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Sociologia, Problemas e Práticas

versão impressa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  n.38 Oeiras maio 2002

 

MODALIDADES DE INSERÇÃO PROFISSIONAL DOS QUADROS SUPERIORES NAS EMPRESAS

João Pedro Cordeiro *

Resumo O presente artigo versa sobre as práticas de gestão de recursos humanos pelas empresas, e mais especificamente sobre as modalidades de inserção profissional dos quadros superiores em empresas com diferentes capacidades de inovação. Tentámos identificar até que ponto a inserção profissional dos quadros superiores é influenciada pelos diversos contextos empresariais onde se processa. Procurámos ainda determinar se, entre os factores que geram essas desiguais possibilidades, se encontra a sua diferenciada capacidade de inovação. Na conjugação das diferentes dimensões definidoras da gestão dos quadros superiores destacaram-se modalidades que revelam estratégias específicas, as quais estão na origem de dois modelos de inserção profissional muito contrastantes: o da “inserção profissional qualificante”e o da “inserção profissional não qualificante”.

Palavras-chave Práticas de gestão de recursos humanos, inserção profissional, quadros superiores, inovação.


Abstract This article deals with the vocational integration dialectics of senior executives in companies with differing innovation capacities. The aim was to identify the extent to which the vocational integration of senior executives is influenced by the various business contexts in which it occurs. The author also tries to determine whether the factors that generate these unequal possibilities do indeed include differing degrees of innovation capacity of this type. Amongst the various aspects that determine the way in which senior executives manage, he particularly comes across formats that reveal the existence of specific strategies. These are at the source of two very contrasting vocational integration models: that of “qualifying vocational integration”, and that of “non-qualifying vocational integration”.

Keywords Human resource management practises, vocational integration, senior executives, innovation.


Résumé Cet article traite des logiques d’insertion professionnelle des cadres supérieurs dans des entreprises avec différentes capacités d’innovation. Il s’agissait d’identifier dans quelle mesure l’insertion professionnelle des cadres supérieurs est influencée par les différents contextes entrepreneuriaux dans lesquels elle a lieu. Nous avons également cherché à déterminer si, parmi les facteurs qui créent ces possibilités inégales, se trouve leur capacité d’innovation différenciée. Dans la conjonction des différentes dimensions qui définissent la gestion des cadres supérieurs, des modalités révélatrices de stratégies spécifiques se sont distinguées, lesquelles sont à l’origine de deux modèles d’insertion professionnelle très contrastés: celui de “l’insertion professionnelle qualifiante” et celui de “l’insertion professionnelle non qualifiante”.

Mots-clés Pratiques de gestion de ressources humaines, insertion professionnelle, cadres supérieurs, innovation.

 

Resúmene Este artículo analiza las lógicas de inserción profesional de los mandos superiores en empresas con diferentes capacidades de innovación. Intentamos identificar hasta que punto la inserción profesional de los mandos superiores, es influenciada por los diversos contextos empresariales en los que se procesa. Además intentamos determinar si entre los factores que provocan esas diferentes posibilidades, se encuentra su distinta capacidad de innovación. Conjugando las diferentes dimensiones definidoras de la gestión de los mandos superiores, se destacan modalidades que revelan estrategias específicas, las cuales están en el origen de dos modelos de inserción profesional muy diferentes: el de la “inserción profesional cualitativa” y la de la “inserción profesional no cualitativa”.

Palabras-clave Prácticas de gestión de recursos humanos, inserción profesional, mandos superiores, innovación.

 

Introdução

A diversidade nos modos de gestão de mão-de-obra pelas empresas assume um papel determinante para a interpretação dos processos de inserção profissional.1 É em função desses diferentes modos de gestão protagonizados pelas empresas que se “geram fluxos de mão-de-obra, mobilizando-a ou rejeitando-a em função das suas características — ou seja, em função do perfil da procura de emprego — e das necessidades associadas aos diversos vectores que estruturam a oferta de emprego” (Bernardo, 1995: 27-28).

Partiu-se, assim, da ideia de que a pluralidade de práticas de gestão de recursos humanos que se podem determinar nas diversas empresas, apresenta-se-nos como definidora de diferentes modalidades de inserção profissional. Por isso, aceder às diferenciadas formas de expressão dessas modalidades surgiu como a interrogação nuclear que suscitou a realização deste projecto de investigação. Constituiu-se, assim, como objecto do nosso trabalho o estudo das “modalidades de inserção profissional” dos quadros superiores nas empresas.

Ao nível da inserção profissional foi nosso objectivo geral realizar uma abordagem que a analise em dois momentos-chave: o processo de inserção na empresa propriamente dito (através das políticas de recrutamento), e os processos de pós-inserção, nomeadamente através da análise das práticas de gestão de mão-de-obra nas empresas (políticas de utilização de mão-de-obra).

Em torno da problemática central estabeleceu-se como objectivo específico verificar se as modalidades de inserção profissional dos quadros superiores estão, ou não, relacionadas com a capacidade de inovação das empresas. Pretendeu-se, pois, identificar de que modo a inserção profissional dos quadros é, ou não, diferentemente possibilitada pelos diversos contextos empresariais onde ela se processa, procurando, ainda, determinar se entre os factores que geram essas desiguais possibilidades está a sua diferenciada capacidade de inovação.

O estudo apresentado neste artigo consiste num trabalho empírico, de natureza quantitativa, efectuado aos quadros superiores de empresas da indústria transformadora com diferente grau de inovação. Na sua descrição, começaremos por apresentar, em linhas gerais, o modelo teórico que presidiu à sua construção. Na análise dos dados, e a título ilustrativo, apresentam-se alguns dos exemplos que permitiram fundamentar a caracterização da inserção profissional nas suas várias vertentes. Finalmente, na discussão e conclusões, serão sintetizados os resultados mais relevantes das relações encontradas.

Sobre o encontro de três conceitos-chave: quadros superiores, inovação e inserção profissional

A reflexão teórica subjacente a este trabalho consistiu na descompactação de três conceitos-chave — inovação, quadros superiores e inserção profissional — e, a partir desse mesmo ponto, proceder a uma reflexão sobre a teia de relações existente entre eles.

O primeiro desses conceitos — o de inovação — serviu para discutir a questão da translação de alguns dos principais pilares que marcam as empresas portuguesas na actualidade, a saber: a capacidade de adaptação empresarial.

Nas sociedades actuais, o conhecimento surge cada vez mais codificado e é transmitido através dos recursos informáticos e de comunicação. As sociedades actuais são, assim, marcadas pela importância da aquisição de informações e, por inerência, da aquisição de competências necessárias à utilização dessas mesmas informações. Neste sentido, uma condição parece ser absolutamente necessária para que uma empresa tenha sucesso no futuro: ter capacidade para criar e estimular inovação, já que ela surge como um processo fundamental que está na base da produção de conhecimento.

De acordo com Freeman, podemos definir inovação como a primeira introdução de um novo produto, processo ou sistema na actividade comercial ou social normal de um determinado espaço geográfico (Freeman e outros, 1982). Por outras palavras, a inovação tem como elemento primordial a incorporação de um novo (ou melhorado, acrescentamos nós) processo ou produto no sistema produtivo, os quais decorrem de uma determinada invenção, e que têm como objectivo último a sua difusão no tecido económico.

Desta definição sobressaem três conceitos principais que tendem a estar associados — invenção, inovação e difusão de inovação. Se a noção de invenção nos reenvia para o processo de concepção inicial de novos artefactos e/ou processos tecnológicos, isto é, para a descoberta, o fabrico ou a montagem de um novo processo, produto ou ideia com vista à resolução de problemas, já a noção de inovação remete para o processo mais abrangente e complexo da introdução efectiva e bem sucedida de uma invenção no mercado ao qual se dirige. Difusão de inovação refere-se, por seu lado, ao alastramento de um novo produto, processo ou sistema, no seio de uma população de potenciais utilizadores (Dosi, 1988: 221-238).

O conceito de inovação presente neste trabalho pretende caracterizar a “capacidade de adaptação empresarial”, o que significa abranger a introdução de novos (ou melhorados) produtos e novos (ou melhorados) processos produtivos, um dueto que tem como centro os recursos humanos qualificados. Neste sentido, todas as potencialidades abertas pela inovação só fazem sentido se forem apoiadas e sustentadas na harmonização destas várias dimensões, na medida em que só através de uma perfeita (ou optimizada) articulação das suas dimensões, a inovação pode funcionar como um importante factor de reforço da “capacidade de adaptação das empresas”. Por outras palavras, talvez mais incisivas, os vários domínios da inovação implicam-se e potenciam-se mutuamente, porquanto se se pretende melhorar a “capacidade de adaptação das empresas” torna-se fundamental associar a introdução de novas tecnologias com novos métodos de gestão e com recursos humanos qualificados.

É aqui que entra o segundo conceito-chave — o de quadros superiores. A questão que aqui se coloca é a seguinte: de que forma a emergência de quadros altamente qualificados, detentores de conhecimento, configura, ou pode configurar, comportamentos propícios à emergência de inovação nas empresas?

Se um dos maiores segredos da “capacidade de adaptação das empresas” passa pela inovação, não menos verdade será dizer que, sem profissionais altamente qualificados, a batalha da inovação dificilmente poderá ser ganha. Ou seja, se a inovação é unanimemente considerada como chave da competitividade, ela desempenha igualmente um papel importante na criação de novas empresas e de novos empregos altamente qualificados. Para concretizar este potencial não basta apenas dispor de “uma oferta abundante de novas tecnologias e de um enquadramento jurídico, financeiro e regulamentar que sustente a emergência de novos protagonistas no mercado de trabalho. É necessário igualmente possuir um reservatório apropriado de talentos em termos de espírito de empresa: trabalhadores dotados de grandes competências técnicas e de gestão, capazes de adoptar uma atitude ‘dinâmica’ perante a resolução de problemas e capazes de assumir riscos” (Commission Européenne, 1999: 22).

Numa economia marcada pela importância do conhecimento e da inovação, o emprego caracteriza-se, então, por um crescimento da procura de profissionais qualificados em detrimento da mão-de-obra pouco qualificada. Ou seja, a aquisição de conhecimentos, ou antes, as capacidades humanas de aquisição e de aplicação de novas competências representam a chave da assimilação e da utilização das inovações, pelo que os quadros superiores, convenientemente preparados, são absolutamente indispensáveis na aplicação dos conhecimentos, tanto científicos como tecnológicos.

É precisamente neste passo que se faz referência ao terceiro conceito-chave — o de inserção profissional. Só encetando processos de inovação, no produto e/ou no processo, e só apostando na qualidade e/ou na competência dos recursos humanos, as empresas conseguirão prosseguir uma estratégia de presença eficaz no mercado nacional e nos mercados internacionais. Ora este objectivo ganha fortes possibilidades de resposta numa empresa que preconize políticas de gestão dos seus recursos humanos de natureza qualificante, isto é, numa empresa que aposte ao mesmo tempo na inovação e em modalidades de inserção profissional que valorizem as competências dos seus profissionais.

Segundo Vérnières, a inserção, principalmente a inserção profissional dos jovens, pode ser definida como “o processo pelo qual os indivíduos, não tendo nunca pertencido à população activa, acedem a uma posição estável no sistema de emprego” (Vérnières, 1997: 11). Esta concepção marcou (e ainda marca) decisivamente a forma como é analisada a problemática da inserção profissional, conduzindo inevitavelmente a uma associação entre a inserção profissional e a transição entre inactividade, desemprego e emprego. Contudo, a definição de inserção atrás proposta limita a abordagem desse processo aos momentos imediatamente posteriores à passagem dos sujeitos pelo sistema de ensino/formação, o que leva Rose a afirmar que a “inserção se confunde geralmente com a inserção inicial” (Rose, 1984: 12).

A questão da inserção profissional não poderá, por isso mesmo, limitar-se à abordagem da entrada dos indivíduos no mercado de trabalho após a sua passagem pelo sistema de educação/formação. Ela resulta de um processo marcado por uma diversidade de factores, ao longo do qual se configura e consubstancia uma dada situação profissional, a qual desempenha, por seu lado, um papel estruturante e/ou estruturador no desenvolvimento da vida activa dos sujeitos. Neste sentido, as questões relacionadas com a inserção profissional deverão ser analisadas na articulação entre a situação profissional que caracteriza os indivíduos num determinado momento, as condições que estão na origem dessa situação profissional e o modo como ela pode configurar a trajectória profissional posterior.

A noção de inserção profissional expressa neste estudo reenvia-nos sobretudo para as questões relacionadas com a gestão diferenciada da mão-de-obra por parte das empresas. Inscreve-se, pois, no campo das reflexões sobre a estruturação da inserção pela oferta, reflexões estas que se desenvolvem paralelamente ao desenvolvimento do paradigma da estruturação do mercado de trabalho pelas práticas de gestão dos recursos humanos das empresas (Tanguy, 1986). Este paradigma sustenta o seu discurso na hipótese segundo a qual as empresas estabelecem diferenciações, em maior ou menor grau, entre categorias de trabalhadores, independentemente das forças concorrenciais que operam no mercado.2

Com efeito, alguns estudos demonstraram a existência de diferentes lógicas de inserção em função de diferenciadas estratégias preconizadas pelas empresas: escolha entre flexibilidade interna ou externa, modalidades de renovação dos trabalhadores, recomposição das qualificações, exigência de experiência profissional, realização de formação contínua, maior ou menor grau de autonomia profissional, contratos de trabalho duráveis (e a tempo inteiro) ou de curta duração (e a tempo parcial), etc., constituem, entre outras, medidas de política de gestão da mão-de-obra de uma empresa que influenciam decisivamente a inserção profissional dos indivíduos (vejam-se, por exemplo, os trabalhos de Amat e Géhin 1987; Clémenceau e Géhin, 1983).

Contributos para um modelo de análise da inserção profissional dos quadros

As desigualdades de inserção dos quadros devem-se, sobretudo, aos modos de gestão das empresas (através das suas políticas de recrutamento e selecção, formação, gestão e planeamento), já que são elas que desempenham um papel activo no processo de construção das relações de emprego, de transformação da mão-de-obra e de concretização das relações sociais (Villeval, 1989: 8).

Neste sentido, e para o que aqui nos interessa, optámos, pois, por privilegiar uma concepção de inserção profissional que engloba sobretudo dois momentos (cf. figura 1): a inserção na empresa propriamente dita (políticas de recrutamento), e os processos de pós-inserção, nomeadamente através da análise das práticas de gestão de mão-de-obra nas empresas (políticas de utilização de mão-de-obra). Ou seja, esta abordagem vai na direcção da concepção de inserção profissional entendida como um estado intermediário, que tem uma certa duração, sofre a influência da especificidade dos contextos onde ocorre e prefigura uma situação futura.

A diferente conjugação de algumas das dimensões definidoras da gestão de mão-de-obra (regulamentação dos contratos de trabalho, modalidades de pagamento dos salários, formação profissional, modalidades de progressão, etc.) pode estar na origem de dois modelos de inserção, ou antes, como diria Max Weber, de dois ideais-tipo de inserção profissional: a “inserção profissional qualificante” e a “inserção profissional não qualificante”.

Com o conceito de inserção profissional qualificante pretende-se fazer sobressair o facto de a empresa postular e desenvolver uma verdadeira política que aposta na valorização dos seus recursos humanos (nomeadamente através da preconização de políticas selectivas de protecção dos seus trabalhadores, da existência de contratos estáveis, da criação de condições de trabalho mais satisfatórias, da existência de políticas de formação intra-empresa, de um sistema de progressão nas carreiras, com elementos salariais aliciantes, etc.), contribuindo, assim, para o desenvolvimento das competências individuais e colectivas dos seus trabalhadores.

Já o conceito de inserção profissional não qualificante tem subjacente um conjunto de características opostas — a saber: existência de contratos precários, inexistência de políticas de formação dentro da empresa, sem um sistema de progressão nas carreiras claro e bem definido, com elementos salariais baixos, etc. —, factores estes que contribuem para uma crescente desvalorização dos trabalhadores.

Sobre o processo de inserção na empresa: práticas de recrutamento de quadros superiores

Feitas as considerações de cariz teórico consideradas essenciais para a definição das fronteiras em que o presente trabalho deve ser interpretado, procurar-se-á, seguidamente, apresentar os resultados apurados através do inquérito por questionário às empresas.3

O interesse da linha de investigação aqui desenvolvida decorre da actualidade do tema, mas também, e sobretudo, do seu carácter inovador, procurando integrar na análise das práticas de gestão das empresas as questões relacionadas com a inovação. Interesse este que se reforça, por um lado, pela escassez de estudos disponíveis em Portugal sobre esta matéria e, por outro, porque esta problemática apresenta contornos muito particulares na sociedade portuguesa, se atendermos às vicissitudes históricas do nosso desenvolvimento empresarial.

Com efeito, não existe um estudo sistematizado sobre a inserção profissional dos quadros superiores no nosso país.4 Por um lado, as questões relacionadas com a inserção profissional apenas começaram a ganhar algum relevo nos inícios dos anos 70, quando os níveis de desemprego começaram a subir desmesuradamente com a crise socioeconómica que alastrou no nosso país. Até então o interesse sobre esta temática centrava-se fundamentalmente na questão da passagem do sistema de ensino (formação) para a vida activa (mercado de trabalho), questão esta tratada numa óptica de (des)ajustamento entre a procura e a oferta de emprego. Por outro lado, os quadros não foram, pelo menos até meados dos anos 80, objecto de trabalhos enquanto grupo social. Só mais recentemente foram desenvolvidos alguns estudos sobre os grupos profissionais (sobretudo em França — cf., por exemplo, Féroni, 1994, e Chapoulie, 1987 —, mas também em Portugal — cf., por exemplo, Lopes, 1994), se bem que se reportavam mais especificamente às profissões intermédias do sector público do que aos quadros superiores das empresas.

Os quadros, especialmente os superiores, parecem constituir-se como um elemento estratégico na implementação da inovação e na optimização do processo de desenvolvimento das empresas e, por conseguinte, do país, já que cabe a eles (e não só) dar uma resposta eficaz aos problemas emergentes com vista a alcançar os objectivos definidos e propostos pelas empresas. Neste sentido, e dado que cada vez mais as empresas são confrontadas com a abertura a novos conhecimentos, bem como a um permanente esforço de actualização, adaptação e capacidade competitiva, torna-se fundamental recensear as estratégias de gestão dos quadros — através de um duplo momento da inserção e da pós-inserção profissional — prosseguidas pelas empresas.

Tipo de contrato de trabalho privilegiado no recrutamento de quadros superiores

Uma das dimensões tradicionalmente analisadas ao nível da inserção profissional refere-se às formas de emprego que as empresas mobilizam. Para o caso concreto deste trabalho, e constituindo uma dimensão fundamental para aquilatar a qualidade da inserção profissional, as empresas foram inquiridas sobre o tipo de contrato de trabalho privilegiado aquando do recrutamento de quadros superiores (QS).

Das empresas que responderam a esta dimensão (206 empresas) 36,4% privilegiam a contratação de QS a prazo/termo, 29,6% privilegiam a contratação efectiva/sem termo e 34,0% privilegiam a contratação por período experimental com passagem a efectivo.

Relativamente a esta questão, um primeiro dado a realçar é que a variável tipo de contrato apresenta uma relação estatisticamente significativa com inovação e com sectores de actividade.

Se repararmos no quadro 1 verificamos que, por um lado, das empresas que na contratação de QS privilegiam o contrato de trabalho a prazo (74), aproximadamente 93% pertencem ao grupo de empresas de baixa inovação e apenas cerca de 7% pertencem ao grupo de empresas de alta inovação. Por seu lado, das empresas que privilegiam o contrato efectivo/sem termo (61), cerca de 90% são empresas de alta inovação e apenas cerca de 10% são empresas de baixa inovação. Por outro lado ainda, das empresas que normalmente contratam QS por um período experimental com passagem a efectivo, aproximadamente 15% são empresas de baixa inovação e cerca de 85% são empresas de alta inovação.

Dada a importância desta questão, uma vez que está relacionada com o que geralmente se designa por precarização do emprego, interessa verificar de modo mais específico se, de facto, a mobilidade deste grupo de mão-de-obra — quadros superiores — é, ou não, particularmente importante na valorização da capacidade de inovação nas empresas.

Assim, procurando analisar a relação entre tipo de contrato e grau de inovação, verificamos que, por um lado, existe um significativo número de empresas altamente inovadoras com gestão do emprego de quadros superiores potencialmente qualificante e, por outro lado, existe um grande número de empresas que são pouco inovadoras e que desenvolvem uma gestão precária do emprego de quadros superiores.

Num outro plano de abordagem, os dados obtidos no quadro 2 sugerem que os sectores de actividade têm influência no tipo de contratos privilegiados aquando do recrutamento de QS. Da análise da tabela de contingência, pode ver-se que das empresas que na contratação de QS privilegiam o contrato de trabalho a prazo 80,0% pertencem aos sectores tradicionais, 14,7% aos sectores intermédios e apenas 5,3% aos sectores de ponta. No outro extremo estão as empresas que privilegiam a contratação efectiva de QS, as quais pertencem maioritariamente aos sectores de ponta (72,1%), contra aproximadamente 15% pertencentes aos sectores intermédios e 13% aos sectores tradicionais.

Uma outra dimensão particularmente importante quando se estudam as questões relacionadas com a inserção profissional refere-se à forma como é feito o processo de integração dos novos profissionais contratados.

A este nível um dos primeiros dados a extrair é que na maior parte das empresas a integração dos novos quadros superiores contratados é feita principalmente ao nível das chefias. Com efeito esta é a única dimensão onde a categoria “sim” é superior à categoria “não”: ou seja, aproximadamente 65% das empresas preconizam a integração através das chefias, e cerca de 35% não.

Cruzando esta dimensão com o grau de inovação das empresas, e apesar de não existir uma relação estatisticamente significativa entre as duas variáveis, a verdade é que da análise do quadro 3 pode constatar-se que as empresas que responderam praticar a integração pela chefia são na sua maioria as empresas mais inovadoras: 60,3% são empresas muito inovadoras e 39,7% são empresas pouco inovadoras. O mesmo sucede com as empresas que responderam praticar a integração de QS através de formação profissional, o que, de alguma forma, pode indiciar uma maior apetência para as empresas mais inovadoras realizarem actividades de formação profissional. Apesar de serem em número bastante reduzido as empresas que responderam fazer a integração dos QS através de formação profissional (apenas 41), destas 70,7% são empresas de alta inovação e 29,3% são empresas de baixa inovação.

Critérios considerados no recrutamento de quadros superiores

Ainda relacionado com a inserção profissional procurou-se saber quais são os critérios que as empresas privilegiam no recrutamento de quadros superiores. O objectivo aqui foi essencialmente o de verificar se as empresas se distribuíam, ou não, de forma diferenciada, ou seja, se as empresas mais e menos inovadoras privilegiavam os mesmos critérios, ou se, pelo contrário, privilegiavam critérios diferentes. Para esta análise as empresas foram inquiridas sobre quais consideram ser os critérios determinantes para o recrutamento de quadros superiores.

Aqui duas situações podem ser destacadas. Em primeiro lugar, praticamente a totalidade das empresas não possui como critério determinante no recrutamento de quadros superiores nem o “estado civil” nem o “sexo”. Em segundo lugar, e como critérios mais importantes, surgem a “formação académica” (referida por 73,6% das empresas), a “experiência profissional” (referida por 69,3% das empresas) e a “formação profissional” (referida por 49,1% das empresas). Num patamar intermédio surge o critério “idade”, considerado por cerca de 50% das empresas.

Se considerarmos a análise destes critérios em função do grau de inovação nas empresas, é possível avançar com algumas tendências (cf. quadro 4). Em primeiro lugar, parece haver uma maior propensão para as empresas menos inovadoras privilegiarem os critérios relacionados com a experiência adquirida (aproximadamente 50% das empresas que consideraram a “experiência profissional” como critério fundamental na contratação de quadros superiores são de baixa inovação). A experiência profissional sobressai assim como um requisito extremamente importante para estas empresas, o que não deixa de ser demonstrativo de uma tentativa de encontrarem no mercado de emprego recursos humanos que facilmente se adaptam às exigências da empresa, permitindo também diminuir os custos em formação inicial e de acolhimento existentes aquando da contratação de quadros superiores. Em segundo lugar, as empresas mais inovadoras tendem a privilegiar, para além do critério “experiência profissional” (cerca de 50%), os critérios relacionados com as qualificações.

De igual modo, são principalmente as empresas que fazem logo no recrutamento uma aposta mais qualificante nos seus profissionais mais qualificados (ou seja, as que privilegiam o contrato de trabalho efectivo/sem termo e o contrato de trabalho por período experimental com passagem a efectivo) aquelas que têm como critérios principais de recrutamento a “formação profissional” e a “formação académica”.

Sobre o processo de pós-inserção: políticas de gestão dos quadros superiores

Política de formação profissional

Começámos por determinar se a política de formação profissional é de facto uma das esferas de actuação da gestão dos recursos humanos (RH) privilegiadas pelas empresas. Quando questionadas acerca das actividades de formação profissional (não só para os quadros superiores mas também para as restantes categorias profissionais) efectivamente encetadas nos últimos dois anos, constatamos que apenas pouco mais de metade das empresas em estudo (cerca de 57%) desenvolveu acções neste domínio.

Entre as empresas que desenvolveram acções de formação profissional, aproximadamente 40% são empresas que privilegiam a contratação efectiva de quadros superiores (o que de alguma forma indicia uma aposta contínua nos seus quadros) e apenas 21,4% privilegiam a contratação a prazo. Na realidade, a aposta nos quadros mais qualificados é uma das esferas da empresa em que a formação pode desencadear benefícios significativos dado que da sua concretização depende, em grande medida, o tipo de desempenho profissional dos trabalhadores. Neste sentido, e como se pode ver no quadro 5, enquanto a maioria das empresas que privilegiam a contratação de quadros superiores a termo ou por período experimental realizaram acções de formação nos últimos dois anos (cerca de 75% e 66% respectivamente), já no que diz respeito às empresas que privilegiam a contratação de quadros superiores a prazo apenas cerca de 33% realizaram formação profissional, enquanto aproximadamente 67% não o fizeram.

Esta relação vem mais uma vez confirmar que, por um lado, existe um significativo número de empresas com gestão do emprego de quadros superiores tendencialmente qualificante e, por outro lado, existe um grande número de empresas que desenvolvem uma gestão tendencialmente desqualificante do emprego de quadros superiores.

Dado que a actividade formativa tende a apoiar a estratégia das empresas, interessava saber de que forma esta actividade formativa se relaciona com a capacidade inovadora das empresas. Assim, se a realização de acções de formação profissional assume valores extremamente importantes nas empresas que possuem um alto grau de inovação (70% realizaram acções de formação profissional e 30% não), já no que se refere às empresas de baixa inovação esses valores são muito menos significativos, pois apenas 36,7% destas empresas realizaram acções de formação profissional. Esta menor preocupação com o domínio da formação profissional por parte das empresas menos inovadoras vem, de alguma forma, corroborar o seu carácter subalternizado no seio da estratégia empresarial, enquanto a crescente preocupação com o aumento da produtividade e da qualidade (dos produtos, dos processos e dos serviços prestados) por parte das empresas mais inovadoras parece funcionar como catalisador da formação profissional, a qual advém da necessidade de adaptar os diferentes profissionais (não só os quadros) às novas exigências empresariais.

Procurámos ainda determinar, para as empresas que realizaram acções de formação profissional aos quadros superiores, que formas revestiram essas acções.

Da análise do quadro 6 destacam-se três aspectos principais. Primeiro, ao nível dos quadros superiores a formação em “congressos, seminários e feiras” é a mais valorizada (por cerca de 43% das empresas), seguindo-a de muito perto a “formação em sala” (preconizada por cerca de 39% das empresas). Segundo, a formação através de “estágios” é quase insignificante (apenas aproximadamente 8% a realizaram), bem como a “formação no posto de trabalho” (cerca de 11%). Terceiro, enquanto as empresas pouco inovadoras privilegiam principalmente a “formação em sala” (preconizada por aproximadamente 53% das empresas de baixa inovação), já as empresas mais inovadoras tendem a realizar privilegiadamente acções de formação através de “congressos, seminários e feiras” (preconizadas por 53% das empresas de alta inovação).

Em suma, se a realização de acções de “formação em sala” por parte das empresas menos inovadoras talvez se deva, em parte, aos menores custos financeiros que lhes estão associados, já a realização de acções de formação preferencialmente através de “congressos, seminários e feiras” (o que pressupõe troca de experiências e transferência de saber) por parte das empresas mais inovadoras talvez se possa dever ao facto de serem estas empresas as que apresentam maiores incidências de nível formativo directamente relacionadas com o processo de criação, concepção e I&D.

Modos de gestão dos salários

Um outro ponto que abordámos relativamente à política de pós-inserção de QS refere-se ao posicionamento das empresas relativamente ao esquema salarial praticado, nomeadamente no que se refere à diferença entre salários efectivos e salários convencionais.

As empresas de baixa inovação tendem a pagar salários superiores ao salário convencional (mas apenas até 25%), enquanto as empresas de alta inovação são aquelas que tendem a pagar muito acima do salário convencional (entre 25% e 50% e mais de 50%). Parece, assim, haver uma relação entre os diferentes “modos de gestão dos salários” para os quadros superiores e o “grau de inovação” nas empresas.5

Com o objectivo de sabermos até que ponto a aposta feita nos quadros superiores aquando da sua inserção na empresa tem, ou não, uma perspectiva de continuidade (nomeadamente no processo de pós-inserção), procurámos relacionar a variável “modos de gestão dos salários dos QS” com a variável “tipo de contrato privilegiado no recrutamento”. Testou-se a relação entre estas duas variáveis, e também aqui a variável “modos de gestão dos salários” apresentou relações estatísticas significativas com o tipo de contrato privilegiado no recrutamento de quadros superiores. Esta questão merece uma análise mais aprofundada.

Através da análise realizada, verificamos que o que diferencia umas e outras empresas é:

  • grande parte das empresas que preconizam contratos a prazo no recrutamento de QS praticam preferencialmente salários efectivos superiores em apenas 25% ao salário convencional (cerca de 68% das empresas);
  • o grosso das empresas que realizam contratos efectivos aquando do recrutamento de QS praticam preferencialmente salários efectivos superiores em 25% a 50% ao salário convencional (aproximadamente 41%) e em mais de 50% (aproximadamente 33%);
  • a maioria das empresas que preconizam contratos por período experimental com passagem a efectivo, praticam preferencialmente salários efectivos superiores em apenas 25% ao salário convencional, e entre 25% a 50% (cerca de 35% em ambos os casos);
  • das empresas que contratam a prazo, apenas cerca de 8% pagam salários efectivos superiores ao salário convencional em mais de 50%. Das empresas que preconizam contratos efectivos no recrutamento de QS aproximadamente 16% praticam salários efectivos superiores em apenas 25% ao salário convencional.
  • Assim sendo, para o grupo dos quadros superiores, a probabilidade de as empresas mais inovadoras pagarem salários acima do salário convencional (entre 25% a 50% e mais de 50%) é maior do que nas empresas menos inovadoras. Por outro lado, a probabilidade de as empresas que privilegiam a contratação efectiva de QS pagarem salários efectivos acima dos salários convencionais é também maior do que nas empresas que preconizam contratos a prazo ou por período experimental.

    Sistema de incentivos

    A questão que aqui se coloca é a seguinte: até que ponto as empresas portuguesas têm adaptado o sistema de compensações para encorajar determinado tipo de comportamentos? Por outras palavras, têm ou não as empresas adoptado um sistema de incentivos individuais para recompensar diferenças em termos de desempenho e de produtividade?

    Numa primeira análise dos dados obtidos, o que se verifica é que a maioria das empresas estão ainda num estado embrionário quanto à prática do sistema de remuneração variável, pois apenas dois tipos de incentivos são referidos por mais de 50% das empresas alvo de análise, a saber: a concessão de automóvel (praticado em cerca de 53% das empresas) e de combustível (praticado em aproximadamente 50% das empresas). Dos restantes incentivos, referência ainda para a relativa importância que assumem a “retribuição pecuniária do desempenho” (referida por 39,5% das empresas), os “apoios à formação” (39%) e a concessão de “seguros” (35%). Pouca importância assumem os incentivos exclusivamente compostos por produtos financeiros, como é o caso dos “cartões de crédito” (cerca de 21%), a “participação nos lucros da empresa” (cerca de 13%) e a “participação no capital” (1,4%).

    Parece pois que estamos perante empresas caracterizadas pelo esquema tradicional assente num excessivo peso do salário base na componente remuneração. Esta questão justifica, todavia, uma análise mais fina, em que comparamos dois grupos de empresas (as de alta inovação com as de baixa inovação). Ou seja, apesar de, no conjunto das empresas, verificarmos que ainda está por dar-se a transição do sistema tradicional de remuneração para o sistema alternativo (composto pelo regime de remuneração variável), interessa ver se se identificam algumas diferenciações consoante o tipo de empresas em causa. É que, como é sustentado por alguns autores, pode dar-se o caso de serem as empresas cujos custos laborais são mais baixos aquelas que mais facilmente estão a descurar outras formas mais eficientes de competir, por exemplo, através da qualidade e da inovação (Pfeffer, 1999: 62-65).

    Uma primeira constatação a retirar é que a variável “grau de inovação” apresenta relações estatísticas significativas com a variável “sistema de incentivos” (com excepção da “participação no capital”). Vejamos o sentido desta relação.

    Considerando as percentagens por relação ao total de empresas que concedem incentivos aos quadros superiores, e como se pode ver no quadro 7, em todos os sistemas de incentivos considerados os valores apresentados são substancialmente superiores nas empresas de alta inovação. O que diferencia as empresas de alta inovação das de baixa inovação nesta matéria é, assim, que as primeiras apresentam tendencialmente maiores probabilidades de praticar um esquema de remuneração variável para os quadros de topo. Por exemplo, das cerca de 40% de empresas que praticam a “retribuição do desempenho” para os QS, 30% são empresas de alta inovação e apenas 10% são de baixa inovação; das cerca de 13% que praticam a “participação nos lucros” 11% são empresas de alta inovação e apenas 2% são de baixa inovação, etc.


    Modalidades de progressão/promoção profissional

    As questões relacionadas com a mobilidade profissional têm vindo a sofrer algumas alterações (de sentido), nomeadamente através da “ruptura com o modelo de progressão automática, dependente da antiguidade, da experiência profissional ou dos diplomas…” (Lima, 2000: 212). As modalidades de progressão tendem cada vez mais a caminhar por uma via marcada pelas “mudanças organizacionais, mutações na qualificação dos trabalhadores e dos empregos e pelas estratégias de flexibilização e individualização” (idem). Neste sentido, procurámos identificar as práticas das empresas no que se refere às modalidades de progressão profissional dos quadros superiores, procurando relacioná-las com os tipos de empresas quanto à inovação.

    É possível destacar dois aspectos principais. Por um lado, verifica-se que as modalidades de progressão que reflectem uma lógica de mobilidade colectiva de promoção automática (antiguidade, aquisições de qualificações académicas e profissionais) são pouco utilizadas. Especificando, a progressão “automática por antiguidade” apenas é praticada por cerca de 20% das empresas, a progressão por “aquisição de diploma” por aproximadamente 8% das empresas, e a progressão através de “conclusão de curso de formação” por cerca de 10% das empresas. Por outro lado, das modalidades de progressão que reflectem tendência para a flexibilização e individualização (por mérito e por avaliação dos conhecimentos requeridos ou detidos), a progressão através de “avaliação por mérito” é a mais praticada (perto de 64% das empresas), seguindo-se-lhe a progressão por “avaliação dos conhecimentos requeridos para o exercício da actividade” (referida por 40% das empresas). A progressão através da “avaliação dos conhecimentos detidos independentemente da actividade exercida” é considerada por apenas 12,4% das empresas.

    Analisando a relação entre as modalidades de progressão para os quadros superiores e o tipo de empresas quanto ao seu grau de inovação, o quadro 8 permite ver que:

  • são sobretudo as empresas de baixa inovação que mais recorrem às promoções “automáticas por antiguidade” (aproximadamente 53%). Apenas 10% das empresas de alta inovação praticam este tipo de promoção.
  • as empresas de alta inovação recorrem mais frequentemente às promoções por “mérito” (praticadas em cerca de 83% das empresas mais inovadoras, contra apenas cerca de 39% das empresas de baixa inovação) e por “avaliação dos conhecimentos requeridos para o exercício da actividade” (referida por aproximadamente 48% das empresas de alta inovação e por 30% das empresas de baixa inovação).


  • Conclusões

    O objectivo deste trabalho foi o de captar as principais tendências ao nível da “inserção” e da “pós-inserção profissional” dos quadros superiores em contextos empresariais com capacidade de inovação diferenciada.

    Ao longo da pesquisa foi tomando forma o processo de diferenciação da inserção profissional dos quadros superiores corporizado nas diferentes dimensões analíticas consideradas (recrutamento e selecção; formação profissional; política salarial e de incentivos e modalidades de progressão profissional). Na diferente conjugação destas dimensões definidoras da gestão dos quadros salientaram-se modalidades reveladoras de específicas estratégias, as quais estão na origem de dois modelos de inserção profissional muito contrastantes: o da “inserção profissional qualificante” e o da “inserção profissional não qualificante”.

    No modelo de inserção profissional qualificante sobressai o facto de as empresas praticarem políticas que apostam e valorizam os seus quadros superiores, nomeadamente através de políticas selectivas de protecção dos seus trabalhadores, a saber: existência de contratos estáveis (efectivos/sem termo ou por período experimental com passagem a efectivo); realização de acções de formação profissional regulares (preferencialmente em sala, ou através de congressos, seminários, workshops); existência de um sistema de progressão nas carreiras claramente definido e que reflecte essencialmente uma lógica de flexibilização e individualização (por “mérito” e por “avaliação das capacidades e conhecimentos detidos e requeridos”); com elementos salariais mais vantajosos (praticam salários efectivos superiores ao salário convencional entre 25% a 50% e mais de 50%); e que mais sistemas de incentivos concedem aos quadros superiores. São ainda empresas cujo modo de integração dos novos quadros superiores contratados é feito pelas chefias, pelos colegas ou através de acções de formação profissional, possuindo como critérios determinantes no recrutamento de quadros superiores a “formação académica” e a “formação profissional”. É um modelo que está relacionado com as empresas mais inovadoras, pertencentes aos sectores de ponta.

    Já o modelo de inserção profissional não qualificante tem subjacente um conjunto de características que se opõem ao primeiro, e que, de algum modo, contribuem para uma não (ou fraca) valorização dos quadros superiores, a saber: existência de contratos precários (privilegiam o contrato a prazo na contratação de quadros superiores e possuem mais quadros superiores com contratos a prazo); existência em fraco número de acções de formação profissional (não só para os quadros superiores como também para os restantes grupos profissionais); com um sistema de progressão nas carreiras que reflecte essencialmente uma lógica de garantias colectivas (essencialmente por “antiguidade”); com elementos salariais menos atraentes (praticam salários efectivos iguais ao salário convencional ou superiores em apenas 25%); e que menos sistemas de incentivos concedem aos quadros superiores. São empresas que não possuem um modo de integração dos novos quadros superiores claramente definido e que possuem como critérios determinantes no recrutamento de quadros superiores a “experiência profissional” adquirida. Este é um modelo que está associado às empresas menos inovadoras, que pertencem aos sectores tradicionais.

    Sintetizando, perante os dados aqui apresentados, pode dizer-se que nas modalidades de “inserção profissional qualificante” estão criadas as condições para os quadros superiores desenvolverem continuamente as suas capacidades, através do desenvolvimento permanente e cumulativo das suas competências. A “inserção profissional qualificante” é, pois, possibilitada pelas empresas que apostam e que tornam possível a sua evolução permanente — que neste caso são as empresas mais inovadoras.


    Notas

    1 O presente artigo tem por base o projecto de investigação “Competitividade e exclusão social: as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto”, realizado por um consórcio entre o Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica (Dinâmia), o Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES) e o Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (IS-FLUP), e co-financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) ao abrigo do Programa Praxis XXI (Praxis/2/2.1/CSH/674/95). Veja-se Cordeiro, 2001.

    2 Segundo esta perspectiva, a margem de manobra da empresa nas relações com o mercado de trabalho resulta da influência das regras internas de gestão de mão-de-obra. Assim sendo, a configuração do mercado de trabalho é indissociável dos modos de gestão da mão-de-obra, da prossecução de esquemas promocionais, dos esforços de formação, das escolhas em matéria de políticas salariais, etc. Sobre esta questão veja-se Saunier, 1993.

    3 Os resultados aqui apresentados referem-se aos dados obtidos através do inquérito por questionário construído no âmbito de um projecto “Competitividade e Exclusão Social: As Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto”. O inquérito dirigiu-se apenas às empresas da indústria transformadora portuguesa com  mais de 10 trabalhadores, das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, e constantes da base Belem (Base de Estabelecimentos e Empresas) de 1998 do INE. O inquérito aplicado incidiu sobre uma amostra estratificada por área metropolitana, sector de actividade (com desagregação a 3 dígitos) e dimensão da empresa. A amostra definida era constituída por um total de 1769 empresas. Tendo em consideração que este estudo se centrou essencialmente na análise da inserção profissional dos quadros superiores contratados pelas empresas num período específico (ano de 1998), e dado que nem todas as empresas contrataram quadros superiores nesse ano, decidiu-se constituir uma subamostra com as empresas que recrutaram quadros superiores no período referido — 212 empresas, o que corresponde a cerca de 32% do total.

    4 Tal não significa, porém, que não se tenham desenvolvido estudos em Portugal especificamente direccionados para os quadros superiores. Quanto a estes, veja-se, por exemplo, Guimarães, 1994; Gonçalves, 1998; Oliveira, 1994; e Rodrigues, 1996.

    5 Procurando reforçar a consistência desta análise, e uma vez que a variável “grau de inovação” está classificada na escala nominal dicotomizada e a variável “modos de gestão dos salários” está classificada na escala ordinal, aplicou-se o teste de independência de Kolmogorov-Smirnov (K-S). Sendo o valor do teste (expresso em termos de Z) de 2,776, com uma probabilidade associada de p=0,000, e para um a.= 0,01, rejeita-se Ho, que afirma a inexistência da relação entre as variáveis. Rejeita-se, assim, a hipótese de a distribuição dos modos de gestão dos salários dos quadros superiores ser igual nos diferentes grupos de inovação.


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    * João Pedro Cordeiro. Sociólogo. Investigador do Dinâmia.
    E-mail: dinamia@dinamia.iscte.pt

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