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Sociologia, Problemas e Práticas

versión impresa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  n.40 Oeiras sep. 2002

 

ESTUDAR AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS

Stephen Castles*


Resumo As mudanças globais e a crescente importância dos fluxos e das redes transnacionais em todas as áreas da vida social criam novos desafios às ciências sociais. No entanto, os pressupostos fundamentais destas ciências estão ligados às suas origens, que radicam em modelos ocidentais de industrialização e de formação do estado-nação. Ainda subsistem especificidades nacionais consideráveis na organização, nas abordagens teóricas e metodológicas, nos problemas estudados e nos resultados. Em contrapartida o estudo das transformações sociais pode ser entendido como a análise das articulações transnacionais e da forma como estas afectam as sociedades nacionais, as comunidades locais e os indivíduos. As novas abordagens passaram a contemplar a pesquisa científica dos processos transnacionais; a análise, através de metodologias participativas, das dimensões locais da mudança; e a construção de redes de investigação internacionais e interdisciplinares.

Palavras-chave Desenvolvimento, globalização, transnacionalização, transformação social.

 

Abstract Global change and the increasing importance of transformational flows and networks in all areas of social life creates new challenges for the social sciences. However, their underlying assumptions are linked to their origins in western models of industrialization and nation-state formation. There still subsist considerable national specificity in modes of organization, theoretical and methodological approaches, research questions and findings. In contrast, social transformation studies can be understood as the analysis of transnational connectedness and the way this affects national societies, local communities and individuals. New research approaches include a focus on transnational processes; analysis of local dimensions of change using participatory methods; and the construction of international and interdisciplinary networks.

Keywords Development, globalisations, transnationalism, social transformation.


Résumé Les changements globaux et l’importance croissante des flux et des réseaux transnationaux dans tous les domaines de la vie sociale lancent de nouveaux défis aux sciences sociales. Cependant, les présupposés fondamentaux de ces sciences sont liés à leurs origines, qui reposent sur des modèles occidentaux d’industrialisation et de formation de l’État-Nation. Des spécificités nationales considérables subsistent encore dans l’organisation, dans les approches théoriques et méthodologiques, dans les problèmes étudiés et dans les résultats. En revanche, l’étude des transformations sociales peut être comprise comme l’analyse des articulations transnationales et de la manière dont celles-ci influencent les sociétés nationales, les communautés locales et les individus. Les nouvelles approches comportent désormais la recherche scientifique des processus transnationaux; l’analyse, par le biais de méthodologies participatives, des dimensions locales du changement; et la construction de réseaux de recherche internationaux et interdisciplinaires.

Mots-clé Développement, mondialisation, transnationalisation, changements sociaux.

 

Resúmene Los cambios globales y la creciente importancia de los flujos y de las redes transnacionales en todas las áreas de la vida social, crean nuevos desafíos a las ciencias sociales. Sin embargo, los presupuestos fundamentales de estas ciencias están ligados a sus orígenes, que se basan en los modelos occidentales de industrialización y de formación del estado-nación. Aún sobreviven particularidades nacionales considerables en la organización de las tomas de contacto teóricas y metodológicas, en los problemas estudiados y en los resultados. En contrapartida el estudio de las transformaciones sociales, se puede entender como un análisis de las articulaciones transnacionales y de la forma como estas afectan a las sociedades nacionales, a las comunidades locales y a los individuos. Las nuevas investigaciones tienen en cuenta la búsqueda científica de los procesos transnacionales; el análisis, mediante métodos participativos, de las dimensiones locales del cambio; y en la construcción de redes de investigación internacionales e interdisciplinarias.

Palabras-clave Desenvolvimiento, globalización, transnacionalización, transformaciones sociales.

 

Introdução

O último quartel do século XX foi um período de rápido crescimento das ligações e dos fluxos transnacionais que afectam todas as esferas da vida humana: economia, política, ambiente, cultura, sociedade e mesmo as relações interpessoais. Estes processos globais deram origem a importantes transformações sociais em todo o mundo, fazendo com que velhas dicotomias económicas e culturais, como “moderno e tradicional”, “altamente desenvolvido e menos desenvolvido”, “Oriente e Ocidente”, “o Sul e o Norte”, perdessem saliência. Tornou-se cada vez mais difícil agir localmente sem pensar globalmente (como diz o slogan), enquanto o nível de análise nacional foi perdendo parte da sua proeminência como enquadramento para a compreensão da sociedade.1

Os cientistas sociais que se lançaram no estudo destas mudanças importantes depressa se viram confrontados com os limites das teorias e das metodologias existentes. Disciplinas centrais, como a economia ou a sociologia, assentavam (muitas vezes tacitamente) em assunções culturais e modelos de desenvolvimento derivados da experiência ocidental do capitalismo e da industrialização. A evolução do conhecimento das ciências sociais assentara, em grande medida, nos princípios requeridos para a construção e integração do estado-nação ocidental, como forma organizacional por excelência para a expansão e a hegemonia globais. Assim se compreende a ênfase colocada, não só, na compreensão da sociedade industrial emergente, mas também no estudo das sociedades colonizadas, de modo a controlar classes e povos perigosos (ver Connel e Connel, 1997).

Para além disto, apesar do intercâmbio internacional entre cientistas sociais, existiu (e existe ainda) uma considerável especificidade nacional nos modos de organização, nas abordagens teóricas e metodológicas, nos problemas estudados e nos resultados das ciências sociais. No seio de cada país existem escolas ou paradigmas concorrentes; no entanto, radicam em enquadramentos intelectuais distintos, com fortes raízes históricas e de uma durabilidade surpreendente. Estes quadros de referência foram muitas vezes exportados para áreas de influência política e cultural, através de uma espécie de neocolonização intelectual. Entre as determinantes da especificidade nacional encontram-se: as tradições religiosas, filosóficas e ideológicas; o papel desempenhado pelos intelectuais na construção da cultura e da identidade nacionais, que foi variando ao longo da história; as relações entre estados e “classes políticas”; o papel das ciências sociais no desenho de políticas sociais; e os modos de interacção do aparelho do estado com as universidades e outras instituições de investigação.

Não é este o local apropriado para desenvolver matérias do âmbito da sociologia do conhecimento. Mas as transformações globais e a crescente importância dos processos transnacionais requerem das ciências sociais novas abordagens, que não decorrem automaticamente dos paradigmas existentes, visto que estes assentam frequentemente em enquadramentos institucionais e conceptuais que podem revelar-se resistentes à mudança, e cujos protagonistas podem ter fortes interesses na preservação do status quo intelectual. Se a teoria social clássica teve os seus fundamentos na sociedade nacional-industrial emergente do século XIX e do início do século XX, a renovação da teoria social deveria tomar como ponto de partida as transformações globais que ocorrem no dealbar do século XXI. À medida que as ligações transnacionais penetram em todas as esferas da vida em sociedade, as fronteiras nacionais tornam-se cada vez mais porosas e as autonomias locais perdem importância. As comunidades e as regiões tornam-se mais interligadas e mutuamente dependentes. Assim como abater uma floresta num lugar produz consequências que afectam o ambiente global, é provável que transformações sociais, económicas, culturais e políticas num país específico afectem as pessoas vivendo noutros pontos do globo. O estudo das transformações sociais pode assim ser entendido como a análise das articulações transnacionais e da forma como estas afectam as sociedades nacionais, as comunidades locais e os indivíduos.

É este, em termos genéricos, o pensamento em que assenta o programa Management of Social Transformation (MOST) da UNESCO. O programa MOST tem vindo a patrocinar redes internacionais que visam desenvolver novos temas, métodos e teorias, através de práticas de investigação assentes na formação de equipas. O desenvolvimento de um enquadramento teórico global está ainda a dar os primeiros passos. Este artigo pretende ser uma contribuição para este debate, através da discussão de algumas ideias básicas dos estudos da transformação social.2 Como é evidente, esta tarefa não é específica da UNESCO, tendo começado a surgir nos últimos anos uma bibliografia rica e inovadora sobre a globalização e as transformações sociais. Refira-se também que os agentes envolvidos no trabalho de terreno, provenientes de organizações bastante diversas, tanto governamentais como não governamentais, têm vindo a desenvolver e a utilizar os princípios do estudo da transformação social. Temos entre mãos um campo complexo e em rápida mudança.


Transformação social e desenvolvimento

O termo transformação social não envolve qualquer novidade intrínseca. Normalmente, implica uma noção subjacente sobre o modo como a sociedade e a cultura se transformam em resposta a factores como o crescimento económico, a guerra, ou convulsões políticas. Podemos ter em mente a “grande transformação” das sociedades ocidentais (Polanyi, 1944), provocada pela industrialização e pela modernização, ou alterações mais recentes associadas à descolonização, à formação do estado-nação e a mudanças económicas. Considero que é útil definir o estudo da transformação social de um novo modo, mais específico, enquanto enquadramento analítico interdisciplinar para a compreensão das articulações globais e dos seus efeitos regionais, nacionais e locais. O estudo da transformação social tem assim de ser conceptualizado em contraste com a noção de desenvolvimento (ou de estudo do desenvolvimento).


Modernidade, progresso e desenvolvimento

A noção de desenvolvimento implica frequentemente uma crença teleológica na progressão para um objectivo pré-definido: normalmente o tipo de economia e de sociedade que encontramos nos países ocidentais “altamente desenvolvidos”. A noção de transformação social, pelo contrário, não supõe qualquer resultado pré-determinado, nem tão-pouco que se trate de um processo essencialmente positivo. A transformação social pode ser vista como a antítese da globalização, num sentido dialéctico em que é parte integrante da globalização e, simultaneamente, como um processo que mina as suas ideologias nucleares. Hoje em dia, as teorias neoliberais dominantes sobre a globalização irradiam um carácter autocelebratório. Em contrapartida, focalizar as convulsões sociais, que inevitavelmente acompanham a globalização económica, pode conduzir a leituras mais críticas. A dualidade de leituras tornou-se evidente, em termos práticos, durante a crise económica e financeira asiática de 1997-99, quando os governos e as organizações internacionais tomaram consciência, subitamente, das contradições sociais dos mercados mundiais não regulados. O prolongamento da lógica dialéctica teria, evidentemente, requerido um esforço no sentido de procurar a síntese, ou uma solução para as actuais contradições — que as novas noções de desenvolvimento sustentado e de desenvolvimento humano (ver abaixo) talvez permitam surpreender.

Considera-se normalmente que a era moderna teve origem com a “descoberta” europeia do “novo mundo” no século XV. As filosofias do iluminismo do século XVIII forneceram explicações e legitimações intelectuais da modernidade. A ideia de desenvolvimento é o estádio mais recente da noção iluminista de progresso humano enquanto processo contínuo de expansão interna e externa assente em valores de racionalidade, secularização e eficiência. A expansão interna refere-se ao crescimento económico, à industrialização, a melhorias na administração, a governos fundados na competência e no consentimento popular e não no direito divino — resumindo, ao desenvolvimento do estado-nação capitalista moderno. A expansão externa refere-se, por sua vez, à colonização europeia do resto do mundo, com a consequente difusão dos valores, das instituições e das tecnologias ocidentais. A modernidade estribou-se no poderio militar e económico, que lhe permitiu eliminar todas as alternativas, e no poder ideológico, para reclamar o direito a uma missão civilizadora universal. No entanto, o facto de o seu princípio central — a expansão contínua — se ter tornado inviável torna evidente que estamos a chegar ao fim da modernidade:

  • não existem novos territórios para colonizar ou para integrar na economia mundial;
  • a actividade humana tem actualmente consequências ambientais globais;
  • as armas de destruição maciça ameaçam provocar a destruição global;
  • a economia e os sistemas de comunicações estão organizados a um nível global;
  • a reflexividade global está a desenvolver-se: um crescente número de pessoas (particularmente aqueles que habitam em cidades globais e com profissões post-industriais) tem como referencial das suas crenças e acções o globo — não a comunidade local ou o estado-nação (Albrow, 1996);
  • as novas formas de resistência de grupos que recusam a universalidade dos valores ocidentais têm vindo a tornar-se cada vez mais significativas (Castells, 1997).

O resultado é uma crise social e política que afecta todas as regiões e a maioria dos países do mundo, ainda que de diferentes modos. O princípio do crescimento quantitativo (baseado, por exemplo, num indicador como o PIB per capita) tem de ser substituído pelo princípio do crescimento qualitativo (ou seja, ambiente sustentável e vivências mais ricas). Esta situação também contribuiu para a crise da teoria do desenvolvimento.


O estudo do desenvolvimento e a guerra fria

A noção de desenvolvimento surgiu depois de 1945 no contexto da descolonização, da competição entre sistemas capitalista e comunista, e da emergência do bloco de nações não alinhadas — o terceiro mundo. O primeiro mundo proporcionava um modelo de desenvolvimento assente numa interpretação da sua própria experiência. A economia do desenvolvimento do período do imediato após-guerra, apoiada nos trabalhos de Rosenstein-Rodan, Nurske, Kuznets Clark, Lewis e outros, recomendava crescimento económico assente no investimento estatal, na urbanização, na abundância de mão-de-obra barata e na iniciativa privada (Baeck, 1993). A arquitectura das instituições económicas e políticas das nações emergentes deveria visar a integração numa economia mundial dominada pelas grandes empresas ocidentais. A estrutura institucional internacional foi estabelecida através dos acordos de Bretton Woods e da criação de organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. O segundo mundo oferecia um modelo alternativo, assente na experiência soviética dos planos quinquenais: uma economia dirigida pelo estado, que extraía as mais-valias agrícolas para financiar a rápida acumulação de capital e a industrialização. Agindo em nome do “povo”, o estado seria a força dominante do crescimento económico, que levaria por sua vez à emergência de uma nova classe trabalhadora livre de lealdades locais e tribais — um modelo atractivo para as novas elites das nações emergentes.

Para o modelo ocidental, o importante era identificar os agentes do crescimento económico. Neste ponto, a sociologia do desenvolvimento e particularmente a teoria da modernização forneceram uma resposta crucial. Por exemplo, os cinco estádios de crescimento de Rostow, que culminavam no arranque económico, assentavam numa ética de trabalho e de poupança, associada a uma economia de laissez-faire e a mercados livres. O subtítulo da obra de Rostow era “um manifesto anticomunista” (Baeck, 1993; Rostow, 1960). Para a teoria da modernização, “o desenvolvimento era uma questão de instilar as orientações — valores e normas — ‘certas’” junto das culturas do mundo não ocidental, de modo a permitir que essas populações viessem a participar nas modernas instituições económicas e políticas, criadoras de riqueza, do Ocidente desenvolvido (Portes, 1997: 230). A teoria da modernização previa que essas orientações levariam a alterações no comportamento demográfico (o declínio da fertilidade), na cultura política (a emergência da democracia) e nos padrões sociais (desigualdade reduzida através da disseminação da nova riqueza criada). Já na década de 60, contudo, estas expectativas tinham-se revelado largamente ilusórias. O crescimento económico em África, na Ásia e na América Latina era lento, a desigualdade entre países aumentou e o fosso entre países pobres e ricos aprofundou-se.

Em resposta às críticas à teoria da modernização, surgiu a escola da dependência, inicialmente na América Latina, através dos trabalhos de Cardoso, Frank, Baran e outros. A teoria da dependência baseava-se na economia política marxista e considerava que o subdesenvolvimento era um processo deliberadamente urdido pelo capitalismo ocidental para perpetuar a exploração das economias do terceiro mundo. As estruturas neocoloniais dos mercados mundiais bloqueavam o desenvolvimento e só podiam ser contrariadas através de estratégias de substituição de importações, com vista a aumentar a autonomia económica e política nacional (Baeck, 1993: capítulo 3; Portes, 1997). No entanto, a teoria da dependência também se deparou com algumas dificuldades em meados da década de 70. Os países da América Latina que tinham enveredado pela via da substituição de importações não tinham tido muito sucesso, ao passo que a rápida industrialização inicial de algumas áreas do terceiro mundo, orientadas para a exportação, particularmente o Brasil e o Extremo Oriente, puseram em causa a previsão da dependência contínua.

Nas décadas de 80 e de 90 a teoria económica neoclássica tornou-se dominante. Nesta abordagem do desenvolvimento são sublinhados aspectos como a confiança nos mecanismos de mercado e a redução do papel do estado nas economias em desenvolvimento. Na abordagem mais radical, o papel do estado deveria estar limitado às funções de garantir infra-estruturas (como estradas e equipamentos educativos) e de assegurar a ordem (no sentido de prevenir a agitação popular e de garantir a regulação financeira); a regulação da actividade económica deveria ser deixada inteiramente aos mercados. A receita neoclássica para o desenvolvimento parecia, com demasiada frequência, ser pensada para tornar o mundo seguro para investidores e empresas globais, proibindo ao mesmo tempo as políticas que protegiam os trabalhadores, os agricultores ou os consumidores do vento frio da racionalidade económica. Para além disso, o valor da teoria neoclássica do desenvolvimento foi muitas vezes questionado pelo seu individualismo metodológico, que tendia a negligenciar o papel dos factores sociais e culturais na mudança económica.

A teoria dos sistemas-mundo forneceu um modelo alternativo: autores como Amin (1974) e Wallerstein (1984) argumentaram que o conceito de desenvolvimento nacional era irrelevante. A questão central seria o desenvolvimento da própria economia mundial através de crescentes fluxos de trocas, de investimento, de trabalho, etc. No seio desta economia global, alguns países ou grupos podiam ganhar ascendência através do poderio económico, político ou militar. Os países menos desenvolvidos não conseguiriam alcançar a autonomia (tal como era sugerido pela teoria da dependência); pelo contrário, pois viam-se obrigados a inserirem-se nas cadeias da economia global para evitar a marginalização. Esta abordagem antecipava claramente as actuais teorias da globalização (ver abaixo). Mas, ao privilegiar o enfoque nas tendências gerais ao nível global, a sua utilidade enquanto quadro para a compreensão da resistência local ou das políticas nacionais desenhadas para contrariar os efeitos negativos da globalização ficou limitada (Portes, 1997).


A crise da teoria do desenvolvimento

A noção de desenvolvimento tornou-se problemática a partir do fim da década de 80, devido a importantes transformações económicas, geopolíticas, tecnológicas e culturais:

  • as tendências para a globalização económica e cultural aceleraram largamente, devido à revolução das tecnologias da informação. A estrutura e os mecanismos de controlo dos mercados mundiais alteraram-se rapidamente. Os novos meios de comunicação permitiram uma difusão cada vez mais rápida de valores culturais assentes numa sociedade de consumo americana idealizada. Um salto na tecnologia militar veio desequilibrar as relações de poder a nível mundial em favor dos Estados Unidos e dos seus aliados;
  • a globalização e a reestruturação industrial levaram um largo número de pessoas à marginalização, à pobreza e à exclusão social, tanto nos antigos países industriais como no resto do mundo, minando a suposta dicotomia entre economias desenvolvidas e subdesenvolvidas;
  • o fim da guerra fria, o colapso da União Soviética e a mudança parcial para uma economia de mercado na China foram o prenúncio do fim do segundo mundo e do sistema global bipolar. O capitalismo vitorioso surgia como modelo económico incontestado;
  • a emergência dos “tigres asiáticos” e as tendências para a industrialização em algumas partes da América Latina e do Próximo Oriente contribuíram para desacreditar a ideia de um mundo dualista. Paralelamente, o “milagre asiático” e os discursos sobre os méritos da cultura asiática permitiram questionar a supremacia do paradigma de desenvolvimento ocidental.

Todas estas transformações fragilizaram a autonomia dos estados-nações e a sua capacidade para controlar as suas economias, as suas políticas sociais e as suas culturas. As noções-chave das teorias do desenvolvimento, como “desenvolvido”, “sub-desenvolvido”, “modernização”, “dependência”, tornaram-se problemáticas. O conceito de terceiro mundo tornou-se inviável, em virtude da diferenciação económica e política no seio de áreas anteriormente menos desenvolvidas. Para além disto, na ausência de um segundo mundo, o terceiro mundo perdeu o seu significado político — nomeadamente a ideia de que as nações não alinhadas em vias de desenvolvimento podiam colocar os mundos capitalista e comunista a competir um contra o outro, ficando elas próprias de fora. O novo conceito de fosso norte-sul surgiu como resposta. No entanto, esta noção sofre também de alguma falta de precisão, visto que alguns países do sul alcançaram um crescimento económico substancial, e as ligações Sul-Sul na economia, na política e na cultura, são cada vez mais significativas. Para além do facto de as vastas e crescentes disparidades no seio do próprio Sul (as divisões de classe, a separação rural-urbano, a desigualdade sexual, as diferenças étnicas e religiosas) tornarem qualquer noção totalizante contraproducente.


O estudo das transformações sociais

A crítica das teorias do desenvolvimento revelou-se o contexto apropriado para a emergência dos estudos da transformação social enquanto novo enquadramento analítico, assente nos seguintes pressupostos:

1) As transformações sociais afectam todos os tipos de sociedade, tanto em regiões desenvolvidas como em regiões menos desenvolvidas, no contexto da globalização, da regionalização e da emergência de diversas formas de governação supranacional.

2) A globalização tem dado origem a novas formas de diferenciação social, ao nível internacional como à escala nacional. A polarização entre ricos e pobres, e a exclusão social são problemas que afectam a maioria dos países, bem como as relações entre eles.

3) Os principais objectivos do desenvolvimento não podem mais ser definidos em termos de crescimento económico e de modernização à luz do modelo ocidental. O crescimento desigual e a polarização social podem na realidade aumentar as desvantagens e a marginalização de grupos significativos. Considerando a existência de diferentes culturas e de diferentes valores de grupo, torna-se impossível definir um objectivo universalmente aceite para o processo de mudança.

4) Estudar as transformações sociais significa examinar os diferentes modos como a globalização interfere ao nível de comunidades locais e de sociedades nacionais com experiências históricas, padrões económicos e sociais, instituições políticas e culturas altamente diversificados.

5) As transformações sociais podem produzir consequências positivas e negativas para as comunidades locais e para os estados-nações. Mais: alguns países e grupos podem ficar para trás ou ser excluídos. A resposta dos grupos afectados pode não resultar na adaptação à globalização mas antes na resistência, que pode envolver a mobilização de recursos culturais e sociais tradicionais. Mas pode assumir, também, novas formas de “globalização de baixo para cima”3 através de organizações transnacionais da sociedade civil.

Utilizar o conceito de transformação social como ferramenta analítica não significa abandonar o objectivo do desenvolvimento; significa antes o afastamento em relação às ideias simplistas de outrora, que apresentavam o crescimento económico como a chave para tudo, uma vez que a sua dispersão daria automaticamente origem à melhoria dos padrões de vida para todos. É importante conceptualizar os estudos das transformações sociais como um campo de investigação que poderá e deverá levar à formulação de receitas positivas para a acção social e política, de modo a auxiliar as comunidades a melhorar os seus meios de subsistência e a lidar com as consequências das transformações globais. Os investigadores deste campo devem procurar influenciar as estratégias de instituições poderosas como os governos, as empresas transnacionais e as organizações internacionais.

As críticas radicais aos modelos de desenvolvimento economicistas têm tido uma forte influência no pensamento contemporâneo dominante. Este facto está bem patente na adopção generalizada do princípio de desenvolvimento sustentável, segundo o qual o aumento do rendimento per capita é apenas um entre muitos objectivos. Entre os restantes incluem-se a melhoria das condições de saúde e das oportunidades educativas, a possibilidade, aberta a todos, de participação na vida pública, a garantia de uma administração eficiente e honesta, a salvaguarda do ambiente e a equidade intergeracional (o que significa que as actuais gerações não devem esgotar os recursos em detrimento de futuras gerações) (Banco Mundial, 1999: 13). O conceito de desenvolvimento humano introduzido em 1990 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) é ainda mais lato: “O desenvolvimento humano é o processo que permite alargar as oportunidades de escolha dos indivíduos — não apenas as escolhas entre diferentes detergentes, canais de televisão ou modelos de automóveis, mas as escolhas que são criadas pela expansão das capacidades e possibilidades humanas — o que as pessoas fazem e podem fazer das suas vidas” (Paul Streeten em PNUD, 1999: 16). Nesta definição cabe uma grande variedade de aspirações, desde a água potável até às condições de trabalho seguras, aos direitos humanos e à liberdade de expressão cultural e religiosa.

Em nenhum outro local esta mudança de pensamento é tão evidente como no Banco Mundial, que no passado colocava uma ênfase unilateral no crescimento económico e nos projectos de grande envergadura: “Nas décadas de 50 e de 60 as grandes barragens eram praticamente sinónimos de desenvolvimento” (Banco Mundial, 1999: 18). Na década de 80, muitos foram os que passaram a ver o Banco Mundial, juntamente com o FMI, como os polícias globais do capital, intervindo em nome da liberdade do mercado e da desregulação onde quer que os estados procurassem manter a autonomia económica ou a equidade social. Esta ortodoxia foi sintetizada no “consenso de Washington”, com os seus princípios económicos neoclássicos de liberalização, estabilização e privatização (Stiglitz, 1998).4 Segundo Stiglitz, o problema destas abordagens era que “consideravam o desenvolvimento como um problema técnico que requeria soluções técnicas… Não procuravam conhecer em profundidade a sociedade, nem acreditavam que esse tipo de abordagem participativa fosse necessária”. Procuraram impor leis económicas supostamente universais, ignorando as lições da história. Mais importante é o facto de esta abordagem desenvolvimentista, muitas vezes, não ter funcionado no sentido esperado — muitos dos países que seguiram os ditames do consenso de Washington (com grandes custos humanos) não alcançaram o crescimento económico. A solução proposta por Stiglitz radica na adopção de um conceito de desenvolvimento muito mais abrangente, enquanto transformação da totalidade da sociedade.

Trata-se da descolagem de uma abordagem centrada no crescimento económico, prestando maior atenção ao desenvolvimento social. O que significa igualmente complementar as abordagens estruturadas de cima para baixo, o trabalho feito em colaboração com governos e poderosas instituições, com métodos mais participativos (da base para o topo),5 desenhados para descobrir e incluir as necessidades e os interesses de uma larga variedade de grupos sociais. Stiglitz sublinha a importância de conceitos como “participação”, “capital social”, “inclusão” e “propriedade”, e de facto esta nova retórica ocupa agora um lugar de destaque nos documentos do Banco Mundial.6 Mas terá mesmo havido uma revolução de mentalidades? O Quadro para o Desenvolvimento Integrado,7 elaborado pelo Banco Mundial, é um plano para “uma abordagem holista do desenvolvimento”, tendo por principal objectivo a “diminuição da pobreza” (Banco Mundial, 1999: 21). A introdução de métodos de avaliação social desde meados da década de 90, com vista a determinar os efeitos dos projectos sobre as comunidades afectadas, marca também uma alteração significativa. O Banco Mundial acabou por se retirar do projecto da barragem do Sardar Sarovar, no rio indiano Narmada, em 1993, em virtude das reservas que os danos ambientais e os deslocamentos maciços de populações suscitavam. Continua porém a apoiar o projecto da barragem das Três Gargantas na China, que supõe a deslocação de um número ainda maior de pessoas (Roy, 1999). A ênfase na redução da pobreza e no desenvolvimento social desempenhou um papel importante na resposta à crise asiática. Isto não impediu, no entanto, que o Banco Mundial e o FMI tenham imposto à Indonésia a adopção de políticas que na realidade podem ter potenciado a desestruturação económica e a pobreza. Não é pois absolutamente claro até que ponto o novo pensamento se infiltrou, penetrando até aos níveis chave da tomada de decisões das agências de financiamento multilaterais e dos governos dadores.


As transformações sociais e a globalização

As transformações sociais e a globalização estão, de um modo muito claro, intimamente associadas. No nível mais geral, a globalização refere-se ao processo de mudança que afecta todas as regiões do mundo, numa variedade de dimensões que vão desde a economia, à tecnologia, à política, aos meios de comunicação, à cultura e ao ambiente. Atente-se na seguinte definição mais precisa de globalização:

Um processo (ou conjunto de processos) que incorpora transformações na organização espacial das relações e das transacções sociais — consideradas em termos da sua extensão, da sua intensidade, da sua velocidade e do seu impacto —, gerando fluxos transcontinentais ou inter-regionais e redes de actividade, interacção e o exercício do poder (Held e outros, 1999: 16).

Esta definição permite a operacionalização e a pesquisa empírica, na medida em que os fluxos e as redes podem ser cartografados, medidos e analisados. No entanto, o entendimento e a avaliação do que é a globalização variam muito. Held e os seus colaboradores sugerem que as diferentes abordagens podem ser divididas grosseiramente em três categorias genéricas, a que se refere como os hiperglobalizadores, os cépticos e os transformacionistas.8

Os hiperglobalizadores acreditam que a globalização representa uma nova época na história humana, em que todos os tipos de relações estão a ser integrados num nível global, transcendendo o estado-nação e tornando-o progressivamente irrelevante. Entre os hiperglobalizadores incluem-se tanto aqueles que celebram estas tendências, como os que delas fazem avaliações críticas. Os hiperglobalizadores que fazem a apologia da globalização são sobretudo partidários neoliberais dos mercados livres e globais, que vêem no funcionamento dos mesmos a garantia de um crescimento económico ideal e a via para, a longo prazo, se alcançarem melhores níveis de vida para todos (por exemplo, Ohmae, 1991 e 1995). Os hiperglobalizadores críticos sublinham o carácter revolucionário de tendências como o rápido crescimento dos meios de comunicação social globais e da mobilidade global, argumentando, contudo, que estas beneficiam apenas uma pequena elite. A globalização é o mecanismo de domínio dos investidores internacionais e das grandes empresas transnacionais, que deixaram de poder ser controlados por estados-nações cada vez mais enfraquecidos. Os sindicatos e os sistemas de previdência estão a entrar em colapso, o desemprego e a exclusão social avançam, enquanto o crescimento descontrolado conduz a um estado de degradação ambiental que ameaça a vida no planeta. A globalização pode levar assim à fragmentação social, à incerteza cultural, ao conflito e à violência. Como possível solução sugere-se reinvestir de poder os estados-nações democráticos e, simultaneamente, fortalecer a cooperação europeia, de modo a criar um contrapeso ao modelo americano do mercado livre (ver também Beck, 1997; Martin e Schumann, 1997; Schnapper, 1994). Robert Reich, responsável pela pasta do trabalho na primeira administração Clinton, lançou um apelo semelhante no sentido da ressurreição da economia nacional (Reich, 1991).

Os cépticos centram-se sobretudo nos aspectos económicos da globalização. Reconhecem os intensos fluxos transfronteiriços de comércio, investimento e mão-de-obra, mas sustentam que não se trata de nada de novo: a integração económica internacional no período que precedeu a I grande guerra era equiparável aos níveis actuais. Para além disto, fazem notar que a maior parte do comércio mundial (80% ou mais) se efectua entre as economias altamente desenvolvidas, de modo que os países menos desenvolvidos não participaram de modo significativo nos processos de integração económica. Preferem assim o termo de “internacionalização” ao termo de globalização (Hirst e Thompson, 1996). Os cépticos defendem que o papel do estado-nação se mantém tão forte como dantes. Esta asserção aplica-se sobretudo aos Estados Unidos, ao Japão e à Europa ocidental, que se encontram hoje no centro dos três blocos económicos dominantes (Weiss, 1997). A “regionalização” é vista como uma alternativa à globalização, permitindo aos estados-nações manter a sua posição de predomínio no sistema mundial. Os cépticos desconsideram a ideia de que as viagens e a difusão através dos meios de comunicação globais estão a dar origem a uma cultura global ou mesmo a uma civilização global, antes continuando a ver hierarquia e fragmentação.

Os transformacionistas consideram a globalização como o resultado de processos, estreitamente interligados, de mudanças na tecnologia, na actividade económica, na governança,9 na comunicação e na cultura. Os fluxos transfronteiriços (de comércio, de investimento, de imigrantes, de artefactos culturais, de factores ambientais, etc.) alcançaram níveis sem precedentes e integram actualmente quase todos os países num sistema global, dando origem a importantes transformações sociais a todos os níveis. No entanto, estas tendências não levam, necessariamente, a uma convergência global ou à emergência de uma “sociedade mundial”. Pelo contrário, a globalização cria novas formas de estratificação global em que certos indivíduos, comunidades, países ou regiões se vêem integrados em redes globais de poder e de prosperidade, enquanto outros são excluídos e marginalizados. Os transformacionistas defendem que estas novas divisões são transversais às antigas clivagens entre Leste e Oeste e Norte e Sul. A globalização não pode, contudo, ser equiparada a uma redução geral do poder dos estados. Pelo contrário, na medida em que a relação entre território e soberania é abalada pela globalização, novas formas de governança emergem aos níveis nacional, regional e global, onde o poder militar e económico dos estados dominantes tem ainda um papel decisivo. É evidente que as teorias transformacionistas da globalização estão muito próximas da abordagem das transformações sociais discutida no presente artigo. Excluindo o trabalho de Held e dos seus colegas (1999), a explanação mais completa das teses transformacionistas encontra-se na obra em três volumes de Castells (1996, 1997 e 1998).

As análises da globalização e das transformações sociais têm vindo a sublinhar os efeitos diferenciais que se registam nas diversas regiões do mundo (Castells, 1996: 106-48).

  • Os países altamente desenvolvidos da América do norte, da Europa ocidental e o Japão, que estão a passar por uma crise das indústrias metalúrgicas e a assistir ao declínio dos sistemas estatais de previdência10 e ao aumento da polarização social.
  • Os “tigres asiáticos” e a próxima vaga de tigres que estavam a alcançar rapidamente o estatuto de países altamente industrializados, quando o crescimento foi interrompido pela crise asiática, em 1997. As economias petrolíferas do Médio Oriente são, por vezes, incluídas nesta categoria.
  • A restante Ásia, incluindo os gigantes Índia e China que, apesar das suas áreas de rápida industrialização e da emergência de classes médias, possui ainda economias que são, de um modo geral, atrasadas e com baixos níveis de rendimento, o que faz dela uma verdadeira reserva de mão-de-obra para as economias em rápido crescimento.
  • A América Latina, caracterizada pela sua experiência desequilibrada de crescimento intermitente, pela dependência económica e pelos conflitos políticos.
  • A África, que se encontra, em larga medida, excluída da economia global. Neste caso, o falhanço do desenvolvimento económico e da formação de estados-nações levou ao declínio de rendimentos, a condições sociais terríveis, a conflitos endémicos, e produziu vastos fluxos de refugiados.
  • Os chamados “países em transição” (o antigo bloco soviético), confrontados com problemas de reestruturação das suas economias e instituições, de modo a adaptarem-se ao mundo capitalista.

Estas diferenças tornam claro que o estudo das transformações sociais precisa de ter em conta, não só, os aspectos gerais da globalização, mas também os factores específicos que produzem efeitos e reacções variados aos níveis regional, nacional e local. De facto, os processos de mediação entre os factores globais e os factores regionais, nacionais e locais são, pode-se dizer, o tema central no estudo das transformações sociais. Para além disto, estes processos são multidireccionais: os factores regionais, nacionais e locais participam na reconfiguração dos factores globais. Entre estes factores incluem-se, não só, as diversas estruturas económicas e políticas, mas também as experiências históricas específicas, os valores filosóficos e religiosos, os padrões culturais e as relações sociais.


O estudo dos processos transaccionais

Historicamente, as sociedades delimitadas por um estado-nação específico têm sido as principais unidades de observação das ciências sociais. As sociedades nacionais são, normalmente, a matriz de referência das fontes de dados, do material contextual e das populações sobre as quais incide a investigação empírica. Paralelamente, as recomendações em matéria de políticas públicas que emanam da investigação têm sido destinadas aos governos nacionais. Existe, evidentemente, uma longa tradição de estudos comparativos que remonta aos primeiros sociólogos, como Durkheim. No entanto, a sua principal preocupação consistia, sobretudo, em construir tipologias e em identificar especificidades nacionais (ver Ghorra-Gobin, 2000). Se o estudo das transformações sociais incide sobre os processos de articulação global e sobre a forma como estes interligam determinadas comunidades e sociedades nacionais numa sociedade global incipiente, então, novas abordagens, novos temas e novas hipóteses de investigação serão necessários. A identificação e a compreensão dos processos transnacionais deverão constituir preocupações centrais. Mas é igualmente importante analisar os seus efeitos aos níveis regional, nacional e subnacional, bem como as formas como as diversas comunidades e grupos os vivem e reagem a eles. O estudo das transformações sociais não deve, para além disso, ser um exercício de análise do topo para a base, em que os investigadores do primeiro mundo estudam os problemas das sociedades supostamente menos desenvolvidas, devendo antes assentar em redes internacionais que associem investigadores, ONG e políticos na tarefa comum de compreender e de lidar com os processos de mudança.

As redes e os fluxos transfronteiriços, que constituem a face visível da globalização, dificilmente podem ser compreendidos a não ser enquanto fenómenos transnacionais. Os fluxos referem-se aos movimentos de realidades tangíveis, como o capital, as mercadorias, os artefactos culturais, os migrantes e os refugiados. Esses fluxos incluem ainda realidades intangíveis, como os valores, as imagens veiculadas pelos meios de comunicação, as ideias científicas e a governança. As redes dizem respeito aos enquadramentos em que assentam a comunicação, a regulação e a gestão das interligações: empresas transnacionais, organizações intergovernamentais, enquadramentos legais, organizações não governamentais internacionais, associações criminosas transnacionais, entre outros.11 Castells (1996) defende que a rede é a forma organizativa específica da sociedade global em emergência, substituindo formas anteriores de organização hierárquica das instituições económicas e políticas. Numa veia semelhante, Ohmae (1991) sustenta que as empresas transnacionais bem sucedidas são aquelas que abandonaram uma mentalidade nacional, ou uma mentalidade de “quartel-general”, e que criaram uma organização descentralizada, integrada a partir de um conjunto de valores culturais. A cultura desempenha um papel central na compreensão das redes transnacionais. Por exemplo, o sucesso de organizações criminosas transnacionais como a máfia ou as tríades radica frequentemente na utilização de uma cultura étnica de modo a assegurar a lealdade e o sigilo (Castells 1998: capítulo 3).

No entanto, e não obstante o mérito evidente de estudar estas redes e estes fluxos como processos transnacionais, esta não é a abordagem dominante, nem é fácil pô-la em prática. Por exemplo, a investigação sobre os processos migratórios internacionais assenta ainda, em grande medida, em enquadramentos e dados nacionais. Em países emissores, como a Itália ou as Filipinas, os estudos têm incidido na emigração e nos seus efeitos sobre a economia e a sociedade. Em países receptores como os Estados Unidos ou a Malásia, a investigação tem-se preocupado com temas como a oferta de mão-de-obra, os processos de adaptação,12 a assimilação, as relações comunitárias e a ordem pública. O surgimento de enquadramentos de pesquisa transnacionais, tais como a teoria dos sistemas migratórios ou os estudos sobre comunidades transnacionais, deu-se apenas na década de 70 e, apesar de essas abordagens se terem disseminado no fim da década de 90, estão ainda longe de ocupar uma posição dominante.

Uma das razões para a persistência de enquadramentos de investigação nacionais é o facto de os dados serem ainda geralmente recolhidos por autoridades nacionais para efeitos administrativos e de desenho de políticas públicas. As definições e os métodos de recolha nacionais variam frequentemente, inviabilizando o uso dos dados em comparações internacionais, podendo levar a compartimentar processos transnacionais. Este facto é particularmente problemático em antigos países coloniais, onde as fronteiras nacionais herdadas do período colonial se sobrepõem, muitas vezes, a regiões geográficas, económicas e étnicas. As agências internacionais têm feito esforços consideráveis para alcançar maiores níveis de comparabilidade. Por exemplo, o Sistema de Observação Permanente das Migrações13 da OCDE (1998) demorou 20 anos a alcançar um nível aceitável de compatibilidade entre as estatísticas nacionais dos países industrializados. A disponibilidade de dados apropriados para a investigação de outros processos transnacionais e, em particular, no que se refere a países menos desenvolvidos, encontra-se muito mais atrasada. De um modo revelador, o Relatório do Desenvolvimento Humano (PNUD, 1999) incide sobre a globalização, mas apresenta os dados e os rankings por país.14

No entanto, a investigação transnacional não deve estar restringida a fenómenos que transcendem claramente as fronteiras. No contexto da globalização, diversos assuntos que parecem dizer respeito a uma sociedade nacional específica não podem ser devidamente compreendidos sem uma análise das suas dimensões transnacionais. Desde a Cimeira Mundial para o Desenvolvimento Humano, das Nações Unidas, em 1995, que a erradicação da pobreza se tornou num objectivo central das agências internacionais. A pobreza, contudo, é geralmente medida e analisada enquanto fenómeno de nível nacional e as estratégias para a sua redução são desenvolvidas para países específicos (McDowell, 1999). Ora, uma perspectiva de investigação transnacional revela que muita da pobreza no mundo actual é atribuível (pelo menos em parte) a processos transfronteiriços. Por exemplo, alterações nos métodos de produção agrícola no âmbito da “revolução verde” podem levar ao desemprego, à escassez de terras,15 ao aumento das desigualdades e à migração dos campos para as cidades. No entanto, a revolução verde não pode ser dissociada da ciência e da tecnologia internacionais, dos interesses de empresas farmacêuticas e de produção agrícola transnacionais, e de intervenções bem intencionadas das agências internacionais de auxílio. É evidente que aqui entram também em jogo factores nacionais e locais, mas não podem ser compreendidos separadamente dos factores transnacionais.

Muitos outros exemplos poderiam ser referidos. Conflitos violentos e estados que falharam, que geram fluxos de refugiados, são muitas vezes atribuíveis aos interesses económicos e políticos de países ricos e de grandes empresas transnacionais. Os conflitos étnicos e religiosos mergulham, frequentemente, as suas raízes em iniciativas visando o reforço (ou a construção) de identidades tradicionais, face a alterações culturais ameaçadoras ligadas aos meios de comunicação globais ou à disseminação dos valores ocidentais. O trabalho sujeito a condições de exploração abusiva e o trabalho infantil podem ser o resultado da deslocação da produção e da subcontratação por parte de empresas de grande dimensão. As catástrofes ambientais podem resultar da desflorestação levada a cabo com vista a libertar novas áreas de plantio ou a fornecer madeira para exportação.

Do mesmo modo, as crises económicas nacionais ou regionais podem estar associadas a factores geopolíticos e económicos globais, como é possível verificar através de uma análise das causas da crise asiática de 1997/1999. Depois de 1945, a descolonização, a guerra fria e a luta entre as superpotências pelo controlo político na região encorajaram o início do desenvolvimento económico do Japão e dos tigres asiáticos [Berger e Borer (orgs.), 1997]. No início da década de 90, as elevadas taxas de crescimento e os lucros fáceis que a região possibilitava revelaram-se um forte atractivo para o investimento de países ocidentais. À medida que as novas tecnologias da informação aceleravam os fluxos de capitais em mercados financeiros que nunca fechavam, grande parte deste investimento assumiu a forma de empréstimos especulativos a curto prazo. Numa situação de euforia económica ninguém se preocupou com a ausência de organismos reguladores adequados. Com a trituração do crédito em 1997, a crise asiática surgiu como ameaça à economia global e como a vingança do modelo económico ocidental. As “virtudes asiáticas”, até então muito apreciadas, foram subitamente reinterpretadas como nepotismo, corrupção, clientelismo e falta de uma sã regulação financeira. Os economistas ocidentais apelaram à liberalização dos mercados e a uma estrita disciplina financeira (Godement, 1999). No entanto, outros observadores afirmaram que a crise tinha sido causada, principalmente, por factores globais, particularmente pelos enormes fluxos de crédito a curto prazo bombeados na região por bancos e fundos de investimento ocidentais. Quando subitamente esse crédito foi retirado, mal começaram a surgir dificuldades de liquidez na Tailândia, a confiança dos investidores foi abalada, o que levou a uma espiral descendente, que foi agravada, por sua vez, pela política deflacionária de empréstimos do FMI (Bezanson e Griffith-Jones, 1999). A crise aspirou consigo muitos dos ganhos conseguidos nos 30 anos anteriores, no que respeita ao crescimento económico e à diminuição da pobreza.

A ideia central é que a maioria das formas de transformação social se encontra, hoje em dia, ligada de modo complexo a forças globalizadoras e a processos transnacionais. A investigação que se confina a enquadramentos nacionais e que ignora as interligações transfronteiriças só dificilmente revelará o cenário completo. Mais importante ainda é o facto de essa investigação provavelmente não fornecer estratégias adequadas para lidar com as transformações sociais. Isto não implica que a dimensão nacional deva ser negligenciada. Os estados-nações continuam a ser importantes e continuarão a ser até onde arriscamos a prever o futuro. São eles o contexto das políticas relacionadas com a ordem pública, as infra-estruturas económicas, os sistemas de segurança social, os serviços de saúde, etc. Os estados-nações conservam ainda uma relevância política considerável e desempenham funções simbólicas e culturais importantes. Mas a autonomia dos governos nacionais em todas estas frentes tem vindo a ser erodida e já não é possível abstrairmo-nos dos factores transnacionais na tomada de decisões e no planeamento.

Compreender o local: a investigação participante

Os fluxos e as redes que constituem a globalização assumem formas específicas em diferentes níveis espaciais: o regional, o nacional e o local. Não devem, pois, ser compreendidos como opostos entre si (por exemplo, a regionalização como possível contrapeso da globalização), mas antes como elementos de relações complexas e dinâmicas, em que as forças globais exercem impactos diversos em função de diferentes factores estruturais e culturais e das respostas nos restantes níveis (ver Held e outros, 1999: 14-16). No entanto, para a maioria das pessoas, é privilegiadamente ao nível local que as transformações sociais se fazem sentir: as alterações nos sistemas de produção e de distribuição, as relações sociais e as práticas culturais que transformam as condições na comunidade local, que constitui o centro da vida quotidiana. Isto também é válido para as situações onde as transformações sociais forçam as pessoas a abandonar as suas comunidades e a deslocarem-se para outros locais: por exemplo, quando se verificam mudanças nas práticas agrícolas ou nos regimes de propriedade, ou na sequência do desenvolvimento de um projecto (como uma barragem, um aeroporto ou uma fábrica), que implicam a deslocação física das pessoas. A necessidade de migrar é vivida como uma crise nas condições económicas e sociais da comunidade de origem, ao passo que a instalação no novo contexto16 é sentida como um esforço para construir uma nova vida numa outra comunidade.

O estudo das transformações sociais deve assim dar um peso equivalente ao local e ao global, não esquecendo de entremeio os níveis nacional e regional. No entanto, compreender a experiência local das transformações sociais requer, por vezes, abordagens específicas. É vital compreender que os métodos não são neutros: a escolha dos métodos de pesquisa assenta em enquadramentos conceptuais e objectivos específicos, e pode levar a resultados diversos. Pode-se diferenciar entre abordagens com uma orientação voluntarista (do topo para a base) e outras com uma orientação participativa (da base para cima).17 Estas podem ser, por sua vez, ligadas a diferentes ideias acerca do processo de desenvolvimento.

Se o desenvolvimento for compreendido, sobretudo, como um processo de modernização, de industrialização e de crescimento económico (ver secção 2 acima), então, os seus agentes podem ser especialistas de países desenvolvidos, frequentemente envolvidos em trabalho de equipa com especialistas locais que receberam a sua formação em países desenvolvidos e que partilham implicitamente os mesmos valores culturais. A investigação centrar-se-á em factores técnicos e económicos, e os seus instrumentos preferidos serão a informação científica, os indicadores económicos e os dados estatísticos. As metodologias com uma orientação voluntarista (de cima para baixo) ignoram muitas vezes a situação social e as necessidades dos grupos locais, particularmente dos pobres e das mulheres, que têm pouco acesso ao poder político. Estes grupos podem sair prejudicados e marginalizados dos projectos de desenvolvimento e assim desenvolver resistências contra eles. As populações locais e as suas organizações passam então a ser vistas como obstáculos ao progresso, com quem se deverá lidar quer através de medidas de ordem pública, quer por via de estratégias educativas desenhadas para promover a disponibilidade para aceitar a mudança.

Os métodos de investigação social que dão corpo à abordagem voluntarista incluem a utilização de estatísticas sociais oficiais, pequenos estudos efectuados por cientistas sociais que aí se deslocam para o efeito e metodologias de sondagem apoiadas no lançamento de questionários com questões de escolha múltipla. No entanto, os dados estatísticos são por vezes pouco fiáveis, podendo reflectir enviesamentos dos sistemas de recolha de dados. Os investigadores sociais, durante as suas curtas visitas aos locais, tendem a apoiar-se em informação fornecida por indivíduos que estão em posições de poder (particularmente homens), e podem não aperceber-se dos problemas, das necessidades e dos desejos de outros grupos. Os questionários formais estruturam as respostas e restringem oportunidades para captar novas informações ou visões divergentes. Estes métodos contribuem pouco para a análise dos processos de mudança, ou para inseri-los no contexto de experiências históricas ou de práticas culturais. Este tipo de investigação sobre o desenvolvimento levou a uma longa série de erros de compreensão e a estratégias de desenvolvimento mal sucedidas. Mais preocupante: alguns “interesses disfarçados e certas predisposições profissionais podem contribuir para sustentar crenças empedernidas muito depois de repetidamente se terem revelado erradas” (Chambers, 1997, 21).

Estas abordagens voluntaristas das transformações sociais tendem a centrar-se sobre a realidade de instituições poderosas e de grupos privilegiados, tanto a um nível global como à escala local, e podem revelar-se cegas perante as diferentes realidades de grupos desmunidos de poder. A nova perspectiva de desenvolvimento, focalizando a sustentabilidade e a redução da pobreza, requer abordagens de investigação que sejam sensíveis às necessidades, aos interesses e aos valores de todos os grupos envolvidos em processos de mudança. Estes métodos, conhecidos genericamente como abordagens participantes, surgiram como críticas radicais das teorias do desenvolvimento herdadas da década de 70, e começaram a ganhar uma aceitação generalizada no fim da década de 80.

Uma vez mais, insistimos que os métodos de investigação estão ligados a pressupostos sociais e políticos. Por exemplo, os squatters (pessoas que constroem barracas ilegalmente em terrenos urbanos desaproveitados) são muitas vezes vistos como obstáculos a uma urbanização organizada. No entanto, a realidade é que um grande número de pessoas (muitas vezes a maioria da população da cidade) não tem acesso aos mercados da habitação legais, nem a infra-estruturas como a água, o saneamento e a electricidade. A favela, o geçecondo ou o bairro de lata (muitas vezes construídos durante a noite de modo a evitar a intervenção policial), constituem uma forma activa de planeamento, de organização e de construção, levada a cabo por milhões de pessoas em cidades de países menos desenvolvidos. No entanto, ela não é vista com bons olhos pelos governos, que não consideram os squatters como cidadãos com necessidades e direito legítimo de aceder a determinados serviços. A solução oficial recorre, muitas vezes, à demolição dos bairros de lata e ao despejo das “populações clandestinas”. Uma abordagem alternativa é o reconhecimento dos squatters como cidadãos que tomam medidas activas para melhorar as suas próprias vidas (Hardoy e Satterthwaite, 1989). Trabalhar com eles, de modo a desenvolver comunidades e infra-estruturas, pode ser uma forma de política urbana eficaz.18

Nos últimos anos desenvolveu-se toda uma gama de métodos de investigação participativa, começando pela abordagem da avaliação rural rápida (ARR),19 na década de 70, passando pelas técnicas conhecidas como avaliação rural participada (ARP),20 no fim da década de 80 e na década de 90. As origens intelectuais destas abordagens assentam no trabalho de Paulo Freire no Brasil, na década de 60, e no seu princípio de “conscientização”, que combinava a aprendizagem social com a investigação-acção. A sua ideia-chave era que os pobres tinham capacidade para analisar a sua própria situação e para encontrar estratégias para a mudança (Freire, 1970). As técnicas ARR assentam no princípio de que a análise do desenvolvimento é um processo de aprendizagem colectiva onde se incluem os investigadores e todos os diferentes grupos sociais envolvidos em cada situação particular. As partes interessadas incluem os grupos locais afectados por um projecto (particularmente aqueles que muitas vezes não têm voz activa, como os pobres, as minorias étnicas e as mulheres), bem como funcionários do governo, empresas e ONG. É impossível descrever as abordagens participativas neste artigo. O World Bank Participation Sourcebook (Banco Mundial, 1996) fornece descrições detalhadas dos vários métodos e exemplos de usos práticos. Chambers sintetiza esta abordagem da seguinte maneira:

A abordagem ARR tendeu a enfatizar a utilização de fontes secundárias, a observação e a interacção verbal. As entrevistas semiestruturadas e os focus groups eram privilegiados… A abordagem ARP, por sua vez, distinguiu-se especialmente pelo recurso a representações visuais partilhadas e pela análise feita pelas populações locais, de cartografias ou construção de modelos feitos no terreno ou no papel; arrolamento, sequenciamento e sorteio de cartões; estimativas, comparações, pontuações e classificações com sementes, pedras, paus ou formas; diagramas de Venn, diagramas de associações; e apresentações de grupo ou da comunidade para exame e validação… A lista apresentada não é exaustiva (Chambers, 1997: 116).

A ideia subjacente é que as estratégias de mudança baseadas numa análise participativa dos problemas levarão a estratégias de desenvolvimento sustentável assentes em sentimentos de “posse” da parte dos diversos grupos com interesses em jogo. Esta abordagem pode servir de base a uma mudança de atitudes e ao desenvolvimento de novas estruturas institucionais. As técnicas ARP surgiram no contexto do trabalho de desenvolvimento local levado a cabo por agências de auxílio e ONG, mas proporcionam também importantes contribuições para os investigadores das transformações sociais em contextos urbanos e rurais, tanto em países menos desenvolvidos como em países desenvolvidos. O princípio da análise social como um processo de aprendizagem mútua que envolve investigadores e as partes interessadas é genericamente aplicável, e dá acesso a instrumentos valiosos para a compreensão das dimensões locais dos processos globais e para a análise do modo como os factores sociais e culturais locais medeiam os efeitos das forças globalizadoras. A aceitação dos princípios da investigação participante implica a necessidade de repensar as técnicas em diversas formas de investigação social. Por exemplo, a investigação sobre problemas urbanos em países desenvolvidos, muitas vezes, não conseguiu produzir resultados úteis por causa das abordagens voluntaristas das administrações. Os métodos participativos que dão voz aos grupos destituídos de poder encontrarão com maior probabilidade as causas reais dos problemas sociais e as soluções viáveis para os mesmos.21

É necessária cautela, contudo, visto que os métodos participativos não podem, por eles próprios, resolver conflitos de interesse profundos, em matérias como a propriedade da terra, o uso e a protecção de recursos, ou as questões salariais e as condições de trabalho. Nem podem fornecer uma compreensão completa das instituições e das estruturas das sociedades nacionais e de como estas são afectadas por processos transnacionais. Para contribuir efectivamente para a compreensão e para os modos de lidar com a mudança, o estudo das transformações sociais precisa de combinar métodos mais estruturados (do topo para a base), como as grandes operações de inquérito, a análise estatística, a econometria e os estudos de políticas públicas, com as análises mais abertas (da base para o topo) da investigação participante.


A investigação em rede

Se a rede é um princípio organizador chave da sociedade global em emergência (Castells, 1996), deve também ser então o princípio básico da organização da investigação sobre a globalização e as transformações sociais. As redes internacionais de investigadores podem auxiliar a ultrapassar as heranças nacionalista e colonialista das ciências sociais. A investigação antropológica dos “povos primitivos” que se fazia no início assentava em ideias explícitas de superioridade da “raça branca” e da cultura europeia. Esta investigação estava, por vezes, associada a estratégias oficiais de controlo dos povos colonizados. Também os estudos mais recentes sobre o desenvolvimento enraizavam-se frequentemente na ideia de superioridade do Ocidente e na necessidade de exportar os valores ocidentais para o mundo menos desenvolvido.22 A investigação em rede implica uma nova abordagem, em que os investigadores em diversos países, tanto ocidentais como não ocidentais, se associam enquanto parceiros em igualdade de circunstâncias no processo de pesquisa. Em vez de continuarem a ser os cientistas sociais do primeiro mundo a conduzir estudos sobre os outros povos, a investigação tornar-se-ia assim num processo de colaboração entre iguais. Os investigadores de cada país poderiam aplicar o seu conhecimento das estruturas sociais e das práticas culturais locais, ao passo que os valores e os métodos ocidentais deixariam de ser o termo de referência, tornando-se eles próprios objecto de estudo e de crítica.

A investigação em rede é um princípio básico do programa MOST, que constituiu cerca de 20 redes de investigação internacionais por todo o mundo. Cada rede possui um foco regional, associando uma série de países no estudo de um tema particular, como as questões urbanas, os problemas associados às drogas, as migrações internacionais ou o multiculturalismo. No entanto, todos eles dizem respeito a processos globais de transformação social e ao modo como estes afectam uma região específica. Estas redes não serão descritas aqui.23 Vale a pena, no entanto, mencionar alguns aspectos das redes MOST (ver também Ghorra-Gobin, 2000).

As redes de investigação MOST acentuam a interdisciplinaridade, visto que as transformações sociais não podem ser cabalmente compreendidas partindo da perspectiva isolada de apenas uma das ciências sociais. As redes incluem sociólogos, cientistas políticos, economistas, antropólogos, geógrafos, demógrafos, etc. As abordagens comparativas internacionais desempenham aqui um importante papel, ao colocarem a tónica na compreensão das articulações e das similaridades transnacionais, mas também na compreensão das especificidades nacionais. O estudo das transformações sociais parece aumentar a percepção das diferentes localizações sociais, da diversidade dos interesses e do acesso diferenciado ao poder dos diversos grupos. A cultura, a etnicidade, a classe e o género são aspectos importantes em todas as redes, influenciando a escolha dos projectos de investigação, dos métodos utilizados e dos enquadramentos teóricos — o que aconselha o derrube das barreiras existentes entre investigadores e a comunidade alargada (Auriat, 1998). A investigação não é uma actividade neutral e os investigadores podem fazer escolhas conscienciosas sobre os seus objectivos, tais como apoiar medidas que reduzam a pobreza e aumentar a participação social e política de grupos desfavorecidos. Muitos dos investigadores envolvidos no programa MOST procuram envolver ONG no seu trabalho, como modo de facilitar o estabelecimento de elos de comunicação e a base de conhecimento necessária à “globalização de baixo para cima”.24 As redes MOST sublinham a importância da ligação entre a investigação e o desenho de políticas públicas, o que influencia a escolha dos temas a investigar e o modo de disseminação pública dos resultados das investigações, junto dos decisores políticos e do público em geral. As redes procuram, ainda, incluir decisores políticos como participantes em todos os estádios da investigação, desde o planeamento, à operacionalização e à análise.

As redes de investigação MOST não são as únicas com estas características. Nos últimos anos tem-se verificado uma tendência no sentido de uma maior cooperação internacional e para a constituição de redes na área das ciências sociais (deve, contudo, ser referido que os enquadramentos nacionais continuam a dominar o financiamento e a organização da investigação). A cooperação internacional tem sido encorajada por alguns organismos de financiamento independentes, como a Fundação Ford ou a Fundação Volkswagen. Algumas organizações centrais de investigação têm tratado favoravelmente, nos diferentes países, os projectos que acentuam a cooperação internacional. O surgimento de teorias sobre a globalização, as transformações sociais e as articulações transnacionais encorajaram ainda mais esta colaboração. Muitos investigadores que participam em redes internacionais aperceberam-se que o processo nem sempre é fácil. A língua continua a ser uma barreira importante — muitas vezes de modos subtis: a tradução de conceitos de uma língua para outra pode mascarar significados culturais e conotações históricas bastante diferentes. Investigadores que se formaram em culturas académicas nacionais diferentes levantam muitas vezes questões de modos bem distintos, utilizando métodos distintos, e interpretando os resultados também de modo específico. Existem exemplos de projectos de colaboração internacional que foram mal sucedidos por causa da incapacidade para compreender estas diferenças. De facto, um aspecto importante da investigação em rede é, precisamente, trazer esses assuntos para campo aberto e fazer da sua análise parte integrante do processo de investigação.25


Princípios para a o estudo das transformações sociais

Concluirei este artigo sugerindo alguns princípios que emanam do estudo das transformações sociais como enquadramento analítico da investigação em ciências sociais. Por razões de economia de espaço, nem todos eles foram objecto de tratamento neste artigo, mas deixo-os aqui enumerados com vista a futuras discussões.

1) Os investigadores têm de adoptar uma visão holista. Apesar de a investigação se centrar normalmente em áreas e em tópicos específicos, deve ter sempre presente que os processos de transformação social dizem respeito a todos os aspectos da existência social e envolvem todos os níveis espaciais. Para o cabal conhecimento de qualquer assunto específico, é necessário compreender a sua integração em processos muito mais amplos. Os estudos sobre comunidades ou países devem incluir uma análise dos factores e das articulações globais e regionais que interferem na área em estudo. Os enquadramentos contextuais devem incluir componentes como as relações internacionais, a economia política, as tendências demográficas, as condições ambientais e os factores culturais.

2) O estudo das transformações sociais é interdisciplinar. Dificilmente conseguiremos imaginar um qualquer tema de investigação que, no contexto da globalização e da transformação social, possa ser correctamente compreendido no interior dos limites de uma única disciplina académica. Isto significa que cada investigador deve expandir os seus horizontes disciplinares, e que a investigação deve ser levada a cabo por equipas interdisciplinares.

3) No entanto, a interdisciplinaridade não significa que podemos dispensar o conhecimento disciplinar sistemático. Pelo contrário, a interdisciplinaridade tem de assentar numa sólida formação na teoria, nos métodos e nos conhecimentos de ciências sociais específicas e no seu conhecimento aprofundado.

4) As alterações na ciência, na tecnologia e na bioesfera desempenham um papel crucial nas transformações sociais, sendo por isso importante incluir a análise dos sistemas de conhecimento no enquadramento das investigações. Trata-se não só de incluir o estudo da ciência e da tecnologia modernas, mas de estudar também os sistemas de conhecimento tradicionais e indígenas, que contêm muitas vezes perspectivas importantes acerca do modo de lidar com condições ambientais e sociais específicas.

5) É vital uma compreensão de experiências passadas que ajudaram a dar forma às culturas, às instituições e às sociedades contemporâneas, para a compreensão tanto do presente como das possibilidades de evolução futura. A análise histórica deve, portanto, ser parte constitutiva de todos os estudos.

6) A análise comparativa é muitas vezes a abordagem apropriada para a compreensão da relação entre o global e o local. Ao examinar o modo como factores globais similares podem levar a diferentes resultados em locais diversos, conseguimos penetrar no significado dos factores culturais e históricos

7) No entanto, a comparação só pode ser efectuada tendo como base um conhecimento detalhado de culturas, comunidades e sociedades específicas. A análise da dimensão local é vital para compreender adequadamente os diferentes impactos dos factores de globalização e as respostas aos mesmos.

8) Compreender o local requer métodos que encorajem a participação de todos os grupos sociais e todas as partes interessadas relevantes em processos de avaliação e de planeamento social. Os métodos participativos devem ser pensados com particular cuidado para assegurar que os grupos sem poder, como os pobres, as minorias étnicas e as mulheres, sejam capazes de exprimir as suas necessidades e os seus interesses.

9) A cultura e a identidade desempenham um papel vital nos processos de transformação social. As políticas de identidade são muitas vezes uma forma de mobilização contra as forças da globalização que surgem como ameaças às formas de vida e aos valores de grupos marginalizados. Este facto torna necessária a rejeição de certos dualismos que prevalecem, tais como as oposições entre objectivo e subjectivo, moderno e tradicional, racional e emocional. Todo o tipo de investigação social precisa de tomar em linha de conta tanto os factores estruturais, como os significados produzidos pelos grupos estudados.

10) A forma organizativa mais apropriada para o estudo das transformações sociais é a rede de investigação internacional e interdisciplinar, em que colegas de origens diversas colaboram na realização do trabalho enquanto parceiros em condições de igualdade. A relevância do trabalho levado a cabo por essas redes é potenciada através da inclusão de decisores políticos e organizações da sociedade civil em todas as etapas do processo de investigação. No entanto, nenhuma dessas colaborações poderá comprometer a independência do projecto.

11) A produção de conhecimento não é um empreendimento isento de valores. É importante definir os valores subjacentes às escolhas dos temas e dos métodos de investigação. O objectivo central das redes de estudo das transformações sociais deverá ser a produção de conhecimento tendo em vista a melhoria das condições sociais e formas de vida sustentáveis das populações em causa.

12) Isto significa que os investigadores devem tornar o seu trabalho acessível à sociedade, através da sua disseminação, de forma adequada, junto de organizações da sociedade civil, dos governos, das empresas e do público em geral.


[tradução de Frederico Ágoas, revisão científica de Margarida Marques]



Notas

1 Uma primeira versão deste artigo foi publicada em língua inglesa na Manuscript for International Political Review (número especial), em 2000, sob o título “Studying social transformations”.

2 O autor deste artigo tem estado envolvido, desde 1994, no estabelecimento do MOST-Asia Pacific Migration Research Network (APMRN), que mantém ligados entre si investigadores, decisores políticos e ONG em 13 países e territórios da região da Ásia-Pacífico. Como resultado desta experiência, as universidades de Wollongong e de Newcastle criaram recentemente o Centre for Asia Pacific Social Transformation Studies, com fundos provenientes do Australian Research Council. Para mais informações ver: www. uow. edu/research/centres/capstrans. Uma versão anterior de partes deste artigo foi apresentada no CAPSTRANS Workshop, em 1999. Agradeço aos meus colegas pelas suas sugestões. Uma versão preliminar deste artigo foi lida por Chris McDowell e por Ellie Vasta, da CAPSTRANS, a quem também agradeço os comentários.

3 Globalization from below, no original (nota do tradutor).

4 Joseph E. Stiglitz é actualmente vice-presidente sénior e economista principal do Banco Mundial.

5 Bottom up, no original (nota do tradutor).

6 Ver na página da Internet do Banco Mundial (http://www.worldbank.org), o texto “Social development family”.

7 Comprehensive Developement Framework, no original (nota do tradutor).

8 Hiperglobalizers, sceptics and transformationalists, no original (nota do tradutor).

9 Governance, no original (nota do tradutor).

10 Welfare states, no original (nota do tradutor).

11 Entre 1946 e 1975, o número de tratados internacionais em vigor aumentou de 6351 para 14061. Em 1996, existiam 260 organizações intergovernamentais, incluindo as Nações Unidas e as suas diversas agências, outros organismos globais como a Organização Mundial do Comércio, organismos regionais como a União Europeia (UE) e o Fórum Ásia-Pacífico para Cooperação Económica (APEC), organizações para a administração da justiça como o Tribunal Internacional de Justiça, e organismos especializados em todas as áreas imagináveis da produção, do comércio, da cultura, dos direitos humanos e outras. Existiam 5472 organizações internacionais não governamentais incluindo lobbies dos mais diversos tipos, agências de auxílio, grupos de empregadores, organizações internacionais de sindicatos, grupos religiosos, associações culturais, etc. (Held e outros, 1999).

12 Settlement, no original (nota do tradutor).

13 Continuous Reporting System on Migration, no original (nota do tradutor).

14 Human Development Report, no original (nota do tradutor).

15 Landlessness, no original (nota do tradutor).

16 Resettlement, no original (nota do tradutor).

17 Top-down and bottom-up approaches, no original (nota do tradutor).

18 Para um exemplo de uma abordagem deste tipo nas favelas do Brasil ver: Abel Mejia, “Brazil: municipalities and low-income sanition”, em Banco Mundial (1996).

19 Rapid Rural Appraisal, no original (nota do tradutor).

20 Participatory Rural Appraisal, no original (nota do tradutor).

21 Por exemplo, numa zona residencial desfavorecida num subúrbio de Sidney, um inquérito efectuado por trabalhadores da assistência social chegou à conclusão que o principal problema era o crime e a ordem pública, levando à exigência de melhor policiamento. Em contrapartida, num estudo posterior, sobre as percepções dos residentes locais, conclui-se que o principal problema era a incapacidade das autoridades locais para efectuar a manutenção adequada das habitações, o que havia conduzido a uma situação de fracas condições de vida e a um sentimento de abandono. Esta constatação levou os serviços a reprensarem as estratégias de intervenção, por forma a incluírem os residentes no planeamento e no acompanhamento dos serviços de manutenção.

22 Johan Galtung denuncia o imperialismo cultural implícito no aconselhamento para o desenvolvimento, invertendo o processo: “Imaginem o que isto pode significar em termos práticos. Uma delegação indiana chega a Manhattan para estudar os padrões americanos de procriação e de planeamento familiar, firmemente convencida de que, se 5% da população mundial consome quantidades desproporcionadas dos recursos energéticos mundiais e se é responsável por quantidades desproporcionadas da poluição mundial, então, o que é necessário é uma redução drástica da população. Relatórios deste tipo foram elaborados para os países menos desenvolvidos pelos países mais desenvolvidos. E se os primeiros fizessem o mesmo em relação aos segundos?…” (Galtung, 1996).

23 Ver International Political Science Review/Revue Internationale de Science Politique, 21, 2000, Beverly Hills, California, Sage (nota do tradutor).

24 Globalization from below, no original (nota do tradutor).

25 O autor deste artigo participou no projecto “Relações interculturais, identidade e cidadania: uma comparação da Austrália, da França e da Alemanha”, desenvolvido em colaboração por equipas de investigação dos três países, e financiado pela Fundação Volkswagen. O significado das diferentes culturas de investigação científico-social nacionais foi uma descoberta importante e inesperada do projecto, levando à decisão de dedicar um dos três livros baseados no projecto a este tema.

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* Stephen Castles é professor de Migration and Refugee Studies e director do Refugee Studies Centre, Queen Elizabeth House, University of Oxford, 21 St. Giles, Oxford OX1 3LA, UK.
E-mail: stephen.castles@qeh.ox.ac.uk. Página da internet: www.rsc.ox.ac.uk

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