SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número58Democracia en los partidos políticos portugueses: un análisis del electorado, de los programas y de los estatutos de los partidos índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Sociologia, Problemas e Práticas

versión impresa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  n.58 Oeiras sep. 2008

 

Quando a multidão e o amor se encontram na literatura

Eduardo Cintra Torres*

 

Resumo

No âmbito da sociologia da literatura, este ensaio percorre textos literários em que se encontra uma conjugação da multidão com o amor erótico. Começamos pela Madame Bovary e por textos de Baudelaire e de De Quincey para chegarmos a dois contos portugueses, “A Ruiva”, de Fialho de Almeida, e “Amor de Outrora”, de Florbela Espanca. Todos os textos narram amores socialmente reprováveis e neles os protagonistas beneficiam do anonimato da multidão, de que recebem uma carga erótica, para iniciarem uma relação amorosa como se ela fosse aceite pela sociedade. Em todos os textos, porém, está directa ou indirectamente presente a impossibilidade de os amores proibidos serem aceites pela multidão enquanto símbolo da sociedade. Todos os textos terminam com separações ou morte. Desta forma, a multidão erotizada é ambivalente: ela proporciona a relação erótica, mas não a sua aceitação. Ela dá ou representa quer o que há de bom na vida em sociedade — a sociabilidade, o amor — quer a coacção dos valores colectivos sobre os indivíduos.

Palavras-chave sociologia da literatura, multidão, erotismo.

 

Abstract

When love and the crowd meet in literature

Within the framework of the sociology of literature, this essay examines the literary texts in which the crowd and erotic love intermix. We begin with Madame Bovary and texts by Baudelaire and De Quincey to arrive at two Portuguese stories, “A Ruiva”, by Fialho de Almeida, and “Amor de Outrora”, by Florbela Espanca. All of the texts tell of socially censurable love and all the protagonists in them benefit from the anonymity of the crowd, from which they receive an erotic charge, to begin a love affair as if it were accepted by society. In all the texts, however, the impossibility of the forbidden love being accepted by the crowd, as a symbol of society, is directly or indirectly present. The texts all end with separations or death. In this way, the eroticised crowd is ambivalent: it affords the erotic relationship but not its acceptance. It gives or represents both the good side of life in society — sociability, love — and the forcing of collective values on individuals.

Key-words sociology of literature, crowd, eroticism.

 

Résumé

Quand la foule et l’amour se rencontrent dans la littérature

Dans le contexte de la sociologie de la littérature, cet essai parcourt des textes littéraires dans lesquels on retrouve une conjugaison entre la foule et l’amour érotique. Nous commençons par Madame Bovary et par des textes de Baudelaire et de De Quincey pour arriver à deux contes portugais: “A Ruiva”, de Fialho de Almeida, et “Amor de Outrora”, de Florbela Espanca. Tous les textes narrent des amours socialement répréhensibles et les personnages y bénéficient de l’anonymat de la foule, dont ils reçoivent une charge érotique, pour commencer une relation amoureuse comme si elle était acceptée par la société. Toutefois, tous les textes évoquent, directement ou indirectement, l’impossibilité que les amours interdits soient acceptées par la foule en tant que symbole de la société. Tous les textes se terminent par la séparation ou par la mort. Ainsi, la foule érotisée est ambivalente: elle est propice à la relation érotique, mais pas à son acceptation. Elle donne ou elle représente ce qu’il y a de bon dans la vie en société — la sociabilité, l’amour —, mais aussi la contrainte des valeurs collectives sur les individus.

Mots-clés sociologie de la littérature, foule, érotisme.

 

Resumen

Cuando la multitud y el amor se encuentran en la literatura

En el ámbito de la sociología literaria, este ensayo transita textos literarios donde se encuentra una conjunción entre multitud y amor erótico. Comenzamos por Madame Bovary y por textos de Baudelaire y de de Quincey para luego llegar a dos textos portugueses, “A Ruiva” de Fialho de Almeida, y “Amor de Outrora”, de Florbela Espanca. Todos los textos narran amores socialmente reprobables y en ellos los protagonistas se benefician del anonimato de la multitud, de la cual reciben carga erótica, iniciando una relación amorosa, como si ella fuera aceptada por la sociedad. En todos los textos, por consiguiente, está directa o indirectamente presente la imposibilidad de que los amores prohibidos sean aceptados por la multitud como símbolo de la sociedad. Todos los textos se terminan con la separación o la muerte. De esta forma, la sociedad erotizada es ambivalente: proporciona una relación erótica, pero no su aceptación. Ella da o representa, sea lo que hay de bueno en la vida en sociedad — la sociabilidad, el amor —, sea la coacción de los valores colectivos sobre lo individuos.

Palabras-llave sociología de la literatura, multitud, erotismo.

 

O percurso sociológico deste ensaio em busca da relação entre Eros e a multidão em obras literárias marcadas pela cidade e pelo amor burguês ou proletário (este em contraponto ao anterior) inicia-se nas duas cenas de multidão de Madame Bovary, de Gustave Flaubert, publicado em 1857. De seguida, fazemos passagens breves por um soneto de 1861 e pelos Paraísos Artificiais de Charles Baudelaire de 1860 e pelas Confissões de um Opiómano Inglês de Thomas de Quincey, de 1821. O destino do nosso percurso tem como principal objecto dois contos portugueses, o primeiro com uma narrativa proletária, “A Ruiva”, escrito por Fialho de Almeida em 1878, e o segundo um amor burguês, um “Amor de outrora”, de Florbela Espanca, escrito em 1927, protagonizado por uma burguesa nervosa 70 anos depois da Bovary. Os amores narrados em todos os textos têm em comum serem socialmente reprováveis: a Bovary casada e seus dois amantes, os dois desconhecidos que cruzam olhares na rua parisiense no soneto de Baudelaire, o proletário e a lumpen-proletária ruiva que juntam os trapos no conto de Fialho, e a divorciada com o médico casado no de Florbela Espanca. Em todos os textos não é importante ou é mesmo ignorada a caracterização classista ou outra da multidão, tratando-se apenas, como escrevia Walter Benjamin referindo-se à obra de Baudelaire, da “multidão amorfa dos passantes, as pessoas na rua” (1969: 165). Nos textos, todos os protagonistas beneficiam do anonimato ou da desatenção que a multidão urbana proporciona na sua “interacção desfocada” (Giddens, 1989: 621). Não ocorre em nenhum deles um exacerbamento visível do erotismo dos que participam na multidão, como nos excessos das “multidões criminosas” de O Terramoto no Chile de von Kleist (1986), Germinal de Zola (1978) ou Amanhã de Abel Botelho (1901), verificando-se antes a transferência, para os pares ou indivíduos isolados, da carga erótica existente nos colectivos humanos. Mas também poderá subentender-se que a excitação dos apaixonados resulta da líbido que Sigmund Freud identificou em 1921 como razão de ser da multidão (Freud, 1993). Em todos os textos a multidão provoca a excitação dos sentidos e uma sensação de moleza ou cansaço e em todas as cenas há uma forte relação com a chegada do crepúsculo e da noite. Mas é a multidão, mais do que a noite, que literariamente permite aos amantes iniciarem uma relação amorosa como se ela fosse aceite pela sociedade. Em todos os textos, porém, está directa ou indirectamente presente a impossibilidade de os amores proibidos serem aceites pela multidão enquanto símbolo da sociedade. Todos os textos terminam com separações ou morte. Desta forma, a multidão erotizada é ambivalente: ela proporciona a relação erótica, mas não a sua aceitação social. Ela dá ou representa quer o que há de bom na vida em sociedade — a sociabilidade, o amor — quer a coacção dos valores colectivos sobre os indivíduos.

Ao contrário das ciências sociais de final do século XIX, que teorizaram sobre a dissolução da individualidade no seio da multidão, a literatura — prosa e poesia — desde um século antes acentuavam-na. Goethe na sua Viagem a Itália, de 1786/7 mas publicada em 1816/7, escrevia: “Não me sinto mais só do que numa grande multidão através da qual cada um faz o seu próprio caminho” (segundo Plotz, 2000: 18). A observação de Goethe aplicava-se a ele mesmo. A posição dos autores que começam nesta época a escrever sobre a nova experiência urbana é diferente quando se aplica ao outro: nessa altura já vêem muitas vezes a multidão como uma massa indiferenciada à qual o artista deve opor-se. O próprio Goethe, na mesma obra, escreveu por exemplo: “O que acima de tudo me importuna é novamente o povo — uma grande multidão, um necessário, involuntário existir.”1 E em Inglaterra, outro poeta, Wordsworth em “Residence in London”, de The Prelude, de 1805, “usa a multidão para testar os poderes da literatura contra os efeitos da despersonalização das multidões urbanas e para reafirmar a capacidade da poesia para oferecer o caos controlado em vez delas” (Plotz, 2000: 3). Essa concepção repete-se noutros autores, sendo o texto mais conhecido, na primeira metade do século XIX, o conto “O homem das multidões”, de Edgar Poe, de 1849 (Poe, 1903). Se em De Quincey já encontramos a possibilidade de a multidão proporcionar o encontro amoroso e até a salvação, como veremos adiante, será necessário chegar a segunda metade do século para a multidão se revelar como medium erótico: o amor burguês salta do salão para a rua e procura o anonimato da multidão para ultrapassar o espartilho das convenções sociais.

Começando na Bovary: os efeitos naturais da multidão… na literatura

Os dois amores extraconjugais de Emma Bovary, os dois únicos, explodem em desejo no meio da multidão. Ambas as cenas, são, como todo o romance, “a perfeição em si” (Henry James, segundo Flaubert, 1999: 45). Na primeira, Emma anseia e cede à sedução de Rodolphe no meio dos Comices Agricoles, que reúnem “toda a gente” da vila (p. 233). Na segunda, a Bovary transforma o reaparecimento inesperado do seu platónico amor de antes, Léon, no início de uma nova paixão enquanto no palco da ópera de Rouen se desenrola o romantismo exacerbado da Lucie de Lammermoor.

Primeira cena multitudinária. Charles Bovary não está, Rodolphe acompanha Emma na feira agrícola onde se expõem proezas locais da agricultura e criação de gado e se entregam muitos prémios após longos discursos. No seu romance de 1857, Flaubert introduziu deliberadamente nesta cena a sua pequena multidão formada de todos os protagonistas e personagens secundárias além da multidão propriamente dita. No capítulo de 30 páginas a multidão aparece dez vezes, a multitude três, a gente (monde) duas. É uma “multidão aberta”, alegre e ordeira em dia de festa, um dia, diz a Bovary, “soberbo” com “toda a gente na rua” e “vento de leste” (p. 233). Fazia calor (p. 236). Flaubert junta com uma mestria sem igual a descrição da feira e a narração dos seus eventos, que se cruzam com o encontro de Emma e Rodolphe num efeito de complexa “montagem paralela” que o cinema retomará mais de meio século depois. Enquanto a sociedade local se compraz com os seus alcançamentos económicos ao abrigo da ordem burguesa, Rodolphe caça a nova presa com palavras e gestos de romantismo quanto baste e ela deixa-se levar consciente, mas só depois de dizer: “Mas é bem preciso, diz Emma, seguir um pouco a opinião da gente e obedecer à sua moral. ” (p. 243). O leitor, acompanha nos mais pequenos detalhes os movimentos das pessoas, os discursos a par e passo, os sons de gente e de música, mas o leitor sabe o que a multidão não sabe, que Rodolphe e Emma iniciam um affaire à vista de todos sem ninguém o ver.

Sente-se o prazer dos dois em absorverem o calor da multidão, ignorando-a, aproveitando-a melhor que ninguém, de algum modo enganando-a. O conquistador, aproximando-se de Emma e falando-lhe em voz baixa, sabe usar as palavras para colocar o amor nos antípodas do resto do mundo: “Esta conjura do mundo não a revolta? Não haverá um só sentimento que ele não condene? Os instintos mais nobres, as simpatias mais puras são perseguidas, caluniadas, e quando duas pobres almas finalmente se encontram, tudo está organizado para que elas não se possam juntar.” (p. 245).

Emma deixa-se ir. Tem-no ali perto dos olhos, até o cheiro da pomada capilar dele lhe chega às narinas. “Então foi tomada duma moleza” que a fez lembrar momentos passados de quase romance (pp. 245-246). “A doçura desta sensação penetrava assim os seus desejos de antigamente”. O erotismo cresce ao mesmo ritmo dos sons da multidão: “Ela tirou as luvas, limpou as mãos; depois, com o seu lenço, abanava-se, enquanto através do batimento das têmporas ouvia o rumor da multidão e a voz do Conselheiro salmodiando as frases.” (p. 246) Enquanto prossegue o discurso e, já antes o sabíamos, “todas as bocas da multitude se mantinham abertas, como para beber as palavras” do orador (p. 244), a multidão distraída não pode ver quando finalmente chega o contacto físico: “ele tomou a sua mão; ela não a retirou.” (p. 248). A união dos corpos consuma-se ao de leve, na ponta dos dedos: “Rodolphe já não falava. Olharam-se. Um desejo supremo fazia tremer os seus lábios secos; e molemente, sem esforço, os seus dedos confundiram-se.” (p. 249). Este encontro de valor sexual acontece enquanto se distribuem prémios à honrada população, em especial a uma mulher simples e ingénua; mas mais nada pode acontecer ali entre Emma e Rodolphe: “A sessão tinha acabado; a multidão dispersou-se; e agora, lidos os discursos, cada um retomava o seu estado e tudo voltava ao costume” (p. 251).

O adultério está como que consumado, mas a festa agrícola não terminou ainda, pois falta o festim, ao qual Emma, que Rodolphe acompanhou a casa, regressa desta vez com o marido, já que, como vimos, na narrativa tudo voltava ao costume. Flaubert termina o capítulo com amplas citações de um artigo que uma personagem secundária escreveu para um jornal de Rouen sobre os Comices Agricoles.2 A primeira citação do jornal compara a multidão com “as ondas dum mar em fúria, sob as torrentes dum Sol tropical que espalhava o calor sobre as nossas searas” (p. 254). A penúltima citação do jornal afirma: “constatemos que nenhum acontecimento deplorável veio perturbar esta reunião de família.” (p. 255). Através da imbecilidade da personagem, Flaubert abandona pelas citações o seu lugar de narrador omnisciente para regressar ao núcleo simbólico do capítulo: a multidão como lugar e acção de excitação e a ignorância do momento erótico entre Rodolphe e Emma, que o jornalista e a multidão não viram mas o leitor-voyeur conhece.

Na sua segunda cena, a multidão surge nas primeiras palavras: “A multidão detinha-se contra a parede, parqueada simetricamente entre balaustradas. No ângulo das ruas vizinhas, gigantescos cartazes repetiam em caracteres barrocos: ‘Lucie de Lammermoor…’” (p. 339). Como nos Comices Agricoles, “O tempo estava bom; tinha-se calor; o suor corria nos frisados, todos os lenços de fora esponjavam as faces vermelhas; e por vezes um vento morno, que soprava do rio, agitava molemente a borda das tendas em cotim suspensas dos estaminés.” As palavras de antes repetem-se, o ambiente é o mesmo e propicia que Emma viva outro amor.

A multidão agora acotovela-se na ópera de Rouen, e antes que de lá saiam Emma e Charles acompanhados pelo reaparecido Léon, a palavra multidão aparece quatro vezes. A própria multidão é excitante: “Um batimento de coração tomou-a logo no vestíbulo. [...Emma] sorriu involuntariamente de vaidade, vendo a multidão que se precipitava à direita pelo outro corredor, enquanto ela subia a escada das premières.” (p. 349). Do seu camarote, ela comandará a visão da multidão, tal como sucedera na festa agrícola — e o leitor com ela.

A ópera conquista Emma por completo, a música e a estória do libreto que ela conhece do romance de Walter Scott: “Ela deixava-se ir no embalo das melodias e sentia-se vibrar ela mesma em todo o seu ser como se os arcos dos violinos se passeassem pelos seus nervos.” (p. 342). A seu lado, o marido não percebe a história de Lucie e do seu amante, mas a consciência de Emma fundia-se com a música sobre aquele amor como nenhum outro que a terra conheceu (p. 343). Charles insiste em que ela lhe explique, porque “gosta de se dar conta”, mas ela manda-o calar (p. 344). Será ele quem encontra Léon e o convida para o camarote. Emma e Léon começam a falar durante o espectáculo e mandam-nos calar: a multidão, agora, perturba o encontro. A mera presença do seu primeiro amor extraconjugal (platónico) perturba Emma e a partir desse momento “já não ouve mais” a música (p. 347): “Ele estava por trás dela, apoiando-se pelo ombro no tabique; e, de vez em quando, ela sentia-se tremer sob o efeito do sopro morno das narinas dele que desciam sobre a sua cabeleira.” (p. 348). O calor é insuportável. Emma sufoca. Agora é Charles que se interessa pelo enredo mas eles estão ali a mais. Saem e vão conversar à beira-rio num café. Com a cumplicidade ingénua do marido, que nunca se dá conta, Emma e Léon marcam encontro para o dia seguinte (p. 348-351).

São estas, em resumo, as duas cenas de multidão de Madame Bovary, as duas cenas em que Emma, no calor do evento e na ignorância dos outros sobre os seus sentimentos e desejos, se entrega aos seus dois únicos amantes. Muitas vezes a literatura voltará a esta cena-padrão, seja no ambiente urbano ou burguês, seja no ambiente rural das festas religiosas que o erotismo e a violência paganizam. Esta multidão, como Flaubert deixa entender, é erotizante, é quente; no seu seio, todos são iguais, tanto no comício agrícola como no teatro enquanto espectadores; ela permite uma proximidade física despercebida; excita o olhar, o odor, o ouvido, a pele; os amantes excitam-se no anonimato que a multitude favorece. Mas, em simultâneo com o seu erotismo, a multidão é castradora, pois se proporciona a aproximação também impede a consumação do amor: primeiro, Emma e Rodolphe não passam da simbólica penetração do entrelaçar dos dedos e à noite o marido interpõe-se; não admira que Flaubert faça do fogo-de-artifício um falhanço, que não o deixe arder e que faça até cair uns pingos de chuva (p. 253); depois, a ópera que era o enlevo de Emma torna-se-lhe insuportável ao reencontro de Léon. Só longe da multidão estarão como amantes — numa cena memorável, Emma e Léon consumam a relação dentro de um fiacre de estores descidos que o cocheiro conduz durante toda a tarde por todas as ruas, praças, bulevares, cais e pontes de Rouen, “coisa tão extraordinária” que os burgueses da cidade nunca tinham visto (pp. 371-373). Só assim, longe dos olhares da multidão, mas atrevidamente no meio dela, os dois podem amar-se plenamente.

A mesma ambivalência da multidão face ao amor está presente no extraordinário soneto de Charles Baudelaire, “À une Passante”, de 1861, “A uma Traseunte” nesta tradução de Maria Gabriela Llansol (2003: 213-215):

A rua ensurdecedora em meu redor berrava. Alta, esguia, de luto carregado, dor majestosa, Uma mulher passou, com sua mão faustosa Erguendo, baloiçando o ramo e a bainha,

Ágil e nobre, com sua perna de estátua. Eu bebia, crispado como extravagante, No seu olhar, céu lívido onde nasce o furacão, A doçura que fascina e o prazer que mata.

Um raio… em seguida, a noite! Beleza fugitiva Cujo olhar me fez repentinamente renascer, Só voltarei a ver-te na eternidade?

Algures, bem longe daqui! Demasiado tarde! Nunca talvez! Eu não sei para onde fugiste, tu não sabes para onde vou, Tu que eu teria amado, tu que sabias que sim!3

Como notou Benjamin sobre este soneto, “a multidão não é em parte alguma nomeada por palavra ou frase e, no entanto, todo o evento depende dela” (1969: 168), com a rua ensurdecedora berrando e o narrador no café, voyeur, vendo a mulher que passa, como o narrador de Poe em “O homem das multidões” (1903; Baudelaire traduziu-o para francês). Este encontro de olhares, tempo de um clarão, um flash, é suficiente para fazer nascer o furacão e o prazer erótico que mata o prazer de estar na multidão.

O crepúsculo é aqui metáfora do fim do encontro, uma visão mais negativa do que o habitual anseio do momento em que chega a noite urbana. Em O Pintor da Vida Moderna, de 1863, no texto em que enaltece o pintor que idolatra a multidão, Baudelaire acentuava a interpretação subjectiva da mudança física na paisagem urbana ao crepúsculo: “É a hora estranha e duvidosa em que as cortinas do céu se fecham, em que as cidades se iluminam. O gás de iluminação imprime uma mancha sobre a púrpura do pôr-do-sol. Honesto ou desonesto, sensatos ou loucos, os homens dizem a si mesmos: ‘O dia terminou, enfim!’” (Baudelaire, 2004: 19)

Entre o dia e a noite, a multidão aproxima, a multidão separa; a multidão dá, a multidão leva. Parece haver ao mesmo tempo um “encantamento”, um “deleite do poeta urbano apaixonado — não à primeira vista, mas à última vista” (Benjamin, 1969: 169). O erotismo que se liberta dum olhar anónimo e fugidio não pode concretizar-se no amor físico. Desta forma, o erotismo do encontro transfere-se para a própria situação, para a própria multidão, ela que, porém, deixa de existir quando a troca dos olhares interessa aos que os trocam. O fim da relação é o preço a pagar pela maravilha do encontro fortuito, inesperado, efémero como a multidão. Fica no ar a promessa de novas trocas de olhares, novas passantes… Nas Confissões de um Opiómano Inglês, de 1821, que Baudelaire admirava e sobre a qual escreveu em 1860 Um Consumidor de Ópio (Baudelaire, 2001: 81-204), Thomas De Quincey vai mais longe: ele deve a vida à Ann, Ann de Oxford Street, uma prostituta da rua que numa noite fria lhe estendeu um cálice de Porto: é como se a própria multidão tivesse salvo o autor-narrador e, depois, lhe tivesse roubado a corporização dessa salvação — sem saber o apelido de Ann, ele nunca mais consegue reencontrá-la. A multidão não tem apelido: Ann “nunca me tinha dito ou então eu (por ser coisa de somenos interesse) tinha-me esquecido do sobrenome dela”. E, assim, “no labirinto de Londres, teremos estado a poucos passos um do outro, mas numa rua de Londres, essa pequena distância pode transformar-se em separação eterna” (De Quincey, 2001 [1821]: 61, 73-74).

De Quincey tinha combinado com Ann que se procurariam em determinados locais às seis da tarde, quando o dia acaba e a noite começa, numa certa rua “até então paraíso dos nossos encontros” (ibidem). No soneto de Baudelaire o fugaz encontro que não chega a ser termina com a “noite”, isto é, com a sua própria morte: o poeta leva-nos de imediato para pensamentos de eternidade. Mas, no seu primeiro romance, Flaubert não poupou a protagonista: quando se torna impossível esconder o seu passado adúltero, quando o prestamista ameaça publicitar as dívidas dele resultantes, quando a realidade mesquinha se interpõe ante os sonhos das suas leituras românticas, quando a sociedade/multidão está na iminência de finalmente saber o que Emma lhe escondeu, Emma prefere a morte atroz pelo veneno. A última aparição da multidão é no seu enterro, mas os acenos dos que assistem, não são para ela, mas para o viúvo: “As pessoas punham-se às janelas para ver passar o cortejo. Carlos, à frente, mostrava-se curvado. Punha um ar grave e saudava com um sinal os que, desaguando das portas ou das ruelas, se juntavam à multidão.” (p. 486) Pode Flaubert eximir-se de exprimir o seu ponto de vista moral, mas exprime o da sociedade.

“A Ruiva”: quando uma lumpen-proletária desliza pela multidão burguesa

Datado de 1878 e publicado em 1881, “A Ruiva” é um conto da cidade de Lisboa (1881: 118). Conto naturalista: o meio infraproletário e a hereditariedade traçam o destino da jovem Carolina. A filha do coveiro bêbado e totalmente desenraizado gosta de apalpar cadáveres e tem palpitações e excitações a cada página. Nem mesmo se pode falar de anomia, pois Carolina não tinha sociedade: “Não tinha a menor ideia do que fosse ter mãe ou ter amigas. No seu contacto com a gente, entrevira apenas o tenebroso fundo de bestialidade que referve em cada homem, comum fragor de luxúria cruel. Vivera sempre em si própria” (p. 108). Ela “crescera naquela incultura de espírito sem guia” (idem). A sua pobreza extrema e a miséria moral ocorrem na cidade mas, de algum modo à sua margem e até no seu limite urbano, no mundo dos cemitérios. A ruiva e o pai mais parecem mortos-vivos da sociedade. Ao contrário, João, o companheiro de Carolina, depois de perdido na cidade ganha um rumo mínimo de moralidade e trabalho: é marceneiro e vive segundo as regras morais do proletário — não nos são apresentadas como as melhores, mas possibilitam a integração e a ascensão social.

A Ruiva vive sozinha numa casa que não cuida nem nunca soube cuidar, o pai passa as noites nalgum jazigo. Não tarda que ela sonhe com o corpo de “lutador, de atleta” de peito “cheio e poderoso” do João marceneiro (p. 36) Também ela era atraente (p. 38). “Trivial e pequena como era, excitava assim mesmo. E ela mesma se devorava com o olhar” (p. 39). João e Carolina juntam-se e vivem um intenso amor erótico. Mas ela não sabe cuidar da casa. Ele desinteressa-se dela e namora outra, ela vai trabalhar para a fábrica de tabaco em Alcântara, fábrica também de prostitutas. Para a Ruiva desde sempre “a prostituição desenhava-se-lhe como a solução natural no problema da vida de uma rapariga pobre” (p. 41), pois “para pessoa pobre não havia outra” vida, “Que ser séria era bem bom falado, mas o resto, tudo patacoada.” (p. 40) Sempre levada por uma alcoviteira, a Ruiva prostitui-se com gosto, morre, é enterrada sem qualquer emoção pelo próprio pai. Três dias depois, tem o narrador a sua caveira limpa de cartilagens em cima da banca e termina o conto: “Este despojo inerte, rendilhado e esponjoso pelos estragos do hidrargírio, embalde interroga a meditação que me abisma, sobre as causas prováveis da grande desmoralização actual.” (p. 118)

Conto sobre a desmoralização das classes baixas, só nas últimas palavras o autor refere o tema social. Como os outros naturalistas, descreve o problema a partir do ponto de vista burguês, moraliza-o através da ficção, mas, por ser ficção, não pode apresentar soluções, pois destruiria precisamente o universo ficcional do texto. Zola defenderá isso na mesma altura: “Um experimentador não tem que concluir, pois, justamente, a experiência conclui por ele. ” A intenção teórica resulta da experiência: “como [nós os autores naturalistas] somos experimentadores sem sermos práticos, devemos contentar-nos de procurar o determinismo dos fenómenos sociais, deixando aos legisladores, aos homens da aplicação, o cuidado de tarde ou cedo dirigirem esses fenómenos, de maneira a desenvolver os bons e a reduzir os maus, do ponto de vista da utilidade humana” (Zola, 1880: 29). É por isso que a referência político-social termina o texto de “A Ruiva” abruptamente; o autor-narrador abstém-se de enunciar as causas da desmoralização “neste local estratégico do texto” (Santana, 2007: 216). É importante notar que a ficção era a forma mais eficaz de a burguesia ilustrada debater no espaço público questões político-sociais numa época em que as ciências sociais apenas arrancavam. Benjamin Disraeli, mais tarde primeiro-ministro, explicou porque escreveu as suas ideias políticas em ficção, na trilogia política Coningsby (1844), Sybil (1845) e Tancred (1847): a ficção, “na índole dos tempos, oferecia a melhor hipótese de influenciar a opinião” (Briggs, 1975: 98).

Vamos ao que mais nos interessa, as cenas de multidão neste conto brilhante. Encontramos alguns pontos comuns com a envolvência erotizante de Madame Bovary, apesar de estarmos nos antípodas da sociedade burguesa de província.

O primeiro encontro de Carolina com João decorrerá no arraial, depois da procissão. Esta forma organizada de multidão passa ao lado da narrativa, pois a religião não entra no mundo subproletário da Ruiva. Como na Bovary, passamos da tarde para a noite. “Havia arraial nessa tarde” e a procissão terminava à porta do Cemitério dos Prazeres, “à noitinha, em meio de foguetes e aromas de peixe frito, cuidadosamente consumido pela fome do povoléu curioso.” Os rostos são “vulgares e bestiais”, há “confusão” de grupos, “ruídos multíplices” no ar “e das contínuas pulsações resultantes elevava-se um ruído uniforme e indistinto, como de ebulição longínqua.” (p. 25) “O ruído crescia.” É a hora fatal do crepúsculo, a tarde e a noitinha chegam a entrar na mesma frase: “Na tarde do dia seguinte deviam encontrar-se à noitinha, quando os pássaros se amam, no mistério das ramarias”, pensava a Ruiva na véspera (p. 39). E no dia do arraial o “sol mergulhava com uma pompa escarlate, no silêncio do rio, e o poente inflamado era de uma amplidão sem balizas. Dentro do cemitério o mesmo movimento de quem ia e vinha.” Bebia-se. “E todo o mundo ria a sua pândega, a fazer arraial com grossas bobages cruas de taberna e de oficina.” (pp. 27-28)

Quando João e a Ruiva se encontram nos Prazeres, sob os auspícios da Marcelina, velha rameira e alcoviteira, desperta o desejo: “Carolina sentia um quebramento fundi-la toda, era do calor, da fadiga da tarde, talvez da contemplação do sítio” (p. 46) o cemitério. Carolina “devorava-o” e “por seu lado, o João fitava-a com fúrias de novilho que desperta” (p. 47). A mesma moleza e o mesmo desejo da Bovary. A mesma virilidade de Rodolphe. Estas mulheres são como bacantes urbanas, bacantes dos tempos modernos que se deixam enlevar pelo movimento da multidão e o ritmo da cidade, elas e eles absorvem a multidão e a cidade como “estados de desprendimento ou de transcendência psíquica” e de “incitamento eufórico desinibidor e trangressor dos constrangimentos impostos pela sociedade” como na sociedade antiga (Santos, 2005: 224-225). Não só em festas e arraiais a cidade proporciona momentos para esta efervescência. Nas suas Confissões, Thomas De Quincey (2001 [1821]: 99-103) fala do prazer em circular pelas ruas de Londres quando os pobres fazem compras ao sábado à noite, prazer que, segundo Plotz, deriva de permitir “guardar tudo o que é bom no social e evitar o seu requisito coercivo de obrigações posteriores, interacções de longo prazo” (Plotz, 2000: 80).

Quando a noite cai, todos saem do cemitério menos João e Carolina. Ele segura-a feroz, ela resiste mas não muito. A multidão dos vivos nada vê, a dos mortos não fala. Ele toma posse dela, combinam consumar o amor mais tarde, regressam ao convívio da Marcelina, vão comer para a taberna do bairro periférico. Este é o “espaço público” dos pobres, onde o novo casal se pode mostrar depois de acordar no namoro. O espaço público dos burgueses é no centro da cidade e é só para eles verem. Carolina e João passaram a encontrar-se diariamente quando ele saía do trabalho:

De ordinário vinham por S. Pedro de Alcântara, S. Roque, até ao Chiado. Àquela hora as ruas atulhavam-se de gente abafada em capotes felpudos, carruagens cheias de mulheres melancólicas; um largo ruído emergia da luz, da vida e da enorme respiração da cidade, escapando-se nos ares num tom indistinto e abafado. (p. 88)

Fialho detém-se na descrição à porta desta ou daquela loja. O público habermasiano diverte-se:

À porta da Havanesa um forte grupo enchia o asfalto; caras em sombra saíam das golas altas; de todos os lados partiam rumores de palestras que apanhadas de relance davam a diversidade mais curiosa e frisante; marialvas pálidos e bonitos, altas pernas apertadas em calças prenhes de joelheiras, chupavam cigarros em grupo, provocando as costureiras que recolhiam dos armazéns; militares secos, sonoros de esporas, uma curva de espinha, discutiam às esquinas. (idem)

Carolina e João observam, como de fora, o mundo dos outros. Ela com inveja negativa, ele com inveja positiva, desejando subir:

Dum lado e doutro a fileira de transeuntes seguia, gente de todas as castas, mulheres embuçadas em mantas, rapazes débeis e palreiros, velhos dilettanti da ópera que faziam a digestão com charutos fortes; ao trote de grandes parelhas, as famílias iam para S. Carlos, recostadas nos cochins dos coupés; e Carolina invejosa da vida que não vivia e da opulência que a deslumbrava, ia picando as cenas de comentários amargos, um vago rancor de proletária. O João murmurava de quando em quando: — Isto é o tom, isto é o tom! (pp. 88-89)

As lojas são vistas e descritas de fora, a partir das montras. Como no arraial, sente-se o ruído da cidade, mas os sons, no Chiado e no Rossio, têm outra categoria, são uma confusão afrancesada, um tohu-bohu. Não falta o sinal sonoro do símbolo do espaço público burguês: “Sentia-se apregoar o  Jornal da Noite.” (p. 89) Esta é a multidão do outro mundo, das lojas ricas (versus miséria), das fatiotas (versus trapos andrajosos e pelintras), dos cafés (versus tabernas), do espectáculo (versus arraial), multidão no meio da qual os proletários deslizam sorrateiramente como estrangeiros:

Eles atravessavam a multidão, isolados no ruído como estrangeiros. A rua nova do Carmo tinha menos gente, menos luz. (…) Sobre o Rossio caía a cúpula tenebrosa da noite, como um assombro legendário; em D. Maria, acima da arcada, pontinhos de gás escreviam espectáculo; em torno da praça rolavam os trens; soldados risonhos saracoteavam-se na penumbra entre os grupos de velhos celibatários; o Martinho estava cheio de estudantes e de literatos; e contratadores de senhas, cauteleiros e americanos em marcha faziam um ruído infernal e contínuo, o tohu-bohu das capitais exaltadas pela nevrose da noite. Eles iam seguindo vagarosamente. Fechavam as lojas. Chegavam de ordinário a casa muito tarde. A vizinhança dormia. No relógio da Estrela badalavam quartos, som lúgubre. Passavam a noite amando-se, jurando a si mesmos fidelidades eternas e amores fenomenais. (pp. 89-90)

Este amor intenso aparece aqui como consequência da passagem na multidão, ela consagra de novo a relação entre a lumpen-proletária e o proletário. Carolina e João juntam os trapos na casa dela e começam um “amor canino e desonesto” (p. 90). A casa era um nojo. Ela não limpava, não sabia lavar nem engomar camisas, nem mesmo sabia o que era um refogado. Diz-lhe ele: “Em cousas de cozinha, a modos que sei mais que tu. (…) que te ensinaram então?” (p. 93) Ela chora, reconhece que não sabe lidar da casa, fazem as pazes. Mas as coisas não ficam na mesma. João fica em casa no domingo, o único dia de passeio e descanso, a fumar à janela:

Via passar na rua grupos todos asseados, mulheres vermelhas e fortes, cheias de saúde e de alegria. E sem querer punha-se a compará-las com Carolina, tão linfática, tão desleixada e tão pouco limpa. Homens iam de charuto, fumegando com pompa, bengala, suas botas engraxadas, camisa muito branca. E ele não tivera camisa lavada, nem gosto para dar o seu giro às hortas ou ao passeio. (p. 96)

Nada resulta. Ele protesta, ele tenta, mas ela não consegue abandonar a antiga preguiça: “não lhe passava pela cabeça que cativaria o seu homem, tornando-lhe o lar alegre, limpo, fresco, fazendo luzir a boa ordem, a boa administração e o decoro nos mais simples pormenores da residência. Fora do pecado mortal, não tinha préstimo, nem imaginação, nem propósito.” (p. 98) A multidão, onde todos são iguais, proporcionou o encontro entre os dois, mas agora vêem que não são iguais. Cada um para o seu lado, compreendem que não podem viver uma vida como a que a sociedade sugere.

“Um dia o João achou-a fétida” (idem) e a relação não voltou a ser a mesma. Ele arranjou outra. A Marcelina recomendou a Carolina que fosse trabalhar para uma fábrica: “Olha, podes-te empregar na fábrica, dois tostões por dia; leva-se lunch. E muito baixo: — Para quem quer reinar, nada melhor. ” (p. 106) Carolina define as operárias como “gente sem vergonha”, mas para a Marcelina, se não houver condenação social, tolera-se: “Em se evitando falas do povo, deixa andar.” (p. 106) Carolina decide “entrar na fábrica, em Alcântara” (p. 111), mas este meio social não a ajudará a evitar o abismo moral: “À entrada da fábrica, os operários davam-lhes abraços, com grande intimidade; tratavam-se todos por tu, com uma algazarra incorrigível” e, enquanto se trabalha, contam-se “histórias pagãs de gente sem vergonha, de uma sordidez de viela. Sem grande esforço Carolina aceitou estes hábitos que se afiguravam de uma naturalidade legítima, tão sincera e tão cómoda” (p. 112). Ao mesmo tempo, a Marcelina vai-lhe ensinando a arte de ser prostituta. “Teve, a partir daqui, pelo menos, uma dúzia de amantes, amantes de uma semana, de um dia, preferidos à noite, esquecidos no dia seguinte” (p. 113). João sai da sua vida. “Desde esse dia as aventuras vieram-lhe por centenas” (p. 114). Volta ao centro da cidade, agora sem João mas com a colega operária: “À hora dos teatros, quando nas ruas da cidade baixa fervilha inquieta a multidão dos que digerem, e giram buscando par os velhos viciosos e os rapazes definhados, ela descia do seu bairro obreiro mais a Jerónima, paramentadas ambas de arrebiques pelintras” (p. 115). A multidão do centro da cidade vinga-se da Carolina que a atravessava como um voyeur e invejando-a: a multidão dos que digerem penetra-a, come-a, mata-a.

Anonimato versus identidade na multidão num conto de Florbela Espanca

Escrito em 1927, o conto “Amor de outrora”, de Florbela Espanca, utiliza com mestria a elevação da multidão anónima da cidade à condição de elemento erotizante. O conto, que resulta de uma visão e de uma escrita femininas, descreve o inesperado reencontro, 15 anos depois, de Cristina e de Manuel de Almeida, agora médico.4 O amor adolescente estava arquivado, mas não esquecido. Agora, aos 30 anos, ela tem um “lindo corpo” (pp. 118-120) e ele é “um rapaz alto e louro, muito distinto” (p. 107). Uma analepse dir-nos-á mais à frente que aos 15 anos viveram um amor intenso e profundo de juventude, povoado ao mesmo tempo de “loucas horas” e sentimentos castos (p. 111), mas não consumado (p. 120). As vidas seguiram diferentes caminhos. Ele estava casado e com um filho. Ela casara-se, divorciara-se, tudo “anos de abandono moral” (p. 114). A doença que a leva à consulta adequa-se à narrativa: são “nervos”; nenhum médico a curara até então destes “bruscos sobressaltos (…) sustos repentinos (…) grande mal-estar (…), tristeza profunda que, em certos momentos, chegava a ter um carácter de angústia” (p. 108) — tudo males de burguesa urbana que um amor verdadeiro poderá curar. É por isso que Florbela os faz reencontrarem-se no consultório dele no centro da baixa de Lisboa.

O primeiro recurso da autora à multidão urbana dá-se logo no primeiro diálogo, quando Cristina diz a Manuel, na presença da amiga que a levara ao consultório: “Julgava-o na província, casado e com bebés…” Sem responder, ele “olhou vagamente por entre os vidros, que amplos cortinados de guipure5 defendiam de vistas indiscretas, e pareceu absorver-se no espectáculo dos transeuntes, numerosos àquela hora, por aquele cair de tarde de sábado.” (p. 108) Neste período curto há diversos elementos assinaláveis: o médico, escondendo-se na multidão pelo contacto visual à distância, assimila-se ao anonimato dos transeuntes, que não tem antes nem depois e que dá refúgio aos indivíduos com segredos; as cortinas permitem ver a multidão sem se ser visto, o que, mais adiante, permitirá aos dois retomarem o amor de outrora; a cena decorre quando o dia se faz noite, hora que envolve multidão e cidade em mistério e proporciona a sugestão erótica, como já vimos e revimos. Em frente do médico, Cristina e a amiga nem dão pelo tempo a passar. “Quando, passada uma meia hora, chegaram à rua, (…) ficaram admiradas de já ser noite.” (p. 109) Agora, sim, estão no meio da cidade, no meio da multidão urbana, vibrante, anónima, excitante, misteriosa. Aqui, como em Henry James, “eleva-se a angústia do anonimato em lugar de refúgio”.6 Florbela detém-se nesta cena.

As duas amigas “olharam para o relógio quando passaram pela estação do Rossio: seis horas. Aconchegaram bem as fartas golas altas dos casacos de peles, que a noite de Novembro arrefecia já, e dirigiram-se a passos rápidos para a paragem dos Restauradores.” (p. 109)

Os três parágrafos seguintes criam a sua própria lógica: no primeiro a autora descreve o movimento urbano, no segundo subjectiva a experiência para a erotizar, no terceiro transfere essa experiência subjectivada para a protagonista. Note-se que a amiga desaparece da narrativa, como por encanto. Só a multidão e Cristina existem. Esta encontra-se, como sabemos, num estado doentio, nervoso, estando assim mais próxima de um envolvimento subjectivado com o meio ambiente. O mesmo acontecia com o narrador e protagonista de Edgar Poe em “O homem das multidões”, cuja aventura começa, também ao fim da tarde, num café junto duma das mais movimentadas ruas de Londres depois de meses de doença: “Ainda não há muito tempo, ao cair de uma tarde de Outono, estava eu sentado à janela do hotel D… em Londres. Convalescia então de uma doença de alguns meses” (Poe, 1903: 61).

A descrição de Florbela Espanca no início dos três parágrafos que nos interessam é rápida e económica, mas nada deixa de fora: gente, movimento viril, luzes, primeiras sugestões metafóricas através das luzes dos veículos e anúncios:

Naquele sítio, um dos mais concorridos da cidade, ia um vaivém constante de gente azafamada, correndo dum lado para o outro no assalto aos carros7 e aos táxis que passavam. As luzinhas vermelhas e os fulgurantes faróis dos autos constelavam a noite de rubis e diamantes. Os cartazes luminosos abriam e fechavam, como por artes mágicas, a sua irradiação de grandes flores misteriosas. (p. 109)

Depois do vaivém da gente e do abrir e fechar das luzes, juntando-se num corropio de movimentos, de pedras preciosas que fazem da noite luz e de flores desabrochando, a autora transfere esse erotismo natural da cidade (pois se desprende das coisas e da multidão independentemente da sua vontade) para as pessoas individuais, para os corpos:

A cidade, a esta hora, exala não sei que perturbadores eflúvios, que embriagam as almas e amolecem os corpos. A tarde morta levou no seu carro fúnebre, para as bandas do ocidente, a suave angústia, a saudosa melancolia das horas lilases do crepúsculo; passou a hora branca das virgens… Noite fechada, agora, o céu acende uma a uma as luzes miudinhas das estrelas, e a cidade veste o seu vestido de veludo negro, deslumbra-se e enfeita-se de vícios, diadema-se e aromatiza-se de pecadora beleza, para os que vão chegar… As imaginações esgotadas inventam ainda sabores desconhecidos de novas carícias, os nervos estorcem-se em novas sensações de bizarrias febris. Os braços das mulheres que passam traem espreguiçamentos de estranhas luxúrias; as mãos estendem-se mais cúpidas, mais exigentes, mais ágeis, na caça ao prazer momentâneo que o cansaço arrasta já; os peitos arfam de suspiros e soluços, os olhos molham-se de neblinas de sonhos, e os frutos da vida que os dedos crispados colhem são mais acres e mais saborosos às bocas famintas de beijos. (pp. 109-110)

A interpretação erótica está à flor da pele discursiva. As palavras de Le Berre a propósito do conto de von Kleist de 1810, O Terramoto no Chile (1986), aplicam-se a esta cena de “Amor de outrora”: “a multidão constitui um abrigo protector” no qual “os indivíduos fundidos num todo” não têm necessidade de assumir os seus actos, “esta força que ela comunica, esta fusão das pessoas, esta sensação de protecção, tudo isso se assemelha a Eros” (Le Berre, 2004: 118). Raramente se encontra na literatura da época como no conto de Florbela Espanca uma tão completa assimilação da cidade multitudinária à beira da noite com o desejo do encontro sexual. Ainda no plano colectivo, esta subjectivação inclui já elementos destinados a que o leitor a transfira para a protagonista: não só ele sabe que ela seguiu do Rossio para os Restauradores num contacto de pele com pele (o casaco de peles no seu pescoço), como sabe que ela vive uma excitação habitual dos seus nervos e da sua imaginação que se satisfaz anonimamente no meio da multidão e das luzes da cidade. Satisfaz, mas não totalmente. O contacto com os cheiros, com as multitudes de pessoas, de luzes urbanas e das estrelas distantes apenas acentua como foi incompleto o desejo, que termina em suspiros e soluços, sonhos húmidos, dedos crispados, bocas famintas. Este prazer momentâneo e difuso termina num cansaço, não inútil, mas por cumprir. Regressámos à Bovary.

A cena fecha-se no parágrafo seguinte com a subjectividade centrada na protagonista: “Cristina pareceu aspirar com embriaguez aquele pesado vapor de volúpia esparsa e semicerrou os olhos garços, com um lento suspiro de fadiga.” (p. 110) Logo depois entra em casa. Sossega a mãe. E só na solidão do seu “grande quarto carmesim e ouro, longe de olhares ansiosos e perguntas indiscretas” ela pode finalmente confirmar o que o leitor já sabia da cena anterior: que entrando no consultório sentira uma “intensa emoção” ao reencontrar “o seu amor, o seu primeiro, o seu único amor de verdade” e que tivera de o esconder dele e da amiga. “Agora, sozinha, na noite calada e quieta, ousava lembrar-se” (p. 110). Só adormece de manhã, “a sorrir”, depois de concluir que regressava ao amor dos quinze anos. A longa analepse termina dando razão às luzes da multidão urbana e da multidão de estrelas no céu: “E agora, quando julgara todas as luzes apagadas à sua volta, ei-las todas a arder, em brilhos de festa a deslumbrá-la!” (p. 114) Há, assim, um balanceamento surdo entre o prazer e o usufruto do anonimato na multidão e no espaço privado, como a casa ou o consultório.

Quando acaba a primeira caixa de injecções, já eles estão de novo apaixonados. E “um dia os braços enlaçaram-se, as bocas uniram-se, e foi o êxtase, o inebriamento!…” (p. 116) Protegido do mundo pelos cortinados de guipure, o casal secreto vive só para si, “tudo se esvaeceu em torno”. Ao concretizar-se sexualmente o amor, os outros deixam de interessar. Como refere Freud: “No amor mais forte, não subsiste nenhum interesse pelo mundo ambiente; os amantes bastam-se um ao outro”.8 Numa metáfora, Espanca diz-nos mesmo que eles faziam amor em cima do mundo, da multidão anónima sem rosto, sempre ela, ao romper da noite, sempre ele: “o mundo começou a ser para eles uma velha tapeçaria desbotada onde a custo se enxergavam, em esmaecidos tons de crepúsculo, as linhas de vagos rostos sem vida nem expressão.” (p. 116)

O prazer consumado substituía o prazer irreal proporcionado pela multidão urbana anónima ao cair da noite. Em consequência, a rua torna-se desnecessária e até hostil. Ainda antes de se envolver com o médico, Cristina sabe há muito o que a multidão faz quando se deixa de ser incógnito: “a vida”, o destino que fala a todos e a cada um, “lembra-se e vai procurar com afinco, vai buscar pela mão, aos seios ululantes das multidões, as almas mais perfeitas para as quebrar, as mais puras para as perverter, os diamantes de mais bela água para os sujar, para os salpicar de lama, de toda a lama que os sapatorros da canalha deixa em traços negros pelas encruzilhadas tenebrosas.” (p. 112) Bem diferente é esta multidão que reconhece os faltosos daquela em que a protagonista se deixara envolver anonimamente e embriagar com o seu “vapor de volúpia”. Cristina e Manuel podem viver um amor censurável aos olhos da sociedade protegidos pela privacidade do consultório. Mas, meses depois dos encontros no consultório e numa quinta do Lumiar, “começaram a ver-se também nas confeitarias, afoitando-se às vezes a tomarem o chá juntos, à mesma mesinha; outras vezes nas ruas, à noite, de braço dado, como dois recém-casados” (p. 117). Como o casal proletário de Fialho, trespassam um limiar que não podem. Não podem viver a relação em público. Ao menos a Bovary e o amante fecharam-se num fiacre. “Este estado de coisas, porém, não podia prolongar-se. Como o mundo não era um deserto, como a eles lhes parecia, começaram a dar nas vistas; começou-se a falar, primeiro em voz baixa, depois mais alto, até eles ouvirem os brados de indignação dos virtuosos sustentáculos da moral.” (p. 117)

Como acontece em tantas estórias de amor proibido, os protagonistas sentem-no legitimado em si mesmo e lutam contra a sociedade e esta opõe-se-lhes, como no referido conto de Von Kleist (1986). Manuel e Cristina “tiveram de se retrair, foram obrigados a ver-se menos”, o que foi para eles “uma verdadeira tortura” (p. 117). Afinal, o tal amor que vive por si… não vive. Precisa de poder partilhar-se “sob as telhas do mesmo tecto, ao calor do mesmo ninho” (p. 118) precisa, pois, de uma casa, que é como quem diz, da confluência do privado (o amor) com o público (o casamento). O amor não pode consumar-se em si sem se prolongar por “componentes puramente afectivos” (Freud, 1993: 146) e sem a concretização na sociedade. Manuel e Cristina não podem simular que são “recém-casados”. São dois indivíduos “agrilhoados aos preconceitos e às cadeias mais austeras do dever” (p. 118). Não admira que Cristina fique nervosa como a Bovary e regresse ao estado doentio anterior, quando estava desajustada da sociedade: longe do amante, “principiou a emagrecer, a definhar-se”, e ele passa de um amor carinhoso para outro desesperado, com “beijos mais rudes” e “sensualidades de animal bravio” (p. 118).

A relação está bloqueada. A Bovary, quando o seu affaire com Rodolphe já nada mais dava que “’chateza’ e a trivialidade duma ‘chama doméstica’” (Koehler, 1967: 61) — quer dizer, quando se assemelha ao próprio casamento — procura uma fuga para a frente melhorando o estatuto do seu casamento medíocre, mas falha. Florbela Espanca insiste ainda na vitória do amor romântico sobre “o mundo”: Manuel propõe-se deixar a mulher e o filho e a sua situação profissional e recomeçar noutro lugar qualquer com ela. A oposição indivíduos/sociedade é novamente muito clara, e repetida em palavras como matracas, na carta que Manuel escreve a Cristina: “Pensa, pensa bem, mas só em nós, só em nós dois, que os outros são menos que sombras, são nada, nada existem.” (p. 119) Cristina corresponde ao seu pedido e escreve numa carta de resposta apenas a palavra “sim” (p. 121). É como um casamento por procuração, por carta, incógnito mas não no seio, antes longe da multidão. Florbela Espanca dá ao casal a oportunidade de vencerem sobre a sociedade: “que importava o mundo, os seus preconceitos idiotas, as suas leis inumanas e ilógicas? O amor era mais forte que tudo, vencera tudo!” (p. 120). Assim é, de facto, mas por poucas horas. Cristina e Manuel venceram os preconceitos da sociedade, mas não o poder dos laços de sangue, que estão, afinal, socialmente legitimados no casamento. Antes de se encontrar com Manuel para saírem juntos para novo destino, ela decide passar pela quinta a ver o filho legítimo dele, por quem se afeiçoara. E descobre pela criança que o pai chorara na noite anterior junto da cama do filho (p. 123). Ela pode lutar contra a sociedade, pois esta está errada; mas não pode lutar contra os laços de família entre um pai e um filho, pois isso seria a “única má acção” da sua vida (p. 123). Desiste. Faz um barco de papel com a carta para Manuel onde escrevera “sim” e o miúdo põe-no na água até o barco se afundar: o “sim” matrimonial naufraga às mãos do fruto do laço matrimonial anterior (p. 124). Só um amor vence outro amor poderia ser a lição moral deste conto, mas Florbela Espanca conhecia as vicissitudes de enfrentar a sociedade, fosse pela sua experiência pessoal fosse por casos da sociedade, como o de Maria Adelaide Coelho da Cunha, filha e herdeira do fundador do Diário de Notícias, dada como louca em 1919 pela justiça e pelos médicos mais ilustres do país depois do escândalo do adultério e da fuga com outro Manuel, esse real, o motorista da família, num caso que alimentou a imprensa e polémica pública durante anos (Torres, 2002: 124-125).

No conto de Florbela, a sociedade é adversa, excepto quando, no anonimato, permite que os indivíduos se movimentem à vontade no meio da multidão e usufruam da volúpia da liberdade e da igualdade entre todos, sem os constrangimentos ou coacções que a mesma sociedade lhes impõe. Os indivíduos podem querer amor, mas a sociedade não quer amor, quer casamento. Voltemos a Freud, quando duas pessoas se apaixonam, fazem uma afirmação “contra o instinto da horda, do sentimento do grupo”, ou da multidão, de que é sinónimo. “Quanto mais apaixonados, mais completamente se bastam um ao outro. A sua rejeição da influência do grupo exprime-se na forma de um sentimento de vergonha” (Freud, 1993: 174). Para Freud, o amor é uma “força subversiva que contraria o movimento civilizador”, escreve Le Berre (2004: 116). O amor, como a multidão, é intenso, efémero e à margem da institucionalidade social.

 

Referências bibliográficas

Almeida, Fialho de (1881), “A Ruiva”, Contos, Porto e Braga, Livr. Chardron.

Baudelaire, Charles (2001), Um Consumidor de Ópio. Os Paraísos Artificiais, Lisboa, Guimarães Editores, 2.ª ed., pp. 81-204.        [ Links ]

Baudelaire, Charles (2003), As Flores do Mal, Lisboa, Relógio d’Água.

Baudelaire, Charles (2004), O Pintor da Vida Moderna, Lisboa, Vega, 3.ª ed.

Benjamin, Walter (1969), “On some motifs”, em Baudelaire, Illuminations, Nova Iorque, Schocken Books.

Botelho, Abel (1901), Amanhã, Porto, Livraria Chardron.

Briggs, Asa (1975), Victorian Cities, Londres, Penguin Books.

De Quincey, Thomas (2001 [1821]), Confissões de um Opiómano Inglês, Lisboa, Contexto Editora, 2.ª ed.

Espanca, Florbela (1985 [1931]), “Amor de outrora”, Contos, Lisboa, Publicações Dom Quixote, pp. 107-124.

Esteve, Mary (2007), The Aesthetics and Politics of the Crowd in American Literature, Nova York, Cambridge University Press.

Flaubert, Gustave (1999), Madame Bovary, Paris, Le Livre de Poche.

Freud, Sigmund (1993), Group Psychology and the Analysis of the Ego: Complete Works, vol. 12, organização de  Albert Dikson, Londres, Penguin, pp. 95-178.

Giddens, Anthony (1989), Sociology, Cambridge, Polity Press.

Koehler, Erich (1967), “Les possibilités de l’interprétation sociologique illustrées par l’analyse de textes littéraires français de différentes époques”, AA.VV., Littérature et Société: Problèmes de Méthodologie en Sociologie de la Littérature, Bruxelas, Université Libre de Bruxelles, Éditions de l’Institut de Sociologie, pp. 47-63.

Le Berre, Aline (2004), “La foule dans Le Trememblement de Terre du Chili de Kleis entre Éros et Thanatos”, em Jean-Marie Paul (org.), La Foule: Mythes et Figures. De la Révolution à Aujourd’hui, Rennes, Presses Universitaires de Rennes, pp. 115-132.

Plotz, John (2000), The Crowd: British Literature and Public Politics, Berkeley/Los Angeles, University of California Press.

Poe, Edgar (1903), “O homem das multidões”, em Novelas Extraordinaárias, Rio de Janeiro e Paris, H. Garnier, Livreiro-editor.

Santana, Maria Helena (2007), Literatura e Ciência na Ficção do Século XIX: A Narrativa Naturalista e Pós-Naturalista Portuguesa, Lisboa, IN-CM

Santos, João Soares (2005), “Do inebriamento sagrado ao simulacro teatral”, Finisterra, Lisboa, 55/56/57, pp. 221-256.

Torres, Eduardo Cintra (2002), O Século do Povo Português, 1910-1926: I República — A Sociedade, Alfragide, Ediclube.

Von Kleist, Heinrich (1986), A Marquesa de O… / O Terramoto no Chile, Lisboa, Antígona.

Zola, Émile (1880), Le Roman Expérimental, Paris, G. Charpentier, Ed., 2.ª ed.

Zola, Émile (1978), Germinal, prefácio de André Wurmser, organização de Henri Mitterand, Paris, Gallimard.

 

1 J. W. von Goethe, Italienische Reise, http://www.gutenberg.org/etext/2404, visto em 19. 02. 2008.

2 Parece uma oportunidade para ele mostrar o bem que maneja os lugares-comuns dos outros, ele que dizia “o lugar-comum só é manejado pelos imbecis ou pelos maiores” (segundo prefácio, Flaubert, 1999: 35).

3 Além desta tradução, Llansol fez “outra versão”, livre, do soneto, que valoriza a sua dimensão imagética, descritivo-fragmentária, fotográfica, submetida a montagem como a cena dos Comices Agricoles de Flaubert. As partes significativas do soneto são precedidas pelas frases “No slide um”, “No slide dois”, “no slide três”, “No último slide”. Tal não é suficiente, porém, para salientar a descrição iconófila concentrada da poesia, pelo que Llansol acrescenta: “detalhe importante”, e depois “Outro detalhe”. A solidez desta renovação poética do soneto fica plenamente justificada quando“Umraio…emseguida, a noite!” se transforma na segunda versãoem “Apenas flashs / E uma câmara escura onde cismar” (Baudelaire, 2003: 215).

4 Ele tem apelido, ela não,como a Ann das Confessions de De Quincey ou os proletários de“A Ruiva”.

5 Guipura, do francês guipure: renda muito fina.

6 Richard Salmon (1997), Henry James and the Culture of Publicity, Cambridge, Cambridge University Press, p. 146, segundo Esteve (2007: 79).

7 Refere-se aos carros eléctricos.

8 Sigmund Freud (1983), Malaise dans la Civilisation, Paris, PUF: p. 60, segundo Le Berre (2004: 116). Ver também Freud, 1993: “Juntando-se duas pessoas com o propósito da satisfação sexual, dado que buscam a solidão, estão a manifestar-se contra o instinto da horda, o sentimento de grupo. Quanto mais apaixonadas, mais completamente se bastam uma à outra” (p. 174).

 

*Jornalista, crítico, autor. E-mail: ect@netcabo.pt.

Creative Commons License Todo el contenido de esta revista, excepto dónde está identificado, está bajo una Licencia Creative Commons