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Sociologia, Problemas e Práticas

versión impresa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  n.60 Oeiras mayo 2009

 

Leitura no Brasil, leitura do Brasil

Helena Bomeny*

 

Resumo

O texto consiste em uma reflexão sobre a leitura no Brasil. A autora desenvolve o argumento de que o pouco estímulo e o tardio esforço de cultivar a leitura no Brasil acompanharam a dificuldade histórica do país em universalizar o acesso à educação e, recentemente, em melhorar a qualidade da educação oferecida. O hábito de leitura, embora estreitamente relacionado às práticas formais de educação, não se restringe a elas. Há modalidades que precisam ser consideradas quando o propósito é perceber se um país valoriza ou não o gosto pela leitura. O texto pretende contemplar algumas dessas possibilidades.

Palavras-chave leitura, educação, cultura letrada, gosto literário.

 

Reading in Brazil, reading from Brazil

Abstract

This article reflects on reading in Brazil. The author argues that the lack of encouragement and late efforts to cultivate reading in Brazil accompanied the country’s historical difficulty in generalising access to education and, more recently, in improving the quality of available education. Although the habit of reading is closely related to formal education practices, it is not restricted to them. There are forms that need to be considered when the idea is to understand whether or not a country values a taste for reading. The article considers some of these possibilities.

Key-words reading, education, lettered culture, tastes in literature.

 

Lecture au Brésil, lecture du Brésil

Résumé

Ce texte apporte une réflexion sur la lecture au Brésil. L’auteur développe l’argument selon lequel le manque de stimulation et l’effort tardif de cultiver la lecture au Brésil ont accompagné la difficulté historique du pays à universaliser l’accès à l’éducation et, plus récemment, à améliorer la qualité de l’éducation proposée. Les habitudes de lecture sont étroitement liées aux pratiques formelles d’éducation, mais pas seulement. Il y a d’autres aspects qui doivent être pris en compte pour comprendre si un pays valorise ou non le goût de la lecture. Ce texte aborde certaines de ces possibilités.

Mots-clé lecture, éducation, culture lettrée, goût littéraire.

 

Lectura en Brasil, lectura de Brasil

Resumen

El texto consiste en una reflexión sobre la lectura en Brasil. La autora desarrolla el argumento de que la falta de estímulo y el esfuerzo tardío de cultivar la lectura en Brasil acompañaron la dificultad histórica del país en universalizar el acceso a la educación y, recientemente, en mejorar la calidad de la educación que se ofrece. El hábito de la lectura aunque estrechamente relacionado a las prácticas formales de educación no se restringe a ellas. Existen modalidades que necesitan ser consideradas cuando el propósito es entender si un país valoriza o no el gusto por la lectura. El texto pretende contemplar algunas de esas posibilidades.

Palabras-llave lectura, educación, cultura letrada, gusto literario.

 

O tema da leitura é mais um daqueles que nos aproxima, como brasileiros, dos nossos irmãos portugueses. É também mais um dos temas que nos coloca frente a frente com a fragilidade de nossa tradição educacional. O Brasil é um país que ainda no início do século XX enfrentava o índice de 76,4% de analfabetismo. Um país praticamente analfabeto com imensos desafios, sendo um deles expresso na falta de estímulo à leitura, como este texto apresentará mais adiante. O contato que tive com pesquisadores do Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto e a leitura do livro A Escola para Todos e a Excelência Acadêmica, 1 de autoria de António Magalhães e Stephen R. Stoer, fortaleceram a convicção de que há muito o que trocar a respeito das políticas de educação em um e outro país. E é das impressões de leitura que tiro a provocação de abertura deste texto.2

Tão distantes e tão iguais

O livro de António Magalhães me trouxe de volta a forte impressão que experimentei, 12 anos atrás, ao assumir a coordenação de um convênio firmado entre a Fundação Getúlio Vargas e o Inter-American Dialogue, de Washington, pelo qual, entre 1995 e 2005, o CPDOC incorporou como parte de suas atividades o Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina e Caribe (Preal).

O programa consistia basicamente num esforço de mobilização dos países latino-americanos e caribenhos em prol de uma ampla reforma educativa. Era bastante crítico o diagnóstico corrente sobre a situação da educação na região, fundado em análises das agências internacionais. Os países latino-americanos e caribenhos não conseguiam manter as crianças nas escolas com proveito de aprendizagem; os professores eram considerados despreparados para as funções de magistério; mantinham-se ainda altas as taxas de repetência nas redes escolares públicas; cresciam os indicadores da incapacidade de vencer dificuldades de leitura, interpretação e escrita. No conjunto, prevaleciam os indicadores de falência dos sistemas educacionais, se compreendidos como agências nacionais de preparação das crianças para o mundo do trabalho, das profissões, da participação cidadã, e de socialização para a vida democrática. O passado recente latino-americano escorava boa parte das preocupações. Décadas de autoritarismo e de regimes de exceção haviam contribuído decisivamente para o retrocesso do aprendizado para uma vida democrática, institucionalmente responsável e politicamente conseqüente.

A América Latina estava, portanto, mal posicionada. Os países do Caribe igualmente. Dentro da região, os indicadores do Brasil apontavam problemas no desempenho dos alunos, das escolas, dos professores, das secretarias, dos profissionais da educação e, como referência importante, as análises chamavam a atenção para as limitações impostas pela mobilização sindical dos docentes, que interpunha resistência a qualquer programa ou proposta de reforma educativa. O Preal chegava ao Brasil junto com o primeiro governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), que teve como ministro da Educação Paulo Renato de Souza. Com a reeleição de Fernando Henrique para novo mandato (1999-2002), o ministro Paulo Renato seria reconduzido ao ministério. O tempo de permanência do ministro Paulo Renato (oito anos) só foi superado na história do Brasil pela gestão de Gustavo Capanema, ministro da Educação na Era Vargas, que esteve no posto por 11 anos (1934-1945).3

Nas tratativas do convênio Preal/Fundação Getúlio Vargas já se falava abertamente no envolvimento do novo ministro, Paulo Renato, na equipe de especialistas que, a partir de Washington, procurava avaliar custos e investimentos, fracassos e empreendimentos não-concluídos, projetos inoperantes e obstáculos à melhoria da educação nos países latino-americanos. Havia nessa equipe, e isso respingou também no setor educacional, um “consenso” quanto à necessidade de racionalização de um programa de avaliação que fornecesse elementos de identificação das principais razões dos fracassos nacionais. Em um dos seminários internacionais que o Preal/Fundação Getúlio Vargas promoveu no Rio de Janeiro,4 o ministro Paulo Renato se apresentou como alguém que estivera na equipe que concebera o Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina e Caribe e registrou sua concordância quanto à necessidade de uma avaliação crítica.

Desde a primeira hora, o governo Fernando Henrique anunciou que a educação, sobretudo a educação básica, seria a prioridade máxima de sua gestão. Como parte do programa de governo, o ministro Paulo Renato definia como metas cruciais o estabelecimento de um sistema nacional de avaliação e a montagem de um banco de indicadores educacionais que sustentassem a formulação de políticas públicas para a educação no Brasil. Foi nessa conjuntura, e em boa parte fundamentado em tais percepções, que se consolidou no país o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB).5 Os resultados obtidos nas avaliações confirmaram a gravidade do problema. E mais: a constatação progressiva do fracasso do sistema educacional no Brasil ia ao encontro de conclusões semelhantes para outros sistemas latino-americanos. O que teria acontecido para que se tivesse chegado a tamanha homogeneidade? Não havia países na região que escapassem ao diagnóstico.

Toda a produção acadêmica da história da educação no Brasil desde sempre foi unânime em apontar o caráter seletivo e restritivo da educação no país. Os pontos historicamente enfatizados são a falta de vagas e de escolas, e a evasão dos estudantes, constrangidos por problemas externos à escola — familiares, financeiros, de assistência, ligados, em suma, à necessidade de entrar no mercado de trabalho. Indicadores muito semelhantes podiam ser encontrados nas avaliações de outros países da América Latina e Caribe. Embora o ingresso nas escolas ao longo do tempo tivesse sido ampliado, mantinham-se problemas de aprendizado, de socialização democrática, de gestão, de qualidade do ensino oferecido e, sobretudo, de preparo dos docentes para os novos desafios a que a escola e a educação deveriam responder.

Duas referências, no Brasil, foram cruciais para a reorientação do debate a partir do final dos anos 1980, mas sobretudo nos anos 1990. Em primeiro lugar, as pesquisas de Sérgio Costa Ribeiro, demonstrando que a incapacidade estrutural do sistema educacional de universalizar o acesso à educação estava ligada não apenas ao número insuficiente de escolas, mas a uma cultura arraigada segundo a qual ensinar se relaciona fortemente com reprovar.6 A falta de vagas e/ou a dificuldade de acolher nas escolas os que pretendiam nelas ingressar teriam, assim, mais a ver com a retenção maciça de estudantes nas séries iniciais, sobretudo na primeira, do que com a carência de estabelecimentos escolares. Repetência, e não tanto falta de vagas ou evasão, parecia ser o diagnóstico mais próximo da realidade. A reorientação que se deu a partir dessa exposição pública ficou famosa, principalmente no estado do Rio de Janeiro, que recebia um programa de expansão geométrica da rede escolar pública — o Programa Especial de Educação do Governo Leonel Brizola.7 Se a razão da crise não era a falta de vagas (ou, por outra, de escolas), mas a incapacidade do sistema escolar de educar, toda a política de expansão da rede no Rio de Janeiro ficou sob fogo da crítica. E não foi fogo brando…

Outra reação veio do setor empresarial. O sistema educacional era ineficiente. Como os indicadores mostravam, de cada 100 crianças que entravam na escola no Brasil, 40 conseguiam completar o ensino fundamental, um funil só ultrapassado pelo ingresso no ensino médio. Além do problema da evasão escolar, os que chegavam ao fim do ensino básico se ressentiam de uma formação inadequada para o mercado de trabalho. A demanda era por “capital humano” mais qualificado. E estávamos inteiramente descapitalizados para esse desafio. A iniciativa do Instituto Herbert Levy (braço institucional do jornal Gazeta Mercantil), com a publicação do livro Ensino Fundamental & Competitividade Empresarial: uma Proposta para a Ação do Governo, em 1993,8 foi exemplar no sentido de sistematizar uma discussão que fora aberta no final dos anos 1980, mas teve na década de 1990 seu espaço mais vigoroso de expansão. Coordenada por dois especialistas em educação, João Batista Araújo e Oliveira e Cláudio de Moura Castro, a publicação expunha os indicadores de entrada, permanência e aprendizado das crianças no sistema educacional brasileiro. Era a demonstração da dificuldade que o Brasil teria para competir internacionalmente numa época de economia aberta e de reengenharia industrial. O Instituto Herbert Levy tinha a pretensão de ser um agente de mobilização do empresariado. A mensagem era dirigida às lideranças empresariais com o objetivo de angariar apoio e ampliar o coro das elites com projetos concretos de intervenção na política pública de educação.

Os números não ficavam melhores quando outros países entravam no jogo. O que mais me chamava a atenção de início, como já disse, era a homogeneidade dos diagnósticos. Embora as falas diversas sempre anunciassem que era preciso atentar para as diferenças e particularidades nacionais, permanecia a homogeneidade dos fracassos e das receitas ou recomendações. Uma agenda comum de problemas levava a uma orientação comum de possíveis soluções para uma diversidade regional extraordinária, uma pluralidade cultural notável, com ritmos econômicos, políticos e institucionais consideravelmente assimétricos. Como comparar o Brasil com a Nicarágua? Como pensar que uma sugestão de melhoria da educação servisse ao mesmo tempo para Chile, Peru, Argentina, Brasil, Nicarágua, Guatemala, Costa Rica, Colômbia e mais outros? Mas essa preocupação não alterava o incômodo diagnóstico comum, porque dificilmente, em sã consciência, alguém poderia dizer: os países vão bem, as crianças estão aprendendo, os professores estão preparados, as escolas estão cumprindo sua função pedagógica. Qual seria, afinal, o problema? Uma epidemia latino-americana e caribenha? Sina do terceiro mundo? Vingança dos deuses ou dos diabos? Destino inexorável dos processos educacionais em qualquer região, país, cidade ou contexto?

Muitos estudos, pareceres e pesquisas foram produzidos no final dos anos 1980 e na década de 1990, confirmando os diagnósticos, sofisticando indicadores, abrindo debates, provocando reações. E nos vimos diante de um fato até então desconhecido no Brasil: pela primeira vez a educação ocupou um espaço nobre na mídia nacional, impressa e televisiva. Os principais jornais do país e a rede de maior audiência de TV passaram a disponibilizar rotineiramente um espaço até então impensável para as notícias sobre educação. Bendito consenso? Maldito consenso? O que pode explicar tamanho sucesso de audiência?

Foi quando li o livro de António Magalhães e me dei conta de que também pelas bandas da Europa o diagnóstico consensual impregnara as avaliações. A que se devia a entrada de Portugal no rol dos países em que se incluía o Brasil no que diz respeito à educação? Ao fato de sermos muito próximos dos portugueses? De sermos parte da herança ibérica? De Portugal não estar incluído na lista dos países “mais avançados” da Europa? De novo, lá estava eu, 12 anos depois, às voltas com a mesma perplexidade. Tão distantes e tão iguais. Como é possível?

Não foi muito difícil perceber as razões. Ou mais precisamente: a razão. No final dos anos 1980, a educação ocupou a mesa e a cabeça dos economistas, e os sucessos ou fracassos educacionais tiveram que ser explicados em função das categorias mobilizadas pelo campo intelectual da economia: rendimento, custo, benefício, eficácia, eficiência, desempenho e produtividade. Quão eficazes se mostram os sistemas educacionais para responder pelo desempenho de um ensino expandido a camadas que até então nunca haviam chegado à escola? Para que as respostas sejam tão adequadamente convergentes, é preciso supor um modelo geral, racional, teoricamente construído com variáveis comparáveis a partir de supostos comuns. A força e a fraqueza do diagnóstico se assentam, a meu ver, precisamente nessa equação. Um ponto de vista comum, uma meta comum, racional e logicamente construída, e respostas aos itens formulados em consonância com o modelo.

E qual modelo? Um modelo que cumpra a função precípua de formar “capital humano” com habilidade para o exercício de funções alternadas, com flexibilidade para o desempenho de atribuições não-convencionais, cujo treinamento depende das capacidades de leitura, escrita e operações aritméticas, adquiridas em um bom sistema formal de educação. Não é estranho que, no caso do Brasil, o debate tenha encontrado ressonância incomum em segmentos empresariais. O Brasil não dispunha de mão-de-obra preparada para fazer frente aos desafios da reestruturação do mundo produtivo, da reengenharia do sistema funcional. As categorias agora são robustamente inflacionadas com significados do mundo da produção. “Engenharia operacional”, “polivalência funcional”, “performance laboral”, “desempenho profissional”, para não falar naquelas diretamente relacionadas aos cânones da relação custo/benefício, sintetizadas na expressão “capital humano”. É compreensível a reação tão aguda do segmento educacional. Não é trivial estabelecer com clareza e com senso de proporção a linha divisória entre uma educação orientada segundo princípios de eficácia econômica e laboral e uma educação pedagogicamente orientada no sentido de fomentar o crescimento individual escorado em princípios e valores que direcionarão a vida daqueles que passam pelo processo educativo. O mundo prático tem, como característica inerente, um ritmo mutante. O aprendizado focado em um tipo específico de habilidade torna-se obsoleto no momento em que já não responde às alterações provocadas pelo dinamismo próprio à rotina das atividades em curso. A profissionalização precoce — tema tão caro às discussões sobre escolhas universitárias — tem recebido críticas internacionais exatamente por implicar um investimento limitador e condenado à inocuidade tão logo o mercado sinalize em outra direção. Em balança tão instável, não tem sido difícil entender o porquê da defesa de uma educação humanista com sólidos fundamentos em habilidades de raciocínio crítico, de interpretação, de formação geral, diversificada, culturalmente ilustrada. “Não saber para que se estuda”, em vez de sinal de fracasso e inoperância, pode ser a chave para o aprimoramento da capacidade de raciocinar, de pensar, de articular conceitos, de mover-se no mundo de forma mais sofisticada e plástica. Imediatismo e educação, pragmatismo e educação não parecem ser companheiros de boa, longa e conseqüente trajetória de vida. Parece ser este o sentido da conclusão do livro de Magalhães, se o interpretamos corretamente:

É assim que concebemos o carácter formativo do conhecimento, como algo que nos enforma e não meramente nos informa das funções. É também neste sentido que não opomos pedagogia e processo educativo, por um lado, e “performance” e necessidades do mercado de trabalho, por outro. Contudo, se se reduzir as competências àquelas que regem o mundo empresarial, corre-se o risco de reduzir a educação, e as suas potencialidades, a um mero fluxo que, como acima referimos, passa pelos indivíduos sem os verdadeiramente tocar. (Magalhães e Stoer, 2002: 121)

Mas o incômodo permanece. A despeito dos ganhos de investimento, da maior consciência da importância da universalização e da efetivação do acesso à escola para a maioria substancial da população em idade escolar, permanecemos com as indicações de que quantidade não é qualidade, e a qualidade está sob suspeita, a se acreditar nos números obtidos pelos sistemas de avaliação. O incômodo é dos governos, mas é também dos acadêmicos.

Tive o privilégio de orientar uma tese de doutorado que, a despeito de não ter sido construída com a intenção de explorar as questões até aqui anunciadas, será, a meu juízo, excelente contribuição no sentido de refinar o trajeto conceitual implicado nas discussões contemporâneas sobre fracasso e sucesso escolar. Raquel Balmant Emerique colocou-se a questão de compreender o significado e a amplitude do que podemos chamar, em sociologia da educação, de “sucesso escolar”. O balanço que fez da literatura brasileira e internacional e o material de campo que acumulou e processou em sua pesquisa de tese levaram-na a focar o conceito de “qualidade da educação”, redimensionando-o e identificando-o contemporaneamente ao universo que antes descrevemos. Tem razão em sua inquietação. Até os anos 1980, falar de educação no Brasil era, acima de tudo, tratar do elitismo e da falta de oferta de educação como direito de todos. Em matizes e prioridades descritas de formas distintas segundo conjunturas também específicas, desde as décadas iniciais da República brasileira e, sobretudo, desde as duas primeiras décadas do século XX, o tema da educação se confundiu com a defesa da ampliação do direito à educação pública, gratuita e laica. Bandeira dos liberais da educação, protesto dos defensores da educação católica, reação das escolas privadas, o fato é que, na agenda pública, a educação emergia sempre que estava em pauta a não-republicanização dos direitos na sociedade brasileira. Qualidade da educação não parecia ser um tema de interesse, primeiro porque tão poucos tinham acesso ao que era oferecido — e esses poucos eram provenientes de segmentos já tão mais aquinhoados da população — que a qualidade da relação ensino/aprendizagem tinha mais a ver com a defesa do aprimoramento humano, pedagógico, cultural, do que propriamente com a garantia do ensinamento elementar de operações básicas de escrita, cálculo e raciocínio matemático. Por esse motivo, considero apropriada e defensável a forma encontrada por Raquel Emerique para exprimir a mudança.

[…] eu diria que a expressão qualidade de ensino é filha da expansão escolar, enquanto que a expressão excelência acadêmica é filha da seleção escolar — daqueles tempos, não muito remotos, em que determinados níveis de ensino estavam reservados apenas às minorias privilegiadas cultural e economicamente, que ocupariam os cargos de lideranças reservados às elites da sociedade. (Emerique, 2007)

Com a tranqüilidade de quem já foi apresentada a dilemas semelhantes, com as advertências de Aléxis de Tocqueville sobre processos de expansão da democracia e do igualitarismo, eu apostaria que a afirmação de Raquel Emerique está bem sustentada. Alterados os números de atendimento e alcançada a expansão do sistema escolar brasileiro nas décadas de 1980 e 1990, todos os empenhos discursivos migraram para a denúncia da baixa qualidade do que se oferecia. E este é um ponto delicado desta recuperação, de onde esbocei a declaração de “incômodo” páginas atrás. De Marx a Tocqueville, ficamos no caminho com os insights tocquevillianos a nos assombrar.

A despeito do viés universalista que possamos atribuir ao modelo racional proveniente da economia, esforços muito concretos foram materializados em políticas públicas para a área da educação nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso. Um dos instrumentos mais conseqüentes nessa direção, como já foi mencionado, talvez seja o SAEB, que desde 1995 vem apurando sistematicamente, a cada dois anos, os índices de aproveitamento da educação básica no país. Conduzido pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos), o SAEB mede, além da entrada no sistema educacional de milhares de crianças, o aprendizado em leitura, matemática e ciências que aqueles que passam por ele são capazes de demonstrar. Alguns indicadores chamam a atenção pela resistente gravidade. O Brasil fica dividido em dois quando são comparados os indicadores das regiões: Sul e Sudeste muito à frente, e Norte e Nordeste, especialmente Nordeste, muito atrás. A desagregação dos dados deixa à mostra as mazelas nacionais de forma impressionante.9 Mas, mesmo no “Brasil afortunado”, a sorte dos estudantes da rede pública não é de se celebrar. Precária compreensão, baixa capacidade de interpretação de textos, dificuldade nas operações matemáticas, tudo isso indica que os estudantes que chegam ao fim do ciclo da educação básica ainda não dispõem do mínimo necessário para poderem se mover na vida intelectual, o que poderia condená-los ao infortúnio de não ingressar no mercado de trabalho e não usufruir das oportunidades e vantagens da vida em sociedade — na linguagem de Adalberto Cardoso, não desfrutar dos “bens da civilização”.10 E o que seria, igualmente, uma confirmação a mais dos prognósticos de Pierre Bourdieu a respeito da impossibilidade de a escola suprir o imenso fosso que separa estudantes provenientes de camadas populares daqueles que já contam com capital cultural de origem.

Livro e leitura no Brasil

Não há nação desenvolvida que não seja uma nação de leitores

A epígrafe acima vem de um documento da Câmara Setorial do Livro e da Comunicação Gráfica, um dos órgãos consultivos do Sistema MinC, Ministério da Cultura.11 O documento começa com uma afirmação direta: em qualquer nação, o sistema da cultura enfrenta problemas que podem ser divididos em “verticais” e “horizontais”. Nos verticais distribuem-se atividades específicas: cinema, teatro, artes plásticas, música, museus. Os horizontais são mais genéricos, pois dizem respeito à leitura, difusão da cultura geral, capacitação profissional. O objetivo do texto é convencer o leitor do dano para toda a nação quando prevalecem os problemas horizontais. Entre eles, a leitura teria “um papel essencial e decisivo para o salto civilizatório que o Brasil vem realizando”. A seqüência do argumento é mais esclarecedora. Hábito de leitura não pode ser considerado igual a alfabetização. É mais que isso; exige certo tipo de contato com as letras, implica capacidade de manipulação de um conjunto substancial de informações, diz respeito ao processamento do que se leu. No afã de defender o livro como a maior invenção da História, o documento avalia a situação do Brasil: entre nós, o livro não vai nada bem…

O documento é importante para nossa reflexão porque trata de dois aspectos: da receptividade do livro no Brasil — 2,4 livros per capita/ano contra 11 nos Estados Unidos e 7 na França —, mas também de iniciativas recentes destinadas a provocar na população o gosto ou hábito da leitura.

Em 1990, éramos cerca de 144 milhões e produzimos em torno de 1,6 livros per capita. Em 1998 somos quase 160 milhões e estamos produzindo perto de 2,4 livros per capita, o que significou uma melhoria real — que pode ser atribuída à estabilização da economia iniciada em 1995. Entretanto, este número manteve-se o mesmo entre 1996 e 1998. No ano 2000, as projeções indicam que seremos 165 milhões e, se o consumo de livros continuar crescendo apenas passivamente, produziremos cerca de 2,5 livros per capita — isto é, estaremos marcando passo.

O documento pode ser lido como manifestação corporativa de defesa do mercado do livro. A todos os integrantes da Câmara interessam a produção, a venda, a maior distribuição e a circulação de livros no país. Afinal, trata-se de um colegiado com 44 instituições e especialistas (produtores, editores, educadores), representando o governo, o setor privado, a sociedade e ainda um colegiado de representações regionais. Estão indicados todos os obstáculos ao florescimento de um comércio estimulante do produto livro. Faltam livrarias, e as que existem passam por dificuldades; não há bibliotecas suficientes em um país de extensão continental como o Brasil; a rede de distribuição não corresponde à necessidade de movimentação do volume esperado de oferta de livros; e, sobretudo, os livros são caros para o poder aquisitivo da maioria da população brasileira, mas não se podem baixar os preços. Círculo vicioso: baixa produção, precária distribuição, alto preço. A cura depende da superação do mal que atinge o paciente. Uma quase tautologia. Mas o documento indica outras dimensões que nos interessam mais de perto. Como formar o gosto pela leitura? Como transformar o livro e a leitura em bens caros e apreciados pelos(as) leitores(as)?

Estudos globais encomendados pela UNESCO identificaram fatores determinantes no estabelecimento do hábito de leitura de um povo ou de uma pessoa. Os principais são: a) ter nascido numa família de leitores; b) ter passado a juventude num sistema escolar preocupado com o estabelecimento do hábito de leitura; c) o preço do livro; d) o acesso ao livro; e e) o valor simbólico que a população atribui ao livro. Estão mesclados nesses indicadores efeitos de políticas com condições e motivações societárias. Sociologicamente é possível identificar de pronto: onde aprendemos a cultivar os primeiros gostos? Na família e na escola como instituições de socialização; na infância como estágio de vida. No ambiente onde nascemos e onde temos as primeiras informações a respeito do mundo, da rotina, da vida, e no lugar onde aprendemos as primeiras lições. Mais difusa, a estrutura familiar, além de profundamente alterada em seu formato e dinâmica na sociedade contemporânea, é também de mais difícil alcance por ações substantivas, por sua extensão, dispersão e volume em sociedades complexas e diversificadas como a brasileira. A escola, no entanto, poderia ser o foco de concentração de políticas de estímulo ao cultivo do hábito de leitura. As políticas de estado que têm sido ensaiadas nos últimos anos no Brasil parecem orientadas com esta finalidade. Uma das metas do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL)12 é zerar o número de localidades que não dispõem de bibliotecas públicas. O Brasil tem 5564 municípios e a previsão do governo é que, ao longo de 2007, o percentual dos que não têm bibliotecas chegue aos 6,8%, contra os 21% de 2003. O programa estabelece ainda que, em 2010, não haja um município sem biblioteca pública.

O Ministério da Cultura, por meio do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), da Fundação Biblioteca Nacional, tem conduzido a política de implantação de novas bibliotecas públicas no país. Há uma iniciativa de governo, Programa Livro Aberto, que tem se mobilizado para diminuir o número de municípios privados do que o Ministério da Cultura considera o bem público mais importante ao alcance da população. A concentração de livros no Brasil acompanha a concentração de rendas de uma maneira clara. Setenta e três por cento dos livros estão concentrados nas mãos de 16% da população. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mediu o consumo de livros pelas famílias brasileiras: 90% das classes A e B têm mais de 10 livros em casa, enquanto na classe C essa quantidade corresponde a 66% e, nas classes D e E, a 42%. Posição nos estratos mais altos e mais tempo de escolaridade respondem pela maior aquisição de livros. Também aqui há disparidades na distribuição regional. Não contam com bibliotecas públicas 613 municípios identificados pelo governo. Desse total, 405 estão no Nordeste; 77 no Norte; 69 no Centro-Oeste; 45 no Sul e apenas 17 no Sudeste. Mas é possível ler os dados em outra direção igualmente importante: ter chegado a 89% dos municípios brasileiros pode ser indicação relevante do crescente interesse das prefeituras na promoção da leitura. Esta estatística foi apurada na Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic 2006), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com o Ministério da Cultura.

Construir bibliotecas é apenas parte do problema. Pode ser o início de um desafio mais profundo. A manutenção dos estabelecimentos, o cuidado e a atualização do acervo, a criação de dinâmicas que favoreçam a consulta e o aproveitamento dos livros disponíveis, a inclusão de programas de incentivo do uso das bibliotecas, a transformação do espaço em local vivo, de uso cultural, tudo isso desafia os administradores responsáveis pela política de incentivo à leitura. Regimentalmente, todas as prefeituras municipais têm acesso garantido à política de modernização de bibliotecas do SNBP. Estando adimplentes com a União, dispondo de espaço adequado e de pelo menos um funcionário especializado, as prefeituras podem se candidatar e receber os benefícios concernentes à política de estímulo à formação e modernização de bibliotecas. As informações oficiais falam de distribuição de cerca de dois mil livros, móveis, equipamentos de som, TV, DVD e vídeo. Mas um acompanhamento mais próximo mediria o alcance da política de forma mais sustentada empiricamente, o que não pudemos fazer para a escrita deste texto. Tratando-se de política recente, a continuidade e o acompanhamento criterioso podem contribuir para uma avaliação mais precisa.

Políticas de governo em prol da melhoria da capacidade leitora de populações latino-americanas começaram a se ensaiar sobretudo a partir dos anos 1980. O sentido político de tais iniciativas vinha como reforço à valorização da democracia recém-conquistada em muitos dos países, inclusive o Brasil. Programas públicos de incentivo à leitura são iniciativas que se avolumaram na década de 1980, quando a população brasileira chegou aos 120 milhões de habitantes, um crescimento vertiginoso se comparado às décadas anteriores. O Programa Nacional de Incentivo à Leitura (Proler), por exemplo, é iniciativa que congrega, desde 1996, uma comissão de representantes institucionais da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), da Associação de Leitura do Brasil (ALB), do Programa de Alfabetização e Leitura (Proale/UFF) e do Ministério da Educação. O aumento da população urbana alterou profundamente o perfil demográfico do país e deu mais visibilidade aos baixos índices de leitura, educação e escolaridade. O atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva, iniciado em 2003, deu prosseguimento ao movimento de mobilização pela leitura em algumas frentes já operantes há mais de uma década. O histórico das ações empreendidas pelo governo Lula está disponibilizado no sítio do PNLL e pode ser indicativo do tipo de movimentação que os ministérios da Cultura e da Educação vêm imprimindo aos programas das áreas de cultura e educação.

2003

  • A XIII Cúpula dos Chefes de Estado dos Países Ibero-Americanos aprovou, para acontecer em 2005, o Ano Ibero-Americano da Leitura sob a coordenação da Organização dos Estados Ibero-Americanos — OEI, Centro Regional para o Fomento do Livro na América Latina e Caribe — Cerlalc/UNESCO e dos governos de cada um dos países ibero-americanos.
  • Promulgação da lei n.º 10.753, de 30/10/2003 — “Lei do Livro” — base para uma política duradoura para o livro e a leitura.
  • 2004

  • Programa Fome de Livro: dotar toda cidade brasileira de uma biblioteca pública.
  • Articulações nacionais envolvendo toda a cadeia criativa, produtiva e distributiva do livro e os especialistas e mediadores de leitura para a organização e promoção do Ano Ibero-Americano da Leitura.
  • Criação da Câmara Setorial do Livro, Literatura e Leitura — CSLLL: espaço de concertação do estado e da sociedade, envolvendo toda a cadeia do livro e da leitura.
  • Decretada a desoneração do PIS/COFINS: o livro no Brasil torna-se totalmente isento de taxas e impostos.
  • 2005

  • Ano Vivaleitura: nome dado ao Ano Ibero-Americano da Leitura no Brasil.
  • Formação de comitês pelos estados brasileiros.
  • 1500 ações pela leitura foram cadastradas em todo o país.
  • Início das articulações para se constituir um Plano Nacional do Livro e Leitura, PNLL, no Brasil.
  • 97 encontros de debate no país: RS, SP, RJ, MG, DF, CE, PA.
  • Cinco videoconferências regionais e nacional.
  • Encerramento do Vivaleitura em março de 2006.
  • Conquista fundamental: união entre os ministérios da Cultura e da Educação para um trabalho integrado pelo livro e pela leitura com objetivo de criar o PNLL.
  • 2006

  • Plano Nacional do Livro e Leitura, PNLL.
  • Lançamento em 13 de março, com texto e objetivos.
  • Institucionalização e nomeação de dirigentes em agosto, através das portarias interministeriais 1.442 e 1.537.
  • PNLL, texto conceitual e programático redimensionado e consensuado pelo estado e pelos representantes do livro e da leitura em dezembro.13
  • O PNLL é, portanto, um plano recente, construído a partir de um conjunto de políticas, programas, projetos e ações continuadas, que tem como ambição o envolvimento do estado e da sociedade civil na democratização do acesso e no estímulo à leitura. Os quatro pilares que o fundamentam são: 1) democratização do acesso; 2) fomento à leitura e formação de mediadores; 3) valorização da leitura e da comunicação; e 4) desenvolvimento da economia do livro. Os ministérios da Cultura e da Educação respondem legalmente pelo empreendimento da Política Nacional do Livro. O início coincide com o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006), por força da Lei do Livro (lei n.º 10.753, de 30/10/2003). A união entre os ministérios da Cultura e da Educação foi registrada na apresentação oficial como conquista fundamental — sinal evidente da dificuldade de se estabelecer cooperação mais continuidade nas esferas de governo que tratam de programas educacionais e culturais.

    Lendo no Brasil, ou das muitas leituras

    O mundo para mim sempre foi um grande livro sem texto e sei perfeitamente que nascer é ser condenado a ser leitor. Nascer é deixar entrar a palavra, não há outro jeito…14

    Em todo o conjunto de dizeres sobre educação, ao menos duas associações podem ser feitas de imediato: educação e leitura; leitura e alfabetização. Em ambas, o Brasil tem crescidas dívidas. Num estudo sobre assiduidade de leitura, feito pela mais antiga revista semanal do mundo, The Economist, o Brasil foi colocado na 27.ª posição entre 30 países e considerado uma “nação de não-leitores”. Quadro sinistro, apontado como perverso prolongamento da escravidão. Trata-se de associações imperfeitas, em alguns sentidos marcantes. Se a leitura é uma habilidade importante para o conjunto de aprendizados imputados à educação, ela está longe de responder unilateralmente por todo o conjunto. E se leitura supõe alfabetização, dificilmente alfabetização responde pelo que a leitura pode significar. Não há qualquer relação automática entre alfabetização e gosto ou hábito de leitura. É uma condição prévia, mas absolutamente não-suficiente. Mas são pontos de partida, e como tais, úteis.

    No Brasil do final do século XIX, aproximadamente 85% da população de mais de cinco anos eram iletrados. Mas quais eram as medidas? Assinar o próprio nome é indicador de alfabetização? Já operamos com esta medida para fins censitários. Depois, a medida foi um pouco ampliada por influência da UNESCO, e, para efeitos internacionais, a orientação tem sido considerar taxas de alfabetização/analfabetismo para a população de 15 anos ou mais. No Censo Demográfico de 1950, o conceito passou a ter o seguinte teor: “Como sabendo ler e escrever entendem-se as pessoas capazes de ler e escrever um bilhete simples, em um idioma qualquer, não sendo assim consideradas aquelas que apenas assinassem o próprio nome”.15 Com pequenas variações, essa definição permaneceu até ao Censo de 2000. Pequenas ou mais significativas alterações interferem no momento de comparação entre um censo e outro. As estatísticas educacionais quando a alfabetização está em jogo apresentam dificuldades decorrentes do movimento conceitual que acompanhou as definições. A restrição do voto aos analfabetos deu ao analfabetismo — e em conseqüência, aos alfabetizados — um conteúdo político que se sobrepôs ao educacional. E são difíceis as medidas que indiquem precisamente ou que esgotem o significado e a amplitude do que está implicado quando falamos de leitura em uma sociedade movida por critérios letrados. Há aspectos laterais e dimensões de entendimento que devem ser considerados quando o propósito é traçar o panorama de leitura em determinado contexto.

    No Brasil, qualquer recuperação do tema da leitura tem de fazer menção ao livro de Marisa Lajolo e Regina Zilberman, A Formação da Leitura no Brasil, publicado em 1996.16 O percurso das autoras é longo e interessante. Iniciam com o leitor propriamente — como se forma, com quem dialoga, que comportamento tem diante do ato de ler; em seguida, passam pelos direitos autorais, esse direito mais “esquerdo” que direito, para então cuidarem do autor sem proteção e do início do processo de profissionalização; a estratégia de ampliar a habilidade de leitura chega aos livros didáticos, o pouso institucional de estímulo/desestímulo ao gosto da leitura nas escolas; e, finalmente, em seu último desdobramento, e não menos importante, as autoras tratam das novas personagens: as mulheres adentrando a seara dos leitores, por décadas reservada aos homens. A referência aos livros didáticos interessa sobretudo em um país como o Brasil, tão dividido entre poucos com muito e muitos com o mínimo. “O livro didático interessa igualmente a uma história da leitura porque ele, talvez mais ostensivamente que outras formas escritas, forma o leitor. Pode não ser tão sedutor quanto as publicações destinadas à infância (livros e histórias em quadrinhos), mas sua influência é inevitável, sendo encontrado em todas as etapas da escolarização de um indivíduo: é cartilha, quando da alfabetização; seleta, quando da aprendizagem da tradição literária; manual, quando do conhecimento das ciências ou da profissionalização adulta, na universidade” (Lajolo e Zilberman, 1996: 121).

    O programa nacional de distribuição do livro didático no Brasil data dos anos 1970. A despeito de todos os problemas computados nesses mais de 35 anos — corrupção, falha na distribuição, ineficiência política no atendimento, inadequação às diversidades regionais, altos e baixos detectados na qualidade do material didático — é, indiscutivelmente, um programa bem-sucedido e indispensável ao objetivo de garantir o básico à formação do leitor. Desde meados dos anos 1990, o Programa do Livro Didático vem recebendo atenção de comissões especializadas de avaliação de conteúdos, com resultados sensíveis de melhoria de qualidade. Debates recentes no jornal O Globo a respeito de livros didáticos de história atestam o interesse e a mobilização de formadores de opinião diante do programa. E há razões substantivas para que seja zelado com critério e aprovado na substância. Em mais esta nota, a associação de leitura com escolarização está indelevelmente fortalecida.

    Há razoável consenso entre especialistas no Brasil a respeito do fato de que a escola é, para a imensa maioria da população nela incluída, o espaço mais importante, senão o único, em que crianças e adolescentes entram em contato com o universo da leitura, da cultura e da sociabilidade orientada. O cordão a ser puxado aqui não é pequeno. Livros para serem disponibilizados nas escolas precisam ser impressos. E aí, a história da imprensa é convocada para responder pelo movimento de impressão. Entre nós, informam-nos Lajolo e Zilberman, a imprensa foi se constituindo devagar. E em mais este aspecto, a transferência da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808 acabou sendo o começo de uma atividade proibida na colônia — a impressão de livros.

    Da Imprensa Régia à prensa moderna, o Brasil se posiciona hoje muito bem, como mostram o crescimento e a sofisticação do mercado editorial, sobretudo nos últimos 20 anos. Em qualquer recuperação a respeito do crescimento do público leitor, o parque editorial tem sua parcela significativa de contribuição.17 Não é por essa razão, portanto, que o gosto da leitura, o hábito da leitura, o aproveitamento e a valorização do ler deixam a desejar ou se constituem em matéria a ser observada com mais cuidado crítico no país. Mais uma observação de Lajolo e Zilberman nos ajuda a compor o quadro que estamos tentando construir. “Ao espessamento das práticas brasileiras de leitura, ainda que intermitente e cheio de recuos, corresponde um — igualmente intermitente e cheio de recuos — amadurecimento do leitor que, na inevitável interação com os múltiplos elementos de práticas mais complexas de leitura, rompe restrições, libera-se da tutela, enfim, alcança a emancipação possível” (1996: 311). E falar de amadurecimento de leitor é falar do sistema educacional e de outros estímulos ao cultivo do gosto e do interesse por ler.

    Como se forma o leitor interessado? A resposta a esta indagação tão central não se satisfaz com a indicação única da leitura pela literatura, ou por outra, a percepção da leitura exclusivamente no marco dos livros. A narrativa oral, transmissora da tradição folclórica, o ato de ouvir histórias e se deleitar, o talento para contar histórias e interessar a audiência — tudo isso e, ainda, as revistas, o material das bancas de jornal, o olhar guloso de crianças e adolescentes no cardápio disponibilizado pela internet se avolumam e armazenam formas e processos cumulativos que podem resultar no prazer de se informar ou no gosto de ler. Tal força tem essas inclusões, tais como postas por João Cezar de Castro Rocha em texto sobre o livro A Formação da Leitura no Brasil. Embalado pelas reflexões das autoras, conclui ele que “um possível desdobramento de A Formação da Leitura no Brasil deveria dedicar-se com igual minúcia à reconstrução da literatura articulada nas particulares condições brasileiras”. E entre as particularidades, a revisão do papel da oralidade na constituição da literatura brasileira.

    No processo de formação da literatura brasileira não encontraremos uma situação muito semelhante? Os relatos das “leituras clandestinas” de inúmeros escritores não parecem reforçar a impressão? Impressão de que uma literatura propriamente brasileira foi sendo gestada não à luz da palavra impressa, mas ao ritmo da palavra comunitária dos narradores. Tal possibilidade exigiria, de um lado, urgente revisão do papel da oralidade na constituição da literatura brasileira, e, de outro, estimularia a seguinte hipótese: teriam os autores brasileiros, ou pelo menos, um número expressivo de autores brasileiros perseguido um projeto talvez impossível? No caso, a criação de uma forma de expressão literária resistente ao afastamento do corpo do circuito comunicativo: afastamento inevitável após o advento e difusão da imprensa. A nossa, em alguma medida, será uma literatura literalmente avant la lettre, e, por isso mesmo, contra a letra?18

    O campo da oralidade ocupou outros escritores. Ana Maria de Oliveira Galvão percebeu um tipo muito particular a certas regiões no Brasil de práticas de letramento entre sujeitos com baixos níveis de escolarização. A literatura de cordel é exemplar desse cruzamento. Uma cultura dominada pela oralidade produzindo uma manifestação literária com ritmo, cadência e desprendimento próprios do universo da oralidade. Com perspicácia anota Galvão que se “pode considerar anacrônica a perspectiva de abordar os processos de letramento da população brasileira no passado somente a partir da análise da circulação do impresso, da freqüência da população à escola e das práticas de escrita”.19 Folhetos lidos em voz alta e ouvidos coletivamente em reuniões comunitárias de congraçamento entre amigos e familiares, vizinhos e visitantes compunham o acervo da literatura de cordel. Galvão lembra que são práticas sociais onde não se estabelece a hierarquia entre o saber ler e o poder conhecer; entre o oral e o escrito. Não estaríamos, talvez, como bem quis Antônio Cândido, diante de um público não de leitores brasileiros, mas, por que não, de auditores brasileiros?20 Na observação de pesquisa de campo, Ana Galvão anotou que “o fato de o leitor não possuir todas as competências de leitura parecia não diminuir o prazer dos ouvintes”. Como realçava seu informante Zé Mariano: “Minha mulher sabia muito ler, aí ela lia pra tudinho. […] Era um divertimento. Ela lia assoletrando mesmo, faltando as letras…” Na volta do duro dia de trabalho no campo, a roda da leitura trazia felicidade e encantamento, a despeito do gaguejar de todo jeito, até a hora do recolhimento para descanso. O que conhecia melhor as letras lia para todo o grupo. E o desprendimento de todos fazia daquele ritual puro prazer de leitura e audição. Outros exemplos delicados e comoventes foram para o cinema. A personagem de Fernanda Montenegro em Central do Brasil — a mulher que escrevia cartas e costurava histórias e que, não por acaso, levou a audiência a conhecer o Brasil. Leituras e leituras no e do Brasil.21

    Mas o tema da leitura implica mais inclusões. No processo de diferenciação entre cultura do papel e cultura da tela ou cibercultura, permanece o desafio de ampliar o sentido da leitura. Magda Soares trabalhará o conceito de letramento advogando seu uso no plural: letramentos.22 Seu esforço é na direção de amenizar a imprecisão que sofre um termo recentemente introduzido nas áreas das letras e da educação. E aqui as considerações se dispõem em um rol onde se posicionam tanto os que defendem a idéia de letramento convencionalmente vinculado às práticas de leitura e escrita enquanto sistema simbólico quanto os que, como L. V. Tfouni, estendem a compreensão tratando dos aspectos sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade.23 Para Tfouni há uma distinção clara entre alfabetização e letramento, sendo a primeira a aquisição da escrita por um indivíduo ou grupo de indivíduos e o segundo a percepção dos aspectos sócio-históricos provocados pela e a partir da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade. O que acontece socialmente com a introdução da escrita, que mudanças sociais e discursivas são desencadeadas a partir de tal processo? Com que habilidades e de que forma interagem indivíduos portadores dos saberes de leitura e escrita? O processo decorrente dessa aquisição altera comportamentos, a capacidade de se mover no circuito de interações disponíveis socialmente, modifica a condição do próprio indivíduo em sua vida societária. Por isso Soares afirma que “letramento é, nesta concepção, o contrário de analfabetismo (razão pela qual a palavra alfabetismo tem sido freqüentemente usada em lugar de letramento, e seria mesmo mais vernácula que esta última)”.24 Para além do “apenas ensinar a ler e a escrever, do alfabetizar, forma-se a palavra letramento: estado resultante da ação de letrar”, completa Magda Soares no mesmo seguimento de texto. A motivação vem do reconhecimento da mudança exigida dos atores letrados ou menos letrados para usufruírem das novas tecnologias de leitura e escrita com a introdução da comunicação eletrônica. O ato relativamente solitário da leitura convencional é invadido pela sugestão de sociabilidade compulsória pela disseminação de todo tipo de comunicação cotidiana pelo viés da eletrônica. Páginas web, chats, jogos, acesso às trocas entre tribos de internautas, estímulos de toda ordem, dos literários aos sexuais, lembrando e expondo publicamente aqueles que são e os que não são capazes de manusear as novas práticas sociais de leitura, revelando não mais apenas o estado de analfabetismo, mas mais cruelmente, a condição de excluído socialmente.

    O impacto de todos os processos abertos pela leitura digital está longe de ser medido. Desde a alteração do formato fixo do papel às telas, até a correspondência entre estrutura mental e possibilidades sucessivas de alteração em tempo simultâneo, reformatação, navegação em múltiplas vias, um sem-fim de veredas abertas e multiplicáveis adensando mais e mais os tipos possíveis de interação, comunicação e convivência que se estabelecem a partir de então, exigindo em igual proporção reflexões mais refinadas e específicas a respeito da leitura ou das leituras. Os textos sem lugar específico, as páginas não mais materializadas em edição de papel, a livre composição de trechos, fragmentos de escrita, tudo o que com velocidade geométrica desafia educadores, instituições de ensino e metodologias de avaliação da aprendizagem.

    Duas pontas que se encontram

    Nada há menos natural do que ler. A recomendação sociológica de desconfiar do que parece natural se aplica muito bem aqui. O hábito de leitura é desses em que precisamos recorrer à sociologia para entender a extensão dos processos de aprendizado e de socialização ali implicados. It´s an acquired taste — expressão inglesa que traduz perfeitamente o aprendizado requerido; é parte constitutiva do capital cultural, traduziria o sociólogo francês Pierre Bourdieu, confirmando o resultado do tempo despendido para o acúmulo. O aprendizado e o tempo despendido no exercício de ler podem resultar em habilitação de leitura e no gosto de leitura, que são processos distintos, nem sempre combinados. Para ser mais direta: raramente combinados. São remotas as chances de selecionar, do grande público, pessoas capazes de decifrar, ler, estudar e interpretar mensagens com o refinamento que o hábito e o gosto da leitura propiciam.

    A leitura como fruição, como prazer, nos reporta ao sentido mais refinado do processo de aprendizado. Leitura como estímulo e alimento da alma, de cultivo da interioridade, daquilo que Ortega y Gasset tratou como a viagem ao universo próprio, singular, não massificado. A expressão desse tipo de cultivo é, indelevelmente, a experiência solitária, individualizada, intraduzível e intransferível. Compartilhada em cumplicidade com iguais e poucos; àqueles a que tal graça se consente e é dado ver ou ler, parodiando o verso da música de Caetano Veloso, retirado do poema de John Donne.25 Diz respeito à habilidade temperada e cozida no gosto. Além de habilidade, esse tipo de leitura demanda prazer, deleite, chegando até à compulsão. Saber ler é diferente de ter prazer na leitura. Ter gosto de ler é expressão de sentimento de uma habilidade. Vem de cultivo, alimento espiritual e reforço intelectual. Ter nascido em um ambiente propício, ter sido estimulado afetivamente na direção da aquisição do gosto, encontrar cumplicidade na descoberta e reforçar assim a escolha inicial; uma cadeia que vai do nascimento, portanto, do acaso familiar, passa pelas agências de socialização que recebem crianças (a escola entre elas, talvez a mais permanente) e se transforma em aventura amadurecida nos espaços de convivência e ou isolamento. Experimento intangível e dificilmente replicável universalmente. Constitui-se na razão de ser do entendimento pessoal e da humanização — a cultura subjetiva que tão de perto tocou Georg Simmel. Diz respeito à singularidade, ao menos comum, ao não usual. Não estamos no espaço do experimento de massa.

    Mas a leitura de que tratamos neste simpósio implica outras dimensões, porque o que está em questão é a política pública de democratização do acesso a “bens da civilização”. Os requisitos agora são outros, menos restritivos, mais coletivos e mensuráveis. E nessa dimensão, que é a que importa neste contexto de reflexão, falar de leitura é, em grande medida, senão fundamentalmente, falar da educação formal. O diagnóstico consensual sobre a situação educacional dos países latino-americanos e caribenhos que me causou a perplexidade a que me referi no início deste texto responde bastante bem pela situação de precariedade da distribuição social dessa habilidade em nossos países. Por este reconhecimento, permanece o incômodo a que aludi anteriormente. Estou dizendo com isto que, a despeito das muitas formas de leitura e de sua intangível diversidade de manifestação (se pela audição, se pela oralidade, se nas revistas de bancas de jornal, se em folhetos ou em propaganda de lojas, se na internet, ou nos livros de auto-ajuda),26 a escolaridade é porta de iniciação, estímulo e aprendizado de ler, não importa em quantas versões possíveis. Andei, portanto, do incômodo consenso à intangível diversidade (dos que nunca leram aos que lêem sem ler; sem controle do alfabeto). Mas o ponto de chegada toca no de partida. A escola se mantém como espaço sagrado. Esta convicção me leva a fechar este texto com algumas sugestões para nossa reflexão. Se o que está em discussão são políticas de estímulo à leitura, e me parece ser este o sentido desta conferência, considero estratégica a atenção a alguns pontos para a ampliação de qualquer projeto de leitura.

    Em primeiro lugar, ler é aprendizado, e a escola é o ambiente onde a socialização formal se dá de forma planejada. Tempo de escolaridade é condição, senão suficiente, absolutamente necessária ao desenvolvimento da habilidade e do gosto pela leitura. Em países como o Brasil — e me arrisco a generalizar para o conjunto de países que integram América Latina — a escola é o espaço onde a maioria da população em idade escolar tem sua iniciação ao mundo letrado. Embora a escola esteja passando por dificuldades extremas para enfrentar as alterações profundas no universo interativo e de interesse para crianças e jovens contando basicamente com instrumentos convencionais para competir, ela ainda é o espaço sagrado no sentido de ser o lugar indiscutível onde esforços podem ser dirigidos para ampliar o interesse pela leitura. Reforçar a escola com apoio e atenção é apostar na durabilidade de políticas públicas. O tempo médio de escolaridade no Brasil ainda está na faixa de 6,5 anos, ao contrário dos 11 em países onde se avançou de forma mais substantiva no programa de escolarização. As políticas educacionais implantadas no Brasil depois de 2000 só serão sentidas em 2025, indicam pesquisas do IPEA. Significa que, se o ritmo das políticas não for interrompido, quem nasceu em 1999 terá condições de completar o ensino médio. E a pressão maior será no ensino superior, ainda despreparado para a massa dos estudantes aptos a concorrer. Nada indica, portanto, que possamos desconsiderar a importância da escola nesse processo de ampliação das condições de letramento da população.

    Em segundo lugar, e incluído em um programa de valorização escolar, o elo sensível em qualquer cadeia de valorização da leitura é o professor. As pesquisas internacionais sinalizam pontos negativos recorrentes com relação à carreira docente: desvalorizada, não-competitiva, pouco profissionalizada, marcantemente feminina, quando as estatísticas já confirmaram a diferença de remuneração obtida no mercado em profissões semelhantes por corte de gênero. Os próprios professores são vítimas de todas as dificuldades enfrentadas pelos que não foram socializados na leitura. De extração social mediana a baixa, professores são profundamente afetados pela formação insuficiente, baixa auto-estima, salários aviltantes, alto preço dos livros e reduzido capital cultural. Difícil dar o que não se recebeu ou o que não se tem.

    Por último, e não menos importante, ambientes de leitura favorecem o gosto pela leitura. Bibliotecas interativas, atualizadas e abertas ao público, são passos indispensáveis ao conjunto do programa de incentivo. O que no site do Plano Nacional do Livro e da Leitura se registra como conquista fundamental — a união de esforços de dois ministérios, da Educação e da Cultura, diretamente envolvidos em programas de estímulo à formação e à cultura — ilustra simultaneamente o benefício e a dificuldade de que padecem políticas públicas no campo da política e dos interesses. Também aqui, no campo das políticas, nada é natural; estamos, como quis Luis Rodolfo Vilhena, no terreno da “produção”, do artefato, do passo a passo. Mas há indicações de que os passos vêm se acelerando. Recentemente tomei contato com o blog de Galeno Amorim. As notícias do blog, as reações de leitores internautas das cidades de norte a sul do país, os artigos publicados na imprensa e que Amorim inclui na coluna artigos, tudo leva a conhecer o movimento disperso e pulverizado de iniciativas pela leitura. Bibliotecas improvisadas em pontos de ônibus, matéria de belo artigo da escritora Ana Miranda, em garagens, em fundos de quintal, em cantos de sala de aula, abertas à comunidade de passantes e receptivas a doações, acabam confirmando a tese do bibliófilo José Mindlin, de que ler é um vício e de que o melhor que os que tiveram a sorte do contágio têm a fazer é nunca procurar a cura, mas espalhá-lo a mais e mais vítimas, de jeito que a comunidade seja tomada como por uma epidemia. Inocular o vício de ler tem sido sua compulsão de vida, diz na autoridade de seus 90 e tantos anos de irrefreada paixão.

     

    Referências bibliográficas

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    1 Magalhães e Stoer (2002).

    2 Texto escrito para a I Conferência PNL, “Aleitura em Portugal: desenvolvimento e avaliação”, organizada pelo Comissariado do Plano Nacional de Leitura, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 22 e 23 de Outubro de 2007.

    3 Sobre a ampla intervenção educacional na Era Vargas, ver Schwartzman e outros (2000).

    4 O seminário foi realizado no Palácio Capanema, no Rio de Janeiro, e os resultados foram publicados em Bomeny (1997).

    5 Desde 1995 o SAEB avalia o desempenho de estudantes de escolas urbanas e rurais, tanto da rede pública quanto da rede privada. O universo de participação é amostral, portanto com resultados disponíveis em esfera nacional, regional e por unidade da Federação, para as séries e disciplinas avaliadas, sem detalhamento para municípios ou unidades de ensino. As médias rurais só são comparáveis em âmbito nacional.

    6 Ver Ribeiro (1991).

    7 Uma avaliação do Programa Especial de Educação dos dois governos Leonel Brizola (1983-1987 e 1991-1995) pode ser vista em Bomeny (2007). Este texto foi também publicado em Sociologia, Problemas e Práticas, n.º 55 de 2007.

    8 Ensino Fundamental & Competitividade Empresarial: uma Proposta para a Ação do Governo, trabalho elaborado pelo Instituto Herbert Levy, 1993.

    9 Participei como consultora de uma das avaliações (SAEB 2001), e a interpretação dos resultados foi publicada como artigo. Ver Bomeny (2003).

    10 Cardoso (2004).

    11 Fiore (s.d).

    12 O Plano Nacional do Livro e Leitura foi instituído, oficialmente, em agosto de 2006. Trata-se de umplano de governo que reúne ações dos ministérios da Cultura (MinC) e da Educação (MEC), de governos estaduais e municipais e da sociedade civil. O PNLL visa fundamentalmente a garantir o acesso do cidadão brasileiro ao livro, à leitura e à literatura.

    13 Ver http://www.vivaleitura.com.br/pnll2/historico.asp.

    14 Queirós (1997).

    15 Ferraro (2002).

    16 Lajolo e Zilberman (1996).

    17 O artigo recente de Galeno Amorim em seu blog dá indicação precisa do crescimento do negócio do livro no Brasil. Diz ele: “Para ler mais, o país precisa de livros. Para ter mais livros—e fazer chegar às livrarias e outros pontos de venda, às escolas, às bibliotecas e,emespecial, às mãos dos leitores—é preciso escrevê-los e publicá-los. Apesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro 2006, que a Câmara Brasileira do Livro (CBL) e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) divulgaram agora há pouco (nesta quinta, 02/08/2007) mostra que aos poucos mais de 500 editoras que estão a pleno vapor estão dando conta do recado e fazendo bem a sua parte. Além de estar fazendo mais livros — 320 milhões de exemplares foram produzidos no ano passado—o Brasil também vemconseguindo manter uma boa diversidade quanto a títulos e assuntos. Foram editados nada menos do que 46.026 títulos, 10,8% mais que no ano anterior. Desses, 20.177 eram obras novas (enquanto que 25.849 eram reedições).”

    18 Rocha (1998).

    19 Galvão (2002).

    20 Cândido (1980).

    21 Agradeço a Bianca Freire Medeiros a sugestão de incluir a personagem de Central do Brasil.

    22 Soares (2002).

    23 Ver Kleiman (1998); Tfouni (1995).

    24 Soares (2002).

    25 “Como encadernação vistosa, feita para iletrados a mulher se enfeita; mas ela é umlivro místico e somente a alguns (a que tal graça se consente) é dado lê-la. Eu sou um que sabe […]” (John Donne, poeta, prosador e clérigo inglês—1572-1631, Elegia: indo para o leito, traduzido por Augusto de Campos).

    26 Afinal, já aprendemos com Luis Rodolfo Vilhena que: “Por mais rígido que seja um sistema de escritura, por mais que ele se apresente como uma mera técnica, sempre haverá uma pluralidade de práticas leitoras em sociedade”. Ver Vilhena (1977).

     

    *Socióloga, pesquisadora do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, coordenadora da Escola Superior de Ciências Sociais do CPDOC e professora titular de sociologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: helena.bomeny@fgv.br

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