. O que eu pedir, elas tragam. Se não trazer, tem que juntar… depois, quando complementar o dinheiro, têm que me trazer. […] Agora, as miúdas [de 12, 13 anos] não querem saber mais, tão a vir tamém nos mais velho… da fama.  [20 anos, 9.ª classe, Sambizanga]

Entrei memo na exploração, de ver outros kambas tamém da minha banda… porque H… [nome do grupo] tá dividido em muitos sítios… tem muita life noutras bandas. E nas bandas onde tem H…, tem sempre aquelas pessoas, pá, que querem se inspirar memo naquela bandidagem, naquela life… vejam que a life é uma life assim de fama, pra ter nome. Pá, eu tamém me inspirei assim, nessa de ter nome… [23 anos, 9.ª classe, Maianga]

Uma derradeira causa é a necessidade de protecção.[10] Uma vez que as autoridades policiais não estão em condições de garantir a protecção permanente de cada jovem, o ingresso num gangue passou a ser o recurso para garantia de protecção de adolescentes e jovens.

Há uma ligeira diversificação na actuação dos gangues da cidade de Luanda, mas essa actuação resume-se genericamente ao seguinte:

§  pequenos assaltos na via pública (roubo de telemóveis, sapatilhas, vestuário e mochilas);

§  roubo de dinheiro, na via pública e em meios de transporte colectivo;

§  desmandos e rixas entre grupos rivais. [11]

Tudo indica que a maioria dos gangues juvenis não assaltem moradias, mas há casos em que ocorrem também pequenos roubos em residências. Os mais mencionados são roubos de botijas de gás e respectivos redutores. Somente os maiores grupos, que actuam em bairros urbanizados da capital luandense, incluem na sua actividade comum o assalto a lojas, escritórios e moradias.

As armas mais utilizadas são armas brancas — facas e garrafas, para além de pedras e paus. Apenas um dos nossos entrevistados declarou andar com arma de fogo de quando em quando. De resto, preferem normalmente evitar as consequências imprevisíveis de andar armado com pistola:

Temos medo tamém daquilo… temos medo daquilo, porque aquilo é mais raro. Às vezes, com aquela frustração que tens, numa lanchonete, uma luta, és capaz de tirar aquilo e fazer tiro. Então, por isso é que evitamos sempre aquilo. Andamos com sacos de garrafa. [21 anos, 6.ª classe, Petrangol]

A solução mais comum, para além da utilização de armas brancas, é o ataque em grupo. Havendo ataque em grupo, há à partida a convicção na vitória:

Nós trabalhamos 15. […]. Porque não se sabe se a pessoa está a andar sozinha… se tá a levar algo… a levar arma… Porque se ele tirar, disparar para mim, eu sei que ele não vai conseguir dar [atingir] os quinze — aí vai ter já três, ou dois, ou quatro, que vai lhe conseguir agarrar. Por isso é que nós trabalhamos assim nós todos, que é pra não acontecer assim coisas de errado. [22 anos, 8.ª classe, São Paulo]

Mas há grupos onde se faz uso de armas de todo o tipo, tal como declarou um dos entrevistados:

Armamento é o nosso divertimento do dia-a-dia. É a nossa life, que nós levamos. Fazer balázio é a nossa comida, é a nossa bebida. Andamos armado com muito tipo de material. […] Temos todo o tipo de armamento. [23 anos, 9.ª classe, Maianga]

Nenhum dos cinco entrevistados assume ter matado alguém, mas dois deles admitem disparar no caso de a sua segurança estar ameaçada e se estiver a andar armado:

Tirar a vida, também, eu não posso tirar, né? Mas… um [tiro] da perna, do braço… Porque se eu disparar, assim será mais fácil… Se eu não disparar, aí vai pensar que não tem bala, ou vai pensar que eu não tenho coragem… essa coisa toda. [22 anos, 8.ª classe, São Paulo]

Nesse caso, o arrependimento virá somente mais tarde:

A gente não se controla, porque a gente se puxar [da arma] e apertar [o gatilho], aquilo sai rápido… O arrependimento só vem mais tarde… O arrependimento só vem já mais tarde. [22 anos, 8.ª classe, São Paulo]

Os rendimentos dos integrantes dos gangues variam em função da sua área de actuação e da posição no grupo. Os rendimentos dos entrevistados variam entre 15 e 27 mil kwanzas por semana. [12] Mas não nos devemos ater a estes valores, visto que eles próprios reconheceram não saber quais os seus rendimentos reais. O que ocorre é que boa parte daquilo que se amealha é rapidamente gasto em bebida, diversão e com as namoradas.[13] Por essa razão, não é de estranhar qualquer valor acima dos mil euros de rendimento por mês.

É importante constatar, ainda, que os jovens entrevistados não contribuem normalmente para as despesas dos seus lares, independentemente de (nalguns casos) reconhecerem a situação de pobreza em que os seus familiares vivem. Aquilo que o jovem delinquente comum amealhava então era para ser gasto somente por si e para satisfação das suas necessidades imediatas. Mas há casos em que alguns familiares beneficiam do produto dos roubos.

Um aspecto relacionado com a actividade dos gangues é a sua relação com os agentes da ordem pública. De um modo geral, os entrevistados reconhecem a acção da polícia a bem da comunidade. Por essa razão, não é de estranhar que todos os nossos entrevistados tenham já estado detidos em esquadras da polícia e (num dos casos) na Cadeia Central de Luanda, mas nenhum deles foi ainda levado a julgamento nem cumpriu qualquer pena.

Em caso de detenção, os jovens delinquentes interagem com os demais. A detenção funciona como meio de circulação de informação, quer em relação à actividade marginal de outros grupos, quer em relação ao aprimoramento das técnicas de delinquência. Estando detidos em esquadras da polícia, o método de correcção utilizado são castigos físicos, onde se inclui a pancada:

Tive lá, me deram um pequeno castigo — me meteram de joelhos durante duas horas e me pancaram [bateram] com a cabeça na parede, só… [21 anos, 6.ª classe, Petrangol]

Quando você entra, os polícias têm tendência de te bater. Te batem! Eu já fui preso cinco vezes, já levei porrada cinco vezes, mas pra mim eu acho que é uma coisa normal, a gente já tá habituado. [22 anos, 8.ª classe, São Paulo]

Quando alguém está detido, ou o grupo ou a família trata de pagar para ser solto. [14] O dinheiro pago vai para os bolsos dos agentes responsáveis pela detenção — e não para os cofres do Estado. Por isso e devido à elevada dose de liberdade de actuação que os gangues têm, há quem considere que os polícias detêm os integrantes dos gangues somente quando precisam de dinheiro. Considera-se inclusivamente que os polícias são “bandidos legalizados”, são parceiros que, apesar de actuarem em campos aparentemente opostos, estão em perfeita sintonia:

Os baba [polícias] tamém são nossos kamba… Eles dizem: “Sem vocês, tamém nós não vivemos”. Porque eles sabem sem nós eles não fizeram dinheiro. Porque nós é que tamo a les dar dinheiro. Vamo entrar… eles só nos controlam. “Eh pá, vocês não podem começar matar…” Eu posso dizer que os baba são bandidos legalizados… [20 anos, 9.ª classe, Sambizanga]

Exigem mesmo, por exemplo, um maço de cigarro… e o próprio dinheiro que tu tiver com ele no bolso. A gente é que tem que dizer: “Não, kota, não vou te dar essa parte. Vou te dar uma metade e tamém fico com uma metade.  [21 anos, 6.ª classe, Petrangol]

É como se fosse alguém que tá a querer cumprir um papel dele. Eu, por exemplo, se sou polícia, tenho que cumprir o meu dever como polícia. Na rua, se ele tá a ver gatuno, ele não pode deixar tamém; tem que fazer só qualquer coisa. Mas dentro dele, ele tá convicto: “Eu tou a fazer aquilo, mas depois quando eu chegar na esquadra, as coisa serão outra. [20 anos, 9.ª classe, Sambizanga]

Há, inclusivamente, quem vá mais longe e reconheça existir uma parceria mais estreita entre agentes da polícia e delinquentes, que se consubstancia na passagem de informação que vai facilitar um “bom golpe”:

Tem vezes até mesmo, eles é que nos dão as pistas das pessoas que nós devemos quê… ir lá fazer as coisas. Mas eles não dão assim a pista a nós, eles dão a pista no chefe, no chefe da bola [grupo]. Às vezes assim, se tem um conhecido, ele dá a pista: “Olha, aquele Fulano é assim, assim, assim, assim; vocês têm que ir lá, pegar os mambo [coisas] dele, não sei quê. ” E o chefe tamém vem nos transmitir o recado e a gente vai fazer as coisas. […] Temos pago, sim. Temos pago a ele mesmo, na própria pessoa que nos mostra. Porque o chefe faz assim as coisas com ele, faz as contas com ele. [22 anos, 8.ª classe, São Paulo]

Apesar de as atitudes consideradas mais comuns serem a complacência e a parceria por parte de agentes da polícia, um dos entrevistados reconhece haver nessa corporação agentes realmente cumpridores do seu papel. Esse jovem foi mesmo recrutado pela polícia como informador, apesar de ainda não ter exercido tal papel:

Quando eu saí de lá da esquadra, a polícia me disse assim: “Vamos colaborar contigo. Qualquer coisa que você vê no bairro, tá qui o meu número. Podem vir, mas não têm que falar com os senhores que ficam na porta. Digam só que quero falar com o chefe Fulano e nós vamos ter com ele. [21 anos, 6.ª classe, Petrangol]

Depois desta descrição a respeito da actuação de alguns dos gangues de delinquentes juvenis da cidade de Luanda, interessa saber se os nossos entrevistados se predisporiam a abandonar essa actividade, enveredando por qualquer outra socialmente útil. Três deles declararam-se predispostos a abandonar os gangues a que pertencem, enquanto os outros dois consideram que se vão manter nos seus grupos. Tudo indica que a opção pela manutenção nos grupos de delinquentes aumente com a melhoria da proveniência social do jovem — ou seja, são os jovens mais pobres que consideram em maior grau a possibilidade de abandonarem os gangues.

Pensamos que o mais importante factor a considerar na análise a respeito das características de quem está predisposto a abandonar a actividade marginal sejam os traços de personalidade do adolescente ou jovem delinquente. Tudo indica que a proveniência social seja um factor que está correlacionado com os traços de personalidade adquiridos pelos jovens.

Um dos jovens que se sente bem no seu gangue e considera que aí vai permanecer por muito tempo chega inclusivamente a agredir quem lhe sugere o contrário:

Às vezes, nos momentos assim que eu vejo, há pessoas que têm que me aconselhar: “Essa vida não dá.” Olha, às vezes, durmo e tenho que tiver um sonho e naquela, eu também começo a meter a mão na consciência… Pá, às vezes mando bater nos gajos, que é pra que não venham mais me dar conselho. [21 anos, 6.ª classe, Petrangol]

Quanto aos predispostos a abandonar, um pretende prosseguir os estudos, enquanto os outros abandonam no caso de conseguirem emprego que lhes garanta rendimentos que permitam um nível de vida aceitável:

Aquilo, praticamente, é juramento de bandeira… é juramento de bandeira. Pra você sair, não avisa ninguém. Mas eu, por mim, eu digo que vou deixar essa vida. […] Tem alguém que apareceu em minha casa, hoje, disse: “Você tem que concluir teus estudos…” Ele disse que vai aparecer mais tarde, vai conversar com a minha tia. Basta ele conversar com a minha tia, eu memo deixo com tudo. Eu memo tenho o desejo de deixar… e tenho fé que vou deixar isso. [20 anos, 9.ª classe, Sambizanga]

Quando eu arranjar um serviço, aí sim, eu vou ficar com a minha consciência limpa, porque eu já não sou de nenhum grupo — eu vou pensar a minha vida daqui prá frente, porque estou num trabalho… num trabalho onde eu não posso sujar mais o meu nome, tenho que limpar já… [22 anos, 8.ª classe, São Paulo]

 

Conclusão

A terminar, podemos dizer que os integrantes dos gangues têm plena consciência da actividade que desenvolvem e da forma como essa actividade é socialmente condenada. Os entrevistados reconhecem-se, eles próprios, como delinquentes. Utilizando a acima aludida teoria da rotulagem, pode dizer-se que uma vez rotulado como delinquente, o jovem é socialmente estigmatizado, mesmo no seu meio de residência: [15]

Por exemplo, os meus vizinho já não me ligam… “Fulano, não entra aqui. É gatuno. Não entra aqui!” — eles dizem isso. Eu tamém me sinto um pouco ofendido. Eu fico… penso duas vezes… mas eu digo: “Mas como é que eu vou deixar então, não sei quê?” Isso é como se fosse alguém que bebe cerveja, lhe falar: “Deixa”. Ele, perante a nós, vai querer falar: “Não, eu não vou deixar, não sei quê”, mas ele vai tar magoado… vai tar magoado… ele vai pra casa dele, mas ele vai tar a raciocinar onde ele tiver, ele vai dizer: “Deixar, posso. Mas quando eu ir pela rua, posso ver sempre aquele ambiente, tão a beber, não sei quê, eu vou querer ter sempre aquela ansiedade de querer beber” É como se fosse nós. [20 anos, 9.ª classe, Sambizanga]

O que sucede é que, depois da primeira transgressão, a atribuição do rótulo de delinquente origina o estigma, resultando daí a prática delinquente como “desvio secundário” (Lemert, 1972). O desvio secundário ocorre quando o delinquente aceita esse rótulo, passando assim a reincidir na prática desviante. A aceitação do rótulo por parte do delinquente não apenas interfere favoravelmente na hipótese de reincidência, como também contribui para a diminuição da capacidade de luta contra as práticas desviantes.

No caso de ser detido (mesmo numa esquadra da polícia), o adolescente ou jovem tem contacto com outros delinquentes e, até, toma conhecimento de novas práticas e técnicas criminosas. A interacção entre delinquentes, em cadeias e esquadras da polícia de Luanda, não é vantajosa do ponto de vista moral — é, antes, prejudicial, quer do ponto de vista do criminoso (sobretudo se primário), quer do ponto de vista da sociedade.

A solução para diminuição da delinquência juvenil não está na repressão física (em esquadras e cadeias), mas na acção social do Estado e da sociedade, em prol do aumento do acesso à instrução e ao emprego, no combate à corrupção generalizada e à pobreza [16] — em suma, está na adopção de medidas em prol de uma cada vez mais ampla inclusão social. Desta forma se irão absorvendo cada vez mais os adolescentes e jovens que enveredam actualmente pela delinquência como modo de vida.

 

Referências bibliográficas

Abreu, Cesaltina (2002), “Educar para eliminar a pobreza: reflexões sobre educação em Angola”, Revista Internacional de Língua Portuguesa, 2, pp. 73-89.         [ Links ]

Anstee, Margaret (1997), Órfão da Guerra Fria. Radiografia do Colapso do Processo de Paz Angolano, 1992/93, Porto, Campo das Letras.

Becker, Howard (1973), Outsiders. Studies in the Sociology of Deviance, Nova Iorque, The Free Press.

Born, Michel (2005), Psicologia da Delinquência, Lisboa, Climepsi Editores.

Burrows, Albert H. (1946), “The problem of juvenile delinquency”, Journal of Educational Sociology, 19 (6), pp. 382-390.

Carvalho, Paulo de (2002), Angola. Quanto Tempo Falta para Amanhã? Reflexões sobre as Crises Política, Económica e Social, Oeiras, Celta Editora.

Carvalho, Paulo de (2004), Exclusão Social em Angola. O Caso dos Deficientes Físicos de Luanda, dissertação de doutoramento, Lisboa, ISCTE.

Ceita, Camilo (2001), “Caracterização da pobreza em Angola: perfil da pobreza 2000, dados preliminares”, comunicação apresentada no Seminário sobre Políticas Sociais, Luanda.

Chabal, Patrick, e Jean-Pascal Daloz (1999), Africa Works. Disorder as Political Instrument, Londres, James Currey, Indiana University Press.

Cloward, Richard A., e Lloyd E. Ohlin (2004), Delinquency and Opportunity, Glencoe, IL, The Free Press.

Correia, Pedro de Pezarat (1996), Angola. Do Alvor a Lusaka, Lisboa, Hugin.

Durkheim, Émile (1984a), A Divisão do Trabalho Social, Lisboa, Editorial Presença, 2.ª edição.

Durkheim, Émile (1984b), As Regras do Método Sociológico, Lisboa, Editorial Presença.

Durkheim, Émile (2001), O Suicídio. Estudo Sociológico, Lisboa, Editorial Presença.

Ferreira, Manuel Ennes (1999), A Indústria em Tempo de Guerra (Angola, 1975-91), Lisboa, Instituto de Defesa Nacional, Edições Cosmos.

Festinger, L. (1950), “Informal social communication”, Psychological Review, 57, pp. 271-282.

French, J., e B. Raven (1959), “The basis of social power”, Studies in Social Power, Ann Arbor, Institute for Social Research.

Gerhardt, U. (1989), Ideas about Illness. An Intellectual and Political History of Medical Sociology, Londres, Macmillan.

Goffman, Erving (1982), Estigma. Notas Sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada, Rio de Janeiro, Zahar, 4.ª edição.

Griffin, Brenda S., e Charles T. Griffin (1978), Juvenile Delinquency in Perspective, Nova Iorque, Harper and Row.

Hare, Paul (1998), Angola’s Last Best Chance for Peace. An Insider’s Account of the Peace Process, Washington, DC, United States Institute of Peace Press.

Horowitz, Ruth, e Gary Schwartz (1974), “Honor, normative ambiguity and gang violence”, American Sociological Review, 39 (2), pp. 238-251.

Human Rights Watch (HRW) (1999), Angola Explicada. Ascenção e Queda do Processo de Paz de Lusaka, Nova Iorque, Human Rights Watch, 2.ª edição.

Human Rights Watch (HRW) (2003), “Forgotten fighters: child soldiers in Angola”, http://www.hrw.org/reports/2003/angola0403/Angola0403.pdf.

Kelly, Delos (1978), Delinquent Behavior. Interactional and Motivational Aspects, Belmont, CA, Dickenson.

Kissinger, Henry (1999), Years of Renewal. The Concluding Volume of His Memoirs, Nova Iorque, Simon & Schuster.

Lemert, Edwin (1972), Human Deviance, Social Problems and Social Control, Englewood Cliffs, NJ, Prentice-Hall.

Lopes, Carlos (2001), “Luanda, cidade informal? Estudo de caso sobre o bairro Rocha Pinto”, em J. Oppenheimer e outros, Urbanização Acelerada em Luanda e Maputo. Impacto da Guerra e das Transformações Socioeconómicas (décadas de 80 e 90), Lisboa, CESA, pp. 23-40.

Lykken, David T. (1995), The Antisocial Personalities, Hillsdale, NJ, Lawrence Erlbaum Associates.

Lykken, David T. (1997), “The american crime factory”, Psychological Inquiry, 8 (3), pp. 261-270.

Merton, Robert K. (1938), “Social structure and anomie”, American Sociological Review, 3 (5), pp. 672-682.

Merton, Robert K. (1970), “Estrutura social e anomia”, em R. Merton, Sociologia. Teoria e Estrutura, São Paulo, Editora Mestre Jou, pp. 203-234.

Messiant, Christine (1994), “Angola: le retour à la guerre ou l’inavoulable faillite d’une intervention internationale”, L’Afrique Politique, pp. 199-229.

Messiant, Christine (2000), “L’Angola ? Circulez, il n’y a rien à voir!”, em Lusotopie, Paris, L’Harmattan, pp. 9-26.

Ministério da Justiça (1990), Estudo sobre o Fenómeno da Corrupção, Luanda, Ministério da Justiça (rascunho).

Mulligan, Raymond A. (1960), “Theory and juvenile delinquency”, American Sociological Review, 33 (9), pp. 365-372.

Neto, Osvaldo Bastos (2004), “O conceito de desvio na teoria social contemporânea: modernidade e controle”, Domus On Line, 1 (1), pp. 1-37.

Ngonda, Lucas (1999), “A percepção da sociedade civil sobre o fenómeno da corrupção”, ciclo de palestras A Promoção de Uma Gestão Pública, Ética e Transparente, Luanda.

Palmore, Erdman B., e Phillip E. Hammond (1964), “Interacting factors in juvenile delinquency”, American Sociological Review, 29 (6), pp. 848-854.

PNUD, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (2007), Relatório do Desenvolvimento Humano, 2007-2008. Combater as Alterações Climáticas. Solidariedade Humana Num Mundo Dividido, Coimbra, Edições Almedina.

Raposo, Isabel, e Cristina Salvador (2001), “´Há diferença: ali é cidade, aqui é subúrbio — urbanidade dos bairros e tipos de habitação nas periferias de Maputo e Luanda”, em J. Oppenheimer e outros, Urbanização Acelerada em Luanda e Maputo. Impacto da Guerra e das Transformações Socioeconómicas (décadas de 80 e 90), Lisboa, CESA, pp. 83-109.

Rodrigues, Cristina Udelsmann (2003), Recomposição Social e Urbanização em Luanda, Lisboa, Centro de Estudos Africanos do ISCTE, Occasional Paper, 9.

Rodrigues, Cristina Udelsmann (2004), “Trabalho assalariado e estratégias de sobrevivência e reprodução de famílias em Luanda”, dissertação de doutoramento, Lisboa, ISCTE.

Sango, André de Oliveira (2002), O Modelo Político Angolano. Perspectivas, dissertação de doutoramento, São Paulo, Universidade de São Paulo.

Schubert, Benedict (2000), A Guerra e as Igrejas. Angola 1961-1991, Basel, P. Schlettwein Publishing.

Sheldon, William A. (1949), Varieties of Delinquent Youth, Nova Iorque, Harper.

Sousa, Caetano de (1999), “O papel dos tribunais no combate a corrupção”, ciclo de palestras A Promoção de Uma Gestão Pública, Ética e Transparente, Luanda.

Sousa, Mário Adauta de (1998), Sector Informal de Luanda. Contribuição para Um Melhor Conhecimento, Luanda, edição do autor.

Sutherland, Edwin H. (1949), Principles of Criminology, Chicago, Lippincott.

Transparency International (2003), Annual Report 2002, http://www.transparency.org/about_ti/annual_rep/ar2002/ti2000.html.

Trindade, Augusto José Pereira (2000), O Fenómeno Urbano na África Subsahariana. O Caso de Luanda, Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.

Ventura, Margarida (2003), O Stress Traumático e Suas Sequelas nos Adolescentes do Sul de Angola, Luanda, Editorial Nzila.

Wright, George (2000), A Destruição de Um País. A Política dos Estados Unidos para Angola desde 1945, Lisboa, Editorial Caminho.

 

[1] Acerca do conflito armado em Angola, ver por exemplo Messiant (1994 e 2000), Correia (1996), Anstee (1997), Hare (1998), Ferreira (1999), Human Rights Watch (1999), Kissinger (1999), Schubert (2000), Wright (2000). Sobre a génese e as características da guerra angolana, ver Carvalho (2002: 23-43).

[2] Acerca dos efeitos da guerra no comportamento delinquente, em cidades com aumento populacional, ver Burrows (1946).

[3] Sobre estes assuntos, ver Trindade (2000), Lopes (2001), Raposo e Salvador (2001), Rodrigues (2003 e 2004), Carvalho (2004).

[4] Ver Transparency International (2003); cf. Ministério da Justiça (1990), Ngonda (1999), Sousa (1999), Sango (2002).

[5] O autor agradece a essa faculdade o apoio financeiro para pagamento das despesas relacionadas como recrutamento, o lanche e a compensação financeira entregue a cada um dos entrevistados. Agradece também o apoio eficaz do seu assistente, José António Pires.

[6] Passados já três anos desde a data de realização das entrevistas, pode dizer-se que o número de integrantes dos gangues juvenis tem vindo a aumentar, havendo já grupos com bastante mais de 150 membros.

[7] Esta é uma característica própria de grupos organizados de delinquentes, como se pode comprovar, por exemplo, em Horowitz e Schwartz (1974).

[8] Corajoso, sem medo.

[9] Segundo um dos entrevistados, trata-se de cocaína cozinhada, que fica empedra e é consumida, causando enorme dependência: “Eu já peguei memo assim…me deram…olhei, olhei na pessoa que tá a fumar, porra, não tem nada…não consegue ter nada…Não consegue ter nada…Não, se ele tiver isso, vende. Coisa boa, vende. Só para [ter] aquilo…” [24 anos, 8.ª classe, São Paulo]

[10] Segundo Burrows (1946: 384), a segurança é um dos quatro sentimentos básicos que o ser humano necessita de ver satisfeitos: segurança, reconhecimento, reacção e novas experiências.

[11] As rixas com grupos rivais devem-se à invasão do seu espaço ou à garantia da honra e do “bom nome” do grupo (cf. Horowitz e Schwartz, 1974).

[12]] O rendimento semanal declarado pelos entrevistados correspondia então a valores que oscilavam entre 130 e 230 euros.

[13] O número de namoradas é bastante elevado, assumindo-se entre3e16 namoradas em simultâneo. Há casos em que as namoradas se conhecem e aceitam a condição subalterna, já que o mais importante é poderem dizer que namoram com um “jovem famoso”, cujo nome é conhecido e temido na comunidade.

[14] Os entrevistados mencionaram valores que oscilam entre 120 e 150 euros, mas um deles diz ter saído mediante o pagamento de somente 1.000 kwanzas (8,50 euros): “Mil kwanzas. Porque ali tamém tem memo fobado [esfomeado], tem que sentem fome à toa. Ele é só falar ‘Me traz só isso,vais sair’. Yá, você le dá, ele te tira.” [20 anos, 9.ª classe, Sambizanga].

[15] Sobre a noção de estigma e a relação entre “normais” e estigmatizados, ver Goffman (1982) e Carvalho (2004).

[16] Ver por exemplo Abreu (2002) e Carvalho (2004).

Creative Commons License Todo el contenido de esta revista, excepto dónde está identificado, está bajo una Licencia Creative Commons