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Sociologia, Problemas e Práticas

versión impresa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  n.37 Oeiras nov. 2001

 

EM DEFESA DA INVESTIGAÇÃO-ACÇÃO

José-Carlos Ferreira de Almeida*

 

Porquê em defesa da investigação-acção? Porque ela tem sido a parente pobre no campo das ciências sociais, dela pouco se falando, sendo insuficientemente praticada, tendo em conta as potencialidades que abrange, e porque, mesmo quando é efectuada, raramente é divulgada fora dos círculos restritos que utilizam os seus resultados. Sobretudo, é muito escasso o número de publicações, livros ou artigos de revistas científicas que dela se ocupam.

Não estou a referir-me apenas ao panorama nacional. O que atrás se aponta é válido no plano internacional. Desde que, em 1948, Kurt Lewin lançou a ideia da action research, tal proposta não foi bem aceite nos círculos científicos. Talvez porque vinha a contracorrente da história das próprias ciências sociais, muito preocupadas, nessa época, em afirmar a sua cientificidade e em delimitar os campos da produção e da utilização do conhecimento, distanciando-se das intervenções e das ideologias. Resta que um manto de silêncio recobriu a investigação-acção e raros foram os autores/investigadores de nomeada que a praticaram — por vezes sob outras designações, em correspondência com as alterações que introduziram para a adaptar às suas próprias preocupações e metodologias.

Mais recentemente — e agora refiro-me sobretudo a Portugal — houve alterações significativas. A generalização da sociologia, depois de 1974, a “explosão” do número de sociólogos que, não podendo ser absorvidos pela investigação e pelo ensino, se disseminaram por vários domínios de actividade, participando muitas vezes em trabalhos de equipa com outros profissionais, levaram a um aumento da preocupação em realizar estudos e levantamentos antes de se passar à fase da intervenção. Tais actuações têm sido particularmente sensíveis em áreas como as do ensino, da intervenção social — incluindo as intervenções urbanas — e da saúde (de que são exemplos estes não nacionais, os trabalhos ditos de participatory research, nomeadamente nos países nórdicos). As designações nem sempre são as mesmas: há quem, conforme os casos, prefira acção-investigação, investigação na e/ou para a acção, pesquisa-acção, etc., mas o fundo e o estímulo são idênticos e é isso que importa.

Há uma questão que julgo relevante e que não tenho visto abordada.

O mundo das ciências e tecnologia tem sido invadido pela noção de I & D (investigação e desenvolvimento), a que têm sido concedidas larga atenção e vultuosas verbas.

As ciências sociais têm procurado, na medida das suas virtualidades, retirar daí benefícios. Mas tem sido esquecido que, dada a sua especificidade e a das tecnologias implicadas pelo desenvolvimento, é justamente a investigação-acção o campo de trabalho que, para elas, melhor corresponde às preocupações implicadas pela I & D — e para esse facto deveria ser chamada a atenção, quer das autoridades financiadoras e promotoras de projectos, quer dos próprios investigadores, daí se retirando as consequências apropriadas.

Interessa apontar, mesmo num texto tão sucinto como este, algumas características da investigação-acção.

Não existe um paradigma da investigação-acção (o que não é de espantar, dados quer a fraca divulgação da sua prática, atrás apontada, quer o próprio carácter pluriparadigmático das ciências sociais). Mas é possível apontar alguns traços que lhe são inerentes.

Com efeito, a(s) metodologia(s) da investigação-acção apresenta(m) aspectos específicos que diferem das metodologias de investigação tout court. O facto de congregar a produção e a utilização imediata ou, até, concomitante, do saber, faz com que ela se inscreva numa lógica própria de um espaço de intersecção: nem a metodologia da investigação “pura”, nem as simples regras da acção imediata. Trata-se de criar uma interface entre duas atitudes/posturas, por sobre o pano de fundo da interpenetração e circularidades complexas entre três ordens de categorias: as das ciências (nomeadamente as sociais), as de tipo político-institucional e as do senso comum.

Não se trata de projectos bicéfalos, mas sim de conjugar/congregar duas ordens de preocupações e, muitas vezes, de agentes/actores. Assim, a orientação de um projecto de investigação-acção implica entrosar metodologias de investigação com praxologias da acção, sem esquecer a viabilidade da execução do projecto no seu conjunto, tendo em conta as contingências e constrangimentos inerentes a qualquer intervenção.

Implica o recurso a sensibilidades que, não sendo as mesmas, se vêem levadas, de forma inequívoca, a serem comunicantes, não de forma incidental, mas de modo estrutural/estruturante. E, não esqueçamos, é necessário, para o bom sucesso de qualquer projecto deste tipo, que se abandonem as tentações hegemónicas de qualquer das suas vertentes. O que envolve também a necessidade de desocultação e transparência por parte de todos os agentes e processos envolvidos.

Tudo o que ficou dito pressupõe que se acha haver vantagens em alargar a prática da investigação-acção. Ela implica o abandono do praticismo não reflexivo, favorece, quer a colaboração interprofissional, quer a prática pluridisciplinar — quando não interdisciplinar ou mesmo transdisciplinar —, e promove, inegavelmente, a melhoria das intervenções em que é utilizada.

 

 

*José-Carlos Ferreira de Almeida. Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa. Investigador associado do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

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