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Sociologia, Problemas e Práticas

versión impresa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  n.59 Oeiras ene. 2009

 

Antropologia Urbana

Encontro de tradições e novas perspectivas

Gilberto Velho*

 

Resumo

O artigo trata de algumas discussões contemporâneas a partir da temática da antropologia urbana. Busca identificar origens e desenvolvimento de temas fundamentais que a constituíram e que continuam desempenhando importante papel para o seu desenvolvimento. Entre outros temas, lida com individualismo, memória, projetos, tradições e redes sociais. Focaliza, especificamente, os fenômenos do multipertencimento e da fragmentação de papéis e contextos. Retoma a discussão sobre potencial de metamorfose e campo de possibilidades.

Palavras-chave cidade, individualismo.

 

Abstract

Urban anthropology: where traditions and new perspectives meet

The article deals with a number of contemporary discussion points from an urban anthropological perspective. It seeks to identify the origins and development of fundamental topics that have constituted urban anthropology and continue to play an important role in its development. Among other topics, it addresses individualism, collective memory, projects, traditions and social networks. It focuses specifically on the phenomena of multiple belonging and the fragmentation of roles and contexts. It also picks up the discussion on the potential for metamorphosis and field of possibilities.

Key-words city, individualism.

 

Résumé

Anthropologie urbaine: rencontre de traditions et de nouvelles perspectives

L’article aborde quelques discussions contemporaines autour du thème de l’anthropologie urbaine. Il cherche à identifier les origines et le développement de thèmes fondamentaux sur lesquels elle s’est fondée et qui continuent de jouer un rôle important pour son développement. Entre autres thèmes, il aborde l’individualisme, la mémoire, les projets, les traditions et les réseaux sociaux. Il met particulièrement l’accent sur les phénomènes de multi-appartenance et de fragmentation des rôles et des contextes. Il reprend le débat sur potentiel de métamorphose et champ de possibilités.

Mots-clés ville, individualisme.

 

Resumen

Antropología urbana: encuentro de tradiciones y nuevas perspectivas

El artículo aborda algunas de las discusiones contemporáneas a partir de la temática de la antropología urbana. Busca identificar los orígenes y el desarrollo de temas fundamentales que la constituyeron y que continúan desempeñando un papel importante para su desenvolvimiento. Entre otros temas, trata con el individualismo, memoria, proyectos, tradiciones y redes sociales. Se centra, específicamente, en los fenómenos de pertenencias múltiples y de la fragmentación de papeles y contextos. Retoma la discusión sobre el potencial de metamorfosis y campo de posibilidades.

Palabras-llave ciudad, individualismo.

 

 

Estou convencido de que um dos maiores interesses e fontes de estímulo para o que denominamos de antropologia urbana é o fato de ser inevitavelmente inter e multidisciplinar. Recentemente, tem se valorizado, em quase todas as áreas do conhecimento, o diálogo e a comunicação entre diferentes disciplinas e linhas de pesquisa. No caso em pauta, no entanto, cabe enfatizar que foi a própria complexidade da cidade moderno-contemporânea, particularmente das grandes metrópoles, que levou ao desenvolvimento dessa área de investigação. É a partir, sobretudo, da segunda metade do século XIX que pensadores de diferentes orientações passam a se dedicar, de modo mais sistemático, à reflexão e pesquisa sobre o meio urbano, precedidos ou contemporâneos das obras de literatos, especialmente romancistas, como Balzac, Dickens, Proust, Eça de Queiroz e Machado de Assis. Cumpre evitar reduzir as obras artísticas a uma dimensão sociológica, mas é inegável que em algumas delas encontramos percepções a análises que antecipam ou, pelo menos, ajudam a captar significados e experiências iluminadores para as ciências sociais. A cidade é um dos palcos e desafios principais para essa busca de compreensão e conhecimento da sociedade moderno-contemporânea. Não chega a ser surpreendente que isso tenha se dado paralelamente ao desenvolvimento da própria antropologia como um todo que, de início, pelo menos no que toca a certas linhagens clássicas, voltou-se para o estudo do mais distante e do, aparentemente, exótico e remoto. É interessante constatar que as expedições de Franz Boas e de Malinowski são contemporâneas das primeiras etapas de trabalho mais sistemático do que veio a ser conhecido como Escola de Chicago. Entre 1892 e 1929, como já se sabe, funcionava na Universidade de Chicago um Departamento de Sociologia e Antropologia que teve, entre seus expoentes, figuras como William Thomas e Robert Park. Ambos eram interessados e leitores da literatura sobre sociedades tribais e tradicionais. Buscavam identificar e compreender as diferenças socioculturais dentro das grandes cidades em acelerado crescimento, que consideravam tão importantes de serem estudadas como as diferenças entre sociedades e culturas aparentemente mais distantes e exóticas. É interessante pensar na formação de alguns desses pensadores. Park, que trabalhou e foi liderança importante na Universidade de Chicago entre 1914 e 1936, foi aluno de John Dewey em Michigan, de William James em Harvard e de Simmel em Berlim, entre 1899 e 1900. Teve uma carreira muito rica e diversificada, pois foi jornalista e ativista político, muito ligado a lideranças negras norte-americanas, como Booker T. Washington, com quem trabalhou no Instituto Tuskgee, em Alabama, voltado para o estudo de relações raciais. Depois que se aposentou em Chicago mudou-se para a Universidade Fisk, em Nashville, Tenessee, marcadamente afro-americana. Formou muitos discípulos e supervisionou diversas pesquisas, inclusive no Brasil.1 Os interesses e trabalhos da chamada Escola de Chicago eram muito diversificados e é impossível colocá-los em um compartimento estanque. Entre o final do século XIX e meados do século XX atuaram como professores, pesquisadores ou alunos, na Universidade de Chicago, propriamente dita, profissionais de grande importância para o desenvolvimento da ciência social. Além dos já citados Thomas e Park, somam-se John Dewey, G. H. Mead, Albion Small, Ernest Burgess, Louis Wirth, Everett Hughes, Robert Redfield, Lloyd Warner, Herbert Blumer, W. Foote Whyte, Anselm Strauss, Wright C. Mills, Erving Goffman, Eliot Freidson, Howard S. Becker, entre outros (ver Bulmer, 1984, e Becker, 1996).

Como já tive oportunidade de comentar, sabe-se que a Escola de Chicago não apresentava uma unidade de doutrina, mas era constituída por uma rede de profissionais com tipos e graus diferentes de ligação com o interacionismo, o pragmatismo, a fenomenologia, a ecologia, e mesmo o marxismo (ver Velho, 2005). O que os aproximava mais era o interesse pela pesquisa dos mais variados tipos, destacando-se o trabalho de campo e a observação participante. Desse modo, mesmo quando separadas formalmente em dois departamentos, as disciplinas antropologia e sociologia mantinham-se em permanente interação, confirmada com o desenvolvimento das carreiras de várias gerações. Os objetos de estudo, por sua vez, apresentaram enorme variedade mas eram, sobretudo, selecionados no meio urbano, em grande parte na própria Chicago, que tornou-se o laboratório urbano, por excelência. Mas sua atuação estendeu-se, como já foi dito, por todos os Estados Unidos e para outros lugares do mundo. Entre outros temas importantes pode-se citar relações raciais, ecologia urbana, carreiras e profissões, grupos desviantes, arte, minorias étnicas, processos de socialização, instituições totais, imprensa, comunicação de massas, bairros, educação, etc. Essa heterogeneidade de objetos estimulava o desenvolvimento de várias linhas de investigação, com diferentes modos de olhar e de perceber a realidade que, por sua vez, buscavam e descobriam novos temas e questões, em um processo de produção científica exemplar.

É indiscutível a forte influência de G. Simmel sobre essas várias gerações, umas mais próximas, outras mais distantes, tanto em termos de tempo, quanto de conhecimento do mestre alemão. Nem todos leram com a mesma intensidade e profundidade a sua obra. Parte dela foi traduzida para o inglês, mas trabalhos importantes só vieram a ser conhecidos mais recentemente. Nas primeiras gerações de Chicago, havia maior número de leitores de alemão, inclusive pela presença de professores alemães, como Louis Wirth, que Becker diz que gostava de ler longas citações em sua língua materna durante as aulas. Mas a própria obra de Simmel foi sendo descoberta e desvendada no decorrer do século XX, com o aparecimento e tradução de novos textos e, também, por outros modos de lê-lo e interpretá-lo. O que há para se destacar aqui é, sobretudo, a posição de Simmel, não só diante dos estudos da sociedade, mas da realidade em geral. Nada era insignificante e secundário. Embora existissem, obviamente, temas de interesse mais evidente, podia-se chegar a reflexões densas e significativas por caminhos os mais surpreendentes. Escreveu sobre dinheiro e mercado, individualismo, conflito, sociabilidade, música, prostituição, aventura e aventureiros, culturas subjetiva e objetiva, grupos e redes, cultura feminina, formas sociais, ponte e porta, destino, rosto, paisagem, alimentação, estética, arte em geral. Entre outros autores de variadas áreas, especialidades e orientações sobre os quais escreveu podemos citar Kant, Nietzsche, Rodin, Goethe, Miguel Ângelo, Hegel, etc. Ou seja, seu universo de referências e preocupações era, praticamente, ilimitado. Nunca pretendeu ser um chef d´école, nem teve condições para isso, pois como judeu foi discriminado e preterido, no sistema universitário alemão da época, apesar do apoio que teve de pessoas como Max Weber. Só nos últimos anos de vida, já doente, foi efetivado como professor pleno em Estrasburgo. Em Berlim dava cursos e conferências, numa posição precária e instável em termos da estrutura universitária. As suas aulas eram concorridíssimas. Nesse sentido, tinha multidões de admiradores de várias procedências mas não, propriamente, discípulos no sentido mais escolar do termo. Ele e sua mulher comandavam um salão, fenômeno da época, onde recebiam intelectuais, artistas, amigos e admiradores. Constituía-se em foco de sociabilidade e de estimulante troca de idéias e debates. Simmel era, pelo que se registrou, um brilhante expositor e, sobretudo, tinha uma abertura intelectual e uma vastidão de interesses, digamos, supradisciplinar. Essa foi uma herança que deixou para as ciências sociais como um todo, não só para seus seguidores de Chicago. A sua atenção para a metrópole do século XX expressa exatamente essa amplitude de horizontes.

A complexidade, dimensão e heterogeneidade dos grandes centros urbanos moderno-contemporâneos introduzem novas dimensões na experiência e comportamento humanos. Esse processo foi se evidenciando de modo mais drástico a partir da Revolução Industrial, com os grandes deslocamentos populacionais, migrações e profundas transformações na estrutura e na divisão social do trabalho, com fortes conseqüências para a produção em geral. Nunca será demais relembrar a importância dos trabalhos de Marx e Engels, nessas dimensões da vida urbana e na questão da habitação, associadas à reflexão sobre classes sociais. A especialização não se deu somente no nível específico do trabalho mas, de modo mais amplo, no que toca à aparição e multiplicação de novos papéis e domínios sociais. Esse é um dos pontos em que creio ser crucial perceber a importância do encontro de diferentes tradições intelectuais-acadêmicas e compreender a crescente e inovadora importância dos estudos antropológicos na e da cidade.

A organização social do meio urbano tem, como mostraram Park e Burgess, na dimensão ecológica uma de suas bases. Por outro lado, as relações entre as diferentes categorias sociais dão-se num processo dinâmico em que as variáveis econômicas, políticas e simbólicas geram novos significados continuamente. Essa percepção aproxima-nos da noção de correntes de tradição cultural, utilizada por F. Barth, mas pode ser ainda mais ampliada se formos capazes de estar não só atentos à multiplicidade de correntes ligadas à dimensão étnico-cultural mas, em geral, à própria dinâmica interacional que constitui a sociedade, mais flagrante na sociedade moderno-contemporânea. Nesse sentido, a já conhecida temática da fragmentação pode ser vista como talvez um caso limite do repertório básico da sociabilidade. Daí, também, a importância da análise que focaliza o multipertencimento como fenômeno que evidencia o trânsito não só entre diferentes correntes, mas entre distintos domínios e níveis da realidade. Isso nos leva também ao encontro da temática das identidades, presente de modo explícito ou implícito em boa parte da produção de ciências sociais a que já me referi. Coloca-se a questão do pertencimento de quem? Embora a resposta possa ser diferenciada, em função de contextos histórico-culturais, no campo das ciências sociais, desde Simmel, pelo menos, está se falando de indivíduo como categoria básica constitutiva, através da interação, da vida social. É claro que a partir daí há uma série de perguntas e dúvidas, principalmente em torno de uma possível consistência identitária individual (ver, por exemplo, Giddens, 1991). É preciso assim compreender melhor as diferentes naturezas da interação que passam pelo tradicional contato face to face, as mais variadas e algumas bem recentes, como a virtual, possibilitada pela informática, computadores, e-mails, etc. (ver, por exemplo, Pereira, 2008). Thomas e Znaniecky, pioneiramente, examinaram, entre outros casos, a correspondência entre poloneses no seu trabalho clássico The Polish Peasant in Europe and America (Thomas e Znaniecky, 1996 [1918-1920]). Tratava-se claramente de um sistema de comunicação ancorado a códigos, utilizando técnicas e conhecimentos culturais específicos. Os exemplos são quase inesgotáveis, mas é fundamental lembrar que estamos, ao focalizar interações, lidando com redes sociais, cujas extensão e profundidade devem ser, em princípio, avaliadas em situações de pesquisa. Nessa direção, uma das áreas de pesquisa mais importantes no desenvolvimento da antropologia urbana tem sido o estudo de bairros, áreas da cidade, localidades, ruas, espaços em geral, em que formas de relacionamento, organização e sociabilidade são exercidas. Temos, nessa temática, exemplos importantes em Portugal e no Brasil. Paralelamente, o trânsito de indivíduos e categorias, implicando deslocamento físico e psicossocial, aponta para o permanente dinamismo da vida metropolitana. O operário que se desloca da periferia para o centro, o estudante que percorre trilhas urbanas, o flaneur, os policiais e os criminosos, os funcionários indo e vindo de casa para o trabalho, os passeios, peregrinações, reuniões políticas, cultos religiosos, entre tantos outros exemplos, ilustram esse movimento contínuo e ininterrupto. Os meios de transporte como o trem e o comboio, o ônibus e o autocarro, o metrô e o metro, além de veículos particulares, viabilizam, muitas vezes, de modo aparentemente caótico, a circulação entre as diferentes áreas urbanas. Para os antropólogos, especialmente, cumpre estar atento ao trânsito entre universos simbólicos e culturais, com diferentes tipos e graus de attention à la vie, segundo Bergson, retomado por Schutz (1979). Neste, as noções de província de significado e de mundos permitem-nos estabelecer, mais uma vez, pontes com redes de significado de C. Geertz (1978 [1973]) e correntes de tradição cultural de F. Barth (1989). Creio que uma contribuição importante para a releitura da problemática das identidades passa pela percepção do dinamismo e complexidade desses sistemas de interações, em que os indivíduos se movem, através de trajetórias que raramente são lineares num sentido mais restrito, complexificando as noções de consistência identitária e coerência biográfica, acentuadas por situações de desencontro e misunderstanding (Ichheiser, 1949). A variação é indiscutível e, justamente, na investigação de biografias e comparação de trajetórias temos encontrado fontes preciosas de renovação da pesquisa urbana e socioantropológica em geral. Dentro das grandes cidades modernas encontramos desde pessoas e grupos sociais que mantêm-se, por longos períodos de tempo, em posição socioespacial de isolamento e estabilidade, até as mais variadas formas de navegação intensa e exploratória, em alguns casos, quase nomádicas. Voltamos às questões levantadas por Simmel sobre culturas subjetiva e objetiva e, em termos mais amplos, à temática do sujeito e da subjetividade em antropologia e nas ciências sociais como um todo. Sabemos quão antigo, complexo e carregado de aspectos tipicamente filosóficos é esse tema. Por outro lado, é ponto de encontro de tradições intelectuais fundamentais na história do pensamento e da pesquisa. A própria noção de sujeito não é só fonte de polêmicas e divergências, mas de contestações radicais. Portanto, longe de mim pretender dar conta de todas as suas implicações. Para o nosso entendimento, a identidade individual do sujeito é construída através da memória — visão retrospectiva e de projetos — visão prospectiva. “Olhando” para trás e para frente, o agente individual que denominamos de sujeito reinterpreta, com maiores ou menores “ilusões” o seu passado e o seu futuro. Na sociedade moderna individualista é fundamental a idéia de uma continuidade subjetiva, interior que, através de múltiplas e diversificadas etapas e interações, mantém uma consistência básica. Self, ego, entre outras, são noções que permeiam os autores e tradições com que temos lidado. O multipertencimento, a fragmentação de papéis e contextos, assim como outras análises e perspectivas, às vezes tendem a reduzir e minimizar a noção mais convencional de identidade individual a ponto de quase dissolvê-la, diluindo-a. Procuro encontrar não, propriamente, uma áurea medida ou posição intermediária mas uma perspectiva que, sem congelar o agente individual numa postura essencialista, reveja-o na dinâmica socioexistencial, tão flagrante e mesmo dramática nas cidades e metrópoles onde temos pesquisado. A ação social dos indivíduos, através de sua permanente interação, só é possível a partir de motivações que são encontradas num jogo entre mundo interior, subjetivo, e práticas e atividades no cotidiano, envolvendo redes sociais em níveis materiais e simbólicos, com especificidades e características próprias. A expressão âncoras identitárias hoje me parece um tanto pesada, podendo sugerir pouca mobilidade existencial. Para mim, âncora remete a, mais ou menos, poderosas belonaves estacionadas num porto ou numa base, o que seria contraditório com a intenção de salientar o que chamei de potencial de metamorfose de indivíduos vivendo e agindo em campos de possibilidade socioculturais (Velho, 1994). Ou seja, a transformação se dá dentro de um repertório mas os matizes, os meio-tons, as ambigüidades produzem resultados fascinantes por sua variedade associada ao dinamismo dos projetos, desejos e aspirações. Em vez de âncoras, prefiro algo que remeta à memória, em permanente revisão, à socialização, às trajetórias e a escolhas contextualizadas. Sem querer sair numa espécie de romantismo existencialista, tal combinação, sendo possível, valoriza a vertente da história do pensamento que explora a temática da liberdade e seus limites. Creio que a produção da antropologia urbana, em alguns de seus melhores momentos, com maior ou menor consciência e deliberação, tem contribuído de modo significativo nessa direção e poderá se beneficiar bem mais ainda, aprofundando e ampliando suas pesquisas e reflexões. A etnografia, de diferentes modalidades e sensível às transformações do mundo contemporâneo, continua sendo marca fundamental de nosso trabalho. É importante lembrar, por exemplo, que a pesquisa clássica Sociedade de Esquina de W. Foote Whyte, realizada no final dos anos 1930, estava impregnada pelo fenômeno da globalização, assim como o já citado trabalho de Thomas e Znaniecky. Não é que não haja nada de novo sob o Sol, mas é essencial não perder ou desperdiçar as heranças e esquecer os caminhos que nos trouxeram até esse momento de grande potencial de renovação e avanços nas ciências sociais como um todo.

 

Referências bibliográficas

Barth, Fredrik (1989), “The analysis of culture in complex societies”, Ethos, 54 (III-VI), pp. 120-142 (tradução brasileira: Barth, Fredrik (2000), “A análise da cultura em sociedades complexas”, em O Guru, o Iniciador e Outras Variações Antropológicas, Rio de Janeiro, Contra Capa).

Becker, Howard S. (1996), “A Escola de Chicago”, Mana: Estudos de Antropologia Social, 2 (2), pp. 177-188.         [ Links ]

Bulmer, Martin (1984), The Chicago School of Sociology: Institutionalization, Diversity and the Rise of Sociological Research, Chicago, The University of Chicago Press.

Geertz, Clifford (1978 [1973]), A Interpretação das Culturas, Rio de Janeiro, Zahar.

Giddens, Anthony (1991), Modernity and Self-identity, Oxford, Polity Press.

Ichheiser, Gustav (1949), “Misunderstandings in human relations: a study in false social perception”, The American Journal of Sociology, LV, pp. 1-69.

Pereira, Vanessa Andrade (2008), Na Lan House ‘porque Jogar Sozinho Não Tem Graça. Estudos das Redes Sociais Juvenis on- e offline, tese de doutoramento apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional/ UFRJ.

Schutz, Alfred (1979), Fenomenologia e Relações Sociais, Rio de Janeiro, Zahar.

Thomas, William, e Florian Znaniecki (1996 [1918/1920]), The Polish Peasant in Europe and America: A Classic Work in Immigration History, Urbana,  University of Illinois Press.

Velho, Gilberto (1994), Projeto e Metamorfose: Antropologia das Sociedades Complexas, Rio de Janeiro, Jorge Zahar.

Velho, Gilberto (2005), “Reflexões sobre a Escola de Chicago”, em Licia do Prado Valladares (org.), A Escola de Chicago: Impacto de uma Tradição no Brasil e na França, Belo Horizonte/ Rio de Janeiro, UFMG/ IUPERJ, pp. 53-68.

 

1 Estiveram e trabalharam no Brasil, por exemplo, Donald Pierson e Ruth Landes, estimulados por ele. Aprofessora Licia do Prado Valladares vem desenvolvendo importante pesquisa sobre as relações da Escola de Chicago, particularmente Robert Park, com o Brasil. Park chegou a visitar o Brasil em 1937, já em idade avançada.

 

* Gilberto Velho. Professor titular e decano do Departamento de Antropologia do Museu Nacional/ Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: gvelho@terra.com.br

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