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Sociologia, Problemas e Práticas

versión impresa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  n.43 Oeiras sep. 2003

 

FAMÍLIAS NO CENSO 2001

Estruturas domésticas em Portugal

Karin Wall *

 

É difícil pensar na família, e nos movimentos de transformação que a atravessam, sem entender as formas de organização da vida familiar. Perceber quem são as pessoas que vivem debaixo do mesmo tecto e quais são os principais tipos de grupo doméstico constitui, como sabemos, uma velha interrogação da história e da sociologia da família. É verdade que, uma vez reconhecida a predominância da família nuclear tanto no passado como no presente, a questão das estruturas domésticas perdeu terreno e cedeu o lugar à caracterização do novo modelo de família. Afectos e diversidade das interacções conjugais, mudanças profundas nos papéis de género e no lugar da criança, processos complexos de recomposição familiar, são estes os temas privilegiados da sociologia da família contemporânea.1

Relegada para segundo plano, a questão das estruturas domésticas não deixou, no entanto, de constituir um campo importante de observação das mudanças na vida familiar. As mutações demográficas ao longo das últimas décadas contribuíram, sem dúvida, para suscitar um interesse renovado nesta questão. O envelhecimento da população (estrutura etária), o aumento do divórcio e da coabitação e a descida da fecundidade chamaram a atenção para a emergência de novas configurações domésticas. Observa-se assim, em todos os países europeus, o aumento das pessoas sós, das famílias monoparentais e das famílias recompostas, a par da diminuição das famílias de casais com ou sem filhos.

No caso de Portugal, o interesse da sociologia da família em procurar estabelecer as linhas de evolução das estruturas familiares assenta em vários motivos. Trata-se também, tal como nos outros países europeus, de tentar perceber o peso relativo de uma vida doméstica a só, em casal (coabitante ou casado de direito), em monoparentalidade ou em família complexa. Mas o desafio principal é o de chamar a atenção para o facto de o processo de mudança da família em Portugal revelar tempos mais tardios e características específicas. O panorama português distingue-se nomeadamente, entre os anos 70 e os anos 90, por uma taxa de nupcialidade mais elevada, por uma taxa mais baixa de nascimentos fora do casamento, indiciando níveis baixos de coabitação, e por uma taxa de divórcio modesta, comparada com as da Europa do norte. O impacte destas tendências demográficas nas estruturas domésticas, medido através de uma comparação entre as estruturas familiares no censo de 1960 e no censo de 1991, revelou-se fraco, sendo possível observar, em 1991, um padrão de configurações domésticas pouco modificado e ainda caracterizado por proporções baixas de pessoas sós e de famílias monoparentais e proporções elevadas de casais (casados) com filhos e de famílias complexas (Almeida e outros, 1998).2 Considerámos, assim, que a especificidade das estruturas familiares portuguesas, no contexto europeu, se definia no início dos anos 90 por uma maior aproximação à instituição familiar nas suas facetas formal e familialista.

Não nos podemos esquecer, no entanto, que as estruturas domésticas evoluem de forma particularmente lenta e que a leitura da mudança só é possível ao longo de várias décadas. Os dados do censo de 2001 representam, por isso, um desafio importante. Por um lado, permitem comparar de forma sistemática as estruturas domésticas em 1960, 1991 e em 2001; por outro lado, ajudam-nos a perceber melhor o impacte, nas formas familiares, de algumas tendências que se destacam de forma mais nítida na década de 1990 (aumento do divórcio e dos nascimentos fora do casamento, melhoria das condições de vida).

A análise que se segue privilegia duas linhas principais de interrogação. A primeira diz respeito à evolução das estruturas domésticas ao longo da última década, procurando-se perceber, através deste olhar sobre as dinâmicas de mudança, a relação entre as transformações recentes da vida familiar na sociedade portuguesa e as estruturas de co-residência. As tendências actuais são bem conhecidas: mutações nos papéis femininos e masculinos, novos valores familiares, taxas mais elevadas de divórcio e de recasamento, subida dos valores da coabitação, descida da fecundidade e aumento da esperança de vida, maior autonomia dos indivíduos e dos casais em relação aos laços de parentesco. O que se quer verificar é se estas transformações estão a alterar a estrutura da família: reduzindo a sua dimensão e complexidade, estimulando novas formas de viver em casal, fazendo crescer formas de família anteriormente menos frequentes (famílias monoparentais, famílias recompostas) ou, ainda, aumentando o número de indivíduos que, ao longo do percurso de vida, vivem sozinhos.

A segunda linha de interrogação centra-se na questão da diversidade. Procura-se retratar a variação regional das estruturas domésticas e também caracterizar, do ponto de vista demográfico e social, o perfil dos diferentes tipos de agregado doméstico.

Com vista a facilitar a apresentação dos perfis, organizou-se o dossier da seguinte forma: o primeiro artigo traça uma visão de conjunto das estruturas domésticas e da sua evolução, seguindo-se quatro artigos que apresentam, numa análise mais aprofundada, a evolução e as características de diferentes tipos de agregado doméstico: pessoas sós, famílias monoparentais, casais com e sem filhos e famílias complexas. No fim, uma síntese procura retratar os cenários diferenciados de mudança das estruturas domésticas em Portugal.

Importa ainda referir que este trabalho constitui uma análise exploratória dos dados do Censo 2001. Ao procurar fazer um levantamento sistemático das estruturas domésticas, encontrou problemas de tratamento e de comparabilidade que, em análises futuras, convirá continuar a esclarecer com rigor. Consideramos, assim, que este dossier representa apenas um primeiro passo e que será necessário desenvolver estudos que analisem, com mais dados e em profundidade, as estruturas domésticas em Portugal no início do século XXI.

 

 

1 Os resultados analisados neste dossier foram apresentados numa versão preliminar no seminário Censos 2001: Resultados Definitivos, organizado pelo INE em Dezembro de 2002. Agradeço ao INE, e em especial ao dr. Fernando Casimiro e à drª Maria José Carrilho, o convite que me dirigiram para participar neste seminário e coordenar o painel sobre a família. Os dados referentes ao censo de 2001 são os disponibilizados pelo INE na internet em Outubro de 2002, aos quais se juntaram alguns cruzamentos adicionais fornecidos pelo departamento de estatísticas censitárias e da população do INE. Quanto aos dados referentes ao Censo de 1991, fazem parte de uma base de dados do projecto Famílias no Portugal Contemporâneo (CIES/ICS) que inclui uma série de cruzamentos estatísticos não publicados fornecidos pelo INE em 1998. Podem existir algumas ligeiras discrepâncias (que são da responsabilidade do INE) entre os números aqui apresentados e os existentes nas publicações do INE. São contudo diferenças mínimas que não afectam a leitura e a interpretação de dados que aqui apresentamos.

2 Almeida, A. N., M. D. Guerreiro, C. Lobo, A. Torres, e K. Wall (1998), "Relações familiares: mudança e diversidade", em J. M. Leite Viegas e A. Firmino da Costa (orgs.), Portugal, que Modernidade?, Oeiras, Celta Editora, pp. 45-78.        [ Links ]

 

* Karin Wall. Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

E-mail: karin.wall@ics.ul.pt

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