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Sociologia, Problemas e Práticas

versión impresa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  n.59 Oeiras ene. 2009

 

Parentalidade social, fratrias e relações intergeracionais nas recomposições familiares

Cristina Lobo*

 

Resumo

Dar conta sociologicamente da trama de relações entre alguns protagonistas das recomposições familiares — padrastos, enteados, fratrias recompostas e avós sociais — é o objectivo deste artigo. Trata-se de interacções não institucionalizadas ou que são auto-reguladas, isto é, imbuídas de ambiguidade e de invisibilidade tanto social como jurídica. O mesmo é dizer que estes papéis estão em aberto, por isso precisam de ser pensados, inventados e negociados com o tempo. O número de crianças, nas famílias recompostas, varia conforme a história passada de cada um dos elementos do casal. Com a existência destas crianças de casamentos ou relações anteriores aumenta a complexidade destas famílias. Daí as famílias recompostas serem famílias de geometria variável. A análise das relações intergeracionais na fase pós-divórcio pode revelar-se uma excelente oportunidade para “olhar”a forma como os papéis dos pais e dos avós se redefinem. Na família mais alargada da recomposição, tanto os avós paternos como os maternos continuam a ocupar o seu lugar, sem esquecer os “avós sociais”, isto é, os ascendentes directos do eventual novo companheiro da mãe guardiã ou nova parceira do pai não guardião.

Palavras-chave recomposições familiares, padrastos, enteados, fratrias recompostas, avós sociais.

 

Abstract

Social parenthood, siblinghood and intergenerational relationships in blended families

This article aims to provide a sociological account of the fabric of relationships between some of the protagonists of blended families — stepfathers, stepchildren, blended siblings and social grandparents. It considers relationships that are non-institutionalised or self-regulated, i. e. imbued with both social and legal ambiguity and invisibility. This is equivalent to saying that these roles are open and, for this reason, need to be thought about, invented and negotiated over time. In blended families, the number of children varies in accordance with the history of each member of the couple. The existence of these children from earlier marriages or relationships increases the complexity of these families. Hence, blended families are families with variable geometry. An analysis of intergenerational relationships in the post-divorce phase may be seen to be an excellent opportunity to “have a look” at the way in which the roles of the parents and grandparents are redefined. In the broader blended family, both the paternal and maternal grandparents maintain their positions but the “social grandparents” are not to be overlooked, that is, the immediate predecessors of the mother/guardian’s possible new companion or the father/non-guardian’s new partner.

Key-words family blending, stepfathers, stepchildren, blended siblinghood, social grandparents.

 

Résumé

Parentalité sociale, fratries et relations intergénérationnelles dans les familles recomposées

Cet article aborde, du point de vue sociologique, la trame de relations entre certains membres de familles recomposées — beaux-parents, beaux-enfants, fratries recomposées et grands-parents sociaux. Il s’agit d’interactions non institutionnalisées ou qui sont autorégulées, c’est-à-dire empreintes d’ambiguïté et d’invisibilité tant sociale que juridique. Autant dire que ces rôles restent à créer, qu’ils ont besoin d’être pensés, inventés et négociés avec le temps. Le nombre d’enfants au sein des familles recomposées varie selon l’histoire passée de chaque membre du couple. L’existence de ces enfants de mariages ou de relations précédents augmente la complexité de ces familles. D’où les familles recomposées à géométrie variable. L’analyse des relations intergénérationnelles dans la phase post-divorce peut constituer une excellente occasion pour “voir” comment les rôles des parents et des grands-parents sont redéfinis. Dans la famille plus élargie de la recomposition, les grands-parents paternels comme maternels continuent d’occuper leur place, sans oublier les “grands-parents sociaux”, c’est-à-dire les parents du nouveau compagnon de la mère ou de la nouvelle compagne du père.

Mots-clés recompositions familiales, beaux-parents, beaux-enfants, fratries recomposées, grands-parents sociaux.

 

Resumen

Parentalidad social, fratrías y relaciones intergeneracionales en las recomposiciones familiares.

Mostrar sociológicamente la trama de las relaciones entre algunos protagonistas de las reestructuraciones familiares — padrastros, hijastros, fratrías recompuestas, y abuelos sociales —  es el objetivo de este artículo. Se abordan las relaciones no institucionalizadas o que son autorreguladas, esto es, imbuidas de ambigüedad y de invisibilidad tanto social como jurídica. Es lo mismo decir que estos papeles están indefinidos, por eso precisan de ser pensados, inventados y negociados con el tiempo. El número de niños en las familias reestructuradas, varía conforme a la historia pasada de cada uno de los elementos de la pareja. Con la existencia de niños de matrimonios anteriores aumenta la complejidad en estas familias. De ahí que las familias recompuestas sean familias de geometría variable. El análisis de las relaciones intergeneracionales en la fase posterior al divorcio puede ser una excelente oportunidad para observar la forma en cómo los papeles de los padres y de los abuelos se redefinen. En la familia extendida recompuesta, tanto los abuelos paternos como maternos continúan ocupando su lugar, sin olvidar a los “abuelos sociales”, o sea, los ascendientes directos del eventual nuevo compañero de la madre con la custodia o la nueva compañera del padre sin la custodia.

Palabras-llave recomposiciones familiares, padrastros, hijastros, fratrías recompuestas, abuelos sociales.

 

 

As desuniões instauram uma pluralidade de trajectórias, tanto familiares como individuais, que são parte integrante de um processo mais vasto de sequências e de transições familiares que, cada vez mais, desembocam nas configurações familiares recompostas. Neste sentido, as famílias recompostas são famílias de transição.

O debate em torno da fileira teórica das interações entre os vários protagonistas das recomposições familiares centrou-se, nos últimos tempos, na procura de respostas às seguintes questões: qual a natureza dos laços estabelecidos entre os membros destas configurações recompostas? Poderão os padrastos, em certos casos, substituir o pai biológico ausente? Se não o fizerem, qual é o seu lugar? Que papel — na educação, na socialização e no sustento económico dos seus enteado(a)s — podem ou devem representar os padrastos? Qual a natureza do laço entre padrastos e enteados? Quem é o verdadeiro pai da criança? O pai biológico ou o pai social?

É certo que a ausência de enquadramento jurídico para estas famílias poderá levantar alguns problemas na sua organização, no entanto, mais importante do que isso são talvez as questões relacionadas com a divisão dos papéis. Não se trata aqui da divisão clássica entre pai e mãe, mas entre os protagonistas masculinos envolvidos no processo de recomposição: o pai biológico e o novo companheiro da mãe. “À parentalidade biológica vem somar-se a parentalidade social” (Segalen, 1999: 209).

O significado social da relação entre padrastos e enteados adquiriu relevância nos dias de hoje, porque os pais biológicos, em média, têm um contacto limitado com os seus filhos após uma separação (Seltzer e Blianchi, 1988; Seltzer, 1991; 1994). Os laços entre o pai biológico e as crianças fragilizam-se quando o vínculo conjugal se quebra — porventura devido ao significado do papel de paternidade (Singly, 2000).1 No entanto, seja qual for a razão, esta fragilidade das relações entre pais divorciados e filhos não deixa de ser verdadeiramente inquietante.

Na verdade, a identidade do homem/pai estrutura-se muito mais pelo projecto profissional, remetendo para segundo plano o projecto de parentalidade, do que a identidade da mulher/mãe. Daí que os homens desenvolvam menos competência relacional e tenham pouca disponibilidade para as crianças quando vivem com a mãe dos seus filhos; é claro que, depois da separação, esses laços entre o pai e as suas crianças se podem tornar ainda mais ténues (Cadolle, 2000). Talvez nem pais nem padrastos saibam exactamente o que é a parentalidade, e talvez essa incerteza os fragilize a ambos, remetendo todo o poder para a mãe. A mulher sempre desempenhou um papel maternal em seu nome e em nome do casal, ao passo que o homem tem mais dificuldade em dissociar a identidade paternal da conjugal, o que pode justificar o facto de os homens perderem muitas vezes o contacto com os seus filhos biológicos após um divórcio ou separação, e reconstituírem uma vida familiar com outras crianças (Cutsem, 2004).

Mesmo assim, é certo que o pai, apesar de nem sempre ser uma evidência, não se escolhe. Ele existe simplesmente, o seu lugar e o seu papel raramente são postos em causa, até mesmo quando é acusado de “destituição paternal”. Ao contrário, o padrasto não é um parente das crianças, mas invade-lhes o quotidiano, entra-lhes em casa, muitas vezes sem pedir autorização, ocupa um lugar privilegiado no quarto da mãe e, por tudo isso, tem de provar com o tempo que é capaz de ser “qualquer coisa no meio” — entre parente e estranho ou um “parente estranho”(Beer, 1988) — um amigo, um cúmplice, um outsider íntimo (Papernow, 1993). E quem sabe — com algum tempo, imaginação, jeito e paciência — um segundo pai ou um quase-pai.2 Tudo indica que o papel de padrasto, sendo um papel de composição, se constrói com vontade e no tempo, e cuja legitimidade se conquista continuamente (Théry, 1995).

Pais e padrastos, numa configuração familiar recomposta, não devem ser pensados em separado. Porque só através da relação das crianças com os seus pais, elas poderão reconhecer no padrasto alguém que pode partilhar com eles a sua educação (idem).

Na verdade, o padrasto não entra na família por causa das crianças, mas por causa de um adulto (neste caso a mãe) e, para além disso, numa fase de reforço dos laços entre a mãe guardiã e os filhos. Ou seja, as mães sozinhas e os seus filhos criam um novo sistema familiar, e é precisamente neste sistema em que se partilha uma história, se intensificam relações e se restabelecem regras, que chega o padrasto (Cherlin e Furstenberg Jr., 1994).

Em todo o caso, a chegada do novo companheiro da mãe também pode representar um reforço no orçamento da nova família, e consequentemente um aumento da estabilidade económica e da qualidade de vida do agregado familiar (Morgan, 1991).

Se nos casos de viuvez (mais raros nos dias de hoje) o padrasto vem preencher um lugar que ficou “vazio”, as situações de separação e de divórcio fazem dele um “actor suplementar do dado familiar” (Le Gall e Martin, 1991: 62).

De qualquer modo, o problema relacionado com a incorporação do padrasto na constelação familiar não diz apenas respeito à sua posição institucional, na medida em que se trata de um problema de papel, e os mecanismos de legitimação desse mesmo papel passam pelas interacções entre as crianças, a mãe e o pai biológico. E, por essa razão, cada um destes actores pode entravar ou favorecer a forma como se institucionaliza este papel consoante o modelo de família ao qual ele se refere (Le Gall e Martin, 1991: 65). Assim, as relações entre padrastos e enteados estão muito dependentes da experiência de vida de todos os protagonistas da rede familiar, e inscrevem-se numa “história que os dois pais biológicos, em parte, já escreveram” (Cadolle, 2000: 78).

Apesar da notória sobrerrepresentação das famílias de padrastos,3 ou seja, das famílias estruturalmente compostas por uma mãe (que tem a guarda dos filhos), pelo(a)s seus(suas) filho(a)s e por um padrasto (que pode também ser pai guardião ou não), os cientistas sociais, com particular destaque para os norte-americanos, sempre descuraram a importância da construção social de um modelo de papel de padrasto que muitas vezes é o substituto do pai das crianças da sua mulher (Coleman e Ganong, 1990). E, no entanto, as pesquisas sobre este tipo estrutural de configuração familiar raramente ficam indiferentes à influência, tanto positiva como negativa, da figura do padrasto na estabilidade social, emocional, intelectual dos seus enteados, já para não falar dos aspectos económicos (Hetherington, 1987; Coleman e Ganong, 1990). É certo que esta influência pode variar consoante o sexo, a idade e a atitude das crianças, a duração da recomposição, o investimento pessoal do padrasto (Bray, 1988; Théry, 1998), mas também com a posição que este ocupa na estrutura de classes. Isto é, como refere Didier Le Gall, a construção social da relação entre padrastos e enteado(a)s, para além de ser um “processo”, inscreve-se nas relações sociais de sexo e de classe (1992: 2). Trata-se da complexidade inerente à vida nas famílias recompostas, e que passa essencialmente por este plano da afirmação da parentalidade social (Coleman e Ganong, 1990; Papernow, 1993; Cherlin e Furstenberg Jr., 1994).

Tudo indica que o facto de o padrasto ser ignorado pelo direito o envolve numa trama de ambiguidades reforçadas pela acentuada valorização das conexões biológicas entre pais e filhos nas sociedades ocidentais. Ele pode aparecer aos olhos de muitos como um “potencial usurpador da verdadeira filiação — a filiação através do sangue” (Théry, 1995: 97). Muito embora a figura do pai autoritário tenha perdido legitimidade social, a questão da autoridade ainda representa a “linha de clivagem”entre o pai biológico e o padrasto, e quando o pai não está presente é a mãe que assume essa função de autoridade (Singly, 2000: 267).

Com efeito, independentemente da estrutura familiar, é a mãe que toma as decisões relativas a cada um dos filhos, porque de facto é ela que conhece os gostos, os horários, as ocupações de cada um dos filhos, muito mais que o pai. E, para além disso, é ela que está presente na maior parte do tempo e em todas as situações; porque o tempo que as mães e os pais dedicam aos seus filhos é realmente diferente.

Apesar do reconhecimento generalizado das diferenças entre os papéis do pai biológico e do padrasto, muito pouco se tem avançado na reconceptualização deste último papel (Mason e outros, 2002). No entanto, cabe perguntar aqui:  têm  os pais biológicos um modelo de papel para seguir? Como constroem a sua identidade de pais? Por oposição ao modelo de referência dos seus pais ou seguindo esse mesmo modelo?

Segundo os resultados de uma pesquisa conduzida por Kerry Daly, os seus entrevistados (pais de crianças pequenas) confrontavam-se não apenas com a ausência de um modelo, mas com o facto de as mudanças sociais e culturais os pressionarem, por um lado, a serem pais diferentes dos seus pais, mas, por outro, a desempenharem o papel mais tradicional de principais provedores de rendimentos para a família (1995: 40).

A proposta de Cherlin e de Furstenberg Jr. (1994) é elucidativa do trabalho que deve ser desenvolvido para que alguém seja considerado um parente de sangue ou por afinidade. Mesmo reconhecendo a existência de laços de sangue, isso não faz necessariamente as pessoas pensarem-se entre si como parentes ou familiares, na medida em que a ausência de qualquer tipo de relacionamento pode significar, por exemplo, que um parente de “sangue” não seja considerado como fazendo parte da família.4 E os autores continuam: se entre pais e filhos esta questão não se coloca (ou não se deveria colocar), uma vez que o relacionamento acontece de forma relativamente automática, ou pelo menos não é pensado, o mesmo não se passa com as relações entre padrastos e enteados, em que quase nada resulta de forma automática, bem pelo contrário, nada é deixado ao acaso, tudo é negociado e planeado.5 Trata-se, evidentemente de padrastos do recasamento, em busca de um papel para desempenhar, no meio dos dois pais biológicos com participação activa na vida das crianças. Porém, em muitos casos são padrastos que partilham o dia-a-dia com as crianças, e essa partilha do quotidiano é sem dúvida o chão de onde brota a verdadeira parentalidade (seja biológica ou social). Porque, quanto à figura do pai, a paternidade biológica mesmo reforçada juridicamente já não é suficiente para, só por si, justificar a ocupação do lugar de pai, e, por isso, a paternidade social pode ocupar um lugar de destaque nas recomposições familiares. Contudo, a situação desejável seria, por exemplo, a proposta de Irène Théry sobre uma “pluriparentalidade ordenada” que “distingue claramente os pais dos padrastos, reconhece-os a uns e a outros, abrindo assim as fronteiras da família” (1995: 102).

À semelhança da proposta de Andrew Cherlin (1978) acerca de o recasamento ser uma instituição incompleta, também se pode retirar a mesma conclusão sobre o papel de padrasto — “é institucionalmente incompleto” (Cherlin e Furstenberg Jr., 1994: 367). A este respeito, os autores consideram que o facto de não existir um nome para designar o padrasto (para além de padrasto) e de habitualmente as crianças usarem o seu primeiro nome, sugere que o padrasto não é um estranho nem um parente, mas alguém que está no meio (idem: 368).

Ainda assim, apesar das ausências significativas de nomes para certas formas de parentesco relacionadas com a trama de relacionamentos que recobrem as famílias recompostas, nem todas as pesquisas desenhadas sob o modelo de Cherlin têm provado que a ausência de normas institucionalizadas seja a causa de todos os males nestas famílias (MacDonald e DeMaris, 1995: 397). Bem pelo contrário, o facto de essas normas não existirem também pode ser benéfico para a vida nas famílias recompostas, na medida em que existe mais liberdade e maior flexibilidade para se pensar essas relações. Mesmo assim, na maior parte dos casos muitos casais com enteados entram no recasamento com expectativas muito elevadas, subestimando a complexidade destas configurações, e rapidamente ficam desapontados (Papernow, 1993). Parece, contudo, que estamos a alcançar um relativo consenso quando se diz que os padrastos ou madrastas são, na maior parte das vezes, chamados pelos seus nomes próprios. Ora, o chamar alguém pelo nome já é sinónimo de proximidade, de reconhecimento mútuo, cumplicidade, de liberdade e, por outro lado, exclui a noção de qualquer tipo de hierarquia, poder e autoridade (Cutsem, 2004). No fundo, todos estes esforços se traduzem na recusa de decalcar o papel de padrasto do parental, na medida em que esta relação entre padrastos e enteados não é fundada na “ordem do nascimento” mas na “ordem do social”. A partir do momento em que o casamento, nas sociedades ocidentais, já não constitui o garante do sistema da parentalidade, é, então, chegada a altura de repensar o significado do biológico e reconstruir a representação dos fundamentos complexos da parentalidade (biológica e social) (Théry e Dhavernas, 1993).

Padrastos no quotidiano: lógicas e ambiguidades na construção social de um papel em aberto

Ser padrasto implica construir e reconstruir no tempo um “modo de ser e de estar” que não colida com os outros actores — mãe, pais biológicos e crianças — cujos papéis sempre estiveram socialmente definidos e inscritos numa história familiar que já está em parte escrita.

É uma evidência que não existe um “manual de instruções” que oriente a construção social do papel de padrasto, mas também não existe para os pais biológicos. No entanto, dada a ausência de qualquer tipo de instância de legitimação das práticas de parentalidade social, somos quase tentados a dizer que os padrastos, por via dos divórcios, não têm existência real nas sociedades ocidentais, ou seja, a sua figura só está prevista para os casos de morte do pai biológico e, então, aí sim, o padrasto desempenha o verdadeiro papel de pai.

A insistência na fragilização deste papel, pela não existência de normas sociais que o regulem,6 só pode ser encarada pelo facto de ele não se inscrever na ordem do nascimento, da natureza, do biológico, mas na ordem do social exclusivamente. A força do primado do biológico na filiação é indiscutível nas sociedades contemporâneas; no entanto, em simultâneo, assiste-se ao surgimento de um número crescente de famílias que integram padrastos, madrastas e enteados, isto é, nos dias de hoje, a parentalidade biológica coexiste, cada vez mais, com a parentalidade social. E as famílias recompostas incorporam essas duas formas de parentalidade.

De qualquer modo, o padrasto é também aquilo que os outros protagonistas do processo de recomposição permitem que ele seja, isto é, a legitimação do seu papel passa pelas interacções entre mães, pais biológicos e crianças, e pelas suas representações acerca do modelo de família que querem construir. E, neste sentido, o grau de ambiguidade deste papel está também muito associado às expectativas do pai biológico dos seus enteados, isto é, alguns pais esperam que o padrasto assuma integralmente as responsabilidades parentais; e outros não desejam nem esperam que o padrasto assuma tais responsabilidades; outros ainda não se importam que o padrasto praticamente os substitua, desde que as linhas de orientação educativa sejam coincidentes com as suas.7 Neste último sentido, pode-se falar de padrastos-aliados dos pais biológicos (Marsiglio, 2004).

Em suma: as modalidades quanto ao exercício do papel de padrasto são muito condicionadas pelas figuras parentais que vivem fora do agregado doméstico recomposto (Cherlin e Furstenberg Jr., 1994).

A ambiguidade do papel de padrasto não será, para Lawrence Kurdek e Mark Fine, a única variável independente a introduzir um clima de conflito ou de insatisfação no quotidiano das famílias recompostas. Do mesmo modo, uma perspectiva excessivamente optimista e alguns mitos acerca da vida nestas configurações familiares explicam um maior ou menor grau de satisfação no interior das famílias de padrastos. Para estes autores, as mulheres são mais optimistas acerca da relação entre os seus filhos e o seu actual marido do que os próprios padrastos; e o facto de se acreditar que as famílias recompostas são equivalentes às famílias de pais biológicos, que todos se vão ajustar e amar uns aos outros rapidamente, são indícios de dificuldade na resolução de conflitos e de certos problemas de comunicação (1991: 566).

No processo de construção social do papel deste actor suplementar da recomposição, intervêm igualmente as próprias características estruturais do seu lugar de classe, na medida em que este lugar do padrasto se inscreve precisamente nas relações de sexo e de classe (Le Gall, 1992).

Outro aspecto fundamental para compreender o papel do padrasto diz respeito ao tempo: desde logo ao tempo passado, na medida em que as famílias recompostas são “herdeiras de um passado”, ou seja, de uniões anteriores, que condicionam as relações entre os vários actores da recomposição. Por exemplo, se o pai biológico das crianças estiver muito presente nas suas vidas, o padrasto vê a sua acção de educador relativamente limitada. Por outro lado, “o sentido das relações constrói-se no tempo” (Segalen, 1999: 125), ou seja, a legitimidade do papel de padrasto a seguir a um divórcio ou separação, porque é um papel mais adicional do que de substituição (Duberman, 1975: 51), conquista-se continuamente.8

Se o processo de recomposição familiar se instaura diferenciadamente consoante as condições materiais de existência das famílias, o mesmo se passa com a construção social do papel de padrasto.

É certo que o processo de construção social do papel de padrasto ou de madrasta apenas tem lugar a partir do momento em que um pai ou uma mãe com a guarda dos filhos decide casar ou coabitar com um homem ou uma mulher que pode ter ou não crianças de uma união anterior. Isto é, este papel só pode ser “apreendido a partir do momento em que se torna inteligível” (Le Gall e Martin, 1995: 204).

Contudo, ao privilegiar a designação de Didier Le Gall (1992) — padrastos no quotidiano —, destaca-se a situação dominante: mãe guardiã com filhos e o padrasto que mantém uma relação de proximidade com essas crianças. Habitualmente as relações de parentalidade social à distância são mais protagonizadas pelas mulheres, ou seja, pelas madrastas.

Para além de um conjunto integrado de três factores ligados entre si, e directamente relacionados com o processo de recomposição familiar — o meio social, a representação da família e o tipo de relações após o divórcio —, que nos remetem agora para lógicas diferenciadas de construção social do papel do padrasto, torna-se também importante ter em conta outras variáveis, tais como: a passagem do tempo, a atitude do pai não guardião, a idade dos enteados na altura dos primeiros confrontos, o clima relacional e a diferença de idades entre meios-irmãos. Também neste plano das relações entre padrastos e enteados são de assinalar as duas lógicas identificadas nos processos de recomposição familiar: substituição e perenidade.9

Assim, nos meios mais desfavorecidos impõe-se a lógica da substituição devido ao facto de os divórcios serem bastante conflituosos e as relações entre os ex-cônjuges não se manterem para além da separação, influenciando também os contactos entre o pai biológico e os filhos, isto é, confundindo-se o vínculo de parentalidade com o laço conjugal. Nos casos mais extremos, o pai desaparece deixando o seu lugar vazio, que é de imediato ocupado pelo padrasto. Em contraponto, os padrastos, que regulam a construção do seu papel pela lógica da perenidade (papel de composição), tentam a todo o custo inventar um modelo inédito sem invadir os papéis pré-estabelecidos. E, para além disso, o espaço familiar é estruturado em forma de rede onde as crianças são incentivadas a circular pelas várias casas, alargando assim a trama de relacionamentos familiares (Le Gall, 1992).

Por outro lado, e independentemente dos tipos de modelo de padrasto, a vinda de uma nova criança favorece a integração dos padrastos no quotidiano. “Tudo se passa como se a parentalidade (serem pais em conjunto) tivesse um efeito directo sobre a relação entre padrasto ou madrasta e enteado(a)s”(Le Gall e Martin, 1995: 209). E, para além disso, esta criança da recomposição constitui um “poderoso factor de institucionalização das famílias recompostas” (Le Gall, 1996: 142).

Importa referir aqui, ainda que de forma breve, duas pesquisas realizadas por dois sociólogos franceses — Thierry Blöss e Sylvie Cadolle — acerca da construção sociobiográfica da parentalidade (a primeira) e das trajectórias de vida dos pais biológicos e dos padrastos (a segunda). Estes dois trabalhos têm em comum, para além de muitas outras questões, o facto de terem feito uma aproximação às duas lógicas acima enunciadas.

Thierry Blöss interroga-se acerca da especificidade educativa das famílias recompostas e confirma, através dos discursos dos entrevistados (mães guardiãs e padrastos), a existência de duas lógicas de recomposição socialmente distintas, que desembocam em dois modos diferenciados de relações educativas; daí, o autor falar em lógicas educativas de recomposição.10 Na primeira, a família é construída sobre a integração parental do padrasto e sobre uma nova entidade doméstica, isto é: a paternidade social que o padrasto pouco escolarizado exerce sobre os enteados confere-lhe alguma autoridade no plano educativo, dentro dos limites aceites pela mãe guardiã. Aqui, o casal parental sobrepõe-se ao conjugal, a família recomposta é a verdadeira família da criança; no entanto, esta influência dos laços entre padrastos e enteados não é suficiente para substituir o pai biológico.

Na segunda lógica de recomposição protagonizada por padrastos mais escolarizados, a relação conjugal não se confunde com a parental, o divórcio não afectou a família de origem — a verdadeira família da criança — e o pai biológico e a mãe mantêm “um acordo de cooperação activa” (1996: 150-151).

Interessante nesta proposta de Blöss é a sobreposição das lógicas educativas de recomposição com os modelos de casal. Nomeadamente, é o novo casal conjugal que assume a educação da criança, no primeiro caso; e, no segundo, é o casal parental que é mantido (pai e mãe biológicos) para assumir essa responsabilidade. Neste sentido, e como diz Irène Théry no prefácio da obra deste sociólogo — “ao contrário de uma ideia muito divulgada, Blöss sublinha a interdependência entre o conjugal e o parental, e nessa relação de dependência será o conjugal que comanda o jogo” (idem: 13-14).

Para além disso, quaisquer que sejam as lógicas educativas de recomposição, o “investimento educativo parental resulta de um processo desigual de divisão sexual” (idem: 152). Isto significa, segundo o autor, que a mãe guardiã é o pivô de todas estas interacções, é ela que no seu triplo estatuto — de ex-mulher, nova esposa ou companheira, e mãe das crianças — está no centro de todas as redefinições e legitimações de papéis. O autor refere-se mesmo a essa relação como o “casal mãe-filho”. Trata-se de um poder feminino e maternal que leva Irène Théry a questionar: será este tipo de casal “o coração intocável, sagrado, sacralizado do sistema complexo de interacção das relações conjugais e das relações parentais no seio de uma família recomposta?” (idem: 14)

A socióloga Sylvie Cadolle privilegia a dimensão temporal no estudo das sucessivas transições biográficas. Num primeiro momento analisa em que medida o peso do passado determina o papel, o lugar e os sentimentos de cada um na família recomposta. Isto é, parte da hipótese de que mesmo antes da separação dos pais, a forma como se estruturam as relações com as crianças na primeira família já condiciona, em parte, não só a organização pós-divórcio bem como o lugar que poderá tomar ou não o padrasto na nova família.

Em seguida, a autora dá a palavra aos jovens, que na recomposição familiar têm uma dupla identidade — filhos e enteados — para falarem acerca de uma recomposição que por vezes lhes causa angústias e conflitos, como, por exemplo, o facto de terem de partilhar a intimidade com os padrastos que eles não escolheram. No fundo, Cadolle procura saber de que modo interferem os sentimentos e os papéis nos percursos biográficos de cada um. Também aqui se identifica uma pluralidade de interpretações acerca do papel de padrasto e como, no meio da confusão das normas, cada um inventa este papel.

Por fim, através das respostas obtidas nas entrevistas11 torna-se claro para a autora, o seguinte: os padrastos raramente ocupam o papel do pai biológico (a recomposição tende a fazer-se por adição e não por substituição); no centro do sistema familiar encontra-se a mãe (nova matricentralidade); a relação entre a mãe e as crianças é decisiva para o relacionamento entre padrastos e enteados. Todavia, para a autora esta matricentralidade não é apanágio das famílias recompostas. Primeiro, porque ela já existe na maioria das famílias monoparentais e, depois, porque este poder no feminino já acontecia na família de origem antes da separação dos pais devido à força da divisão de papéis de género, relativamente atenuada depois da entrada das mulheres no mercado de trabalho (2000: 37-38).

A mais recente das pesquisas (Lobo, 2007) a tomar as recomposições familiares enquanto objecto de análise sociológica, num cenário de temporalidades e de transições, identificou, do mesmo modo, dois tipos de dinâmicas de recomposição — integração e exclusão —, aglutinadoras tanto de referenciais teóricos como de procedimentos operatórios dos trabalhos dos autores anteriormente mencionados, mas também outros factores intervenientes no processo de recomposição com implicações directas na construção social do papel de padrasto. Observar a interdependência entre classes sociais e dinâmicas de recomposição familiar correspondia à hipótese principal que norteou a investigação e, de facto, foi possível associar as dinâmicas de integração aos sectores mais escolarizados — profissionais intelectuais e científicos, técnicos de nível intermédio —, e as dinâmicas de exclusão aos empregados executantes, trabalhadores independentes e operários especializados.

Particularmente significativa foi a confirmação da sobreposição das dinâmicas de recomposição familiar determinadas pelos dois eixos de conjugalidade e parentalidade. O mesmo se pode dizer da importância da ocorrência e duração dos primeiros casamentos no processo de recomposição familiar (o peso do passado); da centralidade da figura da mãe nestas configurações familiares recompostas, pois são elas que gerem a coexistência entre parentalidade social e biológica nestas famílias; e, não menos importante, a relação entre a experiência anterior à recomposição da parentalidade biológica e o tipo de interacções entre padrastos e enteados que, com o tempo, se vão reconfigurando e consolidando.

Crianças e jovens das famílias recompostas: passados atribulados, presentes negociados, futuros erráticos

Ao passar em revista algumas das principais pesquisas, tanto europeias como norte-americanas, sobre as famílias recompostas torna-se evidente que as crianças constituem o elemento central destas configurações familiares. A própria definição de família recomposta difundida pelos cientistas sociais inclui os adultos e as crianças de relações anteriores. Aliás, sem crianças não existem famílias recompostas. Elas circulam nos vários grupos domésticos, ligando-os entre si e alargando a constelação recomposta um pouco à semelhança da família tradicional.12 Se bem que o grupo doméstico recomposto corresponda àquele em que a criança vive com o pai ou com a mãe que ficou com a sua guarda e o respectivo cônjuge, contudo há outro grupo doméstico: aquele que a criança visita, mas que não tem de ser forçosamente recomposto. Só o será se lá viverem crianças de casamentos anteriores.

Um outro factor que indicia essa relevância é precisamente o caso de as tipologias apresentadas sobre estas configurações familiares tomarem, para além do segundo casamento, as crianças como principal critério de classificação da família nesta categoria: o casal tem crianças apenas dos casamentos anteriores ou também do actual? Todas as crianças (dos vários casamentos dos pais) vivem no mesmo grupo doméstico? Ou há crianças de casamentos anteriores que visitam um dos grupos domésticos?

Ainda assim, e apesar desta centralidade, nem sempre as crianças têm sido o objecto de reflexão por excelência dos trabalhos realizados por cientistas sociais acerca das famílias recompostas e, muito menos, se têm analisado estas famílias do ponto de vista das crianças ou dos jovens.13 Veja-se, por exemplo, que a maioria das pesquisas que envolve crianças destas configurações familiares se debruça quase sempre sobre as relações entre os padrastos ou as madrastas e as crianças e, raramente, sobre estas e os padrastos ou madrastas (Ganong e Coleman, 1994). São conhecidas algumas vozes críticas, pelo lado da sociologia da infância, referindo que os investigadores tendem a olhar para as crianças como “os adultos de amanhã, e não como crianças vivendo as suas vidas aqui e agora” (Ritala-Koskinen, 1997: 137-138).14 Na verdade, as principais pesquisas acerca das famílias recompostas, assim como de qualquer outro tipo de estrutura familiar, são maioritariamente orientadas para os adultos e ancoradas na ideologia da família nuclear. É particularmente interessante a sugestão de Ritala-Koskinen de que as perspectivas das crianças podem abrir novos ângulos de pesquisa sobre as constelações familiares recompostas (idem: 149).

Porque é notória a escassez de pesquisas que tenham dado a palavra às crianças ou aos jovens adolescentes sobre as suas experiências de vida nas famílias recompostas, vale a pena destacar, ainda que de forma breve, os trabalhos de Penny Gross (1986), Irene Levin (1994) (citados em Ritala-Koskinen) e de Aino Ritala-Koskinen (1997), sobre a maneira como as crianças destas configurações definem a sua família, e como percepcionam as suas relações com os outros membros do agregado doméstico recomposto.15

Tendo por base os resultados alcançados na sua pesquisa, Penny Gross (1986) propôs a seguinte tipologia: 1) retenção — as crianças contam os dois pais biológicos como fazendo parte da sua família, mas não o seu padrasto ou madrasta; 2) substituição — as crianças excluem da família pelo menos um pai biológico e incluem pelo menos o padrasto ou a madrasta; 3) redução — as crianças incluem na família menos pessoas do que os dois pais biológicos; 4) aumento — crianças incluem na família ambos os pais biológicos e pelo menos o padrasto ou a madrasta. Trata-se, apesar de tudo, de uma tipologia estática, na opinião de Ritala-Koskinen, em que a família é confinada a um certo tipo de fronteiras que, no fundo, coincide com a família nuclear (citado em Ritala-Koskinen, 1997: 145-146).

Quanto a Irene Levin (1994), ao considerar na sua investigação uma dimensão sobre a forma como as crianças olham e definem a sua família, também elaborou uma tipologia tendo por base o grupo doméstico ou a casa a que as crianças dizem pertencer e dividindo-as do seguinte modo: 1) crianças para quem a sua casa é tanto a do pai como a da mãe: 2) crianças que dizem pertencerem à casa do pai ou à da mãe; 3) e crianças que não identificam nem a casa da mãe nem a casa do pai como sendo sua (idem: 146).

Na opinião de Ritala-Koskinen, tomar como único indicador a questão  “quem são os membros de uma família?” pode-se revelar problemático para um entendimento mais profundo do grau de afinidade entre os membros mais próximos daquela. Verifica-se, nomeadamente, que os parceiros dos pais biológicos que vivem na mesma casa com as crianças, mas que não são considerados por elas como pertencendo à sua família, podem ser adultos de uma extrema importância na vida quotidiana desses jovens ou crianças. Vejam-se os resultados identificados na sua investigação:16 para as crianças, o facto de viverem na mesma casa com outras pessoas não significa automaticamente que elas façam parte da sua família, na medida em que para estas crianças a família pode estar para além do grupo doméstico recomposto. Portanto, os novos membros do grupo doméstico recomposto (padrasto ou madrasta) não representam necessariamente para a criança a “sua” família; o simples facto de as crianças referirem o padrasto como membro da sua família não explica a natureza dessa relação, isto é, esse relacionamento entre padrasto e enteados não se explica por via do parentesco mas pela amizade (idem: 149).

As várias definições apresentadas pelas crianças acerca das suas famílias e das relações mais próximas entre os seus elementos são um sinal claro da necessidade de se analisarem as famílias recompostas através de uma abordagem diferente da que é tradicionalmente sugerida nas pesquisas sobre a família. Trata-se, em suma, de clarificar uma questão importante: para um entendimento mais profícuo das famílias recompostas torna-se inevitável adoptar perspectivas novas (Ritala-Koskinen, 1997), particularmente no que toca às relações de parentesco.

A produção empírica norte-americana (1950-2000)

Vale a pena, por isso, retomar aqui a produção norte-americana sobre um dos temas mais populares nas investigações dos cientistas sociais — os efeitos do recasamento de um ou de ambos os pais biológicos nas crianças e nos jovens adolescentes. Trata-se de um tema incontornável quando deambulamos pelo manancial de pesquisas empíricas, realizadas entre 1956 e 2000, acerca do recasamento e das famílias recompostas.

Duma maneira geral, e à semelhança do que se constatou quanto às pesquisas sobre o recasamento e as famílias recompostas, a maioria destes trabalhos accionou o modelo de comparação (deficit-comparison) entre as crianças das famílias recompostas (particularmente as famílias de padrastos) ou das monoparentais, e as crianças das famílias nucleares.

A primeira investigação sociológica a incluir na sua análise as repercussões do recasamento nos jovens e nas crianças (dando voz aos jovens destas famílias) foi, precisamente, Remarriage, realizada por Jessie Bernard, nos anos 50.17 Neste trabalho, ao entrevistar cerca de 81 jovens estudantes a viverem com mães ou pais viúvos, divorciados, recasados ou em situação de monoparentalidade, a autora concluiu que não se verificavam diferenças significativas quanto à estabilidade, à auto-suficiência e ao domínio sobre si próprios destes jovens, em relação aos que viviam com os dois pais biológicos. E para além disso, no caso do recasamento dos pais, estes jovens revelaram quase sempre uma atitude positiva para com os seus padrastos ou madrastas (1971 [1956]: 318).

Para o trabalho empírico de maior fôlego sobre este tema, que aparece publicado em 1962,18 da autoria de Charles E. Bowerman e Donald P. Irish, foram inquiridas crianças entre os 7 e os 12 anos de idade: umas a viverem com padrastos, outras com madrastas e ainda outras com os dois pais biológicos. Os autores pretendiam aferir das diferenças entre a natureza das relações que estas crianças mantinham com os seus pais biológicos, padrastos e madrastas. E concluíram o seguinte: os enteados ou as enteadas não tinham tanta proximidade afectiva com os seus padrastos ou madrastas como tinham as crianças das famílias nucleares para com os seus pais biológicos; para além disso, sentiam-se mais rejeitados e discriminados pelos padrastos, mas as coisas pioravam, sobretudo, quando se tratava das madrastas.19

Ainda nos anos 60, mais precisamente em 1964, surge um outro trabalho, também comparativo, entre as crianças e adolescentes das famílias recompostas, das monoparentais e das nucleares, realizado por Lee G. Burchinal. Procurava identificar pontos discordantes entre as crianças quanto às relações de sociabilidade na escola, ao número de faltas, ao número de amigos, às atitudes perante a escola, os professores e as actividades escolares. Quanto aos resultados: não foram identificadas diferenças significativas entre as atitudes das crianças pertencentes às várias estruturas familiares (citado em Pasley e Ihinger-Tallman, 1987: 118).20

Para Pasley e Ihinger-Tallman (1987), à semelhança da década anterior, as 16 pesquisas realizadas por cientistas sociais, nos anos 70, seguiram os mesmos procedimentos teóricos e metodológicos para identificarem mais ou menos as mesmas tendências, isto é: a grande maioria dos trabalhos concluiu que as relações entre os membros das famílias recompostas não diferem do tipo de relações nas outras configurações familiares.

Um dos primeiros trabalhos de Lucile Duberman (1975), sobre a integração familiar, as relações entre padrastos e enteados e entre os meios-irmãos revelou-se uma das poucas excepções à forma dominante de abordagem deste tema, naquela altura. A autora entrevistou 88 casais recasados entre 1965 e 1968, explorando variáveis independentes tais como: idades dos pais, nível de instrução, religião, idade das crianças, local de residência, etc. Os resultados alcançados foram os seguintes: as relações entre os padrastos e os enteados, bem como entre os meios-irmãos revelaram-se duma forma geral bastante positivas.21

Quanto aos anos 80, eles foram igualmente férteis na produção de trabalhos sobre as famílias recompostas, assim como sobre a vida das crianças nessas mesmas famílias. Por exemplo, até meados desta década, mais precisamente até 1986, nos EUA, tinham sido realizadas por cientistas sociais norte-americanos 39 pesquisas empíricas sobre este tema (Pasley e Ihinger-Tallman, 1987).22 Utilizando procedimentos variados e analisando populações diferenciadas, as conclusões convergiram quase sempre no mesmo sentido: as crianças das famílias monoparentais e recompostas não usufruem de melhor bem-estar, em média, que as crianças das famílias de dois pais biológicos (Zill, 1988; Brand, Clingempeel e Bowen-Woodward, 1988; Bray, 1988).

Muitos dos trabalhos que analisaram os efeitos do divórcio nas crianças, durante esta década, ignoraram as repercussões do recasamento dos pais e, em contrapartida, os trabalhos sobre o recasamento não contemplaram as transições anteriores, como o divórcio e a monoparentalidade dos pais biológicos. Sabe-se que tanto o divórcio como a entrada no recasamento constituem momentos perturbadores na organização familiar (Hetherington, 1987). Na verdade, são poucas as pesquisas que acompanham as crianças do divórcio ao recasamento, passando pela fase da monoparentalidade dos pais (Clingempeel, Brand e Ievoli, 1984; Hetherington, 1987).

No que diz respeito apenas ao recasamento, talvez ele beneficie mais os pais em termos económicos e de bem-estar afectivo do que as crianças (Pasley e Ihinger-Tallman, 1987). É certo que o recasamento, como demonstram alguns trabalhos, pode reintroduzir na vida de muitas mulheres um estatuto económico relativamente semelhante àquele que tinham no primeiro casamento, e que as crianças, por um lado, tiram proveito dessa estabilidade económica e afectiva, mas, por outro, o recasamento também pode significar para elas uma ausência das vivências quotidianas com os pais biológicos não residentes.

Tudo indica, contudo, que o facto de o padrasto contribuir de forma significativa para o sustento da família recomposta, em qualquer meio social, confere-lhe respeitabilidade aos olhos das crianças e dos jovens adolescentes. Veja-se, por exemplo, o trabalho de Jean Giles-Sims e de Margaret Crosbie-Burnett (1989) acerca do poder que gozam adolescentes e padrastos nas famílias recompostas. Uma das hipóteses destes autores traduz-se no seguinte: quanto maior a contribuição financeira do padrasto para a família, comparando com a da sua mulher, maior poder este usufrui. Na verdade, segundo estes autores, os padrastos que suportam economicamente os seus enteados têm maior influência nas decisões familiares. Por outro lado, nas famílias em que os padrastos consideram que os seus enteados possuem mais poder do que eles, estes adolescentes passam mais tempo com os seus pais biológicos. Isto é, quando os jovens possuem fontes alternativas de financiamento aceitam menos a posição de poder da mãe e do padrasto.23

Na opinião do sociólogo Frank Furstenberg Jr., os efeitos psicológicos do recasamento nas crianças tornam-se mais difíceis de avaliar. Apesar do aumento de pesquisas empíricas sobre a vida das crianças e dos jovens nas famílias recompostas, isso não significa de modo algum consenso nos resultados quanto às consequências dos vários momentos de transição nos membros mais novos destas configurações familiares.24 Verifica-se, nomeadamente, que estes trabalhos sobre os efeitos a longo prazo do recasamento nas crianças não demonstram com muita evidência se o recasamento dos pais aumenta o bem-estar psicológico dos filhos, mesmo que as condições económicas melhorem significativamente (1990: 396). Por exemplo, os jovens do divórcio e do recasamento ou só os do divórcio parecem ter a mesma inclinação para certos tipos de práticas de conjugalidade quando crescem: “começam a ter relações sexuais mais cedo do que as crianças das famílias nucleares; saem mais cedo de casa dos pais; coabitam e casam muito novos; e têm crianças precocemente” (Furstenberg, Jr., 1990: 396-397).

Lynn K. White e Alan Booth inquiriram cerca de 1673 indivíduos casados e recasados de ambos os sexos, em 1980, e voltaram a fazê-lo, em 1983, com o objectivo de mostrarem que a taxa de divorcialidade nos recasamentos é mais elevada nos casos mais complexos: ambos os membros do casal recasado foram casados e ambos têm filhos desse primeiro casamento.25 Os autores concluíram: a presença de enteados é uma influência desestabilizadora dentro dos recasamentos, e o factor que mais contribui para o aumento do número de segundos divórcios. Acontece que, durante os três anos decorridos entre as entrevistas, cerca de metade (51%) de todos os jovens enteados tinham abandonado a casa onde viviam, comparando com 35% de jovens a viver com os dois pais biológicos. Para onde foram estes jovens? Uns foram viver com o outro pai; outros foram mesmo obrigados a isso; outros foram para colégios ou arranjaram casa para viver sozinhos ou acompanhados (coabitaram ou casaram) (White e Booth, 1985: 697). Importa também referir que tanto neste como em outros estudos são as raparigas que, por volta dos 19 anos, deixam a casa em que vivem com a mãe e o padrasto para casarem ou irem viver sozinhas (Kiernan, 1992; Aquilino, 1991). Mesmo assim, outras análises comparativas sobre a relação entre a presença exclusiva de enteados (sem crianças comuns ao casal recasado) e o conflito entre o casal apresentam algumas nuances. Por exemplo, Wiliam MacDonald e Alfred DeMaris (1995), ao analisarem comparativamente o conflito entre famílias do primeiro, segundo e terceiros casamentos, e só com crianças biológicas, com crianças biológicas e enteados, e só enteados, concluíram o seguinte: nos grupos domésticos de casais recasados onde só vivem enteados, o conflito está mais presente no seu quotidiano que nos grupos domésticos do primeiro casamento de longa duração; no entanto, o oposto é verdadeiro para os casamentos de curta duração. Em suma, as famílias com enteados e crianças biológicas vivem tanto em ambientes de conflito como as famílias só com crianças biológicas (1995: 397).

Ainda assim, é preciso não esquecer que um número substancial de crianças consegue criar laços fortes com os seus padrastos ou madrastas. Também é verdade que esse estreitar de relações muda segundo o género e a idade das crianças na altura do divórcio e do recasamento dos pais. Em todo o caso, algumas investigações dão conta de que mesmo os adolescentes e os jovens adultos estabelecem relações fortes com os seus padrastos ou madrastas (Furstenberg Jr., 1990: 397). Para além disso, como refere o sociólogo Frank Furstenberg Jr., em finais dos anos 80 aumenta o reconhecimento (entre os americanos) de que as estruturas familiares alternativas podem assegurar às crianças um ambiente estável. E mesmo os cientistas sociais começaram a questionar a ideologia dominante que fazia da família nuclear o único tipo de estrutura familiar onde as crianças eram socializadas de forma “apropriada” (1988: 245).

Um objecto de reflexão particularmente interessante nas investigações sobre o divórcio, o recasamento e as famílias recompostas diz respeito às mudanças nas relações familiares à medida que cada um destes momentos ocorre (Bohannan, 1970b; Johnson, 1988). Por exemplo, o divórcio habitualmente “mutila” as relações entre as crianças e os familiares do pai biológico, provocando um reforço dos laços matrilineares na estrutura de parentesco. Em contrapartida, o recasamento dos pais, se ocorrer cedo na vida de uma criança, pode repor os laços bilaterais característicos do sistema dominante de parentesco nas sociedades ocidentais. Também neste plano, é de assinalar que o recasamento dos pais alarga a rede de relacionamentos e se as crianças tiverem, para além dos pais biológicos, um padrasto e uma madrasta podem beneficiar com a inclusão na nova família de mais avós, tios e primos (Johnson, 1988).

Como já se referiu, nos anos 90 os cientistas sociais e os clínicos norte-americanos produziram um número muito considerável de trabalhos sobre o recasamento e as famílias recompostas. Segundo os levantamentos bibliográficos, publicou-se mais sobre esse tema, nessa altura, do que durante os anos anteriores. Aproximadamente um terço destes trabalhos reflectia sobre os efeitos provocados nas crianças pela vivência quotidiana com um padrasto ou uma madrasta.26

Em primeiro lugar, a maioria das pesquisas realizada nesta altura analisou o aproveitamento e o insucesso escolar, o bem-estar e os problemas de comportamento das crianças e dos jovens que viviam em famílias recompostas. Por outro lado, e à semelhança de décadas anteriores, estas crianças e as que viviam em famílias monoparentais eram comparadas com os filhos das “famílias intactas”.

Para além de uma variedade de hipóteses relacionadas com o stresse, como por exemplo a dos efeitos cumulativos, isto é, quanto maior for o número de transições conjugais dos pais a que as crianças assistam maior a probabilidade de apresentarem problemas comportamentais, comparativamente com as crianças que vivem com pais que só se casaram uma única vez (Fine e Kurdek, 1992).

Outro aspecto relacionado com o stresse tem a ver com o conflito. Por um lado, o conflito entre os pais divorciados e, por outro, o ambiente de conflito generalizado dentro do grupo doméstico em que vivem as crianças com o padrasto ou a madrasta. Este clima de conflito permanente potencia, segundo alguns autores, a saída precoce dos enteados de casa (Kiernan, 1992), e isso explica o facto de existir uma taxa reduzida de jovens adultos nas famílias recompostas (Aquilino, 1991). No entanto, sublinhe-se que nem todos os investigadores dão conta, nas suas pesquisas, de que o conflito esteja mais inscrito no quotidiano das famílias recompostas do que nas famílias nucleares, e também nem todos identificam o conflito dentro e fora de casa como o responsável pelos maus resultados escolares (Hanson, McLanahan e Thomson, 1996).

É claro que as questões económicas ocupam um plano privilegiado nesta discussão acerca dos problemas que enfrentam as crianças destas configurações familiares. Segundo a hipótese da privação económica, as crianças que vivem com um padrasto ou uma madrasta e as que vivem apenas com um dos pais biológicos estão em desvantagem, no que toca a questões económicas, a residências degradadas, a bairros perigosos e a escolas inadequadas, do que as crianças que vivem com os dois pais biológicos (Pong, 1997).

Vale a pena referir ainda, mesmo que de forma muito breve, uma área de discussão relacionada com as crianças das famílias recompostas, e que se prende com os riscos de abuso sexual e de violência psicológica a que estas crianças e jovens podem estar expostos. Mas também sobre este assunto os resultados são controversos e longe de poderem ser generalizados (Giles-Sims, 1997).

Na verdade, segundo Ganong e Coleman (1994), em 1970, um número razoável de investigadores traçou um quadro negro sobre os abusos a crianças nas famílias recompostas, começando pelo levantamento conduzido por Gil (1970), identificando os padrastos e os pais substitutos como os responsáveis por um terço dos casos denunciados de abuso sexual de crianças. Uma década depois, para Finkelhor (1987) o incesto representava uma prática quatro ou cinco vezes mais comum nestas famílias e, para além disso, as enteadas representavam um alvo preferencial de abusos sexuais por parte dos amigos dos seus padrastos. Mais recentemente, Margolin (1992) concluiu que os namorados das mães que são de facto padrastos se encontravam sobrerrepresentados no relatório de Iowa sobre abusos a crianças. Agora, do outro lado menos negro para as famílias recompostas, por exemplo, Gordon e Creighton (1988) chegaram aos seguintes resultados: 37% das crianças abusadas sexualmente pelos pais biológicos foram obrigadas a ter relações sexuais com eles, comparando com 21% das vítimas de pais substitutos (namorados) e apenas 16% das vítimas de padrastos. Malkin e Lamb (1989) também concluíram no mesmo sentido: os padrastos não representavam maior perigo para os seus enteados do que os pais biológicos, quanto a abusos físicos (citados em Ganong e Coleman, 1994: 86-87).

Como vimos, é particularmente difícil retirar conclusões credíveis acerca dos abusos físicos e psicológicos a que podem estar sujeitas as crianças das famílias recompostas. Na maior parte das vezes os padrastos e os namorados sucessivos das mães são confundidos numa mesma categoria; outras vezes com os padrastos aparecem os tios, os primos, os avós; ou então são remetidos para a categoria residual “outros”; e para aumentar a confusão os investigadores definem de maneiras diferentes o significado de “criança abusada”. Por fim, a sobrerrepresentação dos padrastos como os potenciais abusadores dos seus enteados pode estar relacionada com a maior relutância em denunciar os pais biológicos como tendo abusado dos seus filhos. Tudo se complica ainda mais se a família depende economicamente desse pai (Ganong e Coleman, 1994).

As fratrias recompostas: irmãos, meios-irmãos e quase-irmãos27

Nas famílias recompostas, consoante a história passada de cada um dos elementos do casal, assim varia o número de crianças existentes. Na fratria recomposta partilham-se vínculos de aliança e de consanguinidade conforme a filiação de cada criança. A existência de crianças provenientes de casamentos anteriores aumenta a complexidade da estrutura dos papéis e das relações familiares nas configurações recompostas. As famílias recompostas são famílias de geometria variável, isto é, o número de elementos no grupo doméstico varia quando, por exemplo, nos fins-de-semana ou nas férias, chegam os filhos biológicos do padrasto. Ora, é nesta altura, em que todos os irmãos estão juntos, que se torna necessário da parte dos adultos tempo disponível e tacto para conseguirem que se estabeleçam relações de irmãos, ou seja, de cumplicidade entre todas as crianças. É certo que, quando existe pelo menos um jovem adolescente na casa, ele está muito mais interessado em adquirir a sua autonomia e independência do que participar activamente na construção do “grupo de cúmplices”. Outra tarefa crucial dos pais, mães, madrastas e padrastos destes grupos domésticos é precisamente o de reconstituir uma memória partilhada e partilhável por todos os elementos da família recomposta. Isto é, ajudar as crianças a situarem-se na sua própria história, contando-lhes as histórias passadas duma família que nem sempre foi a sua, e fazê-las entender que a partir de um certo momento elas são parte integrante do grupo de actores da história da nova família.

No início dos anos 90, nos EUA, segundo Ganong e Coleman (1994), aproximadamente 75% de todas as crianças que vivem numa família recomposta têm pelo menos um irmão ou irmã, e 20% têm um meio-irmão ou meia-irmã. Quanto ao número dos quase-irmãos é difícil de calcular; porém, cerca de um grupo doméstico em quinze tem uma estrutura complexa, isto é, ambos os adultos recasados vivem com crianças dos casamentos anteriores na mesma casa. Em França, na mesma altura, segundo Catherine Villeneuve-Gokalp (1999), cerca de 22% de crianças francesas vivem com um meio-irmão ou uma meia-irmã, e apenas 2% de crianças das famílias recompostas vivem na mesma casa com meios-irmãos e quase-irmãos.

As pesquisas sobre a natureza das relações entre todas as crianças envolvidas numa constelação familiar deste género (as crianças da mãe guardiã, do padrasto e de ambos) escasseiam. Assim como também são poucos os trabalhos sobre o impacto do nascimento de uma nova criança nas relações entre padrastos e enteados (Ambert, 1986; Santrock e Sitterle, 1987; Ganong e Coleman, 1988; Steward, 2002; 2005). Ora, o nascimento de um filho do casal recomposto não só vem alterar de forma significativa toda a estrutura familiar, como tanto os adultos como as crianças passam a desempenhar novos papéis (o padrasto passa a pai e as crianças passam a meios-irmãos ou meias-irmãs da mesma criança). Com este nascimento, o laço biológico que faltava entre alguns elementos da família é reposto, mas também pode ser o começo de novos problemas (ciúmes, rivalidades), principalmente para as crianças do primeiro casamento que se vêem confrontadas com o fim da antiga família. Isto é, com o aparecimento do bebé chega ao fim, para as outras crianças, o sonho de reunião dos dois pais biológicos (Cutsem, 2004).

Quando os cientistas sociais se debruçam sobre as relações entre irmãos, meios-irmãos e quase-irmãos no recasamento, juntam todos no mesmo grupo, inviabilizando a análise da dinâmica de cada caso em separado. Ao combinar os vários tipos, torna-se impossível identificar diferenças entre as relações entre irmãos no recasamento e as relações entre meios-irmãos e quase-irmãos. Por exemplo, quanto aos irmãos nas famílias recompostas, serão as suas relações diferentes (mais próximas ou mais intensas) que as dos outros tipos de estruturas familiares? Que efeitos produzirão as situações de stresse, de conflito ou de negociação permanente nas relações entre irmãos que vivem com um padrasto ou uma madrasta?

Os meios-irmãos dividem-se em três grupos: aqueles que nasceram no grupo doméstico recomposto, isto é, de um casal recasado em que pelo menos um dos elementos deste casal já tinha filhos de um primeiro casamento; aqueles que também vivem nesse grupo doméstico recomposto, mas são filhos de apenas um dos elementos do casal; e os visitantes que também são filhos de um dos membros do casal mas vivem numa outra casa com um dos pais biológicos.

Numa pesquisa qualitativa realizada por Anne C. Bernstein sobre famílias do recasamento que se reproduziram, os meios-irmãos dão-se melhor se a diferença entre as idades for mais acentuada, quando a família já está reunida há algum tempo e quando os meios-irmãos vivem juntos na mesma casa. Aliás, se os meios-irmãos vivem juntos a maior parte do tempo, pensam-se a si próprios como irmãos (Bernstein, 1989; Ganong e Coleman, 1988; 1993). Se as crianças têm pouco contacto entre elas, a distinção entre meios-irmãos e irmãos é mais comum. No entanto, a informação sobre os meios-irmãos é escassa para se saber ao certo quando é que eles funcionam como irmãos ou sob que condições.

Quando nasce uma criança nas famílias recompostas, todos partilham desta relação biológica que, no fundo, facilita a ligação entre os vários elementos — os membros do casal, os irmãos e entre padrastos e enteados (Ganong e Coleman, 1988; Stewart, 2005).

Mas a vinda de uma nova criança nestes grupos domésticos recompostos será sempre um factor de coesão e de unidade familiar? Em algumas pesquisas, a presença de um meio-irmão ou de uma meia-irmã afecta de forma negativa a relação entre madrastas e enteados (Santrock e Sitterle, 1987), e afecta de forma positiva a relação entre padrastos e enteados (Ambert, 1986). Em outras, os resultados são diferentes: o nascimento de uma nova criança afecta relativamente pouco as relações entre os elementos da família (Ahrons e Wallisch, 1987), mas reduz o tempo disponível da mãe para dar atenção aos filhos do primeiro casamento (idem).

A disparidade de resultados prende-se essencialmente com o facto de não terem sido tomadas em consideração um conjunto de variáveis explicativas sobre os efeitos do nascimento de uma criança (meio-irmão ou meia-irmã) nas relações familiares recompostas, tais como a diferença de idades, o género, a duração do recasamento dos pais.

A existência de quase-irmãos numa família significa que ambos os adultos têm filhos de casamentos ou relações anteriores, e significa também que, pelo menos em certas alturas, tudo se passa a dobrar. Se as crianças de um dos lados não vivem com o casal (os filhos do padrasto podem viver com a mãe), então torna-se necessário desenvolver todos os esforços para acomodar/integrar essas crianças quando visitam o grupo doméstico. Quando todas as crianças vivem na mesma casa, isto é, quando temos relações de irmãos, meios-irmãos e de quase-irmãos no quotidiano, então as mudanças para organizar a vida familiar são consideráveis e às vezes tudo se complica bastante. Geralmente na vida das famílias recompostas a complexidade é sinónimo de aumento de problemas, e as relações entre os quase-irmãos nas famílias mais complexas não são excepção. Mesmo assim, segundo Ganong e Coleman, a presença destes irmãos constitui um problema maior para os pais do que para as crianças (Ganong e Coleman, 1993: 137).

No entanto, para a socióloga Marilyn Ihinger-Tallman, numa família em que os quase-irmãos tenham contactos frequentes, partilhem experiências, sejam mais ou menos da mesma idade, do mesmo género, partilhem os mesmos valores, têm todas as probabilidades de criarem laços fortes entre eles (Pasley e Ihinger-Tallman, 1987: 179).

Contudo, ficam por responder algumas questões: qual é a natureza dos laços entre os quase-irmãos? Que direitos e deveres têm na constelação familiar? Que efeitos provocam os quase-irmãos uns nos outros? A existência de meios-irmãos reforça os laços afectivos na família?

As relações intergeracionais: avós maternos, paternos e “sociais”

A análise das relações intergeracionais na fase pós-divórcio pode constituir uma excelente oportunidade para examinar a forma como os papéis dos pais e dos avós se redefinem. Na família alargada do recasamento, os avós maternos e paternos têm o seu lugar, assim como, por vezes, os avós “sociais”, isto é, os ascendentes directos do eventual novo companheiro da mãe guardiã ou nova parceira do pai não guardião.

A reflexão sociológica na área da família sobre este novo objecto — os avós — tem produzido nos EUA e na Europa um número significativo de estudos sobre as relações intergeracionais.28

Os avós, se estão muito presentes na vida dos seus netos, podem significar “um pilar”de estruturação das suas identidades, e constituir uma fonte de estabilidade para os seus netos, em qualquer momento da trajectória conjugal dos seus filhos (Attias-Donfut e Segalen, 2002: 284). Em muitos casos, após uma separação ou um divórcio em que as crianças ficam a viver com a mãe, as relações com os avós paternos tendem a enfraquecer (Cherlin e Furstenberg Jr., 1986), a não ser que o pai biológico mantenha um contacto regular com os seus filhos. De facto as avós maternas tornam-se mais activas após o divórcio das suas filhas, o que faz sentido, na medida em que são habitualmente as mães que ficam com as crianças. Na verdade, para os sociólogos Andrew Cherlin e Frank Furstenberg Jr., os laços intergeracionais mantêm-se latentes enquanto a família funciona bem, e emergem como relações fundamentais quando a família começa a experimentar situações de conflito; por exemplo, as avós maternas são encaradas como os “bombeiros voluntários” (Cherlin e Furstenberg Jr., 1986).29

No entanto, grande parte das mães guardiãs esforça-se por preservar os laços intergeracionais, mantendo as relações com os avós paternos, tios e primos do lado do pai biológico, porque eles são também a família das suas crianças (família do divórcio). Alguns estudos indicam que, de facto, se não existir esta pressão por parte das mães, as relações entre os avós paternos e os seus netos raramente são tão intensas como habitualmente acontecia antes do divórcio ou separação dos pais das crianças (Attias-Donfut e Segalen, 2002). Verifica-se que em muitos casos os avós podem ter uma atitude de rejeição tanto das suas ex-noras como dos seus ex-genros e até dos netos após a separação dos filhos, principalmente se tiverem mais netos de outros filhos (Ambert, 1988: 684).

Ainda assim, o divórcio geralmente intensifica as relações entre as crianças e os familiares da mãe guardiã ou do pai, caso tenha ficado com a sua guarda. Por exemplo, uma mãe em situação de trabalho precário pode temporariamente ir viver com os pais, ou os avós ajudarem financeiramente na educação ou alimentação dos netos.

Com efeito, o recasamento das filhas não altera a ligação entre as avós maternas e os seus netos, apenas a ajuda monetária diminui quando as filhas voltam a casar (Cherlin e Furstenberg, 1986).

Quando se trata de avós que se divorciaram e voltaram a casar, outros factores entram em jogo. No caso de terem tido filhos de ambos os casamentos, estes avós, em especial os homens, tendem a dar mais atenção aos netos do actual casamento. Se os filhos dos pais divorciados se tornam pais, as relações intergeracionais não melhoram, pelo contrário, por vezes agudizam-se e levam à ruptura das relações entre as várias gerações (Attias-Donfut e Segalen, 2002).

Os dois grandes estudos que foram realizados, nos EUA, sobre as relações entre os avós e as crianças após um divórcio dos pais, concluíram que os avós têm relações de maior proximidade com as crianças nas famílias do divórcio. Por exemplo: 30% das crianças das famílias do divórcio vivem com os avós, comparando com 1% das crianças das famílias nucleares (Furstenberg Jr., 1988).30

Segundo os resultados do estudo da Pensilvânia, após um recasamento os avós “sociais” (pais do padrasto ou da madrasta) assumem rapidamente o seu papel de avós na nova família; por seu lado, as crianças não parecem fazer muita diferença entre avós “reais” e avós “sociais”. Muito embora os pais encorajem as crianças, principalmente quando são pequenas, a assimilarem os novos elementos da família o mais depressa possível a seguir ao recasamento, na verdade, para as crianças causa-lhes menos problemas adquirirem outros familiares do que padrastos (Furstenberg Jr., 1988: 258).

Contudo, nem sempre os resultados das pesquisas vão no mesmo sentido, ou seja, não é um dado adquirido que os avós “sociais” sejam uma fonte segura de apoio para os seus netos-enteados. Por exemplo, segundo dados do National Survey of Children, apenas 7% dos inquiridos recasados responderam que a geração mais velha não tinha tido qualquer dificuldade em aceitar os seus netos-enteados (Furstenberg Jr. e Spanier, 1984). Para os sociólogos Andrew Cherlin e Frank Furstenberg Jr., quanto mais novas são as crianças quando os pais recasam, mais os avós “sociais” dizem sentir que os seus netos-enteados são como os seus netos biológicos (1994: 368).

Como vimos, são as avós paternas que mantêm com mais frequência os laços com as suas noras, para não perder o relacionamento com os seus netos.31 Por outro lado, são também estas avós que alargam com alguma facilidade as suas relações afectivas às crianças do padrasto ou da madrasta dos seus netos, isto é, aos seus netos-enteados (Johnson, 1988). Todavia, se o padrasto ou a madrasta viverem no grupo doméstico recomposto, as relações entre os seus pais (avós sociais) e as crianças (netos-enteados) intensificam-se.

Sabe-se, através dos resultados de pesquisas (Johnson, 1988: 180), que a expansão do sistema de parentesco, devido ao divórcio e depois ao recasamento dos pais biológicos, tem repercussões significativas nos papéis dos avós, e principalmente das avós paternas. E, para além disso, os avós também mudaram. Na verdade, nas sociedades ocidentais contemporâneas estes avós foram pais liberais, e hoje são na sua grande maioria divorciados, viúvos ou já vão no segundo ou terceiro casamento, o que faz com que as experiências conjugais sucessivas nas suas trajectórias conjugais os tornem mais flexíveis quanto aos novos estilos de vida familiares, e aceitem uma definição de família mais abrangente. Concretamente em França, os avós de hoje foram muitos dos jovens da geração de 68 que abriram os caminhos para o divórcio, as relações fora do casamento, a contracepção generalizada, e as suas crianças tornaram-se parte integrante da “nova cultura de intimidade” (Attias-Donfut e Segalen, 2002: 283). Por outro lado, a grande maioria das jovens mães não só são profissionalmente activas, como muitas delas estão empenhadas nas suas carreiras, e daí serem das que mais beneficiam com a ajuda das suas mães. Tal tendência reflecte a forte solidariedade intergeracional entre mulheres empenhadas na ajuda das novas gerações de mulheres que pretendem avançar nas suas carreiras profissionais (Attias-Donfut e Segalen, 2002: 285).

Um dos factores importantes para as crianças das famílias recompostas é precisamente o alargamento da rede de familiares (família do recasamento). Isto é, os parentes são acrescentados ou mudam de lugar quando as crianças passam de uma família para a seguinte. É certo que não é fácil perceber se as crianças beneficiam mais ou menos com este alargamento da rede familiar. No entanto, uma coisa é certa: elas têm mais família em quantidade. Resta saber se terão em qualidade afectiva.

Particularmente interessante é o facto de o recasamento introduzir, para além de um padrasto ou de uma madrasta ou de ambos na actual configuração familiar, outros elementos de ambiguidade (avós) nas relações intergeracionais. Que direitos e responsabilidades têm e esperam estes avós “sociais” assumir?32

Sabe-se que existem muitas maneiras de se ser avó e que a liberdade de acção é grande, na medida em que também para o desempenho deste papel social não existem normas e o estatuto de avós está apenas directamente relacionado com a posição que ocupam na ordem das gerações.

 

Conclusão

Nas recomposições familiares a indefinição ou a ambiguidade das fronteiras, que delimitam os contornos das famílias, torna o sistema de parentesco mais flexível, permitindo aos indivíduos liberdade suficiente para determinarem quem faz ou não parte das suas relações familiares. E esta questão não diz apenas respeito à ordem do social, isto é, aos padrastos, quase-irmãos ou avós sociais, mas também se coloca nas relações construídas na ordem do biológico.

Tal flexibilidade também se reflecte nas próprias concepções de família. Por exemplo, a partir do momento em que as lealdades e as alianças são facilmente transferidas sem qualquer sanção, tanto os laços biológicos como os laços que se estabelecem por afinidade podem ir perdendo significado ao longo dos tempos das conjugalidades sucessivas (casamento, divórcio e recasamento), isto é, durante o processo de transições familiares. E, neste sentido, talvez seja tempo de se olhar para os laços de “parentesco social”como uma alternativa, credível e de direito, à degradação de muitas situações vividas em famílias biológicas.

 

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1 Em França, segundo Catherine Villeneuve-Gokalp e Henri Leridon ,“54% dos filhos de casais separados nunca vêem o pai ou só têm com este contactos esporádicos” (Segalen, 1999: 207).

2 A relação entre padrastos e enteados tem sido objecto de várias pesquisas empíricas realizadas ao longo das últimas décadas: Clingempeel, Brand e Ievoli (1984); Marsiglio (1995); Ganong e outros (1999); McDonald e DeMaris (2002).

3 Se a literatura popular está repleta de histórias sobre madrastas, a situação actual confere mais evidência à presença do padrasto, porque estes são estatisticamente dominantes: nos EUA, cerca de quatro milhões de padrastos viviam, entre 1987 e 1988, com enteados até aos 19 anos de idade (Marsiglio, 1995: 211).

4 Sobre a terminologia do parentesco ver Segalen (1999) e Cabral (1991 e 2003).

5 Após um divórcio assiste-se, em grande parte dos casos, a uma reconfiguração dos laços de parentesco; ver Johnson (1988).

6 Ver a proposta de Andrew Cherlin (1978).

7 Sobre as ambiguidades do papel de padrasto, ver também Berger (1998: 28-31).

8 Para certos autores o modelo de acumulação significa que as crianças acumulam pais, ou seja, que o pai biológico e o padrasto desempenhamumpapel importante nas suas vidas.Emcontrapartida, o modelo de substituição sugere a ausência dos laços entre as crianças e o pai biológico (White e Gilbreth, 2001).

9 Vários têm sido os sociólogos que nas suas pesquisas identificaram estas duas lógicas de construção social do papel de padrasto: Théry (1985), Le Gall (1992), Martin (1992), Lobo (1994), Blöss (1996), Cadolle (2000).

10 Para esta pesquisa Blöss entrevistou 30 mulheres/mães que recompuseram a sua vida familiar após uma ruptura conjugal.

11 Para esta pesquisa foram entrevistados 32 madrastas, 28 padrastos e 24 jovens (14 enteadas e 10 enteados).

12 Sobre a família alargada depois do recasamento, ver Frank Furstenberg Jr., (1987: 42-61).

13 Especificamente sobre os adolescentes e a influência do divórcio ou do recasamento dos pais no seu desenvolvimento e na sua auto-estima, ver Pasley e Healow (1988), Hines (1997) e Philips (2005).

14 Uma dessas vozes mais críticas (Qvortrup, 1994) sugeriu que os investigadores aprendessem a olhar para as crianças não como human becomings mas como human beings (citado em Ritala- Koskinen, 1997: 138).

15 Os trabalhos de Gross (1986) e Levin (1994) foram citados por Ritala-Koskinen (1997: 146-149).

16 Omaterial recolhido para este trabalho corresponde a 10 entrevistas realizadas a crianças entre os 6 e os 16 anos de idade. Sobre os pormenores das entrevistas ver Ritala-Koskinen (op. cit. p. 139).

17 Ver Bernard (1971 [1956]: 311-329).

18 Ainda nos anos 50, mais precisamente em 1957, Ivan Nye realiza uma pesquisa empírica, por sinal a primeira a usar o modelo de comparação entre as crianças das várias estruturas familiares (são inquiridos 780 crianças e adolescentes entre os 9 e os 12 anos de idade), para concluir também que não se verificaram diferenças significativas entre as atitudes das crianças. Cf. Pasley e Ihinger-Tallman (1987: 118).

19 Este trabalho de Bowerman e Irish (1962) tornou-se um clássico das pesquisas sobre as famílias recompostas e umdos mais citados nos trabalhos sobre a família em geral, apesar de os seus resultados irem em sentido contrário aos da maioria dos estudos sobre as relações entre padrastos e enteados realizados naquela altura.

20 Durante a década de 1960, foram publicadas mais três pesquisas sobre este tema, nomeadamente, Langner e Michael (1963), Perry e Pfuhl (1963), Rosenberg (1965), citados em Pasley e Ihinger- Tallman (1987).

21 Dois anos depois, Duberman chega às mesmas conclusões, na sua pesquisa sobre as famílias reconstituídas (Duberman, 1975: 48-75).

22 Nestas 39 pesquisas não estão contabilizados os trabalhos realizados por clínicos.

23 Para um maior desenvolvimento acerca desta relação de poder entre padrastos e enteados, veja- se Giles-Sims e Crosbie-Burnett (1989: 1065-1078).

24 Ver as sínteses dos resultados das pesquisas empíricas sobre os efeitos do recasamento nas crianças em Ihinger-Tallman e Pasley (1987) e Hetherington (1987).

25 Do total da população, 80% eram casados, 73% eram casados pela segunda vez e 69% eram casados pela terceira vez (White e Booth, 1985: 691).

26 É o caso do projecto nacional de maior envergadura—National Study of Families and Households (NSFH) — e de estudos comparativos, como Avon Longitudinal Study of Parents and Children in the U.K.—realizado também na América do Norte, Europa, Ásia, Austrália, Israel e Nova Zelândia (Coleman, Ganong e Fine, 2000).

27 À semelhança de Catherine Villeneuve-Gokalp (1999) usamos a designação quase-irmãos para identificar as crianças que não são filhos biológicos dos dois elementos do casal recasado. Por exemplo, quando um homem com crianças de um casamento anterior recasa com uma mulher que também tem filhos de uma relação anterior, as crianças tornam-se quase-irmãos entre si.

28 Um dos primeiros trabalhos a surgir sobre o tema dos avós e das relações intergeracionais na Europa foi realizado na Bélgica por Bernadette Bawin-Legros e Anne Gauthier (1992: 247-259). Em França, em 1995, Claudine Attias-Donfut realizou uma pesquisa extensiva sobre as relações entre três gerações de famílias francesas (Attias-Donfut e Segalen, 2002).

29 Clingempeel, Brand e Ievoli (1992) denominam esta tendência “hipótese da função latente”, na medidaemque o divórcio pode activar o envolvimento na vida dos seus filhos divorciados e dos seus netos (citado em Ganong e Coleman, 1994: 115).

30 Os resultados do primeiro grande estudo (The Central Pensylvania Study) foram publicados no livro de Andrew Cherlin e Frank Furstenberg Jr., Recycling the Family, Beverly Hills, Sage, 1984 (citadoemFurstenberg Jr., 1988).Osegundo estudo, também dos dois sociólogos, foi apresentado na íntegra no livro The New American Grandparent, Nova Iorque, Basic Books, 1986.

31 Após um divórcio dos filhos, os avós tornam-se quase-familiares (quasi-kin) para as suas ex-noras ou ex-genros (Bohannan, 1970a).

32 Sobre o modo de preparação para se assumir o papel de “avós sociais”, ver o modelo de Henry, Ceglian e Ostrander (1993, citado em Ganong e Coleman, 1994: 118-119).

 

* Cristina Lobo, professora auxiliar do Departamento de Sociologia do ISCTE-IUL e investigadora do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES, ISCTE-IUL), Lisboa.

E-mail: Cristina.lobo@iscte.pt.

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