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Sociologia, Problemas e Práticas

Print version ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  no.39 Oeiras Aug. 2002

 

FUTUROS PROVÁVEIS

Um olhar sociológico sobre os projectos de futuro no 9.º ano

Sandra Mateus*


Resumo Pretende-se, neste artigo, analisar as opções escolares e profissionais constitutivas dos projectos de futuro de alunos do 9.º ano de escolaridade. Considera-se que estes emergem de um campo de possibilidades onde elementos como os recursos socioeconómicos, a escola e as redes de sociabilidade formam um quadro dinâmico, específico e determinante, cuja abordagem permite ultrapassar a perspectiva individual e de livre arbítrio que se tende genericamente a atribuir às escolhas escolares, bem como aos projectos de futuro. A observação destas dimensões, nomeadamente no que mais directamente diz respeito à escola, conduz à construção de uma tipologia interpretativa dos projectos identificados.

Palavras-chave Projecto de futuro, campo de possibilidades, rede de sociabilidades, escola.

 

Abstract This article analyses the scholastic and vocational options that lie behind 9th grade students’ plans for the future. It sees these plans as emerging from a field of possibilities in which elements such as socio-economic resources, schools and sociability networks form a specific, dynamic and determinant framework, the study of which makes it possible to go beyond the individual and free-choice perspective that is generically attributed to choices of both options at school and plans for the future. Observation of these aspects, particularly those that most directly concern school, leads to the construction of a typology with which to interpret the plans identified in the study.

Keywords Plans for the future, field of possibilities, sociability network, school.

 

Résumé Cet article analyse les options scolaires et professionnelles qui constituent les projets d’avenir des élèves en fin de scolarité obligatoire. Ceux-ci semblent émerger d’un champ de possibilités où des éléments tels que les ressources socio-économiques, l’école et les réseaux de sociabilité forment un cadre dynamique, spécifique et déterminant, dont l’approche permet de dépasser la perspective individuelle et de libre arbitre qui est en général attribuée aux choix scolaires ainsi qu’aux projets d’avenir. L’observation de ces dimensions, notamment en ce qui concerne plus directement l’école, conduit à la construction d’une typologie interprétative des projets identifiés.

Mots-clés Projet d’avenir, champ de possibilités, réseau de sociabilité, école.

 

Resúmene Se pretende en este artículo, analizar las opciones escolares y profesionales que forman parte de los proyectos de futuro de los alumnos del noveno curso de escolaridad. Se considera que estos surgen de un campo de posibilidades en los que elementos como los recursos socioeconómicos, la escuela y las redes de sociabilidad forman un cuadro dinámico, específico y determinante, cuyo abordaje permite adelantarse a la perspectiva individual y de libre arbitrio que tiende a atribuirse genéricamente a las opciones escolares y a los proyectos de futuro. La observación de estas dimensiones, sobre todo en lo que respecta a la escuela, conduce a la construcción de una tipología interpretativa de los proyectos identificados.

Palabras-clave Proyecto de futuro, campo de posibilidades, red de sociabilidades, escuela.


O 9.º ano de escolaridade representa, no sistema de ensino português, o ano da primeira opção vinculativa na trajectória escolar. Os alunos confrontam-se, ao finalizarem a escolaridade obrigatória, com um leque heterogéneo de opções formativas inseridas em diferentes tipos de ensino. A eleição de uma área de estudos para o 10.º ano de escolaridade pressupõe uma primeira dupla escolha (entre o ensino geral, o tecnológico e o profissional e, nestes, a escolha de uma área optativa), e assume um importante papel no processo de escolarização ulterior, constituindo o primeiro estreitamento objectivo do espaço de possibilidades oferecido pelo sistema de ensino, comportando implicações no que diz respeito às saídas escolares ou profissionais subsequentes. A primazia no monopólio da formação levou a escola a adaptar-se às exigências sociais e à lógica laboral, através do desdobramento do ensino secundário em múltiplas opções de formação, pretendendo dar resposta não só às necessidades económicas, mas também à diversidade de valores, competências e de projectos dos alunos.

As heterogeneidades de escolha e diferentes opções de percurso dos alunos são encaradas “como ‘interesses, necessidades e preferências individuais’ cujas fronteiras a educação escolar deve preservar e, através da oferta de distintas oportunidades de formação, traduzir na formação de recursos humanos com as competências e capacidades para as múltiplas funções sociais e laborais que o sistema produtivo, a estrutura ocupacional e a organização da vida colectiva exigem” (Antunes, 1998: 134). A escola torna-se assim não só o lugar por excelência da transmissão e aquisição de saberes mas, também, da construção de futuros socioprofissionais, isto é, o espaço de encontro dos projectos e aspirações individuais com as possibilidades, as regras e os procedimentos impostos aos alunos pelo sistema educativo (Alves, 1998).

As escolhas escolares inerentes à transição para o ensino pós-básico podem ser entendidas como parte integrante de um sistema mais vasto de projecção/construção do futuro profissional individual. É, por isso, importante questionar a dimensão sócio-institucional das mesmas. Se, teoricamente, se considera que todos os alunos têm a mesma probabilidade de seguir qualquer das vias que se lhes apresentam na etapa subsequente do percurso escolar, o que acontece na realidade é uma auto-orientação, não dissociável de auto-selecção, impulsionada a partir dos diferentes trunfos (de ordem escolar, socioeconómica, pessoal e outras) sustentados pelos jovens (Pinto, 1991). Deste modo, para os alunos que transitam do 9.º para o 10.º ano de escolaridade, nem todas as vias de opção que existem na nova etapa escolar são igualmente acessíveis. O processo de escolha entre as diversas opções de ensino põe assim em jogo um conjunto de factores que questionam a comum percepção de “escolha individual”.

A pesquisa, que aqui se apresenta numa síntese, pretendeu de algum modo reconstituir o cenário de emergência dos projectos de futuro de jovens alunos do 9.º ano de escolaridade, questionando uma das mais importantes facetas da relação estabelecida entre os agentes juvenis e a escola — a construção de um projecto de futuro.

Escolhas escolares, projectos de futuro e campo de possibilidades

Perante os diferentes pontos de bifurcação do sistema escolar, é pedido aos alunos que inscrevam as suas escolhas escolares — deste modo justificando-as e legitimando-as — num projecto de futuro mais vasto. Este processo traduz o que Giddens (1994) denomina como colonização do futuro, ou arrastamento do tempo futuro para o presente. Este arrastamento é um traço dominante da época actual, em que se vive uma “moda do projecto” ou “cultura do projecto”, em que o sentimento de existência está intimamente ligado com a capacidade de projecção no futuro (Boutinet, 1990). É neste novo tempo operatório que as opções com que os indivíduos são confrontados ganham sentido e consistência. É através dos projectos que as trajectórias individuais se vão construindo, o que faz dos mesmos um instrumento pertinente do seu estudo (Velho, 1994).

O projecto pode ser conceptualizado como a representação de objectivos ou desejos futuros que, partindo de um conjunto de experiências passadas, organiza e confere sentido às acções presentes e quotidianas.1 Na sua elaboração encontra-se uma dinâmica que é fruto do cruzamento das dimensões individual e social. Individual porque o mesmo implica uma avaliação, uma estratégia, um plano de realização, uma noção de tempo com etapas de encadeamento, uma selecção em função das experiências, necessidades e estratégias particulares. Social pela existência de um conjunto específico de possibilidades socioculturais, ou seja, de um campo de possibilidades, fortemente estruturante do mesmo. Os projectos individuais não são fenómenos puramente internos e subjectivos, são elaborados dentro de um determinado contexto social e cultural, e jogados na interacção com outros projectos. O campo de possibilidades representa assim, segundo Gilberto Velho (1994), o campo disponível das alternativas, o conjunto das circunstâncias e das experiências socioculturais. O projecto de futuro depende fortemente da natureza e dinâmica do campo referido, de onde o mesmo emerge, e no qual é inspirado.

As escolhas escolares dos alunos em transição para o ensino secundário, consideradas parte integrante de um projecto de futuro, emergem então de um campo de possibilidades onde elementos como a família, as sociabilidades e a escola formam um quadro dinâmico, específico e determinante. A sua construção, momento importante da autonomização do jovem, em grande parte impulsionado pela necessidade de efectuar uma escolha escolar, irá estruturar-se, entre outros, “de acordo com as estratégias e trajectórias de vida das famílias ou em oposição a elas; integrando referências recolhidas durante a escolarização ou, pelo contrário, primando pela sua ausência” (Benavente, Campiche, Seabra e Sebastião, 1994: 122).

As opções escolares e as futuras inserções socioprofissionais pretendidas por um conjunto de alunos vão assim, nesta pesquisa, ser observadas a partir da origem social e experiências escolares dos mesmos — experiências entendidas num sentido amplo, onde são consideradas a trajectória, o processo de orientação e as sociabilidades escolares —, consideradas como constitutivas, em grande medida, do campo de possibilidades a partir do qual o projecto de futuro individual se irá estruturar. Abordá-lo, ultrapassando a circunscrição à perspectiva individual e de livre arbítrio que de modo genérico se atribui ao projecto, constituiu o objectivo deste trabalho.

Neste sentido, analisaram-se os discursos que alunos do 9.º ano de escolaridade de uma escola de 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, localizada na periferia de Lisboa, formulam quanto às suas opções de futuro, escolares e profissionais.2

Esta análise tem como objectivo balizar e equacionar o papel da escola na definição dos projectos de futuro, num contexto como o actual, em que, por um lado, é inequívoca a sua importância na produção de qualificações e preparação para a vida activa e, por outro, as heranças sociais e culturais dos jovens, desiguais no momento da entrada na instituição escolar, têm a possibilidade de ser actualizadas dentro da mesma, o que remete para as potencialidades enriquecedoras e transformadoras da escola enquanto instituição de passagem obrigatória.

Este questionamento estrutura-se em duas etapas: numa primeira procede-se a uma revisão e categorização dos projectos escolares e profissionais dos alunos (não sem antes se traçar a sua caracterização socioeconómica e a sua trajectória escolar); numa segunda etapa desenvolvem-se dois eixos distintos, de algum modo constituintes da experiência escolar, no que mais ou menos directamente diz respeito à construção dos projectos de futuro: 1. os serviços de orientação escolar e profissional, e as expectativas dos actores em torno do seu trabalho; 2. as sociabilidades permitidas e estimuladas no espaço escolar, e o modo como estas influenciam os projectos de futuro dos alunos.

Turma A e turma Z: caracterização, recursos e referências

Na recolha dos dados que enformam este trabalho, mais que a contabilização e enumeração das opções dos alunos, interessou apreender o modo como estas são vividas, em que personagens e factos se inspiram, onde e com quem são debatidas, com que apoios (institucionais ou não) se estruturam.3 Como técnica principal recorreu-se às entrevistas semidirectivas, ou conversas direccionadas, durante as quais os alunos foram convidados a pensar as suas opções, a descrevê-las e criticá-las, reconstruindo-as.

Do total de turmas do 9.º ano existentes na escola em estudo, foram seleccionadas duas, e dentro destas procurou-se entrevistar a totalidade dos alunos. A selecção das turmas teve como critério central o tipo de trajectória escolar: a turma A (ou a turma da “excelência”), cujo “núcleo duro” de alunos se conserva desde os primeiros anos de frequência da escola, e cujas trajectórias escolares se apresentavam globalmente pautadas pelo sucesso, com um baixo índice de reprovação; a turma Z (ou a turma do “fracasso”), constituída por elementos não só provenientes de turmas diversificadas, como caracterizados na generalidade por trajectórias de insucesso escolar e reprovação. Heterogéneas do ponto de vista quer das trajectórias escolares, quer dos seus bairros de residência, estas turmas apresentam uma relativa homogeneidade na sua composição interna — a caracterização social dos alunos entrevistados permitiu constatar a polarização de recursos escolares, sociais e culturais entre as mesmas —, o que possibilita a sua análise enquanto grupo-turma.

Procurou-se assim captar a significativa variedade de situações que caracterizam a população escolar, nomeadamente as resultantes da actuação de mecanismos de selectividade escolar.4 Esta polarização remete para a problemática dos critérios de constituição de turmas, consolidados em torno do agrupamento de semelhantes — no tipo de trajectórias escolares, de recursos, entre outros — numa homogeneização que terá consequências a vários níveis, nomeadamente ao nível do alargamento ou estreitamento do campo de possibilidades dos alunos, e da definição dos seus projectos de futuro.

Na turma A foram realizadas entrevistas a 12 jovens, oito do sexo masculino e quatro do sexo feminino, cuja média de idades rondou os 14 anos. Na turma Z foram realizadas 10 entrevistas, 5 a alunos do sexo masculino e 5 a alunas do sexo feminino, cuja média de idades se situou entre os 16 e os 17 anos; o que perfaz um total de 22 entrevistas.5 Nos registos relativos às entrevistas, e com o intuito de garantir a privacidade dos alunos, os nomes, a designação das turmas e dos bairros de residência foram alterados.

Posicionamentos no espaço social

É possível afirmar que a concepção dos projectos de futuro se sustenta em grande medida no meio social de onde estes emergem. O futuro projectado configura-se, grosso modo, como um futuro de classe, reportado aos meios sociais, e é atravessado pelos seus referentes, pelos percursos escolares e profissionais dos seus familiares. A família é, particularmente na faixa etária dos jovens confrontados com a primeira escolha escolar, uma referência social determinante, um contexto “onde, de forma mais intensa e contínua, se partilham recursos e experiências, se formam disposições e projectos, se desenvolvem práticas quotidianas e estratégias de vida” (Costa, 1992: 84). A relação estreita entre a condição da família de origem e a condição social dos próprios jovens, ajuda a compreender as trajectórias que os mesmos projectam, orientadas pela família através dos recursos de que dispõe e das referências que transmite. Os contornos desta orientação dependem quer da origem social, e do modo como as diferentes famílias gerem as modalidades de controlo, as finalidades, motivações e os graus de autonomia dos seus jovens, quer da experiência profissional dos seus elementos (Kellerhals, Troutot e Lazega, 1989; Seabra, 1997 e 1999). Sendo que os projectos de futuro emergem da confrontação entre as representações da escolaridade, das profissões e de si, a consideração não é feita sobre todas as possibilidades de escolha existentes, já que o jovem só poderá explorar aquelas sobre as quais tem conhecimento, mesmo que superficial. Deste modo, uma atenção maior será dispensada às possibilidades que são familiares, que correspondem às orientações tradicionais dentro do meio de pertença.6 Os determinantes sociais ganham uma redobrada importância na construção de um projecto de futuro, já que os jovens de meios populares conhecem menos profissões prestigiadas, valorizam-nas menos e atribuem a si próprios menos competências para as desempenhar (Huteau, 1992).

Não ignorando o importante papel do núcleo familiar na concepção dos projectos de futuro, e a pertinência do seu estudo, optou-se, neste item, apenas pela circunscrição à caracterização social do grupo de alunos entrevistados. Para além dos dados sociográficos referidos anteriormente (distribuição dos alunos entrevistados por sexo e idades, em cada turma), a compreensão do seu posicionamento no espaço social, ou seja, a partição dos entrevistados segundo uma estrutura de classes de origem,7 permitiu compreender as diferenças sociais — entendidas como os recursos económicos e culturais da família de origem, e seu universo profissional — presentes na estruturação dos projectos de futuro.

Considerando-se que os recursos das famílias de origem, não só escolares e culturais, mas também socioprofissionais e económicos, são determinantes no desenvolvimento de estratégias sociais, individuais e colectivas, e no desenrolar das trajectórias de vida dos seus membros, o nível de escolaridade do pai e da mãe8 constituiu um dos indicadores, a par com a profissão e a situação na profissão, utilizados para a operacionalização da classificação dos grupos domésticos dos alunos entrevistados em classes sociais de origem.9

Nomeadamente no que diz respeito à distribuição por grupos profissionais, assinala-se na turma A uma maior diversidade. Tanto os pais como as mães dos alunos da turma A distribuem-se por cinco grupos profissionais diferentes, de onde se pode destacar o peso das profissões intelectuais e científicas e dos empregados administrativos, e a ausência de trabalhadores não qualificados. Na turma Z, a distribuição circunscreve-se a três grupos, onde se encontram quatro trabalhadores não qualificados. Os pais são essencialmente operários, e um número considerável de mães são domésticas.

A conjugação dos dados permite chegar a uma distribuição dos entrevistados por classe social de origem.

É observável uma forte clivagem entre os dois grupos-turmas: a turma Z essencialmente composta pelo operariado, a turma A apresentando uma grande diversificação, e uma forte incidência da pequena burguesia intelectual e científica.

Trajectória escolares

Considerando que os tempos próprios de progressão escolar fazem com que existam idades modais para a frequência de cada grau de ensino, e que a média de idades entre as duas turmas é distinta (14 anos na turma A, 16-17 anos na turma Z), o número de reprovações foi um dos pontos tidos em conta na análise das trajectórias escolares. Através desta foi possível apurar que na turma A apenas dois alunos reprovaram uma vez. Pelo contrário, na turma Z não existe nenhum aluno que não tenha sofrido um “desvio” na progressão da sua carreira escolar, podendo ele significar até três ou quatro anos de reprovação. Nos dois casos da turma A, as reprovações acontecem no 3.º ciclo; na turma Z, as reprovações distribuem-se por toda a escolaridade obrigatória.

Outro dos pontos apurados foi o aproveitamento escolar dos alunos. Nesta análise desenvolveram-se alguns procedimentos, que permitiram constatar a diversidade de desempenhos entre os alunos.10 Apesar de não levar em conta dados relativos à progressão dos níveis escolares, ou seja, o número de reprovações, e colocar lado a lado níveis qualitativos com diferentes especificidades, esta categorização articula essencialmente o que diz respeito à variável aproveitamento escolar, fortemente determinante nas escolhas para o 10.º ano de escolaridade.

Nesta sintética caracterização dos alunos entrevistados pode constatar-se a sua polarização em dois grupos com distribuição desigual, quase antagónica, de recursos de origem e capital escolar, distribuição coincidente com a divisão por grupos-turmas.

Colonização do futuro: opções escolares e profissionais

O conceito de projecto de futuro engloba as decisões subjacentes a dois tipos de projecto — o escolar e o profissional, que foram individualizados na análise. O projecto escolar, calculado a curto prazo, prende-se com a escolha de opções e vias de ensino, e liga-se em larga medida aos percursos escolares, ao seu maior ou menor sucesso e, mais particularmente, às aspirações e motivações dos indivíduos. O projecto profissional, pensado a médio/longo prazo, refere-se ao grupo de inserção profissional propriamente dito.

Aos alunos entrevistados foi solicitado que descrevessem e fundamentassem, em primeiro lugar, o seu projecto escolar, ou seja, a escolha de um dos tipos de ensino que o sistema oferece: numa vertente mais científica/vocacional o ensino geral, o ensino tecnológico numa vertente mais operacional, o ensino profissional claramente voltado para a prática e inserção no mercado de trabalho. Entre o primeiro e os dois últimos é possível identificar uma segmentação escolar, que passa pela natureza da formação, e pela atribuição de um diferente prestígio social, dicotomizado entre a primeira, mais prestigiada e de âmbito acentuadamente teórico-intelectual, e as segundas, menos prestigiadas, de âmbito mais prático.

Como é observável no quadro 3, as opções dos alunos entrevistados diferenciam-se segundo a turma. Na turma A, a grande maioria tenciona matricular-se no ensino geral; na turma Z as preferências recaem sobretudo sobre a vertente tecnológica/profissional.

Os alunos que optaram pelos cursos gerais elegeram na sua maioria (5 alunos) o agrupamento 1 — dominante científico-natural — como opção de formação. Seleccionada apenas na turma A, esta é uma opção caracterizada por um currículo com alto nível de exigência escolar, que permite um alargamento (mais do que um estreitamento) das possibilidades de escolha no que diz respeito ao ensino superior, englobando áreas socialmente prestigiantes e concomitantes com fortes recursos simbólicos, culturais e económicos, como a medicina ou as engenharias.

Quer dizer, eu gosto de informática. Gosto das cadeiras relacionadas com o espaço. Não sei ainda bem o que é que vou seguir. (…) Eu sempre gostei de computadores. Não sei. Agora estou a afastar-me um bocado disso, e quero seguir outras coisas. (…) Outras coisas sem ser, pronto, explorar o computador. Já não me apetece muito fazer isso. (…) Ciência, espacial, coisas dessas…11 [Bernardo, turma A]

Nos discursos destes alunos é observável uma relativa indefinição, possível para quem através da sua escolha alarga em vez de reduzir o leque de possibilidades futuras. Não se encontram nos discursos a pressão da definição imediata de opções profissionais, o que em parte se justifica pela longa trajectória escolar ambicionada. Por outro lado, o grau de dificuldade dos currículos nunca é mencionado como relevante na escolha a considerar. Outros alunos da mesma turma (4 alunos) elegeram o agrupamento 3 — dominante económico-social — como área de estudos. Os argumentos para a escolha passam essencialmente pela experiência escolar anterior, e ao contrário do grupo abordado anteriormente, pela consideração da maior facilidade de desempenho nas disciplinas que compõem o currículo do agrupamento.

Noutro grupo as implicações dos currículos são consideradas apesar de um menor grau de facilitismo, ou mesmo com uma clara consciência do nível de dificuldade. Menciona-se também, nestes casos, a intervenção de outros protagonistas no processo de decisão (a psicóloga dos serviços de orientação, uma prima, o pai), que funcionam como impulsionadores ou desmobilizadores para a escolha escolar.

Apenas os alunos da turma Z (2 alunas) escolheram o agrupamento 4 — dominante humanidades. Trata-se da área menos prestigiante, considerada (pela ausência de expressão das ciências exactas) de menor complexidade, logo menor exigência. Esta opção restringe acentuadamente o campo de escolhas posteriores. Os discursos destas alunas demonstram um nível de ponderação que passa pela aceitação da indicação de terceiros ou pela “fuga” à disciplina que representa maior dificuldade, como a matemática.

Relativamente às opções no ensino tecnológico, para os alunos da turma A, a informática foi a área eleita, pensada a partir do nível de aproveitamento escolar conseguido até então e da opinião de familiares directos, revelando um alto nível de acesso à informação. Trata-se de uma estratégia de rápida e qualificada entrada no mercado de trabalho, com um prejuízo mínimo para a continuação dos estudos ao nível superior, se essa se vier a demonstrar a opção mais viável no momento.

Aliás, já tenho um curso de informática, gosto de computadores e tudo o que tenha a ver com computadores… (…) Eu vou seguir agora um curso tecnológico, e perguntei ao meu irmão o que ele achava melhor porque muitos dos meus colegas… Eu não sou um aluno bom, prontos, estou sempre naquela do 3 e coisa assim. Então para um tecnológico já ia, em vez de estar a perder mais anos, do que me meter no secundário (geral). E o meu irmão disse-me “olha, acho que sim, faz o que eu fiz. Mete-te no técnico, e depois faz o que quiseres”. [Tiago, turma A]

Na turma Z existe uma acentuada preferência pela química, distribuindo-se os restantes alunos por áreas como a mecânica e electrónica, a administração ou as artes. A entrada no mercado de trabalho parece ser o argumento forte para a opção pelo tecnológico, bem como uma maior excelência numa disciplina específica, num quadro global de fraco nível de aproveitamento. O “envolvimento” numa determinada disciplina, o seu domínio e uma boa relação com o docente parecem constituir a base de alguns dos processos de decisão. Conscientes das limitações impostas por um sistema de ensino acentuadamente selectivo, estes alunos parecem ter conseguido, com a opção pelo ensino tecnológico, maximizar a única excelência efectivamente reconhecida pelo sistema através de uma “boa nota”, definindo os projectos escolares a curto prazo e numa vertente acentuadamente prática, que possa ser valorizada no mercado de trabalho.

Porque comecei a ver que percebia de química, que gostava, entendia… O principal da química é entender aquilo, não é decorar. Então comecei a ver que entendia, gostava de experiências, decidi seguir. P- E tiveste uma boa nota? R- Sim. Vou ter 5.
[Susana, turma Z]

Quando, através do desempenho escolar, não é proporcionado ao aluno qualquer sentimento de excelência e competência, os motes para a construção do projecto procuram-se no exterior da instituição escolar, definindo-se nas (mais gratificantes) experiências quotidianas, e nas capacidades que pouco a pouco, afinal, se descobrem entre acasos e brincadeiras contextualizadas em universos contíguos ao universo familiar, que se vê deste modo reproduzido.

Eu tenho um terreno, no outro lado. E tenho sempre lá um vizinho meu, que arranja isso, que arranja os carros. É mêmo mecânico auto. E eu tive lá um bocadinho com ele, ele começou lá a mexer naquilo, nas peças, andou lá a desmontar o carro, fiquei lá a ver, comecei-me a interessar por aquilo, comecei a ajudá-lo, começou-me a pedir as chaves, comecei a ajudá-lo: “aperta aqui, aperta ali… Liga aí o carro”, não sei quê, comecei lá assim com ele. A brincar, como se aquilo fosse uma brincadeira, e se a gente tivesse lá a brincar… Começamos lá, depois desmontamos o carro, que aquilo tinha lá um problema acolá num filtro, do ar ou o que era, já não me lembro, era no filtro de ar acho eu. (…) e a gente depois montamos aquilo, limpamos aquilo tudo, e depois já ficou a funcionar bem. [Zé-Manuel, turma Z]

A opção pelas áreas técnicas tem forte expressão no ensino profissional. Através da escolha deste tipo de ensino pretende-se um contacto imediato com o mercado de trabalho, e uma formação essencialmente prática. Se, por um lado, é reconhecida, por estes alunos, a necessidade de ter uma formação para poder “ter um futuro”, por outro, as suas capacidades foram já (e continuam a ser) repetidamente questionadas pela avaliação escolar. A opção pelo ensino profissional revela assim a aceitação, por parte dos alunos, de um negativo veredicto escolar, e a “fuga” à escola, tal como a conhecem, uma auto-exclusão das vias de escolaridade que não tenham uma vertente operativa acentuada.

P- O que é que é necessário fazer para ser educadora de infância? R- Tinha que fazer o 12.º, resolvia fazer um curso, e acho que não vou chegar lá. Acho que não vou chegar. Até acabar o 12.º!…(…) Por causa das notas. Eu falei com a orientadora e ela disse que eu podia agora optar por fazer um curso de auxiliar de educadora de infância. [Rosalina, turma Z]

Na figura 1 distribuem-se as opções dos alunos entrevistados pelas diferentes vias de ensino existentes, segundo a sua classe social de origem.

Às classes de maiores recursos parecem corresponder as opções no ensino geral, mais valorizado e potencializador de futuros posicionamentos igualmente dotados de recursos. É ao nível do operariado que se encontra a maior diversidade de opções e possíveis trajectórias. Se por um lado a opção pelo ensino tecnológico sobressai claramente (7 alunos), por outro também são significativos os casos de opção pelo ensino geral.

Este tipo de decisões tendem a ser interpretadas como fortemente dependentes do aproveitamento escolar. Quanto mais elevado for o aproveitamento, maior será a probabilidade de investimento escolar em áreas privilegiadas e de maior complexidade, maior será a sensibilidade em relação à reputação das diferentes opções (Grácio, 1997; Bulle, 1996). Por outro lado, aproveitamento escolar e origem social interagem: a influência da origem social nas opções é tanto maior quanto mais baixo for o aproveitamento. De facto, os alunos entrevistados pertencentes aos grupos sociais mais privilegiados, com os melhores níveis de aproveitamento, são os que mais optam pelo ensino geral, enquanto os grupos menos privilegiados, sujeitos a veredictos escolares negativos, optam pelo ensino tecnológico e profissional.

Outra das dimensões observadas para a caracterização dos projectos escolares foi o nível de qualificação escolar a que os alunos aspiram. Um dos elementos que actualmente caracteriza os jovens é a aposta em trajectórias escolares prolongadas. Em relação aos alunos entrevistados, assinalam-se as elevadas qualificações ambicionadas pela quase totalidade da turma A (10 alunos, num total de 12, tencionam seguir para o ensino superior), e uma segmentação dos alunos da turma Z em duas posições: os que sabem que só querem cumprir o 12.º ano (6 alunos), e os que não sabem se poderão prosseguir para a universidade (4 alunos). Para os alunos que aspiram a uma qualificação de nível superior, as engenharias revelam-se as áreas mais escolhidas.12 Em conjunto com a medicina, são áreas claramente tradutoras das trajectórias sociais, associadas a altos níveis de recursos económicos, culturais e simbólicos, pretendidas por estes alunos. Nos alunos pertencentes ao operariado, com o mais baixo nível de aproveitamento (nível 4), as certezas de não continuação para além do 12.º ano sobrepõem-se às dúvidas.

Interessante, coincidente com o valor actual da certificação escolar para a entrada no mercado de trabalho, é a inexistência de referências a possibilidades alternativas ao cumprimento do 12.º ano, como a desistência ou o terminar apenas a escolaridade obrigatória. Atingido o patamar de fronteira constituído pelo 9.º ano de escolaridade, a tendência dos alunos entrevistados parece ser o investimento na finalização da escolaridade secundária.

Segundo Machado Pais (1994), entre os jovens de grupos sociais menos favorecidos, as aspirações acalentadas não se encontram muito distanciadas da realidade, ou seja, dos níveis de qualificação e das profissões que efectivamente poderão vir a ocupar. A maior preocupação nestes grupos é obtenção de compensações monetárias, pela obrigação de contribuir para o aumento dos rendimentos da família, e o acesso a um certo tipo de consumismo. Parece ser de suma importância destacar, no entanto, para além desses factores, e no caso dos alunos entrevistados, a resignação aos veredictos escolares e a necessidade de preservar (ou construir) uma imagem de si favorável num outro campo que não a escola. Por outro lado, os que desejam prosseguir os seus estudos ao nível superior não são necessariamente os que detêm o melhor nível de aproveitamento, o que levanta novas interrogações sobre quais os referentes condicionantes destas aspirações.

Para além do projecto escolar, a análise do projecto profissional permitiu não só a compreensão das escolhas escolares, mas também a observação das expectativas dos entrevistados quanto ao seu futuro, as imagens profissionais que os mesmos adoptam para si, o tipo de grupos profissionais e respectivos recursos a que aspiram, as diferenças que, nesta etapa, se começam a afirmar.

Para a análise dos projectos profissionais dos alunos, foi definida uma tipologia tradutora das principais lógicas subjacentes aos projectos observados.13 Deste modo, agruparam-se os projectos profissionais descritos segundo três categorias: projecto optimista, projecto realista e projecto disperso.

Por projecto realista categorizaram-se os projectos que evoluem em torno de soluções praticáveis. Neste encontram-se condutas de realização que visam objectivos ponderados e imediatos, estruturados em torno da confiança em capacidades e aptidões específicas, muitas vezes descobertas fora da escola, que se pretendem potencializar em opções escolares de cariz tecnológico e profissionalizante, às quais está subjacente uma perspectiva de maior facilidade curricular. Aos alunos cujos projectos se inserem nesta categoria é, de uma maneira geral, reconhecida menor excelência escolar. São também frequentes as referências a outros intervenientes no processo de decisão (para além do próprio aluno). Para os alunos em que a referida excelência não constitui um mote para a adopção de uma área, parece tornar-se muito importante a existência de referentes exteriores, que funcionam como rede de suporte das decisões. A orientação escolar, os familiares e outros protagonistas afectivamente importantes na vida quotidiana dos alunos, revelam-se impulsionadores para o amadurecimento das decisões, e também, no caso destes últimos, como um modo de acesso informado aos diferentes mundos profissionais, aos seus códigos e procedimentos.

Em alguns destes projectos o (impressionante) realismo da procura de soluções praticáveis não deixa de revelar as fortes limitações estruturais a que o mesmo está sujeito. Nos discursos destes alunos encontram-se, de um modo explícito e recorrente, os contornos da passagem do (ou das ainda ténues fronteiras entre o) projecto utópico da infância, muitas vezes inspirado nos media, a um projecto maduro, estruturado em função do peso das trajectórias escolares de fracasso, e das (in)capacidades que estas revelam. Sobressai assim uma renúncia a aspirações profissionais anteriores, desmobilizadas pelos fracos resultados escolares.

Pronto, quando era miúdo, “quero ser futebolista”, “quero ser”… Quando era miúdo!. Agora prontos, já tive… Quero tirar um curso de electrónica, de coiso, eu gosto muito de mexer assim em máquinas e tal. (…) Por exemplo, eu quero ser uma coisa mas, “ah quero ser aquilo e vou ser aquilo”, não! Eu quero ser aquilo mas tenho que batalhar com aquilo e com aquilo, não é só ‘o que é que queres ser? Quero ser futebolista!’ (…) Depois eu pensei, “ah, eu até gosto de mexer assim…” E depois pensei naquela coisa do vídeo, que eu arranjei o vídeo, pronto a porta estava mal. Era a cabeça, assim coiso tinha que ser. Fiquei assim um bocado a pensar nisso… [Paulo, turma Z]

O segundo tipo definido de projecto, o projecto optimista, revela uma outra lógica de orientação para o futuro. Neste observamos uma forte confiança na organização e no sistema escolar, e um pronunciado optimismo quanto às possibilidades de realização dos projectos pessoais. Ao futuro está associada uma planificação, mas que nesta etapa passa essencialmente pela continuação dos estudos.

Eu quero tirar o curso de gestão, não é, porque apesar de ser um bocado difícil a matemática, ainda que eu não seja má aluna, mas é difícil, mas gosto imenso de gestão. Então gerir uma empresa, eu acho que deve ser espectacular! Não é preciso ser uma empresa grande mas, sei lá, mas só de saber que a empresa depende de nós, não é, das nossas ideias… [Vanessa, turma A]

Neste discurso as compensações implicadas no desempenho da profissão, o entusiasmo sentido, parecem revelar um optimismo que substitui, pelo menos por agora, o peso dos possíveis obstáculos. O gosto, ou o interesse, contrariamente ao “saber fazer” que se encontram nos projectos anteriores, parecem ser os factores mais pertinentes para a escolha. A componente vocacional não parece ser posta em causa, mas antes reforçada, pelo trajecto escolar.

P- Tu tens ideia do que é que faz um contabilista? R- Sei. P- Conheces algum contabilista?
R- A minha mãe é. (…) É na Câmara (Municipal). Já lá fui várias vezes. P- Porque é que escolheste a economia? R- Foi o que eu gosto mais. Mas eu ainda não tenho muito bem a certeza. Em princípio é contabilidade, porque eu ainda não conheço muito bem os cursos que há. Primeiro ainda só preciso de saber o agrupamento, depois vê-se os cursos que existem. Mas de momento é contabilidade. [Tomás, turma A]

As realidades profissionais dos pais constituem uma fonte de inspiração, o que não acontecia no projecto anterior. São realidades conhecidas, e em muitos aspectos atractivas, ao contrário do que poderia acontecer em famílias com menores recursos.

O discurso destes alunos revela uma segurança e determinação que não se encontram nos restantes entrevistados, tal como não são feitas referências a outros intervenientes nos processos de decisão. Estes entrevistados assumem, de modo natural, que as suas escolhas não estão ainda claramente definidas. O período de experimentação vai prosseguir ao longo da longa trajectória escolar esperada. Substancialmente mais dotados de meios para decidir (em comparação com os restantes), estes são os entrevistados que menos necessidade sentem de delimitar rigorosamente os seus projectos. O mercado de trabalho é ainda uma realidade muito distanciada, onde se espera entrar provido de uma certificação valorizada.

Mais do que os obstáculos existentes no sistema escolar, a estes alunos preocupam as suas disposições individuais para o desenvolvimento de determinada área profissional. Perante um leque alargado de possíveis futuros a considerar, importante parece ser a sustentabilidade individual, com sucesso, de uma actividade profissional. Ou seja, enquanto os alunos que constroem um projecto realista têm, em termos genéricos, um saber/capacidade específicos, consequentemente excluem parte considerável das escolhas possíveis, estes alunos com projectos optimistas parecem ter o campo das escolhas em aberto, e necessitam apenas de dirigir a construção do seu saber para a área que considerarem mais atractiva.

Na categoria projecto disperso foram englobados dois tipos de orientação, a primeira caracterizada pela utopia, a segunda pelo equívoco e pela ausência de informação. Na primeira os objectivos dos alunos situam-se ao nível do imaginário, ao mesmo tempo que entre os mesmos e as possibilidades de realização se observa uma substancial distância, e uma ausência de estratégia. Nestes projectos o tempo futuro caracteriza-se ainda por um certo “encantamento”, inspirado nas imagens veiculadas pelos media. Os protagonistas destes projectos são, de entre o grupo de entrevistados, os jovens menos providos de recursos. Nestes parece ainda não estar completamente definida a fronteira entre o sonho e a realidade acessível. Os alunos parecem assumir o que Giddens (1994) denomina como um “sentido de invulnerabilidade”, um bloqueamento das possibilidades negativas em favor de uma atitude generalizada de aparente esperança quanto às oportunidades futuras, um pôr entre parênteses, ao nível da prática, as decisões passíveis de ameaçar as visões românticas do futuro. Segundo o autor, a barreira protectora acaba geralmente por ser quebrada, temporária ou permanentemente, por acontecimentos que demonstram a realidade das contingências negativas.

A renúncia que encontramos nos projectos realistas não está ainda assumida nestes entrevistados. Na inexistência de referentes, tanto dentro da escola como fora dela, os alunos não conseguem estruturar um projecto coerente, realista ou inovador. Não obstante a imaturidade dos projectos, o nível etário destes alunos é o mais elevado de todo o grupo de entrevistados.

A outra orientação possível remete para enunciados em que, se por um lado existe uma concordância lógica entre objectivos e meios para a realização dos mesmos, ou seja, uma continuidade entre o projecto escolar e o projecto profissional (o que à partida os distingue dos projectos utópicos), o raciocínio inerente apresenta contornos de equívoco, tradutores de uma clara insuficiência de informação.

Olhe, para ser cabeleireira, por vezes não se ganha muito, não é um emprego muito certo. Também é preciso ter dinheiro para investir. E para ser massagista tenho que estudar muito, por vezes também uma pessoa não pode estar sempre a estudar, porque a vida também está mais difícil do que é antes. P- Por exemplo, achas que com a engenharia química vais estudar menos como massagista? R- Não preciso estudar tanto porque, aquele acho que é para tirar um curso e não precisa de ser engenharia química. Posso tirar só um curso, de professora de físico-química e depois posso continuar, e posso começar a trabalhar. Massagista não, tenho que tirar o curso até ao fim e só depois é que posso começar a trabalhar. [Susana, turma Z]

A urgência na entrada no mercado de trabalho é um dos pontos mais salientes dos discursos, tal como os equívocos, sobretudo pela consideração de diferentes níveis de dificuldade para áreas dissonantes, quer pelo nível considerado de facilitismo, quer ainda pela aceitação, sem um efectivo questionamento, de uma opção sugerida por terceiros.

Em síntese, os projectos optimistas encontram-se apenas na turma A, constituindo a sua grande maioria, enquanto a turma Z se distribui, de modo desigual, pelos restantes 2 tipos de projecto. Com projectos realistas encontram-se 5 alunos (ou seja, metade dos alunos) da turma Z e 3 da turma A. Com projectos dispersos encontram-se 5 alunos da turma Z.

A distribuição dos projectos por classe social de origem permite constatar que aos grupos mais providos de recursos económicos e culturais está claramente associada uma perspectiva de maior optimismo.

É aos alunos pertencentes ao grupo com menos recursos, o operariado, que estão associados o total de projectos dispersos, que constituem metade dos alunos deste grupo. Os restantes apresentam projectos realistas, pensados numa perspectiva estratégica da actividade que estes alunos julgam ser possível desenvolver com algum sucesso.

Escola, desigualdades sociais e processos de escolha

A escola assume um papel incontornável e estruturante nos processos de escolha dos seus alunos. Os currículos propostos e a sua maior ou menor complexidade são um dos elementos considerados de maior peso na consideração das escolhas escolares. Para alguns autores, será através dos currículos que os alunos procederão ao que denominam como “escolha negativa”: o fenómeno da selecção por eliminação (Berthelot, 1993; Duru e Mingat, 1987; Dubet, 1994, Coleman e Husén, 1990).

Estes processos de escolha têm sido amplamente debatidos sob o ponto de vista das desigualdades sociais. O desdobramento em inúmeras áreas e especializações de estudo introduziu um princípio de diferenciação social no sistema de ensino, em que as classes mais informadas retiram mais vantagens das oportunidades oferecidas pelo sistema, transformando em privilégio escolar aquilo que para outros pode constituir uma dificuldade (Bourdieu e Champagne, 1992). A igualdade de tratamento de todos assegura vantagens às classes médias cultivadas e informadas, que aprendem rapidamente a medir os seus investimentos e quais os recursos a mobilizar no que pode ser chamado como “luta” de opções de formação no seio do sistema de ensino. O desigual valor das mesmas faz com que a escola se constitua como um mercado dentro do qual se fazem escolhas mais ou menos vantajosas (Dubet e Martuccelli, 1996).14 Considera-se que, ao obrigar a decisões precoces, com consequências tardias, transformando os percursos de insucesso em destinos pessoais (ainda mais estigmatizantes), a diversificação das áreas de estudo tem implícitos processos de selecção e exclusão.

Simultaneamente à imposição da escolha de uma opção de formação, a escola desempenha um papel significativo na concepção que o jovem tem de si e das suas competências, não só profissionais, mas também sociais. O projecto do aluno será definido a partir das suas experiências pessoais quotidianas e, em particular, da sua experiência escolar. Tomando em consideração as exigências do sucesso escolar, o aluno vai determinar as áreas escolares e restringir o espaço das escolhas. Os alunos a quem não é reconhecida excelência escolar são obrigados a renunciar a motivações profissionais anteriores e a procurar um compromisso entre as suas aspirações e as áreas escolares que lhes são permitidas (Postic, 1995). Este compromisso não é mais que um processo de interiorização dos futuros possíveis (Pinto, 1991).15

A exigência escolar de construção de um projecto de futuro pode, deste modo, ser entendida como particularmente injusta para alguns grupos sociais, para os quais a escola acaba por se impor mais enquanto espaço de dissolução que de construção de projectos (Dubet e Martuccelli, 1996). O projecto vai racionalizar a posteriori as orientações assumidas mediante a pressão institucional da escola. Passa-se assim de uma problemática psicológica de identificação, de construção da pessoa, a uma problemática escolar e social. Neste quadro o aluno é arrastado das preferências pessoais e aspirações imaginárias, até ao compromisso de aceitação ou resignação perante o desempenho escolar.

A orientação institucional

No espaço escolar, os processos de escolha desenvolvem-se através do apoio institucional dos serviços de orientação escolar e profissional, que têm como objectivo proporcionar aos alunos um apoio para a construção dos seus projectos de futuro, a partir do auxílio para as tomadas de decisão impostas pelo sistema, e da promoção do acesso à informação sobre a natureza e a forma dos diversos tipos de trabalho. Desenvolve para isso a ligação entre as aptidões e as opções de formação, através de um processo em que a escola terá duas fontes: o pessoal escolar, fonte tradicional; a psicologia e os especialistas, fontes científicas, que pretendem ter um papel certificador, traduzindo cientificamente as noções de mérito e ajustando as qualidades individuais a cada profissão.

Apesar da sua importância ser actualmente bastante reconhecida, a contribuição da orientação escolar para o acentuar das desigualdades escolares e sociais encontra múltiplos desenvolvimentos em trabalhos no âmbito da sociologia e da psicologia. Nesta perspectiva, a orientação é analisada como um processo de escolhas negativo, com fortes implicações sociais, e como o resultado de uma relação de força desigual, principalmente para as famílias mais desfavorecidas (Baluteau, 1998; Berthelot, 1993; Dubet e Martucelli, 1996; Duru e Mingat, 1987; Antunes, 1998). Mais do que um jogo de aproximação entre diplomas, competências e funções, a orientação escolar tende a ser interpretada como um espaço de itinerários construído institucionalmente, passível de ser percorrido de modo desigual de acordo com os recursos escolares e socioculturais dos alunos.

Depois de revistos os projectos escolares e profissionais dos alunos entrevistados, retomou-se a experiência escolar, questionando o processo de orientação escolar desenvolvido pelos Serviços de Psicologia e Orientação (SPO), na tentativa de compreender quais os “mapas” de percursos possíveis transmitidos por estes serviços.16

Constatou-se que nos dois grupos-turmas existem diferentes situações em relação ao processo de orientação, distribuindo-se os alunos de acordo com o que se observa no quadro 5.

Verifica-se que, apesar de 6 alunos não terem completado o processo, o mesmo não ocorre com a maioria. Para a generalidade dos alunos, a inscrição no processo de orientação obedece a motivações que passam essencialmente pelo esclarecimento de dúvidas, pelo descobrir o que é que se pode ser, pela curiosidade. Paralelamente, é reconhecida a importância do acesso, através deste, à informação relativa às áreas de opção e escolas onde estas existem, pouco sistematizada e de difícil consulta sem a mediação de um actor escolar habilitado para o efeito.

Outro dos motivos apontados pelos alunos é a procura de uma confirmação de ideias prévias, estruturadas em torno de referentes como os resultados escolares ou os contextos familiares. Ainda que os alunos que seguem esta lógica, os mais dotados de recursos de todo o grupo de entrevistados, tenham uma ideia pré-concebida, procuram certificar cientificamente as suas aptidões.

Na turma Z o número de alunos que não se inscreveram ou abandonaram o processo de orientação é comparativamente mais alto. Na opinião da psicóloga, esta não inscrição acontece quando existe, da parte do aluno, uma concepção autónoma já muito estruturada do futuro, pelo cariz voluntário do processo, e pela pouca disposição ou empenhamento individuais, explicações unilaterais que não põem em causa o papel dos próprios serviços neste afastamento dos alunos. Para a não inscrição ou abandono do processo, cuja importância se tende a reconhecer tardiamente, os alunos apontam para razões como o desinteresse, a falta de tempo, ou o aborrecimento inerente às sessões.

Por outro lado, a acção orientadora pode não fazer corresponder as expectativas dos jovens a uma profissão por eles considerada ideal, e a antecipação dessa desadequação pode também levar ao abandono do processo. Outras críticas dos alunos apontam para a falta de um acompanhamento individualizado e para o carácter discursivo das sessões, pouco atractivas e muito semelhantes às sessões escolares.

O debruçar também sobre as fontes escolares não científicas que de alguma forma intervêm na construção dos projectos, permite observar nos discursos dos alunos expectativas quanto ao papel da escola. À pergunta sobre quais as iniciativas de apoio que a escola devia desenvolver, grande parte dos alunos — e em especial os alunos cujos grupos domésticos apresentam baixos níveis de escolaridade, o que poderá revelar um reforço, nestes casos, do papel de “modelo” que os professores constituem frequentemente — referiram que seria importante um reforço do papel dos professores, e a inserção de temas relacionados com o futuro profissional nos planos curriculares escolares. A valorização e o reforço do papel dos professores neste processo, na perspectiva dos Serviços de Psicologia e Orientação, seriam desejáveis e necessários, já que, no modelo de orientação vigente, este varia de acordo com o perfil dos mesmos e com o seu voluntarismo.

Outro desejo assinalado, ou iniciativa proposta, passa por um maior contacto com o mercado de trabalho, principalmente no que diz respeito aos alunos da turma Z. O mundo laboral, nomeadamente para os que nele se projectam a curto prazo, apresenta contornos indefinidos, que a escola parece não ajudar a clarificar.

A abordagem realizada na escola às questões relacionadas com o futuro não é, segundo os alunos entrevistados, exaustiva, e poderia ser ainda mais desenvolvida. A função informativa é a que revela o maior sucesso efectivo. A falta de tempo em todo o processo de orientação e o carácter voluntário, informal e pontual da participação de outros protagonistas e fontes no processo não parecem, para o conjunto dos entrevistados, permitir a abertura de espaços efectivos, exclusivamente escolares, de debate e ampliação de perspectivas. Ao mesmo tempo, a natureza pouco individualizada do processo impede o acompanhamento personalizado, desejado pelos alunos, nomeadamente por aqueles que, pelo seu perfil social e escolar, deveriam beneficiar de mais apoio.

As sociabilidades escolares na familiarização com múltiplos universos profissionais

Outro referente importante na elaboração dos projectos de futuro são as redes de sociabilidade sustentadas nos diversos contextos onde o jovem se insere, um dos aspectos mais valorizados do quotidiano juvenil. Já que os jovens se caracterizam pela construção de uma autonomia face à família e instituições, aquelas possibilitam simultaneamente “que outros elementos se possam intrometer na eficácia dos processos de socialização, nomeadamente através do contacto com sistemas de valores concorrentes originários de outros grupos sociais, de pares, ou difundidos através dos meios de comunicação social” (Sebastião, 1998b: 19). Estes outros elementos, aquilo que Machado Pais (1994) designa como elementos de cultura marcadamente geracional, constituem para os jovens uma influência de valor paralelo à do meio social de origem, e revestem-se da maior importância na compreensão dos projectos de futuro. Importa por isso equacionar, para além da família de origem, espaços de inserção social, contextos de socialização, grupos de referência e parceiros de interacção, ou seja, as redes de sociabilidade.17 Estas permitem a importação de novos elementos para os processos de decisão e negociação da realidade, assim como induzem reestruturações nos sistemas de disposições, através da partilha de valores e de representações. Como afirmam Costa, Machado e Almeida, neste sentido, “afinidades activas, sintonias grupais, acordos implícitos, objectivos comuns, comuns experiências, tudo contribuirá para a incorporação de sistemas de disposições. Sociabilidade é socialização e contágio. ” (1990: 200).

As sociabilidades, principalmente as proporcionadas pela escola, podem assumir características distintas do grupo social de origem, contribuindo para uma socialização cruzada e transformadora, a partir da riqueza de troca implícita nas relações de amizade interclassistas. Esta socialização contagiante, estimulada pelas sociabilidades escolares, ocorre apenas quando os critérios de formação das turmas não separam irremediavelmente os alunos de acordo com o seu aproveitamento escolar. As redes de sociabilidade podem introduzir mudanças no trajecto pessoal, constituindo um trampolim para mobilidades desejáveis e projectos de futuro dinâmicos (Garcia, Castro e Garcia, 1994). Como afirma Madureira Pinto, a “autonomização do espaço social e de sociabilidade da escola é responsável, em contexto de democratização do sistema de ensino, por fenómenos de reidentificação de grupos de referência e estilos de vida que, ao nível do imaginário juvenil, tendem a fazer deslocar para cima o feixe de trajectos de mobilidade profissional considerados plausíveis” (Pinto, 1991: 27).

Deste modo, um segundo eixo de questionamento da experiência escolar centrou-se, por sua vez, neste aspecto particularmente relevante do quotidiano juvenil. Quis-se, em primeiro, apreender quais as redes de sociabilidade sustentadas pelo aluno. Foi possível constatar que os alunos identificavam e diferenciavam os dois grupos: o escolar e o do bairro de residência. Quando confrontados com a eleição do grupo preferencial de convívio, e utilizando como unidade de análise os dois grupos-turmas, verifica-se que, na turma A, o grupo de pares preferencial se encontra entre os colegas da escola (8 alunos em 12), enquanto na turma Z a maioria das respostas aponta para os amigos do bairro de residência (6 alunos em 10). Por outro lado, ao distribuir-se os alunos segundo o nível de aproveitamento pelo grupo de pares que privilegiaram, observa-se que, para os alunos com níveis elevados de aproveitamento, as sociabilidades escolares constituem a preferência.

Observa-se ainda que nos alunos de baixo nível de aproveitamento o destaque vai sobretudo para o bairro de residência. Nos níveis intermédios a distribuição apresenta-se mais equilibrada. Sendo que estes alunos são oriundos de bairros de residência com características bastante diferenciadas, será também pertinente observar, para cada grupo-turma, a distribuição dos alunos por bairro de residência e por sociabilidade privilegiada.

Os alunos da turma A são na sua maioria oriundos do Bairro dos Arcos, o bairro que goza do maior prestígio, ao nível local. Trata-se de uma urbanização relativamente recente, e à semelhança da Quinta da Amora (onde reside um outro aluno entrevistado, da mesma turma), caracterizada pela construção em altura, e medianamente dotada de equipamentos. Parte da turma reside na Portelinha Velha, bairro de construção mais antiga, também em altura, e que ocupa uma posição de fronteira com o Bairro da Fonte, vulgarmente designado por bairro degradado. Deste modo, destacam-se duas situações: por um lado, os alunos residentes no Bairro dos Arcos que maioritariamente elegem as sociabilidades escolares, o que eventualmente pode indiciar uma coincidência entre ambos os grupos (da escola e do bairro), representando a escola o espaço onde o convívio é mais intenso. Por outro, observa-se que os alunos residentes em Portelinha Velha se dividem entre os dois tipos de sociabilidades. Neste grupo, elegendo a escola como espaço de convívio por excelência, encontram-se alunas provenientes de grupos sociais comparativamente menos dotados de recursos que os restantes colegas. Alunas que, pelo projecto optimista apresentado, parecem ter sido “contagiadas” pelas ambições dos colegas, socializadas para contextos profissionais e concepções de futuro mais valorizados socialmente, que não encontram reflexo no seu contexto de origem. Estas alunas usufruem do que se pode denominar sociabilidades alargadas, ou seja, sociabilidades diversificadas estimuladas no espaço escolar.

Na turma Z, a matriz de distribuição apresenta características distintas: uma maior dispersão no entrelaçado entre bairro e preferências, um peso mais significativo na ligação com os “amigos do bairro”.

Os alunos da turma Z são na sua maioria oriundos da Portelinha Velha, onde se encontra uma distribuição quase equilibrada entre as diferentes sociabilidades privilegiadas. Dois dos 3 alunos residentes neste bairro que preferem as sociabilidades escolares apresentam níveis de aproveitamento escolar comparativamente mais altos. Os restantes alunos distribuem-se pela Quinta da Amora, pelo Bairro da Fonte, bairro caracterizado por uma população maioritariamente de baixos recursos e origem africana, e pelo Vale dos Figos, que reúne as mesmas características do bairro anterior.

As representações das realidades profissionais dos jovens são determinadas em grande parte pelas situações profissionais que conhecem e pela relação afectiva que estabelecem com os sujeitos que as vivem. Do mesmo modo, “os percursos de irmãos mais velhos, de amigos, de vizinhos, o ‘ouvir dizer’, podem apresentar-se como condições objectivas responsáveis pelas estruturas objectivas de avaliação das situações de vida” (Carvalho, 1998: 24). Pode, assim, considerar-se que os vários universos profissionais com que o jovem tem contacto constituem-se como inspiradores (ou não) dos projectos de futuro do mesmo. Procurou-se por isso indagar e diferenciar dois universos profissionais (para além do familiar) próximos do entrevistado: o do bairro de residência18 e o das sociabilidades escolares (profissões dos pais dos amigos da escola). Com a definição destes universos (a partir das profissões enumeradas), complementados com o universo familiar, procurou-se elencar a diversidade do tipo de imagens profissionais existentes, as suas limitações e potencialidades. No quadro 9 é possível observá-las lado a lado, no que diz respeito à turma A.19

Pode neste quadro verificar-se, para os alunos residentes no Bairro dos Arcos, uma certa uniformidade e coerência entre as profissões referidas nos diferentes universos. Em todos se encontram referências aos mesmos grupos profissionais, que apresentam uma grande diversidade, e incluem sempre as profissões técnicas intermédias e as profissões intelectuais e científicas. Não existem referências a trabalhadores não qualificados. As sociabilidades escolares e o bairro de residência representam uma continuidade do universo familiar, caracterizado por elevados recursos culturais e económicos.

No que diz respeito aos alunos de Portelinha Velha, pode destacar-se a expansão dos referentes profissionais introduzidos, primeiro, pelo bairro — onde os alunos identificam, não só grupos menos qualificados que o familiar (o caso dos trabalhadores não qualificados da construção civil), como mais qualificados — e, depois, pela escola. As sociabilidades escolares são alargadas, ou seja, proporcionam a estes alunos um contacto, ainda que indirecto, com profissões diversificadas e mais valorizadas socialmente, como o demonstram a introdução de outras PTI, ou das profissões intelectuais e científicas, que se distinguem claramente, pela sua qualificação, do universo de origem, implicando uma expansão e um enriquecimento do mesmo. Este contacto terá certamente repercussões na consideração dos seus projectos de futuro.

Se por outro lado se observar a comparação dos universos profissionais, agora para a turma Z, as características encontradas são distintas (quadro 10). Em primeiro, pode apontar-se o bairro de residência como a principal fonte de diversificação do universo das profissões conhecidas. Nos alunos oriundos tanto da Quinta da Amora como da Portelinha Velha, é no bairro de residência que encontramos o maior número de grupos profissionais, associados a um leque vasto de qualificações (que vão do engenheiro ao trabalhador não qualificado da construção civil).

Esta diversidade contrasta com uma relativa regularidade nos grupos profissionais encontrados nos núcleos familiares, e também com os dados relativos às sociabilidades escolares. Estas últimas constituem-se como um campo de possibilidades mais estreito, e as profissões enumeradas levam a questionar se a escola proporcionará a estes alunos uma rede de relações interclassistas, cuja existência e influência se verifica na anterior turma. As sociabilidades escolares podem assim denominar-se restritas. Este questionamento é reforçado pelo exemplo dos alunos residentes no Bairro da Fonte.

Observa-se, no quadro 10, que os diferentes universos profissionais descritos por estes alunos apresentam uma regularidade, que pode também denominar-se como um “estrangulamento” do universo profissional: os mesmos grupos profissionais são referidos nos três universos (destaque-se, como exemplo significativo, a vendedora de peixe), caracterizados estes pelas baixas qualificações e recursos, o que, de algum modo, permite referir um fechamento ao contacto com outros universos profissionais, recursos e oportunidades. Esta é uma tendência que a escola parece, para estes alunos, não contrariar, nem mesmo ao nível das sociabilidades que proporciona, o que remete de novo para os critérios de formação das turmas e as suas consequências.

Parece assim ter sido possível ilustrar que as redes de sociabilidade são efectivamente importantes e diversificadas (poderia também dizer-se polarizadas), mais restritas ou alargadas, segundo os alunos entrevistados e a turma onde se inserem. As sociabilidades escolares parecem constituir, quando têm implícitos cruzamentos interclassistas, um universo privilegiado de referências profissionais. Ao não proporcionar este cruzamento enriquecedor, o que acontece quando a formação das turmas “isola” e reúne os alunos da excelência escolar num só grupo (como é o caso da turma A), a escola perde em parte o seu potencial enriquecedor, limitando a diversificação de referências culturais e profissionais, e contribuindo para o estrangulamento e para a cristalização dos universos referenciais dos alunos, nomeadamente dos menos providos de recursos.

Projectos de futuro: uma tipologia interpretativa

O desenvolvimento das dimensões analíticas seleccionadas permitiu chegar a um conjunto de perfis diversificados de projecção no futuro. Estes perfis constituem uma perspectiva compreensiva, integrada e interpretativa, dos processos de escolha dos alunos e dos seus projectos, articulando o essencial da informação recolhida e problematizada, sintetizada no quadro 11.

Individualizaram-se, deste modo, quatro tipos de projecto: o projecto sucessor, o projecto dinâmico, o projecto difuso e o projecto estacionário. Com estas designações pretende-se ilustrar as lógicas e dinâmicas identificadas nos projectos analisados.

Ao primeiro tipo de projecto referido, o projecto sucessor, pertencem 5 alunos da turma A. Estes alunos estão inseridos, exclusivamente, em famílias da pequena burguesia intelectual e científica, pautadas por níveis de escolaridade elevados e pela actividade em grupos profissionais diversificados e socialmente valorizados. São pois dotados com recursos culturais, económicos e simbólicos muito valorizados no universo escolar. As trajectórias escolares destes alunos inscrevem-se em níveis altos de excelência, e o processo de orientação escolar, finalizado pela quase totalidade dos mesmos, constituiu uma validação científica das aptidões já confirmadas pelos veredictos escolares. As escolhas escolares, assumidas como vocacionais (ou seja, escolhidas porque se gosta), são realizadas no ensino geral científico, que apresenta o currículo mais exigente e selectivo também, a via de formação que mais opções possibilita, posteriormente, no ensino superior. A escola é parte integrante, não questionada, do futuro destes alunos. O seu futuro profissional é pensado a partir de projectos essencialmente orientados para a frequência do ensino superior. Existe uma consciência clara do tipo de trajectória que se pretende construir, um optimismo quanto às possibilidades oferecidas pelo sistema de ensino, e uma assumida incerteza quanto à profissão pretendida, cujas hipóteses se consideram sempre em grupos profissionais valorizados socialmente e associados a recursos económicos privilegiados. Usufruindo de condições objectivas de partida onde a situação económica, o contexto cultural e o acesso à informação constituem uma rede de suporte e estímulo, no qual a escola é apenas uma das partes integrantes, a trajectória destes alunos inscreve-se numa lógica de predestinação, de continuidade (mais do que de mobilidade) e manutenção dos privilégios de origem.

No segundo tipo, o projecto dinâmico, inserem-se 3 alunas da turma A, cujas famílias têm níveis de escolaridade comparativamente mais baixos que no grupo anterior. As realidades profissionais assumem-se no campo técnico-operativo, e são também caracterizadas por uma iniciativa estratégica individual (pequenas burguesias independentes e proprietárias). As trajectórias destas alunas englobam níveis de aproveitamento que podem, ou não, ser altos, assim como podem, ou não, comportar reprovações, mas onde os processos de orientação escolar são realizados, e as escolhas escolares, vocacionais são pensadas em função do ensino superior, apesar da dificuldade curricular reconhecida. Mais do que a certificação da excelência, a escola proporciona a estas alunas uma experiência de socialização e abertura para novas realidades sociais e profissionais, nomeadamente através das sociabilidades interclassistas que induz, onde as trajectórias ascendentes são impulsionadas e adquirem sentido. Pertencendo à turma A e privilegiando as sociabilidades escolares (de características sociais distintas das sociabilidades de bairro), na escola são concedidos, a estas alunas, referentes inovadores do ponto de vista do seu contexto de origem. A permeabilidade a estes novos referentes, um relativo investimento familiar, e resultados globalmente favoráveis no que diz respeito ao aproveitamento escolar constituem, no seu conjunto, uma dinâmica que permite superar as limitações estruturais, que impulsiona e inspira projectos ascendentes.

Na categoria projecto difuso inserem-se 6 alunos, 5 pertencentes à turma Z, 1 à turma A. Nas famílias destes alunos encontram-se escolaridades que não ultrapassam (e podem mesmo não atingir) o 1.º ciclo do ensino básico, as mais baixas do grupo total de entrevistados. A classe social de origem é, para todos, o operariado industrial, e na família vive-se um “divórcio” em relação à escola, o que está de algum modo patente nas próprias trajectórias dos alunos: todos já reprovaram pelo menos uma vez (podem ir até 4 reprovações), e a maioria apresenta níveis baixos de aproveitamento. Apenas um destes alunos completou o processo de orientação escolar, e alguns não chegaram a inscrever-se. As suas escolhas escolares, dirigidas para o ensino tecnológico e para o ensino geral não científico, obedecem a critérios como a fuga a disciplinas com elevado grau de exigência, a valorização de disciplinas onde lhes foi reconhecida alguma excelência escolar ou a indicação de pessoas próximas, exteriores ao espaço escolar. Pensam, na maioria, seguir para o ensino superior, ou não sabem se o conseguirão. No entanto, como denominador comum, todos apresentam uma grande desarticulação entre projecto escolar e profissional, e informação equivocada ou ausência da mesma quanto às realidades profissionais, aos currículos escolares e ao seu grau de exigência e, em alguns casos, uma perspectiva ainda utópica do futuro. A distância familiar face à escola, uma relação difícil com a mesma (que não estimula a comunicação com os actores escolares), e a não realização do processo de orientação escolar formam um contexto estrutural que limita o acesso à informação, o que se reflecte nos projectos e condiciona fortemente o seu desenvolvimento.

No último perfil definido, o projecto estacionário, estão presentes 8 alunos entrevistados, pertencentes, em larga maioria, à turma Z. As famílias destes alunos, cuja classe de origem é essencialmente o operariado industrial, apresentam níveis de escolaridade que se centram no 1.º ciclo do ensino básico, embora existam dois núcleos familiares onde o ensino secundário é a escolaridade dominante.

Grande parte destes alunos apresenta trajectórias escolares onde existem reprovações, assim como níveis de aproveitamento médios ou baixos. As escolhas escolares, orientadas para o ensino tecnológico e profissional, obedecem a critérios como a orientação para uma entrada rápida no mercado de trabalho, o desenvolvimento de uma disciplina em que a excelência escolar foi reconhecida, ou são inspiradas nas experiências vividas na vida quotidiana extra-escolar, que proporcionam uma imagem de si válida e capaz, contrastante com a que é transmitida pela escola.

As sociabilidades privilegiadas por estes alunos são, sobretudo, as do bairro de residência, onde os universos profissionais são contínuos aos do grupo familiar. O processo de orientação escolar foi realizado pela maioria, e contribuiu para o nivelamento das expectativas às possibilidades consideradas possíveis, ou seja, para que estes alunos entrassem em conformidade com os veredictos escolares desfavoráveis, que não lhes reconhecem aptidões e capacidades para a construção de uma trajectória de que a escola seja parte integrante. A maioria destes alunos quer apenas acabar o 12.º ano, ou não sabe se conseguirá ingressar no ensino superior. Deste modo, os limitados recursos estruturais de origem, o tipo de trajectórias escolares vividas e a acção niveladora do processo de orientação escolar contribuem para que não integrem uma perspectiva de dinamismo no seu projecto de futuro, e o concebam dentro de uma conformidade que é estimulada e certificada pelo seu contexto envolvente.

Algumas notas finais

Enquanto notas de síntese, é possível realçar que os jovens entrevistados revelaram, a partir da sua caracterização, perfis sociais diferenciados, pautados pela diversidade de recursos de origem (económicos e culturais) e de universos profissionais. Esta diversidade apresentou uma polarização nos dois grupos-turmas. O seu significativo contraste revelou um modelo de organização escolar em que a homogeneidade representa um critério para a formação de turmas. Ao serem agrupados os alunos em função da sua área residencial e da sua trajectória escolar, as turmas constituem-se com homogeneidade interna e heterogéneas entre si. A escola demonstrou assim importar a diferenciação socioespacial que atravessa o território educativo, contribuindo para a manutenção e estrangulamento dos universos profissionais e sociais de origem dos alunos, estimulando processos de diferenciação e hierarquização do público escolar.

A análise dos discursos relativos às opções escolares e profissionais pretendidas pelos alunos entrevistados permitiu constatar a existência efectiva de um estabelecimento de objectivos futuros (eleição de uma área profissional), organizadores das acções presentes (escolhas escolares), das quais decorre a escolha de um agrupamento e tipo de ensino para o 10.º ano de escolaridade. Esta definição de objectivos realiza-se a partir de um campo de possibilidades, em que se cruzam dimensões, tais como a experiência escolar, o contexto familiar ou as redes de sociabilidade sustentadas.

No contexto envolvente que impulsiona e influencia a construção do projecto, a escola representa um papel crucial através, seja das certezas transmitidas pelo veredicto escolar e pelo reconhecimento de excelência ou fracasso implícito neste, seja pelo desenvolvimento de processos positivos de construção de futuros profissionais para além das disposições de origem, comprovados nesta pesquisa pela existência do projecto dinâmico. As imagens positivas de si, apreendidas no espaço escolar, são efectivamente incorporadas, e tornam-se estruturantes. São os alunos com projectos dinâmicos que fazem a manutenção, na sua passagem pela escola, do princípio da igualdade de oportunidades amplamente divulgado pelo sistema. No sentido inverso, as trajectórias de insucesso escolar contribuem para que a escola assuma um papel, de algum modo, embargador na concepção dos projectos. Como exemplo encontram-se os alunos com projectos estacionários e alguns dos alunos com projectos difusos, perdidos na matriz de opções propostas, remetidos para aquelas consideradas menos prestigiantes, não considerando o ensino superior na sua trajectória, preparando inserções futuras em universos profissionais predominantemente de âmbito executante. No que diz respeito aos alunos com projectos sucessores, a escola — mais do que dinamizar ou embargar — legitima, certifica e reforça percursos escolares e profissionais concebidos, enformados e ponderados em contextos sociais privilegiados, no seu exterior.

A acção que a escola exerce sobre a rede de sociabilidades do jovem tem também de ser equacionada. As redes de sociabilidade revelaram-se associadas intra-escola à turma, e extra-escola ao bairro de residência. Sendo os universos simbólicos, culturais e profissionais dos dois grupos-turmas distintos, a escola parece não permitir o seu cruzamento, que proporcionaria novas socializações e um alargamento dos referentes. No que diz respeito aos alunos entrevistados, as sociabilidades apresentam-se constrangidas estruturalmente, restringindo-se às que os critérios de organização escolar e às que o bairro de residência permitem. Quando o cruzamento interclassista é possibilitado e estimulado, a acção socializadora da dimensão relacional, renovadora face às disposições dos alunos, reflecte-se positivamente nos projectos dos mesmos.

Através da divisão do ensino pós-básico em especializações, da orientação escolar, dos currículos que propõe e da experiência escolar que proporciona, das sociabilidades que possibilita (ou impossibilita), a escola orienta as trajectórias, nivela as expectativas, condiciona as aspirações, ou seja, contribui de modo significativo para a construção dos projectos de futuro dos alunos. É possível afirmar que, para os alunos entrevistados, a par com a família de origem e as sociabilidades na configuração do campo de possibilidades, a escola constitui uma sua dimensão fortemente estruturante.

Os projectos de futuro dos alunos entrevistados parecem assim depender fortemente da sua trajectória escolar, e das disposições transmitidas pelo seu grupo social de pertença, ou seja, é possível afirmar que a colonização do futuro realiza-se a partir de constrangimentos de classe e escolares. Estes são os principais condicionantes dos alunos no jogo através do qual estes constroem as suas trajectórias, no espaço escolar, em direcção a uma futura inserção socioprofissional.


Notas

1 Os projectos de futuro podem assumir diferentes tipos, consoante o seu âmbito (por exemplo, escolar, profissional ou de vida), o seu grau de elaboração e precisão, o seu grau de projecção (a longo termo ou a curto termo), o contexto onde são elaborados (dentro ou fora de instituições), os seus atributos, entre outros, de acordo com o tipo de análise que se pretenda fazer (Boutinet, 1990; Guichard, 1993; Dubet, 1973).

2 Este trabalho de investigação, realizado no ano lectivo de 1998/1999, partiu de um objectivo genérico de abordagem aprofundada e multidimensional de uma realidade escolar urbana (Sebastião, Seabra, Campos, Mateus, Reis, Teixeira, e Delgado, 2000), e foi desenvolvido no âmbito do projecto Educação Para Todos (PEPT 2000).

3 Recorreu-se para isso a técnicas como a observação participante, as entrevistas semidirectivas e a recolha de informação documental (processos escolares e documentos relativos à organização das turmas e horários). A observação participante constituiu um instrumento poderoso na familiarização com o ambiente da escola, os seus diferentes cenários de interacção e os seus actores, contribuindo, simultaneamente, para o alargamento e aperfeiçoamento das perspectivas de análise.

4 A sua actuação traduz-se na constituição de turmas quase homogéneas, sendo as “protegidas” constituídas por alunos com trajectórias escolares marcadas pelo sucesso, e as “desprotegidas” turmas em que os alunos partilham traços que aparentemente os tornam semelhantes, pois são constituídas quase exclusivamente por aqueles que possuem percursos marcados por uma relação difícil com a escolaridade (o que esconde uma grande diversidade de situações face à aprendizagem).

5 De forma complementar, foi também realizada uma entrevista à psicóloga responsável pelo processo de orientação escolar e profissional dos alunos entrevistados — desenvolvido no âmbito dos Serviços de Psicologia e Orientação —, na qualidade de importante interveniente na vivência dos processos de escolha dos mesmos, e enquanto testemunha privilegiada das dificuldades e dilemas que se colocam aos jovens. Todas as entrevistas foram realizadas no mês de Junho de 1999.

6 A motivação para a escolha pode partir seja da profissão, seja dos atributos e capacidades individuais reconhecidas. As profissões existentes vão dividir-se em dois grupos: as que parecem acessíveis, familiares, e as mal conhecidas, pouco diferenciadas, que constituem uma espécie de estrangeiro enevoado, não considerado (Huteau, 1992).

7 Por classe social entende-se uma categoria social “cujos membros, em virtude de serem portadores de montantes e tipos de recursos semelhantes, seja de propriedade económica, de qualificações escolares e profissionais, de poder e prestígio social, tendem a ter condições de existência semelhantes e a desenvolver afinidades nas suas práticas e representações sociais” (Almeida, 1994: 225).

8 A distribuição dos progenitores pelos diferentes níveis de escolaridade revelou uma forte polarização nos recursos que caracterizam, globalmente, os grupos-turmas. Na turma A, as licenciaturas e o ensino secundário têm uma forte expressão. Na turma Z, a concentração observa-se nos níveis mais baixos, sendo que apenas um pai concluiu o 3.º ciclo do ensino básico (o nível de escolaridade mais elevado do grupo). As mães apresentam-se globalmente menos escolarizadas que os pais. Esta distribuição acentuadamente desigual dos recursos escolares tem efeitos repercussivos, amplamente debatidos no âmbito sociologia da educação, observáveis nas trajectórias escolares dos entrevistados.

9 Estes indicadores foram conjugados a partir de uma tipologia, apresentada por João Ferreira de Almeida, António Firmino da Costa e Fernando Luís Machado (1988). Efectuaram-se, no entanto, alguns ajustamentos, decorrentes quer da utilização do Código Nacional das Profissões 94, quer da agregação para 11 categorias, apresentada pelos mesmos autores em artigo posterior.

10 À semelhança dos procedimentos desenvolvidos por Sérgio Grácio (1997) no tratamento e análise de trajectórias escolares, definiu-se o aproveitamento escolar segundo uma categorização em quatro níveis distintos: 1) alto/médio em letras e em ciências; 2) alto/médio em letras e baixo em ciências; 3) baixo em letras e alto/médio em ciências; 4) baixo em letras e ciências. Estas categorias permitiram um cruzamento posterior com os projectos de futuro.

11 Na exposição dos resultados da análise de conteúdo optou-se pela maior proximidade possível ao discurso dos entrevistados, tentando preservar as expressões em que se “cruzam o cognitivo e o afectivo e onde se reconhece o ‘capital’ discursivo disponível dos sujeitos” (Carvalho, 1998: 69). Isto, de forma a reconstruir os projectos de futuro descritos pelos entrevistados, preservando as suas especificidades, o seu enquadramento e as lógicas estruturantes que os atravessam.

12 As opções apontam para âmbitos tão diversos como a engenharia informática, a engenharia ambiental, aeroespacial, mecânica ou electrotécnica.

13 Tipologia essa que partiu inicialmente de um conjunto de categorias propostas por Dubet (1973), posteriormente alteradas para uma mais correcta adequação à realidade observada.

14 Refere neste âmbito Berthelot que “existe um inacreditável angelismo ou uma insuportável perversidade na ideia que as fileiras de ensino poderão, sem transformações societais radicais, ser equivalentes. Que elas têm, do ponto de vista da ética social, uma igual dignidade, é uma evidência democrática. Que elas são susceptíveis de trazer aos indivíduos vantagens sociais idênticas é, há tanto tempo como as formações resultam em empregos diferentes em estatuto, em remuneração, em possibilidades de carreira, em modalidades de realização de si, um maldoso gracejo” (1993: 165).

15 Afirma neste sentido Madureira Pinto que “consubstancialmente à trajectória, existe um processo de interiorização do que é possível, mais ou menos provável ou impossível de atingir em termos profissionais, há uma construção de futuros socioprofissionais plausíveis (vividos sob a forma de destinos pessoais e, eventualmente, de vocações), a qual, não excluindo em absoluto uma margem de avaliação estratégica e de indeterminação estrutural, reforça a probabilidade efectiva de a cada uma das posições notáveis da estrutura de classes (pontos de acumulação de vantagens e handicaps sociais) corresponder um feixe limitado de oportunidades de emprego” (Pinto, 1991: 22).

16 Foi realizado um conjunto exploratório de perguntas às duas partes envolvidas no processo: por um lado, um dos membros que constitui a equipa dos SPO, neste caso, a psicóloga que orientou os dois grupos-turmas em questão, por outro, os alunos entrevistados.

17 Definidos por “contactos não anónimos, repetidos e duradouros, que se estabelecem no quadro de distintas referências, como as familiares, as de amizade, as profissionais, as de vizinhança, as de associação. ” (Costa, Machado e Almeida, 1990: 198)

18 Profissões dos vizinhos, pais dos amigos do bairro e adultos que frequentam a sua casa.

19 As profissões enumeradas foram associadas em grupos profissionais, e subjacentes a cada grupo profissional encontram-se um ou dois exemplos do tipo de profissões citadas, que permitem um contacto mais directo com as realidades em causa.


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* Sandra Mateus é socióloga e investigadora do CIES.
E-mail: sandra.mateus@iscte.pt

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