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Sociologia, Problemas e Práticas

versión impresa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  n.36 Oeiras sep. 2001

 

ELECTRO-SONORIDADES

Da utilização de novas tecnologias na criação musical "erudita" do pós-guerra

Vítor Sérgio Ferreira*

 

Resumo Conjunto de notas onde se pretende reflectir sobre a complexidade da relação entre novas tecnologias e criação musical contemporâneas para além da sua irredutibilidade a um simples juízo moralista ou de valor. Rica em diversidades, tal relação suscitou o imaginário e fez-nos lançar algumas hipóteses de reflexão, deixando pressentir até que ponto o diálogo homem-máquina deve levantar questões e não ser julgado a priori segundo os seus mais primários efeitos perversos.

Palavras-chave Música contemporânea, novas tecnologias.

 

Abstract A set of notes in which the author shares some thoughts about the complexity of the relationship between new technologies and contemporary musical creation and seeks to go beyond the impossible task of reducing the issue to a simple moral or value judgement. With its rich diversity, this relationship stimulated the author's imagination and led him to offer a few hypotheses for further thought. It enables him to sense the point to which the dialogue between man and machine ought to raise questions, but should not be judged a priori by the most primary of its perverse effects.

Keywords Contemporary music, new technologies.

 

Résumé Ensemble de notes qui constituent une réflexion sur la complexité de la relation entre nouvelles technologies et création musicale contemporaine, au-delà d'un simple jugement moraliste ou de valeur. Riche en diversités, cette relation a éveillé l'imaginaire et suscité en nous quelques hypothèses de réflexion, laissant pressentir jusqu'à quel point le dialogue homme-machine doit soulever des questions et ne pas être jugé a priori selon ses effets pervers les plus primaires.

Mots-clés Musique contemporaine, nouvelles technologies.

 

Resúmene Conjunto de notas donde se pretende reflexionar sobre la complejidad de la relación entre las nuevas tecnologías y la creación musical contemporánea, más allá de su simplificación a un simple juicio moral o de valor. Rica en diversidades, esta relación suscitó el imaginario y nos hizo lanzar algunas hipótesis de reflexión, dejando presentir hasta que punto el dialogo hombre-máquina debe levantar cuestiones y no ser juzgado "a priori" según los más primarios efectos perversos.

Palabras-clave Música contemporánea, nuevas tecnologías.

 

 

Introdução

Passava os olhos por um semanário musical de referência quando deparei com a seguinte questão como tema de reflexão a concurso: "A tecnologia deve condicionar a música ou é a música que deve condicionar a tecnologia?".1 A forma como era sugerida a análise da relação música-tecnologia recordou-me as palavras de Umberto Eco, quando este apresenta a figura do moralista cultural: "o moralista cultural é aquele que, com indubitável inteligência, individua o aparecimento de novos fenómenos éticos, sociológicos, estéticos. Mas, uma vez feito isso, subtrai-se ao empenho mais perigoso, que é o de se pôr a analisar estes fenómenos e procurar compreender-lhes as causas, os efeitos a longo prazo, as particularidades de ‘funcionamento’; e prefere então, com o mesmo acume de inteligência, carimbá-los à luz de um suposto ‘humanismo’ e relegá-los entre os produtos negativos de uma sociedade massificante e de ficção científica" (Eco, 1991: 329).

Embora o moralismo cultural seja a solução mais fácil e difundida no nosso universo musical (nomeadamente entre os seus sectores mais "eruditos"), não é com certeza a mais conveniente para a compreensão do fenómeno em causa. Tanto os meios técnicos de reprodução e de difusão musical,2 como os equipamentos tecnológicos de produção de som,3 não vieram inevitavelmente provocar a decadência da "arte musical", como pensariam os representantes da Escola de Frankfurt há algumas décadas atrás (Adorno, 1962; 1982).

Esta visão purista e apocalíptica da intervenção das novas tecnologias na música não tem qualquer razão objectiva: "não há música na natureza: toda a música é portanto sintética. É uma construção artificial do meio sonoro, um espelho do ser humano onde este se projecta e deve reconhecer-se como em qualquer outro elemento da cultura" (Moles, 1990: 189-190). Não esqueçamos que, desde que temos conhecimento histórico da existência de produção musical, em toda esta (com excepção da música vocal) a "máquina" teve uma presença preponderante. O que são o violino, a flauta ou o piano (só para citar alguns exemplos dos mais conhecidos) senão complexos instrumentos de produção sonora "artificial", capazes de emitir sons apenas se forem manejados por um "técnico"? Não resultaram, também esses instrumentos, de um determinado tipo de conhecimento e desenvolvimento tecnológico?

Seja qual for a forma de arte, é sempre exercida sobre determinada matéria física, exigindo a intervenção de determinado meio técnico. E a complexidade ou a natureza do meio operacionalizado não obstaculariza necessariamente os padrões criativos que presidem ao exercício da arte, simplesmente induzem-nos a manifestar-se de maneiras diferentes. Basta ao músico conhecer profundamente as possibilidades do seu equipamento sonoro, para o resultado da sua actividade contar sempre com a medida da sua imaginação e criatividade, mesmo que opere através de mediações electrónicas de maior ou menor complexidade. Estas não serão, portanto, sinal de decadência da criação musical contemporânea. Pelo contrário, poderão constituir uma boa possibilidade para a sua estimulação em novas direcções.

Mas vejamos mais concretamente algumas das consequências verificadas no campo musical por via das mutações tecnológicas que se aceleraram desde a II guerra mundial, mantendo-nos ao nível dos seus efeitos no plano da produção musical da dita "música erudita", deixando momentaneamente em suspenso os que se fizeram sentir no plano da reprodução, difusão e consumo. O espaço da "música erudita" será aqui tomado como um dos campos sociais com relativa autonomia dentro do universo musical contemporâneo, no sentido bourdiano do termo, cuja base institucional assenta "por um lado, (n)a formação técnica e artística altamente especializada obtida em conservatórios, escolas superiores e universidades, e, por outro lado, (n)uma ‘vida musical’ que deve a sua existência aos artistas assim formados (compositores, intérpretes) e a sistemas de mediação e recepção que vão deste os teatros e salas de concertos aos meios de comunicação de massas, passando pelo disco, pelos suportes videográficos, etc. " (Azevedo, 1998: 17-18).

 

Breve contextualização histórica

Depois de 1945, um número crescente de obras referenciadas no campo da "música erudita" começaram a apresentar configurações formais e sonoras radicalmente diferentes das que até então haviam sido desenvolvidas. Em consequência de novos procedimentos, novas direcções de pesquisa e novas referências teóricas, a designada música contemporânea ou nova música operou profundos e sucessivos cortes com o passado, vivendo tensões que opunham os velhos métodos aos resultantes da busca incessante de novas formatividades e sonoridades. Nessa ruptura foram determinantes as inúmeras possibilidades oferecidas por novas tecnologias que se desenvolviam, e que foram sendo assimiladas pelo campo da "música erudita", tradicionalmente bastante defensivo perante as ofensivas electrónicas.

De facto, uma das mais importantes alterações surgidas no âmbito dessas novas correntes musicais do pós-guerra ocorreu ao nível dos seus meios de produção, nomeadamente com a introdução de novos instrumentos eléctricos, electrónicos e/ou electroacústicos. Estes instrumentos começaram por tentar corresponder às novas necessidades expressivas que se impunham em termos de material sonoro, perante o desgaste dos recursos sonoros permitidos pelos instrumentos musicais até então disponíveis, cuja evolução praticamente havia estagnado desde há dois séculos atrás: "nenhum outro desenvolvimento do período posterior a 1950 atraiu tantas atenções ou trouxe ao mundo da música um tão grande potencial de importantes mutações estruturais como a utilização de sons electronicamente produzidos ou manipulados" (Grout e Palisca, 1997: 745).

Este domínio começa a ser explorado pela música concreta no início dos anos 50, contra o totalitarismo dos postulados, convenções sonoras e formais da música dita "clássica" (Bosseur e Bosseur, 1990: 125-134), e na tentativa de emancipá-la das funções lúdicas e/ou de epígrafe pública de poder que em grande parte lhe cabiam nas sociedades de corte, enquanto signo exterior de distanciação e distinção social (Ferreira, 1995). Essa corrente continuou assim o processo autopoiético de entropia artística que outras correntes musicais já haviam iniciado, como o dodecafonismo ou o serialismo integral, utilizando como matéria-prima múltiplos sinais sonoros naturais, ou seja, nascidos da vibração de corpos materiais quotidianos — comummente conotados com o ruído e, como tal, até aí excluídos do domínio musical —, em conjugação com os tradicionais sons musicais (Carvalho, 1999: 124-135).

Em contraposição à nota convencional, surge então a noção de objecto sonoro, assumido como "todo e qualquer sinal acústico susceptível de ser manipulado, transformado, trabalhado" (Henriques, 1988: 386). Previamente colhidos e gravados, o compositor manipula os objectos sonoros por meio de operações electroacústicas tais como a inversão (leitura de uma fita ao contrário), a transposição (leitura de uma fita a velocidade diferente da de gravação), ou a filtragem (selecção de certas frequências em detrimento de outras), sendo a composição laboriosa e lentamente realizada por processos de colagem e montagem. Posteriormente, a obra é apresentada em suporte de fita magnética, comportando uma série de objectos sonoros originais, reunidos sob o ponto de vista estético do compositor.

Representando uma atitude inconformista perante o mundo real, o passo seguinte consistiu em fazer substituir ou completar os sons de origem natural por sons completamente gerados em estúdio, inaugurando-se em pleno a era da música electrónica. Se os objectos sonoros da música concreta tinham sempre uma origem, ainda que remota, no mundo material, já os sons da música electrónica são inteiramente virtuais, produzidos electricamente por aparelhos diversos. Uma das mais famosas entre as primeiras composições deste género, a Gesang der Junglinge de Stockhausen,4 bem como muitas ulteriores obras deste compositor, utilizam sons de ambas as proveniências — electrónica e natural —, avançando-se o conceito de música electroacústica para este tipo de situações.

A música electrónica começou por combinar, modificar e controlar, por processos técnicos vários, o produto sonoro de geradores de frequências, posteriormente gravado numa fita magnética. O compositor tinha de montar e misturar os vários fragmentos gravados, incluindo ainda, por vezes, sons de outras proveniências. O sintetizador, primeiro funcionando sob o sistema analógico e, a partir da década de 70, sob o sistema digital, tornou esse processo bastante mais simples. Com ele, o compositor consegue não apenas produzir, controlar e reproduzir os efeitos sonoros através de um único instrumento e em tempo real, como memorizar os percursos usados na sua obtenção, de modo a poderem ser utilizados sempre que se deseje. Desde aí, a música electrónica passou a ser acessível fora da hegemonia dos grandes estúdios electroacústicos.5

A informática tornou o processo ainda mais eficaz, na medida em que o computador favoreceu um considerável alargamento do controlo do compositor sobre o fenómeno sonoro. O compositor passou a conseguir controlar mais facilmente todos os parâmetros do som — a saber, a altura, a duração, a intensidade e o timbre —, características que passaram a ser digitalmente codificadas e directamente traduzidas em música através de interfaces numérico-analógicas, conversores dos números de código em tensões eléctricas. Ao mesmo tempo que assegurou um controlo mais rigoroso sobre o som, o computador permitiu igualmente um acréscimo da complexidade das fontes sonoras, na medida em que possibilita compor ao nível do próprio som, conseguindo o tratamento específico de cada uma das suas propriedades, sem o constrangimento do simbolismo tradicional das notas e criando todo o tipo de sons intermediários (Henriques, 1988: 385-404).

Segundo as convenções do programa informático utilizado, o utilizador especifica numericamente a estrutura física dos sons a sintetizar — digitalização —, sendo a fórmula dada imediatamente reconvertida numa tensão eléctrica audível. O principal problema da utilização deste tipo de programa informático na composição musical consiste em dispor de uma descrição numérica suficientemente complexa dos sons a sintetizar, ou seja, de uma retradução simbólica do universo sonoro suficientemente sofisticada. Uma vez descrito, o som pode ser sempre potencialmente reproduzido ou retrabalhado por um outro utilizador. Não se trata, portanto, de um objecto musical no sentido estético do termo, mas mais de uma ferramenta cujas potencialidades sonoras poderão ser constantemente retomadas por outros pares.

O que pensa da utilização crescente dos meios informáticos e electroacústicos na música de hoje? — Não me parece que, no referente à planificação de uma obra e à organização do discurso, a composição electroacústica seja fundamentalmente diferente da composição instrumental. No meu trabalho electroacústico tenho tendência para contornar morosas operações de síntese pelo recurso à manipulação de sons per si complexos (sons concretos ou sons sintéticos densos submetidos a filtragens minuciosas). Para além da inegável vantagem de poderem realizar estruturas humanamente impossíveis, as técnicas de electroacústica oferecem grandes possibilidades de mediação entre mundos sonoros díspares.
[Virgílio Melo]

Possuo uma formação bastante dedicada no âmbito da informática musical, área esta que tem sido extremamente importante na música do final deste século e que continuará a sê-lo no futuro, pois põe à disposição do compositor ferramentas que permitem inventar e edificar estruturas musicais de complexidades várias. Ferramentas estas que, de um modo crescente, têm conduzido a um contacto mais forte com os devaneios da imaginação, ao deixar o compositor aventurar-se e manipular os lugares mais recônditos dos fenómenos acústicos, e levar esse conhecimento para qualquer nível do discurso musical.
[Tomás Henriques]

Por outro lado, a utilização do computador permitiu ultrapassar dois dos principais problemas associados à composição de música concreta. Além de um mais fácil armazenamento e disponibilidade dos novos sons criados, possibilitando a construção de verdadeiras sonotecas concentradas em memória digital, o tempo de realização da obra passa a ser imediato. No caso do compositor concreto, uma vez encontrado (na sua memória e depois nos arquivos magnéticos) o objecto sonoro que pretendia utilizar, tinha ainda que o montar, operação delicada e morosa, sendo menor o grau de determinação sobre a obra. Ora, o progresso do sistema digital veio permitir efectuar esta operação em tempo real, quer dizer, no momento em que é requerido e sintetizado o próprio fenómeno sonoro, permitindo acelerar o processo criativo e prever o seu resultado final.

Agora, há uma outra maneira de usar o computador e à qual eu por vezes recorro. O facto de eu ser improvisador dá-me a possibilidade de ler a música mas também de a inventar no mesmo momento em que toco. Faz parte da minha vida, essa prática da improvisação. E eu, por vezes, uso o computador de uma maneira relativamente banal, que é como gravador simplesmente. Ligo aquilo e improviso. E depois deito fora tudo, menos um bocadinho que está lá, fantástico, e que me vai interessar para não sei o quê…
[António Pinho-Vargas)]

Por outro lado, o computador dá-me ainda a possibilidade de ouvir uma simulação de como a música soará, através de imitações sintetizadas dos instrumentos tradicionais o que, se bem que não deva confundir-se com o resultado real, me parece extremamente vantajoso, especialmente do ponto de vista da audição de longo alcance, ou seja, de tentar compreender qual o efeito da sucessão das grandes secções da peça. É quase como ter uma orquestra privada com a qual se fazem experiências, com a vantagem acrescida sobre o piano de não ter de me preocupar com a execução.
[Carlos Fernandes)]

As consequências da introdução destas novas tecnologias na área musical foram imensas e ainda hoje estão longe de ter sido completamente exploradas. A sua aplicação implicou modificações não só a nível da difusão e das audiências, como também, necessariamente, ao nível das próprias condições de produção e dos aspectos formais desta última. Comecemos por averiguar esta última dimensão.

 

Efeitos formais na criação musical

O advento da tecnologia electrónica pôs à disposição novas e inúmeras possibilidades operativas de criação, de manipulação e de concretização de ideias musicais, abrindo fronteiras a caminhos sonoros até aí completamente vedados. Com a exploração dos novos recursos tecnológicos, o compositor passou a ter ao seu dispor uma plêiade de sons originais possíveis e musicalmente utilizáveis que, até aí, não conseguiam ser (re)produzidos por quaisquer meios "naturais". A experiência subversiva que possibilitou ao nível da superação da tradição tonal e do sistema temperado igual,6 permitiu ao compositor não apenas a descoberta de novos materiais sonoros, no plano estritamente tímbrico, como também abrir novas perspectivas de articulação dos sons, no plano melódico e harmónico.

Desde o século XVIII, toda a música ocidental limitava-se a utilizar uma série de doze semitons equidistantes, que dividia de forma sistemática o espaço de uma oitava, sistema de afinação que se convencionou chamar temperamento igual.7 Em ruptura com esta divisão do espectro sonoro, as novas tecnologias electrónicas permitiram a concepção dos intervalos de som como um continuum, uma série ininterrupta de sons, desde as mais baixas até às mais altas frequências audíveis, sem distinguir notas separadas ou alturas fixas.8

Tal foi possível na medida em que as novas tecnologias aplicadas à música permitiram ao compositor agir no interior do próprio som, sobre os elementos físicos básicos que o constituem — os harmónicos. Tal como afere Henri Pousseur, a electrónica foi um meio de "realizar deliberadamente todas as microestruturas acústicas que pudessem ser necessárias à composição de uma obra musical de tipo novo" (1970: 55). Por consequência, o equipamento electrónico apresentou-se como um meio de produzir uma gama alargada de sons que não imitavam os da natureza ou dos instrumentos tradicionais, permitindo a exploração de todas as relações possíveis entre as diferentes propriedades do material sonoro, o que era inimaginável na execução instrumental tradicional devido às suas limitações físicas: "o músico de música electrónica quer criar os seus próprios sons", declara o compositor Luciano Berio, "nada de microfones, mas sim geradores de sons ou ruídos, filtros, moduladores e aparelhos de controlo que lhe permitam examinar um sinal sonoro na sua estrutura física" (1983: 68).

Nesta perspectiva, com a adopção das novas tecnologias electrónicas consegue-se, a um tempo, tirar partido da divisão do espectro sonoro em intervalos inferiores ao meio-tom e escapar às convencionais relações que os intervalos no sistema temperado mantêm entre si. Por outro lado, esses novos instrumentos permitem também ao compositor fabricar directamente as frequências de onda que compõem intrinsecamente a estrutura do som para a produção de novos timbres.

No que respeita a obras mais recentes — Lichtung I e II, Omina Mutantur, Nihil Interir e Musicus — constato que integra na sua linguagem intervalos inferiores ao meio-tom. A que se deve a integração deste tipo de intervalos nesta fase do seu pensamento e da sua obra? — Para mim, a utilização de tais intervalos de modo nenhum coloca em causa a minha aceitação do "temperamento" — e é importante clarificar aqui este conceito: habitualmente, entende-se por "temperamento" a divisão equitativa de uma unidade (a oitava) em 12 partes. Eu não vejo qualquer utilidade em dividir essa unidade, por exemplo, em 24, criando assim 24 quartos de tom por oitava, com o fim de substituir essa divisão à que temos actualmente. O pensamento de base mantém-se e uma tal divisão, tomada como novo temperamento, não conduz a nada! O que realmente me interessa cada vez mais é uma concepção onde as relações harmónicas transcendam o quadro do temperamento, mas não com o fim de o substituir por qualquer outro. Cada uma das obras que citou, pressupõe uma abordagem diversa dessa problemática.

No caso de Lichtung I e II, existem entidades harmónicas "temperadas" que são tocadas pelos instrumentos e que, pela intervenção da electrónica em "tempo real", irão ser ouvidas como objectos não "temperados", como extensões ou contracções aditivas ou logarítmicas das suas formas originais. Não são quartos de tom: são relações frequenciais absolutas, ou seja, acordes cujas imagens são projectadas num âmbito mais amplo ou mais reduzido mantendo as suas proporções intervalares de base. Assim, não há na partitura instrumental qualquer nota não temperada: toda a distorção do temperamento é operada através do tratamento electrónico em tempo real. No entanto esse tipo de relação não tem por objectivo um hipotético reconhecimento auditivo da imagem em relação ao original.
[Emmanuel Nunes)]

As novas tecnologias electrónicas adaptadas à música apresentam-se assim como opção estética provocadora e estimulante no contexto musical do pós-guerra, onde desempenham uma função libertadora sem par na história da música ocidental. No espaço social da produção, põem em causa a noção de ordem desenvolvida pelo sistema temperado, e democratizam a harmonia ao transgredir tabus que pesavam sobre a relação de altura dos sons. No espaço social do consumo, libertam o ouvido de hábitos melódicos, harmónicos e tímbricos adquiridos, e demonstram a riqueza infinita do mundo sonoro que a tradição e a convenção, assim como o comodismo e o preconceito, levavam a ignorar ou até mesmo a rejeitar. Alargando os limites da sensibilidade auditiva "comum", libertaram as percepções sonoras de um determinado gosto musical que, ainda que arbitrário, era socialmente reconhecido como o Belo, o Verdadeiro, mas apenas o legítimo.

A utilização de novas tecnologias no campo musical "erudito" produziu ainda importantes efeitos a nível do código musical. A operação de composição consiste em manipular os elementos de um dado repertório simbólico, constituído tanto pelas notas da gama da música convencional, como, actualmente, pelos objectos sonoros experimentalmente criados. Na música tradicional esse repertório corresponde a um conjunto de sons historicamente classificados e convencionados segundo o sistema temperado normal, supostamente universal. O sistema temperado normal é um sistema fechado, onde os intervalos representam diferenças de frequência acústica dos sons que se constituem segundo relações orgânicas previsíveis e institucionalmente codificadas. A sua escrita, por sua vez, assumiu formas e estruturas mais ou menos estabilizadas e cristalizadas no tempo, utilizando um sistema de notação e uma lógica de composição de certa forma dogmáticos, onde se pretende "tudo escrever" e guiar o mais possível a interpretação.

No caso da composição experimental, onde são utilizados novos sons, inauditos no sentido literal do termo, houve a necessidade de estabelecer novos sistemas simbólicos que permitissem descrever graficamente os sons, novas tipologias que representassem discursivamente as referências desse universo sonoro. O surgimento da electroacústica proporcionou assim a inauguração de uma nova linguagem musical, ou melhor, criou as condições para a (re)emergência da pluralidade das linguagens musicais. Ao admitir a possibilidade de novas materialidades sonoras que ultrapassavam os limites dos sons "rigorosos" da notação convencional, pôs-se o problema de se ter que criar novos sistemas de notação que previssem tais sons: "o grande problema que surgiu foi afinal o de saber como escrever um som que não é som, ou seja, que, segundo a tradição, é ruído e que, portanto, não se encontra codificado (na realidade, ele está codificado do ponto de vista da física e da acústica); pois trata-se afinal sempre de conceber elementos de um código e uma chave de descodificação para cada som" (Lopes, 1990: 177).

Devido a alguma disfunção léxico-musical criei compensações semiográficas extravagantes e proto-linguísticas: notação gráfica, text-komposition, jogo e acção, vocabulários indeterministas, protocolos com autocolantes coloridos, tablaturas mistas — situações pré-codificadas de modo empirista para a improvisação, organigramas, estratégias distributivas, mnemónicas, preparação e tráfico, desvios, amostras, simulacros, "denotum" sinestésico (som, cor, luz, música…), promissórias prontezas, prognósticas promorfoses.
[Jorge Lima Barreto]

Depois de definidos os métodos a utilizar na concepção da composição, inicio um estudo sobre o tipo de notação que melhor se integre no espírito da obra: a notação tradicional, se a peça não contiver técnicas ou acções que impeçam o uso da simbologia convencional; notações alternativas, como sejam musicografias em papel milimétrico, a notação espacial, notações textuais ou pictográficas, se a composição o exigir, novas maneiras de conceber a execução musical; ou uma notação mista que contenha traços da notação convencional misturados com novos signos inventados propositadamente para a obra, ou já utilizados em obras anteriores por outros compositores. A criação de novos métodos e técnicas de compor e interpretar levou à criação de novos símbolos, que pudessem descrever os gestos e novos timbres daí resultantes.
[Víctor Rua]

Ao propor-se sistemas de relações entre as notas radicalmente diferentes dos tradicionais, as obras deixaram de caber no formato antigo da partitura e passaram a pedir novos grafismos para a tradução mais clara dos efeitos expressivos e dos sons pretendidos. A posterior supressão do pentagrama e o infinito manancial criativo potenciado numa escrita livre e mais plástica, consubstanciou-se num processo que assumiu um carácter de deriva, no sentido barthesiano do termo (Barthes, 1987: 28), caminhando para uma situação de quase total abertura do tecido discursivo ainda inexplorado a que as novas materialidades sonoras conduziram.

 

O alargamento do espaço dos possíveis sonoros e das fronteiras do campo musical

Perante o cenário atrás traçado, verifica-se que à introdução de novas tecnologias no campo da música contemporânea "erudita", sucedeu um significativo alargamento do espaço dos possíveis sonoros.9No entanto, essa abertura no espaço dos possíveis sonoros não significou total indeterminação e infinitas possibilidades nas formas e sonoridades musicais, ou ainda total liberdade no acto de criação. O inventário de possibilidades disponíveis, não esqueçamos, será sempre condicionado aos avanços tecnológicos existentes.

A liberdade absoluta, exaltada pelo mito romântico do artista pleno dos seus poderes criativos e ontologicamente legitimados, foi uma das principais aporias desmentidas no percurso teórico da sociologia da arte. Quando entra no jogo de um determinado campo de produção cultural, o artista joga sempre com o conhecimento que tem dos códigos técnicos e expressivos admitidos como legítimos nesse mesmo campo. Simultaneamente, na gestão da sua carreira, tenta descobrir e manobrar o universo finito das liberdades condicionadas proposto no campo, ou seja, a margem flexível de potencialidades objectivas, problemas a resolver, possibilidades estilísticas ou temáticas a explorar, contradições a superar, ou até rupturas revolucionárias a operar no campo. Ora, com a aplicação das novas tecnologias, a experiência e concretização desta margem utópica de criatividade é mais facilitada.

A criatividade (não) é (mais do que) um impulso em direcção ao utópico. Na ausência de um pressentimento da utopia, a criatividade não emerge, ou torna-se estéril. (…) No entanto, a utopia, pondo imediatamente de lado possíveis mal-entendidos, jamais se confundirá com o primitivismo mais ou menos magalómano e extravagante de uma fantasia puramente arbitrária. Alguns aspectos concomitantes com a ausência de um forte núcleo de utopia na impulsão criadora: (…) Perigo das opções estéticas que resultam de apreciações fundadas apenas sobre um "gosto pessoal" duvidoso — sem relação contextual com as dimensões específicas à obra, que transcendem o indivíduo ele mesmo, asfixiado pelo vazio expressivo dos lugares-comuns estéticos da época e do meio em causa.
[João Rafael]

Esta atitude é, na maior parte dos casos, impossível de concretizar devido à falta de meios com que o compositor se confronta. A utopia passa então a ser por vezes só um imaginário e uma expectativa, na medida em que a evolução da escrita instrumental só poderá atingir uma técnica extremamente minuciosa se essa minuciosidade passar pela compreensão profunda dos limites e das diferentes fronteiras de cada uma das técnicas instrumentais. Idealmente o compositor deveria poder trabalhar a composição com os instrumentos, para então poder escrever. Normalmente o compositor só aprende depois da peça estar escrita. Num outro plano, a necessidade que o compositor tem para desenvolver uma técnica de composição ao nível do timbre extra-instrumental, passa pela possibilidade de pesquisar através de instrumentos complexos e inacessíveis à propriedade particular.
[Paulo Ferreira]

Para que as audácias da investigação artística de natureza vanguardista tenham alguma probabilidade de ser concebidas e reconhecidas no campo, é portanto preciso que existam em estado potencial no interior do sistema dos possíveis já realizados, enquanto lacunas estruturais que esperam ser preenchidas, enquanto direcções potenciais de desenvolvimento ou vias possíveis de investigação. Mais ainda, é preciso que tenham possibilidade de ser recebidas, aceites e consensualmente reconhecidas como objecto estético, pelo menos dentro de um determinado círculo de iniciados competentes, formado por indivíduos e instituições com sistemas de disposições e valorações homólogos aos do compositor que põe a sua obra em praça pública.10

É portanto um trabalho conduzido no-fio-da-navalha, que envolve um circuito de legitimações recíprocas e que, no caso da utilização das novas tecnologias electrónicas, extravasou, ou melhor, tende a redefinir as próprias fronteiras tradicionais do campo da música erudita. Exemplo ilustrativo de alguma diluição das fronteiras entre universos musiciais diferentes através da utilização de novas tecnologias é o facto de a sétima edição do Festival Sónar — um festival anual que ocorre em Barcelona dedicado à apresentação e celebração das actuais "novas tendências de música de dança", onde a criação e produção electrónica é dominante — ter aberto com um concerto ao vivo de Stokchausen. A recepção deste por parte do público pautou-se por uma atitude de "curiosidade" e "disponibilidade": "a atitude foi de completa abertura. Nada de admirar no contexto de um festival que para além da sua dimensão lúdica tem sabido fazer um esforço pedagógico, no sentido de apresentar propostas estimulantes que pedem da parte do público alguma disponibilidade. Não que aquilo que Stockhausen fez seja particularmente revolucionário, mas porque perante uma assistência jovem que cresceu a ouvir as linguagens da música tecno ou house conseguiu captar-lhes a atenção sem nenhum esforço."11

À redefinição das fronteiras do campo da música "erudita" contemporânea por via da utilização de novas tecnologias na produção sonora também veio a proceder-se com a introdução de novas referências simbólicas e de novos actores sociais. Com efeito, o tratamento electrónico dos materiais sonoros ofereceu uma alternativa à tentação modernista dos diversos revivalismos, e confortou o criador na sua pretensão ao papel e ao estatuto de artista total — músico, engenheiro, actor político, expert em interdisciplinaridade, actor da reconciliação perdida no romantismo da arte com a ciência, da invenção estética com a descoberta científico-técnica, da singularidade do acto criador com a generalidade dos conhecimentos tecnológicos disponíveis.

No sincretismo que guia esta extensão indefinida da função demiúrgica do compositor, confluíram múltiplas referências teóricas e práticas, tradicionalmente exteriores ao campo musical "clássico". Ao repertório da intelectualização do acto criador que tradicionalmente recorria ao vocabulário filosófico, juntou-se todo um arsenal retórico de inputs das ciências e técnicas (Menger, 1986a: 247-260). Num contexto de múltiplos intercâmbios disciplinares, ou melhor, interdisciplinares, ao mesmo tempo que se alargou o domínio da criação reputada de "erudição", alargaram-se também as fronteiras do mundo das artes (Becker, 1982; Santos, 1994). Neste âmbito, a adopção de novas tecnologias no campo da música "erudita" exerceu importantes efeitos sobre as hierarquias que estruturavam os seus sectores mais "clássicos". As antigas demarcações vieram a perder a sua operacionalidade e as novas passaram a ser tão diversificadas, subtis e provisórias que ainda se encontram a ser empiricamente detectadas.

 

As novas competências interdisciplinares do compositor

Como tivemos oportunidade de aludir, a utilização de tecnologias electrónicas no campo da música "erudita" contemporânea repercutiu-se na condição social dos seus protagonistas, fazendo introduzir uma nova figura de músico/compositor. Passou a exigir-lhe, em primeira instância, uma formação integral num conjunto de competências específicas que não se reduzem ao talento, nem ao capital escolar institucionalizado, baseado no conjunto de regras, de técnicas e de instrumentos tradicionalmente produzidos e reproduzidos pelas instituições tradicionais (como os conservatórios).12

A adopção dos meios electrónicos pelo compositor implicou, portanto, a redefinição das suas competências específicas, que passaram a incorporar uma familiarização sistemática com as técnicas mais avançadas de análise e síntese sonoras e de composição. É neste sentido que Menger (1986a: 252) fala da invenção de uma competência interdisciplinar ou multidisciplinar do compositor, que compreende uma dupla formação: estética, em termos musicais, e científico-tecnológica, em termos de conhecimentos particulares de engenharia e de informática.

Sem pensar só na música quais são as tuas (outras) referências culturais, pictóricas, científicas? — Por formação, as minhas referências são sobretudo científicas. Naturalmente tendo a colocar os problemas, ou a racionalizá-los, de uma forma mais matemática e/ou física (ou paramatemática/parafísica) dado que provenho da área da engenharia electrónica e dos computadores. Também por formação, outra das minhas grandes referências é o cinema. Para além de o meu pai ser realizador de cinema, o que fez com que eu próprio acompanhasse muitas filmagens e sobretudo montagem de filmes, eu próprio trabalhei um pouco na área do som. Por outro lado, também por vezes, mantenho algumas referências pictóricas, literárias e filosóficas, talvez aqui de uma forma mais amadora e desordenada.
[António de Sousa Dias]

Ainda falando na minha música, parece-me que a minha passagem pela Faculdade de Ciências foi determinante para a maneira como vejo a música. Tive que estudar diversas disciplinas científicas, que para um músico serão bastante afastadas da sua área de conhecimentos: matemática, física, geologia, entre tantas outras.
[Pedro Rocha]

Segundo os resultados da pesquisa efectuada por Menger (1986a) no campo da música "erudita" contemporânea em França, os criadores de música electroacústica são, de facto, maioritariamente engenheiros ou técnicos de informática, alunos de música com formação específica em áreas afins, assim como autodidactas ou amadores de música. Por outro lado, é uma actividade artística que tende a resultar de uma investigação autoproposta e autoproduzida, e não de uma praxis regulada pelas academias tradicionais mas por novas instituições que são inauguradas para o efeito.13

Nasce, então, a figura do criador-investigador, conhecedor de matemática e de física, mas sem ficar necessariamente reduzido à categoria de engenheiro, como insinuam certos moralistas culturais. Aparentemente, a música contemporânea parece não já exigir o domínio técnico de um instrumento, ou dos processos de composição baseados na harmonia e no contraponto tradicionais, ou nas normas de qualquer academia. Segundo os detractores da introdução de novas tecnologias no campo da composição musical "erudita", com a sua utilização teria deixado de ser necessário que o compositor fosse competente no domínio de uma linguagem preexistente e da sua sintaxe particular (ou, como se diz vulgarmente, que ele "saiba música"). Bastaria apenas que dominasse os novos e complexos instrumentos da tecnologia electrónica.

Mas, de facto, não basta. Por um lado, porque com todo o equipamento electrónico hoje disponível, e desde que movido por uma lógica experimentalista, o compositor não delega necessariamente à "máquina" as suas responsabilidades criativas. Pelo contrário, encontra-as potenciadas na medida em que vê o seu espírito inventivo confrontado e estimulado por novos caminhos sonoros, isto, claro, se não enveredar pela solução da "receita fácil", característica do bricolage empiricista das práticas amadorísticas da música electrónica.14

Na minha perspectiva entendo a informática musical e o computador como um conceito/instrumento, apenas mais um, mas que é provido de uma plasticidade jamais atingida, espécie de permanente mutante que pode ser todos os instrumentos e nenhum, detentor de todas as possibilidades. Mas as possibilidades serão apenas aquelas que lhe quisermos atribuir… Somos nós que o imaginamos e que o construímos adaptado às nossas necessidades específicas. Contudo, para mim a composição não se faz por intermédio de nenhum instrumento ou ferramenta, seja ela piano, percussão ou computador. Todos eles quando intervêm (se é que chegam a intervir), limitam-se a cumprir funções pontuais, cálculos ou confirmação de ideias musicais. A complexidade de certos processos de criação não se formaliza facilmente!
[Miguel Azguime]

Durante uma entrevista efectuada numa rádio, e abordando o chato e estúpido assunto: música acústica vs. música electroacústica, em que música acústica=sons humanizados, e a música electrónica=inumanização dos sons, alguém disse a determinada altura da conversa: "Até um cavalo consegue compor música num computador…". Esta frase deu-me a ideia de criar uma série de composições produzidas no computador. O objectivo não era, claro, compor música como um cavalo faria, mas produzir uma música usando aquilo a que chamei: "programas/módulos/self service", comercialmente ao dispor de qualquer músico consumidor. Trabalhando com estes programas vi-me confrontado com duas possibilidades: uma era a possibilidade de apresentar uma espécie de música ready made, onde o computador ocuparia simultaneamente a posição de intérprete e de compositor; ou então, podia fazer uma música baseada nesses mesmos programas comerciais, mas subvertê-los numa espécie de alterações-terroristas-em-tempo-real. Enquanto que na primeira possibilidade eu agiria quase que como um "mero espectador", com a responsabilidade de assinar o meu nome nesta espécie de ready made music, na segunda possibilidade eu funcionaria como um participante-espectador, controlando de uma maneira "imprópria" e "errática" o caminho e a evolução dos programas, conduzindo-os dessa forma sobre a minha supervisão.
[Víctor Rua]

Por outro lado, para que a sua obra seja reconhecida pelos gatekeepers credenciados pelo campo (críticos, programadores, pares, etc.), é necessário que o compositor seja capaz de conceber uma proposta conceptualmente credível e de criar um texto musical que suscite uma interpretação. Como sublinha José Lopes, "o modelo pós-medieval (renascentista) do artista-intelectual tem aqui toda a validade: ele deve exercer uma actividade paralela de teorização e de fixação de uma constelação de conceitos que enquadrem a sua obra e que dêem corpo ao seu projecto artístico" (1990: 177). Ou seja, o actual pacto existente entre criação e novas tecnologias passa não apenas pela dotação do compositor de uma competência técnico-musical, mas também pela sua capacidade de gerar linguagens que aludam e se deixem penetrar por poéticas de raiz extramusical, no sentido adoptado por Umberto Eco (1965: 10): "não um sistema de regras rigorosas (…), mas como programa operatório a que o artista em dado momento se propõe; obra a fazer, tal como o artista, explícita ou implicitamente, a concebe".

Nesta perspectiva, a acusação muitas vezes feita à música electroacústica de estar necessariamente dominada engenheiristicamente pela máquina e de ter perdido toda a sua dimensão humana e criativa assume o estatuto de ilusão dogmática. Tal como perspicazmente nos refere Eco (1991: 341), "a verdade é que as condições da invenção e da criação são modificadas, não anuladas, pelo advento de novas técnicas. Aquilo que é modificado é o panorama psicológico e sociológico da produção e da audição, são as características estilísticas do produto".

Com ou sem instrumento tecnológico, a finalidade do trabalho do compositor continua a mesma — criar novos universos sonoros. O que as obras produzidas com recurso a novas tecnologias comprometem não são os conteúdos de significação estética diversamente atribuídos, mas a própria definição de obra de arte e de processo criativo. É o núcleo tradicionalmente intocável da arte que se encontra comprometido, na medida em que as imagens socialmente (re)produzidas do artista e da obra — radicadas na autenticidade do gesto, no mistério do processo de criação, no isolamento do artista no meio das determinações causais exteriores — acabam por ser prejudicadas pelo processo de criação que as novas tecnologias reclamam.

Considero que o acto de criação na sua essência, e tal como eu o concebo, não existe por si só, mas é resultado de uma revelação que se processa através do nosso Espírito para a nossa Mente, e cujas origens não podemos determinar. Para o ateu, talvez ele seja considerado como o resultado de toda uma vivência em termos musicais, todo o conhecimento e compreensão de um passado e presente, ou mesmo de um reflexo ou síntese da sua experiência humanamente vivida.

Para o crente, essa revelação vem de Deus. No entanto, há uma característica comum a ambos os casos, que é o facto que o ego do criador é de certa forma destruído por essa revelação, tendo de se submeter a ela.

A natureza e essência dessa revelação é de certa forma efémera. Ela pode vir durante um sonho, um momento de angústia ou alegria, um momento de reflexão, etc., e pode consistir num som, um gesto musical, um timbre, uma frase, etc. Partindo daí, o criador tem que dar corpo a esse momento, construindo ao redor dele todo um complexo retórico-musical, que justificam e fortalecem a sua essência.

Assim, cada uma das partes da minha obra musical tenta transmitir o carácter dramático que pessoalmente (e talvez intuitivamente) lhe associei. Tudo o resto (melodias, harmonias, tratamento tímbrico e espacial, sonoridades, etc.) deriva daí, e não pode, nem deve, ser descrito, a não ser pelo próprio resultado sonoro, que substitui todas as possíveis palavras.
[João Pedro Oliveira]

 

Uma nova divisão do trabalho musical

A mobilização de tecnologias sofisticadas e a aproximação entre o compositor e o engenheiro põem permanentemente em causa a visão demiúrgica do criador isolado, na medida em que instituem uma nova divisão do trabalho musical, que exige a permanente colaboração de indivíduos fortemente qualificados do ponto de vista científico-tecnológico, isto para além de a produção dos instrumentos utilizados depender, em grande parte, de produção exógena ao campo da música. Com efeito, os pioneiros inventaram e desenvolveram a criação electroacústica combinando técnicas de registo, transformação e montagem sonoras directamente provenientes do trabalho regular dos engenheiros e técnicos de som do cinema, da rádio ou da indústria do disco.

As novas tecnologias acabam por fazer parte das mediações concretas através das quais a criação mais claramente mostra as propriedades de acção colectiva, colocando o compositor no papel de membro paritário de um conjunto mais ou menos estruturado de actores que cooperam entre si. Se até aos anos 60 o material sonoro produzido no campo da música "erudita" advinha sobretudo da investigação individual do compositor, a partir do final dos anos 70, princípio dos anos 80, o "diálogo criativo" entre compositor, técnicos e intérpretes tornou-se cada vez mais frequente: "o compositor abandonou o isolamento da sua casa para trabalhar com técnicos e intérpretes no estúdio electrónico" (Carvalho, 1999: 132). A sofisticação dos diversos aparelhos empregues e a importância crescente acordada às técnicas de transformação e produção electrónica dos sons, vieram alterar a natureza das relações entre o compositor e os seus cooperantes, aumentando efectivamente a integração da criação num processo de trabalho colectivo: "os estúdios põem à disposição dos compositores um complexo de aparelhos electrónicos mais ou menos extenso, incentivando encontros entre investigadores de horizontes diversos e assumindo a responsabilidade da manutenção de grupos de pesquisa" (Bosseur e Bosseur, 1990: 217).

A disposição para a cooperação não é, porém, simplesmente ditada por um diferencial conjuntural entre a formação do músico e o esoterismo dos conhecimentos requisitados pelo emprego de tecnologias complexas, mas também porque o nível de exigência de cada um dos pares na busca de inovação e novidade reforça o dever de colaboração e de especialização à medida que se expande o espaço dos possíveis sonoros. Neste contexto, ao contrário do que acontece no sistema de acção colectiva tradicional, onde os agentes de criação e execução aparecem devidamente hierarquizados e segmentados, no sector da experimentação musical que recorre às novas tecnologias é valorizada a solidariedade entre os vários dispositivos de produção.

Segundo Menger (1986a), nos centros onde domina o modo de produção experimental, em geral, a especialização de tarefas é muito sumária: os músicos são tendencialmente polivalentes e acumulam papéis tanto quanto os seus limites e ambições pessoais e institucionais impõem. No interior das instituições mais consagradas, as relações que se estabelecem entre pares variam segundo a capacidade e o interesse de cada um em fazer evoluir a relação para uma colaboração total. As probabilidades de dessimetria nas relações de cooperação variam com o grau de liberdade de cada um dos cooperantes na instituição, variável segundo a sua competência e reputação.

No caso português essa tendência para a cooperação criativa paritária é tanto maior quanto se verifica a dificuldade de encontrar intérpretes ou formações mais alargadas disponíveis para enfrentar os novos desafios que a música "erudita" contemporânea põe, para os quais as principais instituições de socialização escolar (conservatórios) não os preparam técnica e cognitivamente. A resistência partilhada por parte de instituições, orquestras e intérpretes mais consagrados fez com que muitos compositores deste segmento musical tenham optado pela formação de grupos privados, recrutando os membros nas suas redes de sociabilidade e afinidade estética mais próximas, de maneira a conseguirem fazer tocar e ouvir publicamente as suas obras.15

Foi dentro desse período de vivências musicais extraordinárias que Peixinho pediu a cada um de nós, membros do Grupo de Música Contemporânea, que escrevêssemos um trecho musical inventado por nós, para ele ligar, à maneira de Stockhausen em Musik fur eine Hause, constituindo assim a In-com-sub-sequência, o que foi levado a efeito e executado em concertos dessa altura, nomeadamente em Espanha. Estávamos em 1975, se não me engano. Foi a década das nossas grandes experiências no grupo, as imporvisações colectivas, em concertos ou acompanhando filmes mudos, action paitings com pintores, etc.
[Clotilde Rosa]

(…) tinha outra faceta que me incomodava sobremaneira: era o facto de a nossa música raramente passar do papel, da sua forma escrita, o que eu considero não dever ser mais do que um meio para a sua realização audível, e nunca um fim em si. Assim, juntamente com outros colegas, compositores e intérpretes, decidimos formar um pequeno conjunto de câmara que se dedicasse não só a executar as nossas obras como a apresentá-las a público. (…) (Quando componho…) Quase sempre tenho em mente os intérpretes que irão estrear determinada obra, o que por vezes me leva a escrever para combinações instrumentais que não são as que eu escolheria naquele momento, isto pelo facto de eu atribuir uma grande importância ao facto de a obra ser efectivamente realizada assim que acaba de ser escrita. Por outro lado, sempre que possível, e durante o processo de composição, experimento e discuto com esses intérpretes certas passagens que eles, melhor que ninguém, me podem ajudar a escrever correctamente, modificar, ou até eliminar.
[Carlos Fernandes]

No fundo, são relações que se aparentam "ao tipo de sociação característica da obra comparticipada nas ‘artes colectivas’. E sociação porque, ao invés do fusionismo implícito na ideia de associação, aqui a obra resulta em epicentro de uma correlação de forças criativas pautada pela solidariedade e concorrência. Ou efeito de confluência de desempenhos que, segundo a hierarquia dos comandos individuais, implicitamente representam sempre várias ‘assinaturas’ na realização, mesmo se explicitamente seja uma ‘figura focal’ a reclamar para si o exclusivo da autoria. Da singularidade pessoal junto de criadores em ‘artes individuais’, passamos então à co-singularização interactiva nas ‘artes colectivas’" (Conde, 1994: 174). O que remete para a noção de criador enquanto co-participante presente num quadro de interacção — variavelmente complexo consoante a sobreposição de elementos e funções — onde cada elemento, pautado pela sua própria ordem de relevâncias estéticas (entretanto aferida pelo projecto comum e este comandado pelas posições de "chefia"), disputa a autoria nos limites consentidos pela dos outros.

 

A segmentação do campo musical e a utilização das NT como estratégia de inovação e de subversão

A progressiva adopção de novas tecnologias (NT) no espaço da produção musical "erudita" contemporânea não aconteceu sem celeuma, acalentando tomadas de posição apocalípticas ou integradas, recorrendo à terminologia de Eco (1964, 1991), consoante os lugares ocupados no campo pelos compositores. As novas tecnologias funcionaram, pois, como instrumento de defesa e de ataque nas lutas internas daquele espaço social, designadamente nas que opõem os defensores de uma suposta "arte pura" aos utilizadores de recursos tecnológicos. São lutas que tomam a forma de conflitos de definição, onde cada segmento visa impor os limites do campo mais favoráveis aos seus próprios interesses, ou seja, a definição das condições da "verdadeira" pertença ao campo.

Será que a "obra musical" pressupõe forçosamente uma transcendência de meios técnicos e formas radicais de expressão? Não será já tempo de advertir os mais incautos que os poderosos e eficazes meios técnicos derivados do serialismo integral de origem matemática podem substituir impunemente o talento musical? Não será triste constatar, por consequência, que a segunda metade dos século XX criou a monstruosidade de haver compositores que nunca teriam hipótese de o ser noutra época histórica qualquer? Não será forçoso afirmarmos que os grandes mestres dos anos 50 e 60 se contam pelos dedos? Que o Boulez e o Emmanuel Nunes, por exemplo, sejam cabeças luminares cheias de significado na história, mas que a sua clonagem estética cria produtos tão monstruosos como aquela ovelha escocesa? Não será já tempo de esquecermos os fundamentalismos ascético-musicais e de libertarmos o acto criador dos paramentos solenes e sacrossantos da "teologia da originalidade"? Se esta problemática que lanço se enquadrasse numa atitude pós-moderna afianço-te, Sérgio, que era isso que eu seria: um compositor pós-moderno.
[Eurico Carrapatoso]

Aceitando que muito compositores persistam numa perspectiva unicamente instrumental, não compreendo o discurso apaixonadamente reaccionário de outros que, relutantes (provavelmente em agonia), desdenham e humilham factos adquiridos. Não consigo conceber a minha criação sem meios de simulação, porque sem eles o meu trabalho não poderia nunca objectivar-se. Pessoalmente, creio que a evolução que se verificou desde os finais dos anos 50 até aos finais dos anos 60 ficou a dever-se ao facto da introdução de novos instrumentos que permitiram, assim, chegar a uma nova música. Estes instrumentos, cada vez mais indiscutíveis e indiscutivelmente importantes, continuam a evoluir e a permitir que a própria música (ritmicamente, timbricamente) evolua e se encaminhe para uma determinada compreensão global. Estes mesmos meios permitiram adequar e fazer evoluir as técnicas instrumentais.
[Paulo Ferreira]

Assim, quando os mais ortodoxos, os defensores da definição mais purista do que na música é arte — o que corresponde objectivamente a uma mais estreita noção de pertença ao campo —, dizem acerca das obras de determinado grupo de compositores mais iconoclastas que não são realmente arte, eles estão a recusar a estes últimos a existência enquanto artistas ao mesmo tempo que, objectivamente, tentam conservar no campo a legitimidade da sua posição e do ponto de vista que a sustenta (Bourdieu, 1996: 255-256). Para os mais heterodoxos, o recurso às tecnologias funciona como estratégia de inovação na sua vontade tenaz de originalidade estética e, simultaneamente, como estratégia de subversão da doxa implícita ao campo e de imposição do seu ponto de vista como tão ou mais legítimo que o dos seus antecedentes.

Esta oposição inspira toda uma retórica que a materializa discursivamente: contra os compositores-investigadores, os primeiros acusam-nos de "obsessão tecnicista" nas suas sofisticações incessantes da síntese sonora, argumentando que estas degeneram num culto estéril de acontecimentos sonoros fragmentados, sensacionalistas e insignificantes — ruídos. Alguns dos compositores mais reputados, ainda que tendam a servir-se pontualmente dos instrumentos e das aplicações da pesquisa tecnológica, concedendo-lhes alguma mais-valia artística, estão menos inclinados (interessados) a investirem nas cooperações duráveis com engenheiros e técnicos, na medida em que estas põem em causa a tradicional representação demiúrgica do processo criativo.

Por sua vez, os compositores-investigadores que têm como tarefa colaborar directamente na invenção e aperfeiçoamento das máquinas e dos novos dispositivos formais, geralmente mais jovens e desprovidos de reputação artística alargada e consensual, argumentam contra os que utilizam os recursos tradicionais que o trabalho musical deve ser solidário com a evolução dos materiais, elogiando as potencialidades oferecidas pelos novos recursos tecnológicos no acesso às propriedades mais íntimas dos corpos sonoros e na prática de audaciosas "manipulações genéticas" sobre estes. Nesta sua luta, mobilizam diversas categorias de actores culturais, individuais ou institucionais (cientistas, críticos e outros teóricos, instituições que servem como plataforma de difusão ou até mesmo de produção), que, em campos diferentes, estejam social ou profissionalmente implicadas em lutas de concorrência homólogas, de modo a estabelecer alianças que reforcem reciprocamente a legitimidade da sua tomada de posição e do ponto de vista que a consubstancia.

É neste contexto que se constata o carácter cada vez mais tecnológico na pesquisa de originalidade estética, no desafio para além dos limites convencionalmente traçados — princípio orientador do desenvolvimento do campo de criação artística contemporâneo e do reconhecimento social do valor do que nele é produzido.16 Aqui se encontra uma das aberturas da arte à condição pós-moderna: a relevância estética da obra de arte e a consequente (e pretendida) singularidade do seu criador passa a estabelecer-se na experiência de constantemente desafiar os limites e não de os prolongar enquanto cânones supostamente universais, assim como de ultrapassar as próprias fronteiras que, tradicionalmente, conservam a autonomia do campo.

Para isso põem-se em jogo novos meios materiais, entre os quais os recursos tecnológicos, na procura, que se pretende incessante, de procedimentos expressivos e instrumentos operatórios que afrontem os códigos e as linguagens instituídas e singularizem o resultado final. Neste sentido, "os meios tecnológicos são assim colocados no plano ‘tradicional’ dos materiais, não necessariamente para os substituir, mas sobretudo para aumentar a sua variedade e o leque das opções formais e expressivas que podem ser geridas num determinado percurso artístico" (Lopes, 1993: 237).

No capítulo da música puramente electrónica existem cada vez mais formas de analisar, sintetizar e gravar som, bem como de o manipular de acordo com a vontade do compositor. Isto abre todo um novo universo sonoro que, em minha opinião, o compositor moderno não pode nem deve ignorar. Claro que, como expliquei acima, não existe ainda, em relação a este tipo de música, uma tradição de muitos séculos, como aquela de que goza a música para instrumentos tradicionais. A sua própria natureza de constante transformação e evolução, que muitas vezes implica o abandono de anteriores técnicas e instrumentos, torna ainda mais difícil a constituição de uma tal tradição, o que também ajuda a que muitos compositores, principalmente mais velhos, se sintam pouco motivados para ela. Mas, exactamente por causa deste carácter experimental, eu penso que a curiosidade típica de um compositor se devia sentir irresistivelmente atraída para este mundo de possibilidades que eu, pessoalmente, considero fascinante. Também na interligação da música electrónica com instrumentos acústicos e no tratamento de som em tempo real se têm dado muitos passos com vista a uma maior versatilidade, cuja falta tem sido e, até certo ponto, ainda é um verdadeiro obstáculo à liberdade criativa. Mas penso que se trata de um campo do qual podemos esperar muito, sobretudo porque não nega nenhuma possibilidade, tentando, pelo contrário, aproveitar as vantagens de todas as diferentes formas de produção sonora e pensamento musical.
[Carlos Fernandes]

Representam mais um meio de materialização de ideias musicais. Devo dizer que neste domínio, tal como ao utilizar outros meios (piano, lápis e papel, gravadores, etc.), o que importa é ter ao alcance um meio de expressão que nos permita concretizar as nossas ideias. Tal como se compra papel de música com as linhas já impressas (não tendo nós de as desenhar em primeiro lugar), estas tecnologias tornar-se-ão um lugar tão comum que, dentro de anos, a pergunta deixará de ter sentido. (…) Para terminar, devo acrescentar que, dadas as cada vez maiores possibilidades destes meios, a sua utilização chega onde chegar a imaginação do compositor. Na verdade, um dos aspectos mais interessantes do computador, hoje em dia, é o de já se tornar um espelho e uma extensão de nós mesmos. Costumo dizer, embora a frase não seja de minha autoria, "a utilização de um computador diz-nos muito pouco sobre este, mas muito sobre quem o utiliza".
[António de Sousa Dias]

O objectivo principal do trabalho de criação é sempre, em última análise, a personalização expressiva do seu autor, em função da qual o criador mobiliza a sua competência artística — relativa aos recursos técnico-expressivos adquiridos e valorizados no processo de socialização artística —, assim como a sua capacidade criadora — ancorada nas idiossincrasias pessoais com que o indivíduo joga na pesquisa e exploração do tal espaço dos possíveis para chegar a soluções inovadoras.

Como aponta Idalina Conde, "a participação do indivíduo num campo de relevância comum dado por visões compartilhadas nunca deixa de vir orientada pela expectativa de aí poder introduzir uma nova ordem de relevâncias, enquanto matriz da criação individual", podendo ser a adopção e utilização de novas tecnologias, nesta óptica, individualmente mobilizada como recurso no sentido de atingir esse mesmo objectivo. No entanto, há que ter consciência que "uma coisa é a relevância como valor na expectativa pessoal de, pela obra, produzir alguma interferência significativa na arte que à escala de cada um lhe serve de primeira referência. Outra coisa é falar do valor da relevância reconhecida (ou não) como obra significativa; existe toda uma distância possível que vai entre desejar ser e realmente ser um criador tido por relevante". (Conde, 1994: 176)

Qualquer artista, seja ele compositor ou de qualquer outra área, encontra-se, portanto, socialmente compelido a entrar nessa espiral do processo criativo regida pela tradição da inovação, lógica institucionalizada no campo artístico e orientadora da sua actual ordem de relevâncias. Em simultâneo, ele está também existencialmente comprometido na (re)configuração do seu projecto pessoal — pela busca, reciclagem e superação dos limites fixados quer por si e para si mesmo, quer na experiência intersubjectiva com os seus pares. E, note-se, não apenas dos seus pares sociabilisticamente mais próximos, mas também dos que constituem as suas referências estéticas mais relevantes e lhe pautam a prática criativa, enquanto focos de identificação ou de demarcação.

 

O preço da incomunicabilidade

No cerne de amplas pesquisas estilísticas individuais ou colectivas, a constante experimentação tecnológica e formal na produção musical "erudita" contemporânea teve, sem dúvida, alguns efeitos perversos. Ao artista de vanguarda competiria criar novos objectos artísticos, mas também criar condições para que novos públicos deles se apropriassem simbolicamente. No entanto, os novos objectos, ao participarem do processo endógeno de espiral criativa, exigem, como se sabe, constantes operações cognitivas de descontextualização e de recontextualização simbólica, que pressupõem uma capacidade de manipular símbolos culturais quase personalizados e em permanente mutação, a que dificilmente acedem os públicos exteriores aos mundos da "contracultura", nomeadamente quando nestes o recurso à inovação e exploração tecnológica é constante.

Compreende-se, assim, a atitude de resistência de uma grande parte das clientelas culturais — mesmo quando estas são, em grande medida, constituídas por amadores ou profissionais da arte —, diante da progressiva morte das convenções expressivas e dos instrumentos operatórios que, praticamente durante dois séculos, se encontraram estagnados.

Pesquisas como a deDario Gamboni (1983) sobre o iconoclasmo contemporâneo são demonstrativas quanto à dificuldade de remover a barreira entre os artistas de vanguarda e os públicos mais alargados. Como aponta Maria de Lourdes Lima dos Santos (1994; 423), "no plano da produção, sabemos que situações e caracteres estereotipados, repetições e redundâncias, códigos primários, enfim, asseguram uma recepção fácil e sabemos que, pelo contrário, códigos que recusam fórmulas lineares e deixam margem para a imprevisibilidade incitam à interpretação crítica e criativa dos receptores". É o preço da incomunicabilidade que se paga pela situação daquele que, actualmente, se propõe estimular a perplexidade num mundo de comunicação generalizada.

Também no espaço da música contemporânea "erudita" aconteceu essa clivagem. A operação de audição consiste em processar a percepção do material sonoro de um modo cognitivamente inteligível, em função do universo cultural de referência do auditor. No entanto, tal como aponta Abraham Moles (1990: 194), "a novidade destas pesquisas reside na ruptura com a tradição e a problemática passada. (…) Um tal desenvolvimento da pesquisa artística subverte a nossa concepção do modo de fazer música, remete-nos para uma definição mais fenomenológica da obra de arte, como Gestalt autónoma, quer dizer, não tributária dos agregados já existentes (conservas culturais): um certo número de elementos, reunidos numa certa ordem, de tal maneira que afectam, pelo seu próprio acoplamento, o receptor da mensagem. É uma criação autêntica que corta em princípio toda a referência a um universo musical já existente, a despeito de eventualmente reencontrar, no termo da sua síntese, aspectos ou fragmentos como condições humanas da percepção". O resultado foi um tipo de música completamente dissociado de um auditório melómano mais generalizado.

A verdade é que o preço que se pagou pela libertação musical do pós-guerra foi pesado demais: a criação erudita contemporânea ficou confinada a um guetto cujo papel na sociedade é quase nulo. A ruptura com elementos básicos da fruição musical, que eram comuns à música de todos os tempos e de todo o planeta, fez com que músicos e melómanos se refugiassem na música do passado; os compositores perderam o papel relevante que ainda tinham na primeira metade do século. Esse hermetismo gerou, por reacção, o simplismo primário — e hoje continuamos rodeados desses fossos intransponíveis.
[Alexandre Delgado]

Com efeito, a subversão das leis convencionais da composição e do (re)conhecimento musical, sem referência a qualquer ordem simbólica consensual e alargada, fez com que a estrutura inerente a estas novas paisagens sonoras fosse dificilmente perceptível e (des)entendida como caos. "Face a esta atitude (da criação inovadora), só quem tiver cartão de entrada nos jardins do Olimpo será digno da música do compositor" (Moles, 1990: 191), facto bem patente na pesquisa sobre a audiência de concertos de música contemporânea experimental efectuada por Menger (1986b).

Na tipologia proposta por este último, são distinguidas três modalidades de procura desta espécie de concertos: uma sobre-seleccionada, outra intermediária e, por fim, uma profana. No primeiro tipo de procura, as audiências recrutam-se sobretudo entre os pares dos criadores (noublesse oblige); no segundo, entre os quadros jovens do terciário cultural, com alguma predisposição para a experiência estética contemporânea; finalmente, no terceiro, entre as fracções das classes favorecidas, com capital escolar elevado e habitués da música clássica. A priori, o universo de auditores surge imediatamente bastante circunscrito, sendo profundamente caracterizado, em particular no último tipo de consumidores, por uma fraca adequação entre as suas disposições e competências perceptivas e as propriedades da produção em causa. Sob um eixo de homologia aparente entre produção e consumo ocultam-se, portanto, múltiplos desentendimentos cognitivos e perplexidades perceptivas que não se compadecem com a constante renovação estética exigida na contemporaneidade.

Na longa conversa preliminar que tivemos antes da entrevista propriamente dita, chegámos à conclusão de que uma das maneiras mais saudáveis de dar a música contemporânea ao grande público seria misturá-la com a música de outras épocas nos concertos sinfónicos e de câmara "normais", o que evitaria compartimentações de público e logo, guettos culturais prejudiciais… — Estou a sorrir porque testemunhei dois casos: um que se passou comigo e outro com Xenakis. Um dia, no Teatro dos Campos Elísios, numas jornadas em 1977 dedicadas a Xenakis houve um concerto dirigido pelo Seiji Ozawa, com obras de Falla e Xenakis e, além dos apupos do público que ia para ouvir o Falla, público venerando, houve também muitos que aplaudiram. Soube até, pelo próprio Xenakis, que um dos músicos da orquestra assobiou a obra e foi punido pela direcção da orquestra… Existe, portanto, essa possibilidade de confrontação, em que uns aplaudem e outros assobiam, como aconteceu com obras de Messien, Stravinsky, Wagner, entre tantos outros mais ao longo da história da música. Em todas as épocas houve sempre os inovadores e os conservadores. Aconteceu comigo, em 1979, num concerto em que havia Mahler, Mendelssohn e Schubert, além de uma obra minha para orquestra e fita magnética, A-mèr-es. A fita magnética tinha música electrónica e música por computador. O público, de facto, aplaudiu e apupou ao mesmo tempo. E na altura sofri com isso, até porque tinha o meu pai na sala. E no intervalo (isto foi no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian), duas pessoas de provecta idade dirigiram-se a mim. Um deles disse-me (abertamente) que eu devia ser morto, e o outro a mesma coisa, apenas por outras palavras…!
[Cândido Lima]

 

O princípio da reciprocidade

Vimos alguns dos principais efeitos da intervenção de novas tecnologias electrónicas no espaço da criação musical "erudita". No entanto, se reflectirmos atentamente na relação entre estes dois termos, podemos ainda verificar que ela não se estabelece apenas no sentido atrás apresentado. Se as tecnologias electrónicas abriram novos caminhos à música, também o inverso é passível de acontecer, já que a disposição para a criatividade nesta área também tem proporcionado alguns avanços tecnológicos, designadamente quando se procura intencionalmente satisfazer as exigências preconizadas em determinadas ideias musicais: "a proliferação dos estudos de música electroacústica ou electrónica originou o desenvolvimento de um equipamento técnico muito aperfeiçoado, destinado a favorecer a produção de obras de laboratório, que centram as suas preocupações na exploração, cada vez mais complexa, da microestrutura do fenómeno sonoro" (Bosseur e Bosseur, 1990: 125).

A intervenção do espírito criativo no desenvolvimento tecnológico aplicado à música contemporânea "erudita" é particularmente ilustrada pela obra de Stockausen, compositor consagrado na área da electroacústica: nas suas palavras "a sofisticadíssima mesa de misturas (utilizada na apresentação pública da obra Viagem de Michael à Volta da Terra) foi construída de propósito para a minha digressão (…). Ontem à tarde, depois do ensaio, falei longamente com o director da firma francesa que aluga os altifalantes, microfones e amplificadores de som, mesas de mistura, que me acompanhará em todas as etapas desta digressão de concertos. Durante a conversa, o director revelou-me como, depois de ver o esquema sonoro da minha nova peça, caiu na conta de que uma mesa de misturas apta a tão complexos trabalhos não existia ainda no comércio. Considerado, pois, o interesse do caso e a importância do projecto, decidiu fazer construir, propositadamente, a nova mesa que doravante me cederia, por preço elevado, em aluguer" (Stockausene Tannenbaum, 1991: 49).

Tal depoimento deixa-nos a pensar na reciprocidade existente entre inovação artística e inovação tecnológica, contrário à noção de determinismo desta última sobre a primeira, largamente utilizada como argumento contra a introdução de novas tecnologias na criação musical pelos seus detractores. Todavia, é inútil pretender que a escolha do compositor, no caso da utilização da electroacústica, dependa exclusivamente dos aspectos tecnológicos. É uma concepção demasiado positivista da tecnologia que se traduz na imagem do compositor prisioneiro da "máquina", alienado aos meios de produção.

De facto, não existe qualquer tipo de subordinação exclusiva na relação tecnologia-música, mas sim um condicionamento mútuo que não se traduz de forma necessariamente negativa, como querem fazer crer certos moralistas culturais mais apocalípticos. A interacção entre criação artística e criação tecnológica é uma realidade e as repercussões dessa interactividade em ambas as zonas de criação não são inevitavelmente malévolas. Assim como a tecnologia pode ajudar a música na sua procura de novos esquemas e referências estéticas e formais, também essa incessante procura incentiva a área tecnológica a pesquisar novas soluções e opções técnicas. Se não se enveredar pelo caminho das "receitas fáceis", o produto resultante dessa reciprocidade será, com certeza, frutuoso para ambas as partes.

E quem ficará sempre a ganhar será, com certeza, o melómano. Pois o facto é que a actual dispersão da música contemporânea e dos caminhos insondáveis que as novas tecnologias lhe permitem, revela estados de crise que afastam os riscos de estagnação e provocam um estimulante voltar a pôr em questão do sentido da audição.

 

 

Notas

1    Agradeço as revisões e sugestões feitas a este artigo por Elsa Pegado, Sandra Palma Saleiro, João Sedas Nunes, Alexandre Melo e Maria de Lourdes Lima dos Santos. Os depoimentos apresentados neste artigo como ilustração empírica foram transcritos do livro A Invenção dos Sons, uma compilação de entrevistas realizadas por Sérgio Azevedo a alguns compositores representativos de várias gerações da contemporaneidade musical portuguesa, editada em 1998 pela Editorial Caminho.

2    Como o vinil, o CD, o DVD ou o MP3.

3    Como os geradores electrónicos de frequência, as mesas de mistura, os sintetizadores ou o computador.

4    "Canção dos mancebos" ou "Canto dos adolescentes"(1956).

5    O primeiro estúdio de música electrónica estabeleceu-se em 1951 na rádio da Alemanha Ocidental, em Colónia, dirigido por Herbert Eimert. Criaram-se outros estúdios em Milão, Tóquio, Londres, Varsóvia, Bruxelas, Munique, Eindhoven, Paris e Nova Iorque (Kennedy, 1994: 483). Portugal, todavia, esteve longe de conseguir acompanhar esse processo, em virtude dos défices culturais e infra-estruturais acumulados desde o isolacionismo que marcou a política cultural do Estado Novo, fundamentalmente orientada para a promoção de uma arte de formas e conteúdos marcadamente nacionalistas e folclóricos. Embora a criação portuguesa de música electrónica e/ou electroacústica venha a destacar-se no panorama europeu e anglo-saxónico dos últimos vinte anos, a respectiva documentação, difusão e apoio sistemático e institucional, do ponto de vista, quer da investigação em novos suportes expressivos, quer da edição fonográfica das obras, quer ainda da produção de conhecimento teórico e científico, tem sido bastante deficitária. No entanto, para além de alguns estúdios privados construídos por alguns compositores, Portugal conta actualmente com o Centro de Criação e Informática Musical da Juventude Musical Portuguesa — CCIM —, que integra um Estúdio de Música Electroacústica desde 1993, assim como com o Centro de Investigação em Música Electroacústica — o CIME —, criado em 1996 sob a tutela do Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro. O CIME integra quatro laboratórios independentes, dotados do equipamento necessário ao desenvolvimento e criação de obras originais, à investigação sobre novos processos de síntese sonora e à gravação, mistura e montagem de ficheiros sonoros. Desenvolve também um conjunto de actividades que pretendem divulgar, estimular e apoiar as potencialidades de criação em música electroacústica e/ou electrónica em Portugal, como a organização de concertos, seminários e cursos, a edição fonográfica e/ou impressa de obras de compositores portugueses e estrangeiros, bem como de material bibliográfico e pedagógico. Projecta ainda a criação de um centro agregado de Estudos Teóricos em Música Electrónica, equipado com partituras, gravações, discografia e bibliografia sobre a obra electrónica do século XX, no sentido de lançar as bases para uma investigação continuada e de qualidade científica nesta área, possibilitando o desenvolvimento de projectos na vertente da teoria, da estética e da análise musical complementares aos projectos de criação existentes. Estas informações foram gentilmente cedidas pelo professor doutor João Pedro Oliveira, um dos coordenadores responsáveis pelo CIME.

6    Ou seja, da organização formal e convencional dos intervalos entre os sons que desde alguns séculos impera. Sobre os aspectos formais do processo de racionalização do sistema de afinação e as suas possibilidades de fixação "universal" (quer dizer, convencional), ver Weber (1944).

7    Este sistema de afinação triunfou para todos os instrumentos de afinação fixa a partir do século XVIII, depois de uma dura luta travada sob a influência teórica de Rameau, e da prática de composição e pedagógica de J. S. Bach e de seus filhos, nomeadamente com a obra Cravo Bem Temperado.

8    As sineres na Ionisation de Varèse e outros sons electrónicos semelhantes nas suas obras posteriores, ou os glissandos das ondes Martenot, instrumento utilizado em Turangalîla, de Messiaen, são exemplos notáveis de aplicação do continuum.

9    O conceito de espaço dos possíveis corresponde ao "espaço das tomadas de posição efectivamente realizadas" em articulação com o "espaço orientado e prenhe das tomadas de posição que no seu interior se anunciam como potencialidades objectivas, como coisas "a fazer". (…) A herança acumulada pelo trabalho colectivo apresenta-se assim a cada agente como um espaço de possíveis, quer dizer, como um conjunto de imposições prováveis que são a condição e a contrapartida de um conjunto circunscrito de usos possíveis. " O espaço dos possíveis funciona, simultaneamente, como "verdadeira ars obligatoria", na medida em que "define, à maneira da gramática, o espaço do que é possível, concebível, dentro dos limites de um certo campo, constituindo cada uma das "escolhas" operadas como opção gramaticalmente conforme; mas trata-se também de uma ars inveniendi que permite inventar uma diversidade de soluções aceitáveis dentro dos limites da gramaticalidade. " (Bourdieu, 1996: 268-270).

10    É esta, em boa parte, a grande lacuna no campo da música "erudita" contemporânea em Portugal, ou seja, a falta de agentes (individuais ou institucionais) de socialização, difusão, reconhecimento, consagração e fruição que suportem mais sistemática e duradouramente a sua composição e audição. É, pelo menos, nesta perspectiva que se orientam as respostas dos compositores entrevistados por Sérgio Azevedo à sua questão sobre "O que pensa sobre a situação da música em Portugal?".

11    Vítor Balenciano, "Com Stockhausen na plateia e no palco", Público, 16-6-2000, p. 29.

12    Aliás, o facto é que as pesquisas tecnológicas sempre se mantiveram à margem do circuito mais institucional do ensino e cultura musicais, enquanto as experiências nesta área se foram generalizando sem, contudo, um grande número de compositores deste sector de produção musical ter trabalhado, ou tendo trabalhado muito pouco, com meios electrónicos.

13    O exemplo mais conhecido e reputado é o IRCAM (Institut de Recherche et Coordination Accoustique / Musique, instalado no Centro de Arte Contemporânea Georges Pompidou), criado nos anos 70 em Paris, instituto que está na origem da consagração oficial do campo da pesquisa musical tecnológica em França.

14    Muitas delas inseridas e consagradas nos circuitos da música pop e de alguma "nova música de dança" mais comercial.

15    Por exemplo, o Grupo de Música Contemporânea de Lisboa, criado em 1970; o Grupo Música Nova, em 1973-74; a Oficina Musical do Porto, em 1978; o Grupo ColecViva, em 1985; ou a Orquestra Sinfonietta de Lisboa, em 1995.

16    Uma das dimensões do Projecto de Música Electrónica em Portugal levado a cabo pelo CIME, na Universidade de Aveiro, é justamente a compilação e edição de obras de compositores portugueses com música electrónica. Cf. Andrea Cunha Freitas, Público, 14-01-2000, p. 25. Indicador de que a utilização de novas tecnologias electroacústicas ou electrónicas ainda não é consensual nos meios musicais mais "eruditos", é o facto de os debates sobre a questão continuarem a ser uma regularidade nos festivais de música contemporânea em Portugal, assim como, também, o facto de a pergunta "o que pensa sobre a utilização da electroacústica e da informática na composição" ter sido recorrente no conjunto de entrevistas feitas por Sérgio Azevedo a vários compositores portugueses contemporâneos.

 

 

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*Vítor Sérgio Ferreira. Sociólogo. Investigador Associado Júnior no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Fez o Curso Geral de Música na Academia de Amadores de Música de Lisboa. E-mail: opj@ics.ul.pt

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