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Sociologia, Problemas e Práticas

versão impressa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  n.40 Oeiras set. 2002

 

PRESENTES E DESCONHECIDOS

Reflexões socioantropológicas acerca do recente fluxo imigratório no concelho de Loures

Luís Vicente Baptista* e Graça Índias Cordeiro**


Resumo Este artigo sintetiza as principais conclusões de um estudo exploratório que teve como objectivo melhor conhecer a composição, formas de instalação e trajectórias da população imigrante do concelho de Loures (área metropolitana de Lisboa), através da análise cruzada de duas fontes distintas: imprensa diária e trabalho de campo de tipo etnográfico. Para além dos aspectos metodológicos da pesquisa, o artigo discute a informação obtida a partir de quatro eixos de problematização, organizados em torno das noções de: território/mobilidade, imigrante/estrangeiro, cidadão/indocumentado, institucional/informal.

Palavras-chave Imigração, mobilidade territorial, Loures.


Abstract This article summarises the main conclusions of an exploratory study aimed at improving knowledge of the composition, life conditions and personal stories of the immigrant population of the Loures council area (part of the Lisbon Metropolitan Area) by conducting a crossed analysis of data from two separate sources: the daily press and ethnographic fieldwork. In addition to the methodological aspects of their research work, the authors discuss the information they obtained from four problematization axes, which are organised around the notions of: territory/mobility, immigrant/foreigner, citizen/person without documents and the institutional/informal.

Keywords Immigration, territorial mobility, Loures.

 

Résumé Cet article reprend les principales conclusions d’une étude qui a eu pour objectif de mieux connaître la composition, les formes d’installation et les parcours de la population immigrée de la municipalité de Loures (agglomération de Lisbonne), par l’analyse croisée de deux sources distinctes: presse quotidienne et travail de fond de type ethnographique. Outre les aspects méthodologiques de la recherche, l’article analyse les informations obtenues à partir de quatre axes de problématique, organisés autour des notions de: territoire/mobilité, immigré/étranger, citoyen/sans papiers, institutionnel/informel.

Mots-clés Immigration, mobilité territoriale, Loures.

 

Resúmene Este artículo sintetiza las principales conclusiones de un estudio exploratorio que tuvo como objetivo conocer mejor la composición, formas de instalación y trayectorias de la población inmigrante del municipio de Loures (área metropolitana de Lisboa), mediante el análisis cruzado de dos fuentes distintas: prensa diaria y trabajo de campo de tipo etnográfico. Mas allá de los aspectos metodológicos de la encuesta, el artículo discute la información obtenida partiendo de cuatro ejes de la problemática, organizados en torno a las nociones de: territorio / movilidad, inmigrante / extranjero, ciudadano / indocumentado, institucional / informal.

Palabras-clave Inmigración, movilidad territorial, Loures.


Contexto, objectivos e metodologia da investigação


Situado na área metropolitana de Lisboa e contíguo a esta cidade, o concelho de Loures era, em 1991, o segundo mais populoso e o quarto mais denso populacionalmente do distrito de Lisboa (a seguir a Lisboa, Amadora e Oeiras).1 Apesar da redução populacional sofrida pela saída de Odivelas,2 continua a ser um dos mais populosos concelhos da metrópole de Lisboa, com aproximadamente 200 mil habitantes em 2001,3 e um local tentador para a instalação de quem se dirige para a metrópole de Lisboa.

Com um sector terciário em crescimento, decorrente de uma crescente actividade comercial, destacam-se, no secundário, as indústrias metalomecânicas, de material de transporte, do sector químico e, ainda, as indústrias de alimentação e bebidas. A horticultura e a vitivinicultura são as principais produções agrícolas. Enquanto a actividade industrial se situa, sobretudo, nas freguesias da margem direita do Tejo — Sacavém, Santa Iria da Azóia, São João da Talha e Camarate —, a agrícola ocupa a lezíria, entre as serras de Frielas e Montemor, e as freguesias de Lousa, Fanhões e Bucelas. Estas áreas conjugam-se numa paisagem progressivamente urbanizada, ocupada por populações das mais diversas proveniências, apesar da redução das suas áreas habitacionais, devido à saída de Odivelas, mais próxima da capital e associada à função residencial.

No que diz respeito à população estrangeira, e de acordo com estatísticas do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), sabemos que no distrito de Lisboa o número de estrangeiros terá duplicado entre 1991 e 1999. Segundo dados do INE (Instituto Nacional de Estatística), em 1991, Loures era o terceiro concelho do distrito de Lisboa com maior número de estrangeiros, a seguir a Lisboa e a Cascais, e o terceiro com maior número de oriundos de países africanos, essencialmente das ex-colónias portuguesas, a seguir a Lisboa e a Amadora.

No segundo processo de regularização de estrangeiros (de 11/06 a 11/12 de 1996), dada a importância da população imigrante aqui instalada, o concelho de Loures teve um centro de recepção de pedidos, entre os 16 situados na área da grande Lisboa, que contou com cerca de 13% (3.871) dos pedidos da Direcção Regional de Lisboa. Destacaram-se, então, os pedidos de angolanos, guineenses e, em menor quantidade, cabo-verdianos, são-tomenses, indianos e paquistaneses.

Tal como acontece noutros concelhos limítrofes da cidade de Lisboa, a existência de vastas áreas disponíveis para instalação de novos residentes, não só bairros e “zonas-formigueiro”, que se estendem para fora dos núcleos das localidades mais próximas da fronteira com a capital, como também espaços livres, menos densamente povoados, que ainda registam marcas de ruralidade, tem contribuído para a atracção deste concelho. Não sendo um caso isolado no âmbito da área metropolitana de Lisboa, Loures assume, pois, uma expressividade evidente.

O projecto de investigação “Presentes e desconhecidos: uma análise socioantropológica sobre mobilidade e mediação com populações imigrantes no concelho de Loures” teve como objectivo analisar a incidência territorial da imigração neste concelho, propondo-se identificar situações-tipo associadas a processos de imigração e instalação no município. Pesquisa solicitada em final de 2000 pelo GARSE,4 da Câmara Municipal de Loures, tratou-se de um estudo exploratório, que decorreu entre Janeiro e Dezembro de 2001, efectuado por uma pequena equipa de sociólogos e antropólogos.5

Uma circunstância exterior à proposta de trabalho veio condicionar todo o contexto de análise. Falamos do processo de legalização de imigrantes através da concessão de autorização de permanência, que decorreu de 22 de Janeiro a 4 de Dezembro de 2001, tendo coincidido com o período da investigação. O ambiente produzido em torno deste processo deu uma visibilidade ao tema imigração a nível da opinião pública que nos obrigou, não só, a um acompanhamento aprofundado das notícias que iam sendo emitidas pelos mass media, como alterou as próprias condições de trabalho no terreno. As expectativas criadas entre os imigrantes acerca deste processo contribuíram para que, ao longo da pesquisa, tomássemos consciência de como estes se procuravam resguardar face aos curiosos que os interpelavam, dada a importância que qualquer cedência de informação assumia na resolução das suas vidas.

Deste modo, conscientes das dificuldades metodológicas na análise de processos de mobilidade populacional que, não apenas transcendem territorialmente as fronteiras municipais como, também, produzem formas de ocultação que dificultam o acesso directo aos seus protagonistas, optámos por um estudo exploratório. Ao longo de um ano, a recolha e sistematização de informação foi-se organizando em patamares progressivos de aproximação à realidade analisada, em dois níveis de pesquisa complementares: pesquisa bibliográfica e documental, que incluiu uma recolha exaustiva na imprensa diária ao longo do ano de 2001, e pesquisa de terreno de tipo etnográfico, com a constituição de uma rede de informantes, para além da observação e da participação em situações de diverso tipo.6

Quanto ao primeiro nível de pesquisa, o firmamento dos media revelou-se um veículo privilegiado para a análise deste fenómeno: os estereótipos construídos a partir do efeito mass media são produtores de realidade, disponibilizando elementos de informação e de opinião que são essenciais, quer no plano da caracterização de protagonistas, quer na visibilização das redes interpessoais, quer ainda na percepção das inserções estruturais (sobretudo no que diz respeito ao nível do mercado de trabalho). Por esta razão, os media estiveram no centro da nossa atenção como fonte etnográfica e, até, como factor de intervenção na realidade imigratória. Com efeito, e perante as vertiginosas mudanças na estrutura da população imigrada ocorridas nos últimos anos, cuja diversificação quanto às origens nacionais e étnicas não pára de nos surpreender, a pesquisa científica é diminuta, facto que torna a comunicação social uma fonte essencial, mesmo quando a informação se revela deformada ou pouco criteriosa.

Quanto à segunda fonte de informação, um esclarecimento deve ser feito. Muito embora, na proposta inicial desta pesquisa, os imigrantes tivessem sido definidos como sujeitos a ser inquiridos — com o objectivo de recolher testemunhos de trajectórias migratórias e carreiras de vida que testemunhassem situações de vida concretas —, o acesso a estes informantes revelou-se mais difícil do que o previsto. Face às condições de manifesta precariedade em que viviam muitos imigrantes, quer a nível do ritmo de trabalho, das dificuldades de comunicação e, até, de uma certa desconfiança justificada pela sua situação de indocumentados, que acompanhava todo um conjunto de estratégias de ocultação que interferiam no acesso à informação, bloqueando uma comunicação capaz de trazer elementos fiáveis para a análise, foi necessário diferir da estratégia metodológica inicialmente prevista. Assim, foram os informantes, no seu sentido alargado, que se impuseram, fossem estes imigrantes mais antigos ou outros interlocutores que têm lidado directamente com imigrantes.7 Colocados perante a necessidade de produzir conhecimentos que enquadrassem a situação excepcional ocorrida em 2001 e que nos permitissem identificar os interlocutores credíveis para alcançar as populações imigrantes em processo de instalação, contactámos, pois, com todos aqueles que, num plano institucional ou a título individual, estavam envolvidos no trabalho de acompanhamento de imigrantes.

Este artigo tem como objectivo apresentar, de uma forma sintética e abreviada, parte dos resultados desta investigação, provenientes das duas fontes de informação atrás referidas. Os dados recolhidos conduziram-nos à identificação de linhas de compreensão dos processos migratórios, no caminho da definição de situações-tipo e de perfis de imigrantes, que assentam no jogo de contrastes que ligam as noções de território e mobilidade, as acepções de imigrante e estrangeiro, de cidadão e indocumentado, e os domínios institucional e informal.

Deste modo, quatro eixos de problematização dão sequência a este texto, correspondendo a algumas das áreas críticas que, do nosso ponto de vista, se revelam como incontornáveis na análise dos actuais processos imigratórios e, consequentemente, na definição de políticas ajustadas à realidade existente. A elas associámos questões-síntese que percorrem todas as intervenções que envolvem populações imigrantes. São elas:

  • território e mobilidade: onde estão os imigrantes?
  • imigrante e estrangeiro: como se identificam os imigrantes?
  • cidadão e indocumentado: há uma condição social de imigrante?
  • institucional e informal: como são apoiados os imigrantes?


Território e mobilidade: onde estão os imigrantes?

Portugal e particularmente a área metropolitana de Lisboa foram tocados nos anos mais recentes por uma “mobilidade de crescimento” (Ledrut, 1968: 80), que transformou profundamente a morfologia do país e mais ainda os sítios da envolvente lisboeta, levando a novas formas de coexistência entre as populações. Há que recordar que, na sequência do 25 de Abril de 1974, a frequência e a importância numérica dos fluxos populacionais de chegada, que tiveram como palco o território português, não foram mais interrompidas: a descolonização das ex-colónias portuguesas de 1975-76, os regressos mais ou menos definitivos nos anos 80 dos emigrantes portugueses da Europa e, a partir desses anos, a imigração com origem em África e mais recentemente no Brasil, na Europa de Leste, na Ásia (Malheiros, 1996; Baganha e Góis, 1999; Peixoto, 1999; Pires, 2000; Machado, 2002).

A grande Lisboa, que já vinha sendo o destino imigratório mais frequente entre as populações oriundas dos países africanos de língua oficial portuguesa, ganha na actualidade uma importância acrescida, tornando-se uma metrópole também no sentido de grande receptora de imigrantes. Assim, os recentes desenvolvimentos imigratórios não colocam em si uma questão nova, mas antes confirmam o lugar da metrópole de Lisboa como central. Com esta centralidade emergem igualmente problemas de escala que ao longo dos anos 90 se revelam ainda incipientes. Os sentimentos de exclusão e de racismo vêem-se estimulados e as próprias imagens que os meios de comunicação vão produzindo acerca dos bairros-gueto e da delinquência estão progressivamente mais ligados à pertença étnica, e daí não ser de estranhar que algumas reportagens jornalísticas que detectámos em 2001 assentem no pressuposto de que a insegurança urbana reside na existência de “bairros africanos” nos subúrbios.

Esta chegada de imigrantes não corresponde a uma dinâmica isolada. Hoje as questões da mobilidade, nas quais se prendem as das migrações, obrigam a olhar a cidade de outro modo, reequacionando o sentido que tem falar de populações estáveis e flutuantes. Mais do que definir estritamente a dimensão da aglomeração ou as localizações concretas da residência, do trabalho ou do lazer, há que atender a que mobilidade significa movimento (Dupuy, 2000: 7-9). E desse ponto de vista, aquilo a que podemos chamar mobilidade local, que Jean-Pierre Orfeuil entende como “compreendendo o conjunto das deslocações cujas origens e destinos estão a menos de 80 quilómetros do domicílio” (2000: 53), estrutura-se segundo a lógica do cada vez mais longe e cada vez mais rápido.

Assim, esta possibilidade de deslocação mais sistemática e mais autónoma obriga a pensar a escala local tendo presente que a própria ideia de vida local é hoje fortemente afectada pela capacidade de mobilidade mais intensa das populações. E se bem que as desigualdades sociais se vejam até reforçadas num contexto de mobilidade urbana e metropolitana (“o século XXI será o século das metrópoles”, Bassand, 1997: XIII), também a discussão acerca da gestão da complexidade metropolitana (Bassand, 1997: 213-221; Baptista e Pujadas, 2000: 293-308) avançou significativamente, e a tentativa de dar respostas tendo em vista a equidade dos cidadãos e a sustentabilidade urbana fez caminho no discurso e nas práticas políticas e técnicas (Asher, 1995; Neves, 1996; Ferreira e Indovina, 1999; Guerra, 2000; Cabral, 2002).

Com isto chegamos ao desafio que nos foi colocado: como podem as autoridades locais dar resposta à circunstância de administrarem um território invadido por populações que não conhecem e que muitas vezes nem sequer identificam? Ou, de um modo mais prosaico: como identificar os lugares de vida de populações móveis — neste caso imigrantes — numa área tão vasta e diversificada como a do concelho de referência?

De acordo com informação disponibilizada pela Câmara Municipal de Loures,8 é possível detectar tendências ou sentidos de acomodação no espaço concelhio das populações imigrantes, o que, não sendo conclusivo, nos permite um princípio de descrição dos fenómenos em presença. Os dados colectados em meados da última década de 90 identificavam, por freguesia, as maiores concentrações de populações imigrantes, separando-as em três categorias: os “africanos”, os “ciganos” e os “indianos”. Das freguesias que permanecem ainda hoje no concelho de Loures, nas quais foi recolhida informação, Moscavide era referida como tendo apenas “ciganos”, enquanto Sacavém, Unhos, Camarate, São Julião do Tojal tinham “africanos” em exclusividade, Prior Velho “africanos” e “ciganos”, Santo António dos Cavaleiros “africanos” e “indianos”, e Portela as três categorias. As freguesias aparentemente mais marcadas pela presença de populações imigrantes eram Sacavém e Prior Velho, havendo uma clara concentração em certos bairros como a Quinta do Mocho e a Quinta da Serra. Já noutras freguesias o cenário era de uma maior dispersão.

Um outro estudo, da mesma época, permite-nos identificar importantes manchas de imigração africana concentradas em bairros designados como degradados (Cachada e outros, 1995). Quinta da Serra, no Prior Velho, Quinta da Vitória, na Portela, e Quinta do Mocho, em Sacavém, são apenas alguns dos mais importantes núcleos citados, onde os indivíduos de diferentes nacionalidades — cabo-verdianos, guineenses, angolanos e santomenses, entre os mais importantes — são contabilizados (idem: 35).

A diversidade das origens nacionais africanas aí detectadas, assim como a falta de equidade na distribuição desta população no âmbito concelhio, levam-nos a avançar hipóteses à escala residencial. A presença maioritária de uma ou outra nacionalidade parece não produzir efeitos de exclusividade, o que nos leva a pensar a existência de uma espécie de rede transversal de relações de solidariedade entre imigrantes oriundos destes países colonizados por Portugal, que funcionaria, pelo menos nestes bairros do concelho de Loures, como forma de conterraneidade africana, produtora de identidades transnacionais, provavelmente associadas ao modo indistinto como muitos autóctones vêem o fenómeno imigratório PALOP (começando desde logo pela generalizada utilização desta sigla).

No final de 2001, o olhar panorâmico sobre o concelho de Loures afigura-se algo diferente, tornando-se claro que a realidade da imigração toca agora todas as freguesias do concelho, sem excepção. Em todas elas os nossos interlocutores inquiridos referiram a presença de imigrantes: nos bairros, nas habitações, nos comércios ou nas empresas, um pouco por todo o lado. Mapeando todas as ocorrências referidas pelos nossos informantes, pode-se, contudo, identificar alguns pólos significativos da sua presença.

Num primeiro olhar, parece haver uma continuidade com a situação anterior, retratada por Cachada em 1995, no que se refere a uma maior concentração de imigrantes nalguns núcleos populacionais, tais como a Quinta da Serra, a Quinta do Mocho, com uma maior visibilidade de africanos, ou como na Quinta da Vitória, com uma população hindu mais evidente. No entanto, um olhar mais detalhado detecta uma diferença relevante: a ausência de qualquer referência a oriundos dos países do Leste europeu em 1995.

Em termos da distribuição espacial das populações imigrantes destacamos alguns contrastes. Assim, enquanto o conjunto que normalmente se designa por PALOP se parece concentrar maioritariamente nas freguesias urbanas de génese ilegal da zona oriental do concelho, os chamados imigrantes de Leste, entretanto chegados, distribuem-se de modo mais disperso por um maior número de freguesias do concelho, incluindo freguesias tradicionalmente rurais que não têm atraído imigração africana. Os casos de Bucelas, de Fanhões, de Lousa são paradigmáticos desta distribuição, já que aqui apenas foi referida a existência de “imigrantes de Leste”, com particular ênfase para os ucranianos — o que é apenas contrariado no caso de Bucelas, onde foi referida a presença de brasileiros.

A avaliação feita por um informante de Bucelas, particularmente conhecedor desse território, é bastante expressiva:

O que se percebe neste momento, é a situação dos imigrantes dos países dessa área, que são os croatas, os moldavos, os ucranianos… Anteriormente não havia aqui no nosso território situações de muita imigração. Era meia dúzia de pessoas, do Alentejo, do Norte, uma imigração interna… Nos últimos três anos, começou a aparecer essa imigração… distribuída em todo este território (da freguesia), que é grande com núcleos urbanos, pequenos. O que me apercebo mais é a relação do movimento deles no espaço público e no movimento associativo (…). É notório ver-se numa colectividade à noite meia dúzia e às vezes mais, e num ou noutro café… Em relação à habitação, aqui não é fácil, porque não há muita habitação (…) mas eles vão-se arrumando por aí… dois ou três nalguma casa desabitada, vivem muito homens, não se nota muito mulheres. E não vivem em nenhuma zona de estilo comunitário, estão espalhados. Numa terra é capaz de haver uns dez. Uns estão três aqui e dois acolá, e assim. E noutra é capaz de haver mais uns vinte, mas todos dispersos, em função, também, do alojamento que conseguem. E procuram muito o alojamento fora das zonas urbanas… (português, 60 anos, funcionário de autarquia).

No caso dos indianos e paquistaneses, assim como no que respeita aos brasileiros, a sua distribuição restringe-se a um menor número de freguesias, não querendo contudo isto dizer que não haja imigrantes destas origens noutras áreas do concelho. Assim, Camarate, Frielas, Loures, Moscavide, Portela, Santo António dos Cavaleiros e Unhos parecem ser os lugares onde os indianos têm uma presença mais marcante, enquanto Bucelas, Prior Velho e Sacavém e, também, Camarate, Loures, Moscavide e Unhos, são as freguesias referidas para os brasileiros. A referência a chineses foi pouco expressiva, o que não impediu a referência de locais como Camarate, Loures e Moscavide como seus lugares preferenciais de residência. Zairenses, gaboneses e outros africanos foram referenciados, ainda que de forma residual, tendo sido Sacavém um dos lugares apontados para a sua presença.

Um aspecto que é importante realçar é a presença de oriundos das ex-colónias e de população hindu em locais de realojamento ou núcleos de barracas em vias de realojamento, contrariamente aos imigrantes do Brasil e da Europa de Leste, que parecem recorrer a outro tipo de habitação menos precária nos centros urbanos, e mesmo em áreas menos densificadas do concelho.

Esta informação de terreno é confirmada pelo material recolhido a partir da imprensa. A questão da integração territorial dos imigrantes é um problema de difícil equacionamento que tem a ver com factores culturais e com os quotidianos destes diferentes protagonistas da imigração. O sociólogo Eduardo Vilaça salienta que os imigrantes de Leste não se adaptam aos nossos bairros de barracas dos subúrbios:

onde impera a promiscuidade e a ausência de salubridade adequada para as famílias residentes. Os que não arranjam casa ou quarto ou não ficam nas próprias obras onde trabalham, preferem as pensões a 1000$00 ao dia, em quartos com mais de uma cama. Existem, ainda, os que vivem na rua, engrossando as hostes dos sem-abrigo e recorrendo a algum apoio comunitário que é diariamente distribuído pelas poucas instituições que a estas meritórias tarefas se dedicam (Expresso, 12-01-2001).

É precisamente em torno destas situações que se vão orientando as notícias trazidas a público pelos jornais. Exemplos como a sobrelotação das pensões da Curia e de Anadia, que levou particulares a abrirem a porta ao aluguer de quartos nas suas casas (Jornal de Notícias, 19-03-2001), reforçam a ideia desta dificuldade de instalação noutro tipo de alojamento.

Contudo, outro tipo de argumentos pode também aqui ter incidência. Ana I. Ferreira afirma que os imigrantes “clandestinos” oriundos dos países do Leste evitam residir nas zonas periféricas das grandes cidades, por se sentirem vulneráveis aos crimes de extorsão das máfias da ex-URSS que operam em Portugal (Público, 18-02-2001).

Parece corresponder à mesma motivação, escapar à actuação das máfias de Leste, o facto de muitos imigrantes desses países, saírem de áreas de maior concentração populacional e partirem para destinos menos frequentados. O exemplo dos imigrantes de  em Trás-os-Montes, que beneficiam de uma mais plena integração na vida local, longe das redes de trabalho clandestino e podendo reiniciar actividade na sua formação profissional de origem, dadas as carências de certo tipo de profissionais nessa região, constitui clarificador exemplo (Público, 15-04-2001).


Imigrantes e estrangeiros: como se identificam os imigrantes?

Eu sou imigrante e defino os imigrantes em três tipos. Primeiro, o imigrante que sou eu, que pertenço a uma classe média e tenho uma vida relativamente boa, a minha família tem posses e nos deu educação, nunca estive numa situação de desespero e resolvi correr o mundo (…) e fiquei aqui porque gostei do lugar (…). O segundo imigrante é aquele imigrante tipicamente português do Norte, é dinheiro debaixo do colchão, é trabalhar feito um desesperado para voltar uma vez por ano e mostrar que tem um BMW e todos os anos troca de BMW (…). O terceiro imigrante são os refugiados, esses são os mais graves (…) (imigrante brasileiro, 39 anos, produtor cultural).

Ao nível da imprensa, alguns jornais procuraram, logo nos primeiros meses de 2001, definir os tipos de imigrantes mais frequentes segundo as suas origens nacionais e étnicas, tentando criar tipologias imigratórias. A mais exaustiva, publicada no Diário de Notícias de 18-02-2001, pretende identificar os cinco principais fluxos imigratórios “clandestinos”: Europa do Leste (Ucrânia, Moldávia, Roménia e Rússia), Brasil, PALOP, Península Indostânica (Índia, Paquistão e Bangladesh) e China.9 As restantes notícias são menos desenvolvidas e procuram apresentar perfis de indivíduos de várias outras origens nacionais, através de retratos de várias realidades.10

Como já vimos no ponto anterior, também aqui encontramos uma certa continuidade entre estas notícias e as informações recolhidas no terreno. Evidenciam-se, segundo os testemunhos dos informantes de Loures, dois grandes grupos de imigrantes: um, oriundo dos PALOP, e outro, proveniente de países da Europa de Leste, com particular destaque para ucranianos, moldavos, russos, romenos, croatas e kosovares. Indianos, paquistaneses e brasileiros constituem conjuntos menos numerosos, embora presentes. Finalmente, os chineses constituem um grupo de pequena expressão, em termos da sua visibilidade.

Estamos pois perante uma diversidade de origens migratórias que desde logo nos obriga a pensar numa tipologia em aberto, de modo a não estreitar a compreensão do processo em curso. Aliás, uma das perguntas feitas aos informantes foi se consideravam ser possível definir um imigrante-tipo. A maioria considerou que não, por existir uma diversidade muito grande, quer nas origens, quer na condição social dos que partilham uma origem.

Um imigrante tipo pode ter tanta variação como um português tipo (…) Não há um angolano tipo. Há vários tipos de angolanos, se assim se lhe quiser chamar… como existem vários tipos de lisboetas, vários tipos de… não creio que se possa tipificar dessa forma… Claro que se consegue sempre tipificar… desde que se queira… basta criar os traços grossos e toda a gente pode ser encaixada nesses traços… mas não creio que seja correcto (portuguesa, 38 anos, técnica de serviço social).

O que parece todavia claro na visão da maioria dos nossos interlocutores é a distinção nítida entre a imigração mais antiga, proveniente dos países africanos de expressão portuguesa, e esta imigração tão recente de “povos do  europeu”, diferença esta que suscitou, amiúde, na opinião pública, uma clara preferência pelos segundos, o que aparecia sustentado num discurso de adesão e, até, num certo fascínio por estes “europeus louros, educados, trabalhadores”.

Tendo em atenção que um dos objectivos iniciais desta pesquisa era a definição de perfis de imigração, procurámos, pois, a partir desta breve análise de imprensa, destacar variáveis de identificação social pertinentes na explicação do fenómeno imigratório.

Em primeiro lugar, a nacionalidade, que envolve significados variados consoante quem a usa e de que modo. Por exemplo, as nações dentro das nações oficiais que são praticamente desconhecidas no exterior mas que implicam realidades etnolinguísticas diversas e até concorrentes. Já era conhecida a situação dos guineenses (da Guiné-Bissau) em Portugal (Machado: 2002), mas chegam-nos agora novos registos, como é o caso dos ucranianos russófonos e ucranianos ocidentais, para já não falar da multiplicidade de regiões no Leste europeu, que nalguns casos parecem ter pouco mais em comum que a circunstância oriental.

Em segundo lugar, a (distinta) condição socioprofissional. Falamos da disparidade de situações sociais e profissionais dos que chegam, identificados num primeiro momento através de uma comum origem nacional, regional ou linguística. A título de exemplo temos o caso da “boa imagem” dos oriundos do Leste europeu que se vai fragmentando à medida que aumentam os sinais de conflitualidade envolvendo membros deste “colectivo”. Contudo, à medida que a instalação destes imigrantes se concretiza, também a sua condição nacional passa a ser menos importante como principal identificador pessoal. Este passa a ser identificado pelas suas capacidades profissionais, pela sua forma de se relacionar com o exterior, pela sua condição social e cultural. Por aí passa em grande medida o sucesso na sua instalação no país de imigração.

Também a prática religiosa se constitui como elemento fundamental de identificação social. As particularidades quotidianas que lhe estão ligadas fazem com que os observadores menos atentos tenham dificuldade em definir as diferentes práticas, que se traduzem quer na aparência dos praticantes, quer nas características dessas práticas religiosas que os autóctones desconhecem. No caso das populações da Índia e do Paquistão encontramos uma diversidade de práticas que chocam com o desconhecimento ocidental, sejam estas hindus, muçulmanas, siques ou cristãs.

E por último, a pertença linguístico-cultural, que permite reconstituir sentimentos de pertença, de semelhança e de identificação com o novo lugar de permanência. Este sentimento de pertença abre portas à compreensão do “novo mundo” em condições de imediata inteligibilidade. A chegada de brasileiros, portadores desse pré-requisito de comunicação, mesmo que não se encontrem relacionados com grupos de conterrâneos já instalados, é facilitada e permite um tipo de imigração individual que assenta na garantia mínima de uma inserção linguístico-cultural. No caso dos africanos tal situação é reforçada por uma instalação mais antiga e muito mais estruturada de conterrâneos. Encontramos ainda, para além destas situações, indicações acerca de imigrantes oriundos de contextos em que a cultura portuguesa teve presença e é referência mas onde se perdeu a relação com a língua. Tal traço, ao ser evocado, permite uma aproximação relativamente diferente destes imigrantes face àqueles que escolheram o destino Portugal porque era aquele onde era possível trabalhar ou simplesmente entrar. Nesta última categoria, de completa ausência de sentimento de pertença, estão os oriundos do Leste europeu, que são olhados por alguns dos entrevistados nas notícias da imprensa, como uma espécie de atracção circense resultante da nossa actual condição de “país desenvolvido”.

O testemunho de uma das imigrantes entrevistadas, Teresa, é bem revelador da necessidade de melhor aprofundar a análise destas variáveis.11 Teresa, de 29 anos, é ucraniana, formada em medicina, indocumentada e tem ideias claras sobre a situação dos seus conterrâneos e as políticas de imigração portuguesas. Insiste em que a imigração ucraniana é muito diversa, sendo maioritariamente de “nível social baixo…” Segundo ela, Portugal é um destino secundário que tem acolhido muitos imigrantes que não conseguiram, por exemplo, ir para o Canadá, destino preferido. Transmite a ideia de que Portugal não controla as entradas no país de uma forma eficaz…

Refere a existência de fortes rivalidades nacionalistas entre os chamados “imigrantes de Leste”, que dificultam e chegam mesmo a impedir qualquer tipo de solidariedade entre indivíduos de diferentes repúblicas, e mesmo entre indivíduos de diferentes simpatias políticas e nacionalistas dentro de um mesmo país. Estas rivalidades criam situações de conflitualidade na concorrência laboral, mesmo a nível do trabalho precário, e são acompanhadas de fenómenos de violência. As situações de aluguer de quartos passam pelo mesmo tipo de discriminações. Por outro lado, refere igualmente que há muito racismo por parte dos imigrantes de Leste, não só em relação aos negros, mas também em relação aos portugueses, que são vistos como sendo “muito básicos”.

As variáveis sociais conducentes a uma caracterização social dos imigrantes constituem, pois, pistas para uma análise mais completa destas populações — que, normalmente, são classificadas em torno de uma única variável, conforme o impacto que, a nível do estereótipo, produzem nos sectores da sociedade de acolhimento que com elas estabelecem relações categoriais (Mitchell, 1980). Muitas das fricções e das dificuldades de compreensão que envolvem os processos imigratórios ligam-se de uma ou outra forma a estes traços de identidade, arbitrariamente seleccionados. As notícias jornalísticas, que encontramos mais frequentemente, concentram normalmente a sua atenção em apenas uma destas variáveis, o que limita quase totalmente a possibilidade de reconstituir o universo dos imigrantes em instalação. Ora, a percepção de uma realidade social através de uma simples categorização dos indivíduos, como é o caso da indicação da nacionalidade, ou da pertença etnolinguística, revela-se pouco esclarecedora, pelo que o uso conjugado das informações acima referidas — a nacionalidade, a condição socioprofissional, a orientação religiosa, a pertença linguístico-cultural — permite um melhor controlo dos conteúdos.

Rui Pena Pires, num dos seus textos sobre imigração em Portugal (Pires, 1993: 179-194), desenvolve uma tipologia que se revela útil na análise das determinantes do processo migratório e tipos de migração. O autor apresenta um modelo do processo de decisão, onde a racionalidade e a motivação surgem no quadro de outras variáveis externas que, em conjunto, levam à decisão de emigrar. Igualmente útil nos parece a identificação de critérios de classificação das migrações, em termos de fluxos (no espaço doméstico ou internacional, mais permanentes ou temporárias, revelando dimensões mais individualizadas ou configurando movimentos sociais); em termos de contexto (onde factores económicos, políticos, sociais e culturais afectam a decisão, assim como o grau de liberdade de decisão no momento da migração); e em termos dos próprios migrantes (suas origens, expectativas e processo de integração na sociedade de acolhimento). No caso das migrações internacionais são de salientar, ainda, três tipos de movimentos migratórios com motivações diferentes: profissionais, laborais ou de “refúgio” político.

As razões que provocam a imigração são, pois, complexas, e prendem-se não apenas com constrangimentos no plano económico, social e político, como também com idiossincrasias individuais e, ainda, com o contexto familiar e cultural, no sentido da pré-existência de redes de parentesco, de amizade, de vizinhança ou conterraneidade (Malgesini e Giménez, 2000: 239-244). “A combinação e o peso relativo de cada um destes elementos, a situação psicossocial, as fantasias, em suma, a história de vida de cada pessoa que decide converter-se num imigrante são difíceis de sistematizar” (idem: 241). Por esta razão, uma das opções metodológicas desta pesquisa foi tentar, o mais possível, retratar trajectórias individuais de imigrantes, no sentido de captar o “imigrante” nas suas semelhanças e particularidades.


Cidadão e indocumentado: há uma condição social de imigrante?

… tenho vários outros casos que acompanhei directamente, de pessoas que estando cá em Portugal, e que passaram a ter uma situação de ilegalidade depois de ter autorização de residência pelo simples facto de caducidade de documentos. Também ocorre com muita frequência. A passagem da situação do legal para o ilegal é num ápice. A pessoa pode até julgar que está legal, mas pelo simples facto de caducidade de documentos, que implica a renovação, que implica o justificar porque deixou caducar… (imigrante cabo-verdiano, 40 anos, mediador associativo).

O epíteto “clandestino”, “ilegal” ou “indocumentado” deve ser entendido na circunstancialidade que o caracteriza, já que é uma condição jurídica que num minuto se pode perder ou ganhar, mas também é uma condição social com conotações pejorativas, estigmatizantes, segregadoras e, até, xenófobas.

Ao longo da última década a “imigração na Europa tem-se caracterizado pelo auge da ‘ilegalidade’ ou irregularidade da actividade laboral dos cidadãos estrangeiros, maioritariamente extracomunitários. Esta condição é uma característica estrutural dos anos 80 e 90, directamente vinculada ao desenvolvimento do sector de serviços e da ‘economia subterrânea’” (Malgesini e Giménez, 2000: 262-3). Curioso é que se estigmatizem os trabalhadores “sem papéis”, enquanto se tolera os seus empregadores, tão “ilegais” quanto eles…

Num rápido esboço a partir da imprensa, encontramos um conjunto de críticas ao processo de regularização dos trabalhadores imigrantes que assentam precisamente no significado desta iniciativa governamental, diferentemente dos processos anteriores:

…desta vez não se trata de conceder autorizações de residência a quem comprovar viver em Portugal há algum tempo, mas conceder aos trabalhadores estrangeiros ilegais autorização de permanência em função do contrato de trabalho que eventualmente tenham (Público, 16-01-2001).

Tal perspectiva de legalização orienta toda a discussão deste processo para o mundo do trabalho e para as suas componentes ilegais, ou pelo menos de indefinição legal. As associações de defesa dos imigrantes estimam que estes sejam entre 80 e 120 mil, e daí o previsível estímulo que as redes ilegais de tráfico de mão-de-obra sentem em trazer para Portugal novos indivíduos expectantes perante uma sedutora possibilidade de legalização, que permite inclusive a vinda para Portugal dos seus cônjuges e filhos. Veja-se a notícia do Público de 24-01-2001 em que se refere: “a nova lei… poderá trazer até Portugal os cônjuges e os filhos menores de muitos destes imigrantes: até agora a imigração de Leste tem sido sobretudo masculina”.

Em relação às informações contraditórias e às dificuldades encontradas no processo de regularização, destacamos o episódio das longas filas de espera de imigrantes, muitos deles à espera apenas da informação necessária. As áreas da grande Lisboa e do Porto são as mais referidas (Jornal de Notícias, 8-03-2001, acerca do posto de atendimento do Barreiro, e ainda em Cascais, Público, 21-3-2001). Face a isto respondem em permanência o governo e as instituições públicas com a abertura de novos centros de atendimento, com a conjugação de esforços da Inspecção Geral do Trabalho, do SEF e da Segurança Social, informações que encontramos detalhadíssimas ao longo dos primeiros meses do processo (Diário de Notícias, 31-1-2001, 19-2-2001; Público, 23-2-2001 e 21-3-2001).

Contudo, a maior parte das acusações a este processo de regularização de permanência em Portugal, em 2001, assentam na dependência em que os trabalhadores estrangeiros ficam face às entidades patronais. Os exemplos noticiosos são variados. Fernando Ká, presidente da Associação Guineense de Solidariedade Social, fala dos imigrantes ilegais como “presas fáceis” dos empreiteiros (Diário de Notícias, 21-2-2001); Amélia Costa, estudante de comunicação denuncia “que há quem pague pelo seu contrato… se o trabalhador não tem documentos, o patrão sabe que o tem na mão e abusa dele” (Público, 12-3-2001).

Já Pedro Louro, da Associação SOS Racismo, alerta para o facto de esta “lei criar uma segunda categoria de cidadãos que não têm acesso aos mesmos direitos, nomeadamente à livre escolha da profissão” (Público, 16-01-2001), enquanto Joaquim Sismeiros, presidente da ARICCOP (Associação Regional das Indústrias de Construção Civil e Obras Públicas), fala a propósito da região de Leiria, da “possibilidade de algumas empresas tentarem contornar a legislação, simulando que contrataram o indivíduo para uma função de menor responsabilidade, ou seja, menos bem paga, visto que os trabalhadores estrangeiros têm, à partida, menos capacidade negocial” (Público, 27-01-2001).

A resposta governamental vinda através do então ministro do emprego e da solidariedade social a este duplo problema é também dupla. Afirmava Ferro Rodrigues:

Estão a ser criadas condições para forçar à legalização empresas que estavam ilegais, pela pressão dos trabalhadores. Estas pessoas entram no sistema fiscal e de segurança social. Passam a ter os mesmos direitos dos outros trabalhadores portugueses, é essa a lógica da legalização. (…) A lógica é legalizar o máximo de pessoas que estejam a trabalhar para atacar as máfias e um conjunto de redes que vivem à custa da inexistência de qualquer legalização. Nos casos em que há testemunhas de que determinada pessoa trabalha num sector ou numa obra e que lhe querem passar o contrato de trabalho acontecem duas coisas: são legalizados e aqueles que não lhes queiram passar o contrato de trabalho são severamente punidos (Público, 11-3-2001).

Esta questão é também apontada pelos empresários, como os do sector da construção civil, que se sentem alvo de uma concorrência desleal. Rui Viana, presidente da Associação das Indústrias da Construção Civil e Obras Públicas/Norte (AICCOPN) afirma que “existe em Portugal uma economia paralela no sector com consequências graves tanto para os outros empresários, que sofrem essa concorrência desleal, como para os trabalhadores que empregam ilegalmente, pois são vítimas de um crime social”. Contudo, este interlocutor alerta também para o facto de haver “trabalhadores que preferem ganhar mil escudos à hora e não ter segurança social, contratos e todos os direitos inerentes, esquecendo que se estiverem legalizados recebem menos de cada vez mas ganham 14 meses” (Público, 24-01-2001).

Por fim, também as centrais sindicais (CGTP e UGT) participam deste processo, contribuindo através do esclarecimento dos trabalhadores nestas condições. Iniciativas como o posto de informação ambulante da UGT (Diário de Notícias, 19-02-2001) pretendem combater a falta de informação sobre o processo de legalização. Muitos sindicatos, à semelhança do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil do Sul e da CGTP, transformam-se numa espécie de agência de emprego, na medida em que tentam recolocar no mercado laboral, legal, trabalhadores que não conseguiram contratos com os seus patrões. Refere Carlos Trindade que cinco mil trabalhadores saíram dos grandes estaleiros por os patrões se recusarem a fazer-lhes contrato, sendo mais difícil determinar o que acontece em pequenas obras dificilmente identificáveis (Expresso, 03-03-2001). A própria emissão, da parte deste sindicato e de outros, de comunicados em russo a explicar os passos para a legalização e a esclarecer os direitos laborais, tornam esta entidade importantíssima como lugar para o esclarecimento dos imigrantes (idem).

Concretizando a nossa análise, a partir de relatos de experiências vividas por parte dos imigrantes entrevistados, percebemos que a situação irregular do ponto de vista jurídico é o drama que mais aproxima todos os imigrantes, independentemente da sua origem, condição social, idade, língua ou religião. As dificuldades que em Portugal existem para que um imigrante consiga atingir, manter ou não perder o seu estatuto de documentado — de “legalidade” — constituem, indubitavelmente, uma barreira muito séria. As histórias escutadas são muitas e chegam a atingir proporções preocupantes. Os casos que de seguida apresentamos decorrem, por conseguinte, de uma selecção difícil.


Caso 1

Elena, de 33 anos, é uma imigrante letã, de ascendência e nacionalidade russas, que vive em Portugal há cerca de três anos. O seu caso é paradigmático das dificuldades de integração laboral por falta de documentação. Engenheira geodésica, só recentemente conseguiu exercer a sua profissão, que parece ser de grande procura em Portugal — razão pela qual após a sua regularização encontrou facilmente trabalho.

Discriminada na Letónia devido à ascendência russa dos pais, e também em Moscovo por se ter casado com um negro oriundo de um país africano de língua oficial portuguesa, Elena resolveu emigrar para Portugal — tendo entretanto enviuvado. Desde o primeiro minuto empreendeu esforços no sentido de se legalizar, o que demorou cerca de dois anos. Embora descontando para a segurança social e com número de contribuinte, não se pôde inscrever nos centros de emprego, por estar “ilegal”. Sujeitou-se, durante esse tempo, a trabalhar em vários sítios e muitas vezes acabou por não ser paga, tendo, inclusivamente, recebido ajuda alimentar numa paróquia.

Relatou-nos alguns incidentes no seu percurso de legalização: uma amiga deu-lhe o contacto de uma “senhora funcionária” do SEF para conseguir a sua documentação mais depressa. Encontrou essa senhora num escritório numa cave apinhada de imigrantes africanos. Para iniciar o processo de regularização pagou 750 dólares, sabendo que quando obtivesse a documentação iria pagar mais — dependendo esse montante da dificuldade da obtenção dos documentos. Ao fim de um mês foi encontrar o escritório encerrado, sem quaisquer indicações de novo endereço ou contacto. Felizmente tinha consigo o número do processo, que verificou ser verdadeiro quando, mais tarde, recorreu ao SEF. Entretanto, numa ida ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, identificou visualmente a tal senhora do SEF que conhecera nessa “espécie” de agência, numa cave, e interpelou-a. A senhora, consternada, solicitou-lhe discrição e deu-lhe um número de telemóvel, pedindo-lhe que a contactasse mais tarde. Número que se veio a verificar ser falso. Foi-lhe também feita a proposta, por um português, de comprar um passaporte espanhol, por cinco mil dólares, o que não fez. Finalmente, ao fim de dois anos e meio conseguiu a legalização, o que lhe permitiu concorrer com o seu currículo a empregos correspondentes às suas habilitações de engenheira geodésica.

Caso 2

Natalia, de 39 anos, é ucraniana e chegou há pouco a Portugal. Vive num quarto pequeno numa pensão, que lhe custa 50 contos por mês, e tem de partilhar os espaços comuns com cerca de duas dezenas de brasileiros. No seu país de origem trabalhava na “área cultural”, ligada ao teatro e à televisão, para a qual planificava a programação. Filha de professores, tem familiares a viver no Canadá, conhece a Europa e os EUA, onde diz ter muitos amigos. Aquando da mudança de regime do seu país, no início da década de 90, todas as poupanças que tinha no banco, resultado de anos de trabalho, desapareceram sem deixar rasto — e Natalia, tal como milhares de ucranianos, sem dinheiro suficiente para sobreviver, teve de encarar seriamente a possibilidade de imigrar. No seu país deixou três filhos com 18, 14 e 6 anos e acalenta a ideia de trazer a filha mais velha para Portugal, para tirar um curso superior. Sobre os mais novos, acha que deverão aprender, primeiro, a realidade ucraniana e só depois vir para cá.

No momento em que foi contactada, a sua maior preocupação era a de arranjar um contrato de trabalho, como forma de se poder legalizar — o que veio a acontecer mais tarde, como empregada de limpeza na área de Lisboa. Todos os dias comprava o jornal lendo os anúncios com a ajuda de um dicionário. Já tinha respondido a muitos, sobretudo para empregada de limpeza, mas ninguém parecia disposto a passar-lhe um contrato de trabalho. Passa as noites em claro, assustada com a perspectiva da expulsão por cinco anos — caso não regularize até ao fim do mês a sua situação. O seu português é bastante hesitante, no entanto compreende-nos bem. Mesmo assim, evita o convívio com portugueses, pois sente-se constrangida com a falta de vocabulário e com a atenção que essa falha obriga a dispensarem-lhe. Tem amigos ucranianos e alguns portugueses.


Caso 3

Maria, natural de Minsk, é bielorrussa e vive na Quinta do Mocho. Com 35 anos está há oito em Portugal. Enfermeira de profissão, conheceu no seu país de origem um estudante oriundo de um país “PALOP” com quem se casou e de quem tem um filho, nascido no país de origem do pai, nos breves quatro meses que Maria lá passou. Veio para Lisboa, onde acabou por se separar. Tem trabalhado em vários lugares sem poder exercer enfermagem, pois o seu diploma carece de reconhecimento. Com autorização de residência caducada e entregue para renovação no SEF há largos meses, Maria conta-nos angustiada que teve de contratar um advogado para localizar o seu processo e os seus documentos, sem sucesso. Fala bem português, trabalha em várias organizações de solidariedade, é uma verdadeira mediadora, sempre em risco de ser expulsa do país.


Caso 4

Marco tem 39 anos, é natural do Brasil, bacharel em arquitectura, vive em Portugal há nove anos e exerce a actividade de “produtor cultural” em Loures, desde 1997.

Embora com parentes a habitar no norte do País, foram as relações de amizade que o trouxeram a Portugal. Quando saiu do seu país, em 1992, não tinha ideia para onde ir, nem por quanto tempo. Estava “farto de política”, veio visitar uma amiga por uma semana e acabou por decidir ficar. A ideia inicial era a Europa, mas como ele lucidamente afirma:

Facilitou a língua… por exemplo, se eu fosse para Londres provavelmente ia lavar pratos, ia ser mais um terceiro-mundista a lavar pratos. Em Portugal tenho outros laços, outra aceitação. Nunca se eu fosse para Londres ou para França, a menos que eu tivesse um currículo invejável, mas nunca ia chegar a fazer o que eu faço hoje, em Londres.

Em 1993 entrou com “os pedidos” de regularização, que “foi como uma passagem pelo purgatório”:

…uma vez fui até lá às cinco horas da manhã e aquilo fechava às três da tarde, e quando faltavam dez para as três estavam quatro pessoas na minha frente para entrar. O senhor fechou a porta e disse que não entrava mais ninguém, e não entrava mesmo mais ninguém, e eu que tinha ido às cinco da manhã (…) Aí noutra vez fui às quatro e às duas da tarde consegui entrar e faltava um carimbo. Foram cinco, seis meses nisto.

Mas finalmente conseguiu o visto, que cada ano renovava. Em 1997 casou com uma alemã, tendo conseguido um visto de residência para dez anos, com o estatuto de cidadão europeu, o que lhe permite ser atendido num guichê “especial, que não tem ninguém, nem pretos, nem indianos, nem brasileiros, nem nada…”

Institucional e informal: como se apoiam os imigrantes?

Na opinião dos imigrantes contactados, o apoio prestado por familiares foi o mais importante. Contudo, há casos em que a existência de parentes em Portugal não se traduziu numa mais-valia, por estes não terem a vida em Portugal economicamente estabilizada. E, muito embora o apoio das comunidades religiosas aos seus elementos tenha sido pouco referido, num concelho onde este tipo de associações tem uma expressão forte, parece ser particularmente significativa a referência que de seguida se transcreve, pela voz de uma são-tomense que foi bastante ajudada pela “sua” igreja no momento da chegada a Portugal:

Eles também não tinham condições para me estar a ajudar lá naquelas casas deles, as barracas, não é? Eles tinham vida difícil e cada um desenrascava como podia… Foi através de uma igreja… Porque eu sou pentecostal, uma igreja evangélica e… os nossos irmãos… somos unidos, e foram lá (ao aeroporto) me buscar…

(…) eu já conhecia essa igreja há muitos anos, em S. Tomé, e aqui também… temos uma grande família religiosa… nós somos cristãos (…) uma família unida, é uma família bastante grande, e… dou bem com eles, eles dão bem comigo… (imigrante são-tomense, 46 anos, ama).

Quanto aos apoios prestados por instituições oficiais, autarquias e associações, os imigrantes inquiridos afirmaram ter sido pouco importantes. Na realidade, de um modo geral, os apoios mais referidos são aqueles que podemos classificar como informais (familiares, amigos, patrões, membros de uma mesma congregação religiosa, etc.). Na sua percepção, os apoios institucionais são praticamente inexistentes, sendo desenvolvidos, sobretudo, quando, a título individual, os interlocutores se predispõem a ajudar e fazem uso dos lugares institucionais que ocupam. Tais actuações não parecem, por conseguinte, derivar de normativas ou de programas específicos.

É de assinalar a importância conferida a certos locais de sociabilidade, tais como feiras, mercados, igrejas, bairros, amiúde referidos como lugares de encontro importantes. Destacamos dois testemunhos particularmente significativos, um de uma imigrante angolana que, após ter ficado sem casa, se dirigiu à Feira do Relógio e, por acaso, encontrou uma vizinha de Luanda que a ajudou; outro, de um responsável pela mesquita de Lisboa, que conta que os imigrantes muçulmanos recém-chegados se dirigem à mesquita procurando alguém conhecido que os possa ajudar a encontrar casa, trabalho, etc.

As situações de apoio mais frequentemente documentadas nos trabalhos jornalísticos têm a ver com as associações, os movimentos, as pessoas que participam nas iniciativas de apoio a estas populações, ou com os próprios imigrantes que protagonizam histórias mais marcantes. Salientamos que o processo de legalização, tão noticiado, acaba por desencadear por todo o país iniciativas solidárias protagonizadas por várias entidades.

É precisamente em torno de grupos mais ou menos estruturados de imigrantes chegados a Portugal que se desenvolvem iniciativas de solidariedade. Encontramos notícia de entidades tão variadas como as câmaras municipais, paróquias e escolas, no apoio ao ensino da língua portuguesa (Águeda, em Diário de Notícias, 14-03-2001, Valpaços, em Jornal de Notícias, 14-04-2001, paróquia de São Pedro de Penaferrim, Sintra, em Público 18-03-2001, professores de um externato em Torres Novas, em Diário de Notícias, 01-03-2001, Ensicoop e Junta de Freguesia de Sacavém, em Jornal de Notícias, 10-04-2001), a Associação Guineense de Solidariedade Social, no apoio informático e até no apoio alimentar a imigrantes de todas as origens (Público, 26-01-2001), o Abrigo do Beato, em Lisboa, com comida e dormida… Finalmente, encontramos referências às intenções que vários organismos estatais e da igreja católica revelam no sentido da institucionalização de tais apoios (Expresso, 17-03-2001; Público, 09-04-2001, entre outros) e, ainda, a sindicatos da UGT e da CGTP, que desenvolvem um número importante de acções.


Apontamentos finais


Um dos objectivos iniciais desta investigação foi a reconstituição de trajectórias migratórias, assim como a identificação de perfis de imigrantes e situações-tipo, de forma a melhor elucidar os processos de instalação e de relação social em contexto imigratório. Contudo, atendendo a vários tipos de constrangimentos surgidos ao longo da pesquisa, mais do que definir uma tipologia de populações imigradas, procurámos dar voz a experiências vividas de imigrantes, pelos próprios ou por próximos deles, o que nos levou a problematizar a própria categoria de “imigrante” na, por vezes, apenas aparente objectividade da sua condição e na subjectividade das representações que suscita.

Escolhemos dois enfoques complementares. Através da cobertura mediática tentámos ilustrar o modo como a imigração aparece associada a variadas formas de “clandestinidade” e de “marginalidade” com todos os sinais de ocultação que as acompanham. No terreno, procurámos retratar, de um modo impressivo e limitado, a dinâmica que envolve a instalação dos imigrantes num território concreto: o concelho de Loures. Em termos de trabalho de terreno a nossa estratégia passou por aplicar instrumentos de observação e análise que nos garantissem quer a fiabilidade dos dados recolhidos — nunca trabalhar com populações que dada a sua desconfiança face aos colectores de informação poderiam dar apenas as respostas convenientes ou simplesmente nem as dar — quer a inteligibilidade dos processos — recorrer a interlocutores que dada a sua localização privilegiada pudessem apresentar ideias de conjunto enriquecedoras para a compreensão dos processos em causa. Assim, devido às dificuldades de acesso a imigrantes num tão curto período de tempo (apenas um ano), criámos uma rede de contactos com informantes (imigrantes ou não), o que nos permitiu ampliar, num sentido aberto e informal, o universo de interlocutores e de interlocução. Procurámos, igualmente, contribuir para a construção, por parte da autarquia, de uma rede de agentes locais capazes de colaborar na definição de uma política de apoio à integração de imigrantes em situação indocumentada.

Na realidade, nos processos de imigração recente tudo parece indicar que a instalação num determinado território, entendido aqui ao nível do concelho, decorre mais de factores estritamente circunstanciais, do que de opções evidentes. A proximidade de Lisboa, a oferta de trabalho e de habitação relativamente barata (incluindo aqui a possibilidade de autoconstrução e de realojamento), a prévia existência de redes de suporte de parentesco, de conterrâneos ou conhecidos, facilitadores de uma inserção residencial e laboral, parecem ser alguns dos factores determinantes na direcção dos fluxos migratórios — razões de atracção migratória partilhadas pela maior parte dos concelhos da área metropolitana de Lisboa. A existência, em Loures, de uma diversidade grande de imigrantes, provenientes de várias origens, sociais e geográficas, que ocupam tanto as suas áreas menos povoadas como as mais densas, leva-nos a considerar que, apesar da delimitação territorial feita neste trabalho ter sido artificial (do ponto de vista de um fenómeno como o migratório que ultrapassa os limites concelhios), este município constitui, sem sombra de dúvida, um lugar de observação privilegiado — uma espécie de laboratório onde o aprofundamento do estudo do fenómeno imigratório é, não só possível, como desejável.


Notas

1 Loures confina igualmente com os concelhos de Arruda dos Vinhos, Mafra, Sintra, Vila Franca de Xira e, recentemente, Odivelas, novo concelho cuja principal área foi retirada do território de Loures.

2 Em 1999 Loures viu a sua área de 195 km2 reduzida para 168 km2, tendo ficado com menos cerca de 100.000 habitantes, distribuídos por 18 freguesias, após a saída das freguesias de Odivelas, Caneças, Famões, Olival Basto, Pontinha, Ramada e Póvoa de Santo Adrião que passaram a integrar o novo concelho de Odivelas.

3 O concelho tinha, em 1981, 276.467 habitantes, em 1991 chegava aos 322.158, e em 2001 a sua população ficava pelos 199.061.

4 Gabinete de Assuntos Religiosos e Sociais Específicos. Agradecemos à equipa do GARSE que nos acompanhou ao longo de toda a pesquisa, em particular às Dras. Isabel Vieira, Cristina Santinho e Carla Assunção, a forma acolhedora e empenhada como o fizeram.

5 A investigação, desenvolvida no âmbito do CEAS/ISCTE, integrou os seus coordenadores Luís V. Baptista e Graça I. Cordeiro, a socióloga Violeta Alarcão, e os estudantes de antropologia, Vasco Ruivo e Anabela Moreira.

6 As notícias de imprensa analisadas foram recolhidas de forma sistemática nos diários de grande tiragem nas duas maiores cidades do país (Jornal de Notícias, Diário de Notícias, Público) e num semanário (Expresso). A análise feita reporta-se aos primeiros quatro meses do ano de 2001.

7 A vantagem estratégica do recurso a estes informantes, também designáveis como mediadores, baseia-se na distância que estes vivem face à situação de indefinição dos recém-chegados, o que os torna disponíveis para outro tipo de abordagem, mesmo no caso em que estes são imigrantes, graças ao estatuto e segurança relativos, entretanto conquistados, na sociedade de acolhimento. Entendemos como mediador todo aquele que nos conduziu e orientou por uma realidade desconhecida, como intermediário e informante sobre factos objectivos, juízos subjectivos, frequentemente opiniões e imagens filtradas por variados veículos de comunicação sobre essa realidade. Mesmo sendo parte interessada num processo em curso, era reconhecido como capaz de agir legitimamente, tomando posição e negociando posições próprias e alheias [ver Berger e Mehaus, 1977; Velho e Kuschnir (orgs.), 2000].

8 “Dados sobre imigração”, GARSE, CML, 1995; Base de dados “Gestão de habitação”, C. M. Loures/D. M. Habitação.

9 Durante o processo de legalização que decorreu entre 22/1 e 4/12 de 2001, foram concedidas, a nível nacional, 120.244 autorizações de permanência, em que as nacionalidades mais representadas, por ordem decrescente, foram: ucraniana (42.647), brasileira (22.604), moldava (8.469), romena (6.985), cabo-verdiana (5.232), russa (4.817), angolana (4.752), chinesa (3.231), guineense (3.104), paquistanesa (2.797), indiana (2.704) e são-tomense (1.519) (estatísticas do SEF sobre autorizações de permanência).

10 Dossiês sobre a “Invasão do Leste” (Pública, 04-03-2001), “United colors of Portugal” (Visão, 08-03-2001), “Um país ilegal” (Grande Reportagem, Março 2001) servem apenas como ilustração de uma produção maciça de dossiês de informação acerca de um fluxo populacional que se começa a sentir quotidianamente

11 Todos os nomes de informantes são pseudónimos.

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* Luís Vicente Baptista. Departamento de Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
E-mail: luisv.baptista@fcsh.unl.pt

**Graça Índias Cordeiro. Centro de Estudos de Antropologia Social/
Departamento de Antropologia do Instituto Superior de Ciências Sociais
e da Empresa. E-mail: graca.cordeiro@iscte.pt

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