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Sociologia, Problemas e Práticas

versión impresa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  n.38 Oeiras mayo 2002

 

 

MUDANÇA E MODERNIZAÇÃO NAS EMPRESAS PORTUGUESAS

João Freire *

O presente texto apresenta de uma forma muito sintetizada os resultados de um inquérito sociológico às empresas portuguesas, realizado em 2001, com o objectivo de caracterizar o processo em curso de mudanças, no triplo plano da tecnologia, da organização e dos (micro) sistemas sociais.1

O conceito de mudança foi aqui alargado também para o de “mudança inovatória” (ou inovação), para dar conta das suas eventuais implicações mais mediatizadas, prolongadas e promotoras de auto e hetero-desenvolvimentos, como de resto tem vindo a ser proposto em muitas análises da evolução contemporânea dos sistemas económicos e sociais. E foi também estendido até à noção de “modernização” — clássica na literatura historiográfica e sociológica — para captar o cumprimento da função social da empresa de hoje e para responder à inquietante observação de que a actualização do aparelho produtivo português poderia estar a ser feita sem uma correspondente assunção das vertentes qualitativas — no fundo, de melhoria da qualidade de vida das pessoas — que poderiam ter.

O texto que segue apresenta a sequência de dimensões (oito, no total) e indicadores (33) retidos na concepção do projecto e do inquérito e na análise dos seus resultados.2 Os dados apurados foram aqui convertidos em números numa escala de 1 a 10, em ordem crescente da importância do factor de mudança (ou de inovação ou de modernização) considerado. Estes resultados aparecem desagregados por sectores de actividade económica.

Mudanças tecnológicas

De acordo com o modelo teórico adoptado, esta dimensão de análise refere-se a meras alterações dos equipamentos e dispositivos existentes na empresa, que não configuram contudo nem situações de inovação nem de modernização, segundo as conceptualizações correntes. Inclui, assim, alterações de (ou em) máquinas e dispositivos mecânicos, instalação de automatismos, informatização, mudanças nos materiais utilizados, nas formas de energia empregues e nos produtos ou serviços prestados, e ainda nos edifícios ou instalações. Os indicadores escolhidos incluíram:

  • os investimentos feitos nos últimos três anos (e também os previstos fazer nos próximos três);
  • a forma de introdução ou condução dessas mudanças, no tocante ao seu acompanhamento com acções de formação do pessoal;
  • as resistências porventura encontradas (ou antes, a sua ausência);
  • e os seus resultados positivos (medidos pelo aumento da produção ou produtividade e pela diminuição dos custos de produção).

Mudanças organizacionais

O conceito de mudança aqui utilizado tem o mesmo significado do anterior, só que respeitante aos modos de organização da empresa. Eis os indicadores escolhidos para tal:

  • investimentos feitos em melhorias na organização do trabalho ou do processo produtivo feitos nos últimos três anos e previstos fazer nos próximos três;
  • utilização de novas tecnologias de informação e comunicação, que tendem sempre a alterar decisivamente a organização (foram retidos, para este efeito, os usos de e-mail, da Internet, de teletrabalho e de tecnologias de informação integradas permitindo simulações e aprendizagem no posto de trabalho);
  • e, por último, a diversificação das áreas de negócios ocorrida nos últimos três anos.

Uma palavra deve ser dita sobre a “mudança social”, neste quadro de análise aplicado às empresas e outras organizações de trabalho. É que partimos do pressuposto de que a entidade económica e social que é a empresa não tem condições para, por meros fenómenos de mudança, provocar alterações na sociedade global, constituindo, ao invés, um espaço de recepção e incorporação de mudanças que provêm dessa mesma sociedade global (comportamentos dos indivíduos, ideias, etc.). Há aqui, entre empresa e sociedade, uma relação essencialmente assimétrica e unívoca. Por tal razão, a quadrícula “mudança social” da nossa grelha de análise ficou vazia e não foi operacionalizada no inquérito. Porém, o mesmo já não acontece no que toca aos conceitos de “inovação social” e de “modernização social”, como veremos adiante.

Inovação tecnológica

O conceito de “inovação” distingue-se da “mudança” pelo facto de, enquanto esta produz meros resultados imediatos, traduzidos por um output quantitativo acrescido (aumento da produtividade, etc.), a inovação potencia alterações também qualitativas enriquecedoras da própria organização (autodesenvolvimento), bem como alterações em entidades terceiras (heterodesenvolvimentos). É, portanto, uma mudança com condições de provocar alterações mais complexas e a prazo mais dilatado.

Tal como no caso das mudanças, também as inovações podem distinguir-se entre tecnológicas, organizacionais e sociais. Para a análise da inovação tecnológica utilizámos um dispositivo clássico que distingue os seguintes indicadores:

  • a realização de actividades de investigação e desenvolvimento (R&D), incluindo investimentos (feitos e a fazer) nestes domínios, participação em projectos de pesquisa conjuntos com instituições universitárias ou institutos de investigação e a criação de estruturas de I&D;
  • o registo de patentes;
  • a criação de algum novo produto ou serviço, concretizando a chamada inovação radical;
  • e o aperfeiçoamento de algum produto ou serviço já existente, traduzindo a denominada inovação incremental.

Inovação organizacional

O conceito de inovação aplicado à organização foi operacionalizado através dos seguintes indicadores:

  • externalização de actividades (novas subcontratações feitas nos últimos três anos e maior recurso ao serviço de especialistas ou consultores externos nos últimos cinco anos);
  • adopção de medidas de flexibilização (aumento da contratação nos últimos cinco anos de trabalhadores a tempo parcial ou a meio-tempo, e diminuição da linha hierárquica ou aligeiramento/flexibilização do funcionamento organizativo nos últimos três anos);
  • aumento do número de especialistas na empresa (presença de técnicos não-sócios na administração da empresa e recrutamento de especialistas qualificados de nível médio ou superior nos últimos três anos);
  • actividades de formação para o pessoal (percentagem média de trabalhadores envolvidos);
  • e, por último, melhoria no nível de qualificação profissional dos trabalhadores (medido pela percentagem de empresas que têm mais de metade dos seus trabalhadores com formação superior).

Inovação social

O conceito de “inovação social” procura traduzir os contributos inovatórios que a empresa, com as suas práticas actuais, pode exportar para além das suas fronteiras e mesmo para além da esfera económica, ajudando assim a alterar comportamentos e representações no âmbito da sociedade global. Este conceito foi aqui operacionalizado através dos seguintes indicadores:

  • investimento (e projectos de investimento) em actividades de marketing, publicidade, apresentação de produtos ou serviços e imagem, dirigidos fundamentalmente ao público consumidor;
  • melhorias observadas nas relações com os clientes, almejando a sua fidelização;
  • melhorias registadas na gestão de stocks, aumentando a eficácia do processo de circulação no sentido do just in time;
  • e uso de horários de trabalho flexíveis, o que tende a desconcentrar toda uma gama de acções de forte impacte social.

Modernização tecnológica

O conceito de modernização foi trazido para esta análise a partir da sustentação teórica de que a empresa será, nas sociedade desenvolvidas de hoje, uma instituição não apenas económica mas também social, e isto no sentido de que no seu âmbito se geram processos específicos de socialização dos indivíduos, cujos resultados os mesmos indivíduos parcialmente transportam para as outras esferas da sua inserção social (família, meio de convívio, etc.). Assim, é por esta forma reconhecido que a empresa moderna é também capaz de criar, desenvolver e exportar referências e valores de modernidade, não apenas no que toca à (sobejamente conhecida) racionalização, mas igualmente no que respeita à individualização (identidade, autonomia e responsabilização dos sujeitos-pessoas) e a outras referências da nossa contemporaneidade (qualidade de vida, segurança, universalidade concreta).

Aplicado à dimensão tecnológica, o conceito de modernização foi aqui traduzido por via de três indicadores:

  • acções desenvolvidas para melhorar a qualidade dos produtos e serviços (investimentos feitos e previstos, melhoria observada da qualidade dos produtos/serviços e existência de serviço próprio de controlo da qualidade);
  • aquisições obtidas quanto à certificação oficial da qualidade dos produtos e da própria empresa;
  • e acções concretas para o controlo ambiental dos processos produtivos (investimentos feitos e existência de uma estrutura ou de especialistas ocupados com estes problemas).

Modernização organizacional

A modernização organizacional foi operacionalizada por via dos indicadores seguintes:

  • desburocratização de procedimentos (realização de menos relatórios escritos);
  • preocupações efectivas com a saúde, a prevenção de riscos e a segurança no trabalho dos colaboradores da empresa (medidas através da existência de serviços próprios especializados, a existência de representantes legais dos trabalhadores para tais questões, e a não ocorrência de problemas de absentismo, acidentes ou doenças profissionais, ou ainda de alcoolismo ou droga);
  • a internacionalização ou globalização da actividade económica da empresa (medida pela existência de exportações);
  • a existência de uma orientação de estratégia económica mais ampla do que a simples gestão empresarial (integração em grupo económico, participação em capital de outras empresas e adopção de um plano estratégico de orientação plurianual);
  • e, finalmente, um indicador sintético relativo à melhoria global da competitividade da empresa.

Modernização social

Por fim, o conceito de modernização social foi aplicado neste quadro analítico com o recurso aos cinco indicadores seguintes:

  • a responsabilização individual dos trabalhadores (medida pela existência de prémios segundo o desempenho individual);
  • a autonomia de que beneficia o trabalhador de base da empresa (se tem contacto directo com o cliente — o que é sempre uma situação exigente —, e se tem capacidade para decidir algum problema técnico que afecte a execução das suas tarefas);
  • a existência de estruturas de participação dos trabalhadores na organização do trabalho e outros aspectos da vida da empresa (tais como círculos de qualidade, etc.);
  • o grau de realização de situações de equidade entre os sexos (existência de mulheres entre os quadros da empresa e na sua administração);
  • e, por último, o acolhimento feito a pessoas portadoras de deficiência (com referência a uma quota máxima de 20%) e, portanto, afectadas simultaneamente por diminuições objectivas e pela condição de minoria social.

Conclusões

Em síntese final, no quadro 9 apresentamos os resultados médios apurados, por dimensão de análise e sempre desagregados por sectores.

Integrando estes dados em conjuntos um pouco mais amplos e com significado teórico — processos de mudança, de inovação e de modernização, por um lado, e tecnológicos, organizacionais e sociais, por outro — podemos obter os resultados ilustrados no quadro 10.

Uma média final ponderada (por causa das diferentes taxas de sondagem utilizadas para os diversos sectores de actividade) traduzir-se-ia no índice 2,1 (numa escala de 0 a 10), relativo à dinâmica de transformação em curso nas empresas portuguesas. É, à evidência, um valor bastante baixo, que mostra até que ponto o tecido empresarial português é retardatário, lento e pesado, mas que também esconde o que nele já vibra e responde às novas exigências, internas e externas, que se vão colocando às empresas, aos seus responsáveis e aos seus trabalhadores.

Mais qualitativamente, pode ainda avançar-se com algumas ideias colhidas de uma análise mais detalhada dos dados apurados neste estudo:

  • ao contrário do que poderia talvez esperar-se, o sector da indústria permanece ainda como aquele em que os seus processos de mudança, nas suas várias cambiantes, são mais visíveis e significativos;
  • tal como já tivéramos oportunidade de observar em 1991,3 a dinâmica de mudança em curso num arco significativo de empresas portuguesas parece continuar bem sustentada, dez anos depois;
  • as mudanças tecnológicas continuam a sobrepor-se geralmente às de natureza organizacional e social, mas provavelmente menos do que há 10 anos atrás;
  • é revelador que, nos dados sintéticos calculados, os processos sociais (repercutidos, do exterior, nas nossas empresas) apareçam com maior expressão do que os processos organizacionais, evidenciando as carências existentes nesta área;
  • as mudanças inovadoras e modernizadoras revelam uma expressão desigual, consoante os domínios, mas em muitos casos bem maior do que poderia supor-se;
  • ainda assim, à luz dos dados apresentados, os processos de inovação surgem como os que mais dificuldade têm em se impor no nosso tecido empresarial;
  • as diferenças sectoriais entre indústria, comércio e serviços, se bem que nítidas, parecem estar a esbater-se em vários domínios;
  • são claras e recorrentes as diferenças observadas consoante a dimensão humana da empresa, sendo contudo de realçar a emergência da classe das micro-empresas onde, a despeito da sua especificidade e evidentes limitações, já são nelas perceptíveis praticamente todos os fenómenos ligados à mudança, à inovação e à modernização que se observam nas organizações maiores;
  • não obstante estes aspectos positivos, é ainda muito acentuado o peso numérico de empresas pouco dinâmicas, em especial nos sectores do comércio, restauração e de alguns serviços e nas de muito pequena dimensão.

 

Notas

1 “Estudo sobre a Inovação Empresarial”, financiado pelo Observatório das Ciências e Tecnologias (Ministério da Ciência e Tecnologia) e realizado no âmbito do Centro de Investigações e Estudos de Sociologia (CIES)-ISCTE.

2 O inquérito foi aplicado a uma amostra representativa de 120 empresas do Continente e Regiões Autónomas, estruturada por dimensão e sector de actividade, incluindo a indústria extractiva e transformadora, a energia e fornecimento de águas, a construção, o comércio e restauração, os transportes, as financeiras e os restantes serviços.

3 Investigação financiada pela JNICT e outras entidades, da qual se publicou o livro A Função de Chefia Directa na Indústria, Lisboa, IEFP, 1995.

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* João Freire. Sociólogo. Professor catedrático do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), de Lisboa.

 

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