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Sociologia, Problemas e Práticas

versión impresa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  n.34 Oeiras dic. 2000

 

MAU TRATO E NEGLIGÊNCIA PARENTAL

Contributos para a definição social dos conceitos

Manuela Calheiros* e Maria Benedicta Monteiro**

 

 

Resumo Este estudo teve por objectivos: 1) a apreensão dos significados particulares dos conceitos de mau trato e de negligência, a nível do senso comum, a nível técnico e a nível jurídico, 2) a identificação de alguns dos factores responsáveis pela sua variação, e 3) a definição integrada do conceito. Através de uma análise de conteúdo foram analisados os corpus de 123 entrevistas, de 9 relatórios técnicos e do articulado relevante do direito português que integravam ideias e representações sobre mau trato e negligência com crianças. A amostra dos sujeitos da entrevista foi caracterizada em termos socioeconómicos e de experiência profissional com crianças. Da análise do material resultaram 18 subcategorias de mau trato e negligência descritivas das quatro categorias principais em que o tema tem sido abordado na literatura. Uma análise factorial de correspondências mostrou, não só a saliência das dimensões de significado das práticas parentais abusivas, como a importância do estatuto socioeconómico e das pertenças institucionais dos definidores na acentuação diferenciada daquelas dimensões.

Palavras-chave Definição social, mau trato, negligência.

 

 

A análise da evolução histórica do mau trato mostra que, só a partir da publicação do artigo "The battered-child syndrome" (Kempe e outros, 1962) numa revista médica, é que se começou a manifestar interesse científico por esta área, sendo a questão da definição dos conceitos em estudo um objecto de análise que só aparece posteriormente.

Por volta da data da publicação deste artigo, e até aos finais dos anos 70, a investigação estava centrada sobretudo nas manifestações físicas do mau trato, sendo este definido quase exclusivamente a partir das sequelas físicas observadas nas crianças.

No princípio dos anos 80, embora a investigação do mau trato físico prevaleça relativamente a outras formas de abuso, aparecem as primeiras definições do mau trato psicológico e da negligência, e inicia-se a investigação sobre o construto de mau trato, sobretudo nos meios técnico e institucional.

Porém, é só na década de 90 que os investigadores se apropriam da área da definição, até aí deixada aos técnicos, e começam a alertar a comunidade técnica e científica para a questão da operacionalização e avaliação dos diferentes tipos de práticas parentais abusivas (McGee e Wolfe, 1991; Wolfe, 1991; Zigler e Hall, 1989). O mau trato e a negligência continuam, no entanto, a representar construtos que agregam pouco consenso, quer entre técnicos quer entre investigadores, o que tem dificultado a formulação e execução do trabalho nesta área. Para os práticos, a definição de mau trato e de negligência afecta a maneira como os casos são classificados, a decisão de os referenciar e a tomada de decisão sobre a intervenção. No contexto de investigação, a inconsistência das definições tem dificultado a revisão e integração da literatura, assim como a constituição das amostras, a avaliação do problema, o estabelecimento de relações consistentes entre variáveis e a generalização e comparação de resultados.

O facto de só recentemente se começarem a operacionalizar formas específicas e subtipos de mau trato e de negligência (Manly e outros, 1994) tem, entretanto, contribuído para que a investigação sobre a definição destes subtipos seja, em termos conceptuais e metodológicos, uma área polémica. As controvérsias assentam no facto de as definições técnicas, quer sejam legais, sociais ou médicas, serem vagas, não só a nível das categorias que as compõem e das fronteiras que as limitam, como na avaliação da sua intencionalidade, e ainda nos critérios específicos relativamente ao que constitui os vários graus ou tipos de perigo (Giovannoni, 1989; Knutson, 1995), não existindo até à data modelos integradores.

No âmbito da psicologia, dado que o tema tem sido abordado do ponto de vista da psicologia do desenvolvimento, no que diz respeito à definição e avaliação dos construtos envolvidos, a investigação que utiliza parâmetros de desenvolvimento e que é utilizada para fins académicos tem sido bastante questionada no que diz respeito à utilidade e validade que pode ter na compreensão do mau trato, tal como é conceptualizado pelos pais, técnicos e instituições (Giovannoni, 1989). Segundo o autor, as definições dos investigadores desenvolvimentistas são puras no sentido científico, mas são ineficazes e inapropriadas fora do contexto de investigação.

Neste sentido, e dado que o mau trato e a negligência são conceptualizados na literatura como ancorados pelos quadros específicos em que são definidos (instituições, técnicos, senso comum e investigadores) e em que se desenvolvem, inserimos o estudo no quadro da psicologia social do desenvolvimento.

Em primeiro lugar, porque as diferentes definições e as dimensões em que o construto se organiza têm reflectido, não só as diversas fontes científicas (médicas, psicológicas, legais, etc.) e a sua evolução, como uma série de outros factores: o tempo histórico (Ariès, 1960; 1962; Ariés e Duby, 1990; Badinter, s/d; Dubowitz e Newberger, 1989; Radbill, 1987), a cultura e legislação, (Korbin, 1980; 1987), as diferentes disciplinas e instituições envolvidas (Giovannoni, 1989; Giovannoni e Becerra, 1979), assim como com os próprios investigadores (Ammerman, 1990; Knutson, 1995; Wolfe e McGee, 1994). Por outro lado, uma vez que as definições do problema reflectem o sistema conceptual dos indivíduos, a compreensão do mau trato e da negligência pressupõe a análise do processo e do estado actual da negociação social desta realidade, bem como a importância dada aos actores sociais (população, técnicos, instituições) nessa negociação (Moscovici e Hewstone, 1984), na sua definição, na análise das suas causas, intervenção, prevenção, etc., pois é a este processo negocial que se irão buscar posteriormente as dimensões para a construção de um questionário.

Em segundo lugar, o contexto dominante em que o mau trato e a negligência se desenvolvem — interacção pais-filhos — tem vindo a ser analisado através dos quadros sociais em que o processo educativo decorre, integrando os três sistemas principais de interacção — pais, criança, meio, em diferentes níveis de análise psico-sociais (Doise, 1982).

Em suma, inerente às definições prevalece a noção de que o mau trato é um construto mais relativo do que absoluto, devido ao facto de os padrões comunitários sobre o que é educar e quais os cuidados necessários a ter com as crianças reflectirem as atitudes públicas, e diferentes pontos de vista entre diferentes grupos, em relação ao que é essencial para a criança e o que prejudica o seu bem-estar e futuro desenvolvimento (Giovannoni e Becerra, 1979). Desta forma, a definição e identificação do mau trato e da negligência inscrevem-se numa área indefinida cujas fronteiras têm vindo a variar em função dos valores que regem os diferentes contextos em que o problema tem sido abordado. A literatura disponível que de seguida se apresenta é reflexo disso mesmo, o que nos conduziu à sua análise tendo em consideração dois contextos — o contexto institucional e o contexto cultural.

 

O contexto institucional

Embora a referência ao mau trato comece a aparecer nos finais do século XIX, altura em que nos Estados Unidos se reconhece, pela primeira vez, a existência do mau trato a crianças (Giovannoni, 1989; Zigler e Hall, 1989), é após a primeira guerra mundial que a comunidade internacional desperta para a protecção à infância. A necessidade de garantir uma protecção especial à criança é referida na Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança, (aprovada pela Sociedade das Nações em 1924), contemplada na Declaração dos Direitos da Criança de 1959 pela Assembleia Geral das Nações Unidas (Convenção dos Direitos da Criança, 1990). É neste contexto que diferentes países começam a definir os serviços que daí em diante foram os responsáveis pela intervenção específica no problema — serviços médicos, sociais, psicológicos e jurídicos (Radbill, 1987).

Uma vez que as definições técnicas estão associadas aos objectivos institucionais, aos contextos e funções dos diferentes técnicos envolvidos, actualmente são quatro as perspectivas teóricas mais relevantes sobre a definição da criança maltratada (Aber e Zigler, 1981; Giovannoni e Becerra, 1979) neste domínio. Cada uma destas definições deriva de diferentes teorias sobre as causas, as consequências e a intervenção no problema, e por isso divergem sobre que características devem ser enfatizadas (Aber e Zigler, 1981).

Na primeira perspectiva a ser articulada — a perspectiva médica — o objectivo da definição está associado à necessidade de se fazer um diagnóstico, sendo central a ideia de que o mau trato é o sintoma de uma patologia dos pais. Assim, os diagnósticos médicos são relativamente objectivos no estabelecimento das fronteiras da doença, sendo no entanto menos claros no que se refere à intervenção.

A definição médica é restrita e caracteriza-se essencialmente pela inclusão das consequências dos actos parentais para a criança, sendo estas avaliadas pelas sevícias que são observadas e enquadradas numa determinada posologia. Relativamente aos factores precipitadores, a definição médica enquadra-se num modelo etiológico que atribui importância à psicopatologia parental e à intencionalidade dos seus actos.

Na segunda perspectiva — a perspectiva sociológica — a definição emerge, em parte como uma reacção e crítica ao modelo médico (Giovannoni e Becerra, 1979). O aspecto central da perspectiva sociológica é a noção de que o mau trato e a negligência implicam um contexto e um julgamento social e por isso a definição inclui os actos parentais que são considerados inapropriados pelas práticas e padrões da comunidade.

As definições que decorrem desta perspectiva atribuem, assim, importância à identificação das práticas parentais e à eventual responsabilidade dos profissionais em decidirem quando é que os pais devem ser rotulados como maltratantes e forçados a sofrerem uma intervenção. Desta forma, as decisões relativamente aos aspectos da definição são melhor resolvidas através do questionamento da opinião pública e profissional sobre que tipos de actos parentais devem ser considerados inaceitáveis. Segundo esta tradição, a ênfase dos actos parentais na definição, ao contrário da anterior, pretende uma despatologização parental do mau trato e o exame sobre o papel da sociedade na perpetuação do mesmo. Além disso, nesta perspectiva, as definições são amplas e incluem um grande número de acções e de omissões parentais que podem diferentemente afectar a criança.

A terceira perspectiva a emergir foi a definição legal e o seu objectivo é estabelecer padrões claros em relação às acções parentais que justifiquem a intervenção do tribunal. A este nível constata-se contudo uma grande variabilidade entre os países.

Em Portugal, a definição legal de mau trato pressupõe objectivos e momentos de intervenção diferenciados, através do Direito da Família (1995), da Organização Tutelar de Menores (1992) e do Código Penal (1996).

A definição jurídica integra, no seu conjunto, não só as situações que possam causar perigo para a criança (actos parentais ou situações de vida), como os danos/consequências já observados na criança. No Direito da Família, (Código Civil, 1995), ao definir-se o conteúdo do poder paternal, refere-se especificamente que aos pais compete, entre outras coisas, cuidar da segurança e da saúde dos filhos, referindo expressamente o art. 1918.º que o tribunal pode actuar quando a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação do menor se encontram em perigo.

A nível da Organização Tutelar de Menores (OTM), aos tribunais de menores cumpre aplicar medidas tutelares quando os menores (em princípio dos 0 aos 18 anos) "sejam vítimas de maus tratos, de abandono ou desamparo ou se encontrem em situações capazes de pôr em perigo a sua saúde, segurança, educação ou moralidade" (alínea a), art.º15.º.

Nas definições legais a intencionalidade e o carácter não acidental dos actos parentais são o critério por excelência de distinção entre negligência e mau trato. Segundo o art. 153.º do Código Penal (1996):

os pais de menores de 16 anos (…) serão punidos (…) quando, devido a malvadez ou egoísmo, lhes infligirem maus tratos físicos, os tratem cruelmente, não lhes prestem os cuidados de saúde necessários (…)". São também sujeitos a pena no caso de "empregarem as crianças em actividades perigosas, proibidas ou desumanas, ou as sobrecarregarem, física ou intelectualmente, com trabalhos excessivos ou inadequados de forma a criar danos na saúde, no desenvolvimento intelectual, ou expondo-as a grave perigo.

Da análise deste preceito podemos depreender que é elemento central da definição um dolo específico que decorre precisamente do egoísmo ou da malvadez.

Por último, as conceptualizações da área da psicologia têm definido os construtos de mau trato e negligência, ora através do julgamento dos comportamentos parentais — actos e omissões — respectivamente (Baily e Baily, 1986; McGee e Wolfe, 1991; Wolfe e McGee, 1994), quer a partir dos efeitos resultantes destes comportamentos e omissões para a criança (psicológicos ou físicos) (Brassard e outros, 1987), quer ainda com base nos efeitos decorrentes da interacção entre a criança, os pais e a comunidade (Garbarino e outros, 1986; Giovannoni, 1989), e tem envolvido três tópicos interrelacionados: 1) as dimensões ou subtipos em que se organizam as diferentes formas de mau trato; 2) os critérios com que se fazem as definições (comportamento parental versus as consequências para a criança); e 3) os objectivos que as próprias definições servem — intervenção clínica ou diagnóstico para decisão judicial.

A literatura específica que foca directamente a questão da definição técnica tem origem em diferentes processos de investigação, que apontam para uma série de factores que influenciam as percepções e as definições do mau trato e negligência. A análise que aqui se efectua, à semelhança das revisões de literatura que se debruçam sobre esta questão, decorre dos estudos sobre incidência (Giovannoni, 1989; Groeneveld e Giovannoni, 1977 [citados em Giovannoni, 1989]), das investigações sobre as tomadas de decisão dos técnicos para referenciar situações (Barksdale, 1989; Brosig e Kalichman, 1992a; 1992b), e ainda das investigações específicas a definição (Almeida, André e Almeida, 1999, Bilingsley e outros, 1969; Giovannoni e Becerra, 1979), onde se analisam factores situacionais da família e da criança e circunstâncias associadas ao mau trato e à negligência.

Os estudos sobre incidência do mau trato e negligência nos Estados Unidos denotam bem a variação que existe nas frequências de incidência e na consubstanciação das situações em função dos diferentes referentes (Giovannoni, 1989), contextos institucionais e funções dos serviços envolvidos (educação, saúde e legal). A incidência varia também em função de outros factores, como o facto de a zona ser rural, urbana ou suburbana. As zonas rurais apresentam a incidência mais elevada de casos consubstanciados, ao contrário das zonas suburbanas que apresentam a incidência mais baixa, sabendo-se no entanto que o nível de recursos e serviços de cada região influencia por si só o comportamento de relatar (Giovannoni, 1989). Num estudo que realizámos concluímos que as crianças que frequentam menos serviços da comunidade local, e que por isso se encontram menos inseridas e protegidas pelas instituições, são aquelas que mais facilmente os técnicos referenciaram para as instituições de protecção de menores (Calheiros, 1996).

Estes estudos, que questionam a incidência do mau trato e a questão da referenciação por parte dos técnicos, indicam que a tendência para relatar a suspeita de mau trato é influenciada por questões externas, tais como a avaliação que os técnicos fazem sobre a qualidade e a disponibilidade dos serviços de protecção, variando em função das comunidades (De Angelis, 1990), e o evitamento de problemas legais, a ambiguidade do estatuto legal, a terminologia, estatuto e requerimentos legais (Brosig e Kalichman, 1992b). Por outro lado, relativamente às características dos técnicos, salientam-se o conhecimento sobre as leis, os anos de experiência na profissão, a prática em lidar com casos de mau trato e as atitudes e experiências relacionadas com funções oficiais anteriormente desempenhadas (Barksdale, 1989; Brosig e Kalichman, 1992a; 1992b).

Já a um outro nível de análise, as investigações que avaliam os efeitos da profissão e da instituição sobre as representações e definições técnicas do mau trato e da negligência não são tão conclusivas como as anteriores. O estudo de Giovannoni e Becerra (1979) é um dos estudos mais importantes que foram desenvolvidos na área da definição interprofissional (pediatras, advogados, assistentes sociais e polícias) e de senso comum do mau trato e da negligência. Os resultados indicam um grau elevado de consistência entre os diferentes grupos. Todos concordaram que o mau trato não é uma entidade única, sendo os actos parentais agrupados de forma consistente em diferentes categorias. Além disso, todos os grupos concordaram com o facto de os actos de mau trato e de negligência não serem igualmente graves no seu impacte na criança. Havia diferenças dentro e entre os grupos na avaliação do nível de gravidade atribuído a cada um, no entanto havia acordo em relação à hierarquia de gravidade: abuso físico, abuso sexual, comportamentos parentais promotores de delinquência, falta de supervisão, mau trato emocional, uso de droga e álcool, não responder às necessidades físicas, negligência na educação e códigos de conduta parentais desviantes.

Esta análise sugere, no quadro da população americana, que os técnicos, na sua generalidade, não estão tanto em desacordo sobre as definições de mau trato nem sugerem o caos da definição que parece deduzir-se dos estudos sobre incidência, pois percebem as comunalidades entre diferentes tipos de acções e concordam substancialmente com a gravidade relativa de cada uma das subcategorias analisadas. Por isso, há que distinguir os estudos sobre definição a partir das incidências relatadas (Giovannoni, 1989; Groeneveld e Giovannoni, 1977 [citados em Giovannoni, 1989]), dos estudos específicos sobre definição (Bilingsley e outros, 1969; Giovannoni e Becerra, 1979).

Em Portugal a literatura sobre a definição técnica do mau trato e da negligência é ainda escassa. Contudo, com o objectivo de construir uma tipologia de formas de abuso e de negligência, Almeida e colegas, em 1999, realizaram um estudo com profissionais da infância na área da saúde, educação e serviço social. A saliência de diferentes formas de mau trato em função das profissões e das instituições, não só confirma a diversidade de definições como a importância que outro tipo de factores representam na construção destes construtos, ou seja, o contexto envolvente.

As áreas da negligência na saúde, alimentação, higiene e acompanhamento escolar são destacadas pelos técnicos de serviço social; as rotinas do dia-a-dia da criança são valorizadas pelos educadores de infância e professores; enquanto que os profissionais de saúde, embora apresentem definições mais amplas que os outros profissionais, parecem estar sobretudo preocupados com as questões ligadas ao desenvolvimento peri e neo natal e com o abuso sexual.

Quando se tomam os factores situacionais da família e da criança em consideração, o que sobressai é o seguinte: embora o género da criança não pareça influenciar, quer as representações que os técnicos têm do mau trato e da negligência, quer a tendência para referenciarem as situações, a idade da vítima influencia (Calheiros, 1996; Giovannoni, 1989; Kalichman e outros, 1990). No estudo de Kalichman e colegas, médicos e psicólogos referiam uma mesma situação de mau trato com mais frequência quando esta dizia respeito a crianças com idades inferiores a sete anos do que quando eram mais velhas. O estudo desenvolvido pelo US Department of Health and Human Services em 1981 (Giovannoni, 1989), sobre os dados relativos às características das crianças conclui que a idade das crianças e o tipo de mau trato definido eram as características que mais distinguiam os grupos (casos relatados/não relatados): 60% das crianças com menos de seis anos tinham sido assinaladas, enquanto 78% das crianças entre os seis e 12 anos não o tinham sido. Menos de 25% dos casos designados como mau trato emocional, negligência emocional ou negligência educacional, tinham sido sinalizados.

Outra variável que parece ser importante é a classe social e o grupo étnico da família e da criança. Por exemplo, Newberger (1983) relata um índice baixo de sinalização de mau trato nas famílias caucasianas de classe média ou alta. No estudo de Gelles em 1977, 5% dos médicos confirmam que a etnicidade fora tão importante no diagnóstico que definiam o mau trato baseando-se somente neste critério (cit. em Giovannoni, 1989).

A classificação racial e social da criança aparece também como um factor importante noutros estudos. Num estudo desenvolvido por Turbett e O’Toole em 1980 (cit. em Giovannoni, 1989) com médicos, observou-se que existia um efeito interactivo do estatuto socioeconómico do educador, do seu grupo de pertença étnico e da gravidade do mau trato no reconhecimento do mau trato: na presença de danos graves, as crianças afro-americanas eram duas vezes mais definidas como vítimas do que as crianças caucasianas. Também as crianças de classes baixas apresentavam frequências mais elevadas de sinalização, comparativamente com as de classes altas.

Paralelamente, alguns autores referem o comportamento dos pais em relação aos serviços como um aspecto que influencia as percepções do mau trato e da negligência, embora os resultados sejam contraditórios no que diz respeito às crianças (Calheiros, 1996; Giovannoni, 1989; Jensen e Nichls, 1984 [citados em Brosig e Kalichman , 1992b]). Enquanto Jensen e Nichls (1984) referem que as crianças maltratadas e os pais maltratantes caracterizados com problemas de relação com as instituições são mais referenciados do que situações que envolvam pessoas sem este tipo de problemas, Calheiros (1996), embora chegue à mesma conclusão relativamente à importância da fraca inserção dos pais na comunidade como factor para referenciar as situações, conclui que os técnicos tendencialmente referem mais às instituições de protecção de menores as crianças que não apresentam problemas de comportamento.

No estudo realizado por Almeida e colegas (1995), pode-se concluir que existem características na família, como pobreza, monoparentalidade, sinais de violência familiar, número de crianças em casa e consumos excessivos (álcool e drogas), que estão associados às crianças maltratadas e negligenciadas sinalizadas a instituições de protecção na área da grande Lisboa.

O tipo e a gravidade do mau trato (Zellman, 1990), a prova da ocorrência deste (Kalichman e outros, 1990), e as circunstâncias associadas ao mau trato (Giovannoni, 1989) são o último grupo de factores aqui referenciados.

Diferentes estudos referem o facto de o abuso sexual ser muito mais referenciado do que o mau trato psicológico ou a negligência (Nightingale e Walker, 1986). No estudo de Zellman (1990) os sujeitos pontuaram as situações de abuso sexual como sendo muito mais graves do que o mau trato físico, o que conduzia a que fossem mais facilmente sinalizadas do que o mau trato físico. No estudo de Giovannoni (1989), somente 25% do total da incidência eram situações de mau trato emocional ou de negligência.

Associadas a estas variáveis, têm-se também estudado a gravidade e a duração do mau trato e da negligência. Green e Hansen (1989) referem que os psicólogos incluiriam mais facilmente o mau trato considerado grave nas suas definições. No estudo por nós desenvolvido, o tipo e gravidade do mau trato estão firmemente associados à sinalização às instituições de protecção de menores realizada pelos técnicos (Calheiros, 1996). O mau trato físico, que é considerado mais grave e que produz maior evidência física, é muito mais referenciado do que o mau trato psicológico, que é fisicamente menos evidente.

Finalmente, alguns estudos feitos com médicos, revistos por Giovanonni (1989), indicam também que estes, ao fazerem um diagnóstico, são influenciados pelas intenções dos pais. Gelles [(1977), citado por Giavanonni, 1989] conclui que 97% das situações de "má nutrição" nas crianças é referida quando a situação é percebida por parte dos médicos como intencional. Quando a mesma situação é atribuída à ignorância dos pais, somente 16% das situações foram classificadas como "má nutrição".

 

O contexto cultural

Segundo Giovannoni e Becerra (1979), entre as questões básicas subjacentes à definição de criança maltratada e negligenciada encontram-se as questões relacionadas com valores, e muito especialmente aquelas que provocam conflito de valores. Daí que as normas sociais sejam cada vez mais usadas como uma estratégia para definir o mau trato (Knutson, 1995). Com efeito, a literatura neste domínio (por ex. Giovannoni, 1989; Giovannoni e Becerra, 1979; Korbin, 1987; Wolfe, 1991; Zigler, 1980) descreve o mau trato e a negligência num contínuo de práticas educativas, sendo este tipo de atitudes definidas como situando-se em diferentes pontos ao longo de uma mesma linha hipotética de valores educacionais (Zigler, 1980).

A variação cultural que existe ao nível das crenças e das práticas educativas (Goodnow e Collins, 1990) evidencia bem a não existência de normas universais sobre quais os cuidados que se devem ter com as crianças ou sobre o que pode constituir mau trato e negligência. São exemplo disso os estudos de Dubanoski e Snyder (1980), que abordam a sanção cultural do mau trato, e que demonstram que nas sociedades (Havai e Samoa, por exemplo), onde existe uma maior tolerância ao mau trato parental, ocorre uma frequência maior daquele tipo de comportamentos. Pelo contrário, os pais japoneses ou finlandeses, que não valorizam educativamente a punição física, apresentam valores mais baixos (Belsky, 1980).

Ao nível das práticas, são muitos os exemplos de práticas educativas tradicionais que suscitam conflitos interculturais e que revelam a interferência, não só de valores educativos, como de objectivos de socialização diferentes. Os rituais de iniciação juvenil como a circuncisão, a clitoritomia ou a privação de alimentação e de sono (Korbin, 1987), que ocorrem em muitas partes do mundo, constituem um bom exemplo deste tipo de conflito intercultural. Igualmente elucidativo pode ser o uso de algumas práticas enraizadas na cultura ocidental, as quais, aos olhos de outras culturas, parecem bastante perigosas. É exemplo disso a prática de os bebés, desde muito cedo dormirem num quarto separados dos pais, enquanto no Havai (Korbin, 1980) ou no Japão (cit. em Korbin, 1987) o facto de as crianças dormirem acompanhadas é uma prática educativa importante na socialização, assumindo um valor elevado na construção da interdependência dos membros da família.

Embora não existam normas universais sobre educação e exista variação entre culturas nos valores educacionais e nas práticas disciplinares, a ideia de que o conceito de mau trato é uma imposição dos valores dos técnicos e das classes mais favorecidas às classes sociais menos privilegiadas ou aos grupos minoritários, representa uma forma simplista de equacionar esta questão. A revisão de literatura de Giovannoni (1989) refere um conjunto de estudos que demonstra que o público em geral é um definidor saliente do mau trato, pois não só a maior parte das denúncias de actos consensuais de mau trato tem origem no grande público, como não se confirma que exista uma grande tolerância a esse tipo de actos entre a população em geral, ou mesmo nas classes mais desfavorecidas e nos grupos étnicos minoritários.

De entre o conjunto de estudos cujos resultados apontam para a complexidade e o carácter polémico do impacte da classe social e da etnia nas percepções do mau trato destacam-se o de Giovannoni e Becerra (1979) e o de Polansky e outros, (1981).

No estudo de Giovannoni e Becerra (1979), os sujeitos pontuaram todos os comportamentos parentais com um nível mais elevado de gravidade do que os técnicos. Os resultados indicam também que, embora o "senso comum" não tenha sido tão específico na distinção de alguns dos subtipos de mau trato, (sobretudo, nos aspectos básicos do cuidado às crianças ao nível físico, educacional e emocional), como o foram os técnicos, nas áreas de abuso sexual e físico, da falta de supervisão e do uso de drogas, os conceitos encontrados são bastante semelhantes.

Os dados mais interessantes nesta população foram, contudo, as diferenças encontradas nas percepções da gravidade relativa dos diferentes tipos de mau trato ao nível da etnia e da classe social. Em geral, nos Estados Unidos, os afro-americanos, independentemente da classe social, atribuíram maior importância à supervisão e aos cuidados básicos à criança do que os restantes grupos e os hispânicos atribuíram mais importância ao abuso sexual e à conduta sexual em geral. Entre os sujeitos brancos, aqueles que tinham níveis baixos de escolaridade e pertenciam a uma classe social pouco diferenciada também pontuaram este tipo de mau trato como mais grave para a criança.

Polansky e outros (1981), com o objectivo de definirem um contínuo de mau trato parental, desenvolveram, também nos EUA, um estudo com dois grupos de mães (operárias e classe média) sobre atitudes parentais adequadas, negligência grave e mau trato. As comparações interclasses revelaram, contrariamente ao estudo anterior, similaridades entre os dois grupos, ou seja, as avaliações das mães eram homogéneas relativamente a elementos básicos de cuidado à criança, independentemente do seu nível educacional e de outros indicadores socioeconómicos.

O problema da definição do mau trato e da negligência não se coloca somente no quadro das diferenças culturais nas práticas de educação, em que as mesmas práticas podem ser vistas como aceitáveis numa cultura e maltratantes ou negligentes quando observadas por elementos de outras culturas. Giovannoni e Becerra (1979) consideram que as definições devem advir sobretudo do que é consensualmente aceite e não aceite, enquanto prática educativa numa mesma sociedade. Em todas as culturas, desde as mais indulgentes, nas quais a criança é raramente sujeita a punições, até às mais punitivas, em que a criança pode ser severamente punida por mau comportamento, há um contínuo de aceitação parental e de critérios para se definirem comportamentos que ultrapassam as fronteiras do que é aceitável (Korbin, 1987).

No entanto, a linha que separa as práticas de educação aceitáveis das não aceitáveis é muito ténue, mesmo no interior da mesma cultura. As definições legais de abuso físico assentam, na maioria dos países, em noções de disciplina "apropriada"/"inapropriada", não existindo consenso nas interpretações destes conceitos (Wolfe, 1991) que sejam facilmente traduzidas em padrões comunitários de forma a constituírem um guia. Apesar de haver países, como a Suécia, onde se considera a punição física à criança como um crime, isto não quer dizer que os suecos concordem quanto à fronteira que separa o bater da disciplina aceitável (Belsky, 1980; Haeuser, 1982).

 

Objectivos

A questão da definição do mau trato e da negligência e os problemas daí decorrentes reflectem a necessidade de se analisarem as diferenças e as comunalidades entre os vários definidores e utilizadores dos conceitos com vista à sua validação. Desta forma, este estudo representa a primeira fase de um estudo mais amplo que integra dois vectores distintos, embora interligados: a definição social destes conceitos numa amostra da população portuguesa, que integre as definições utilizadas pelas instituições, pelos técnicos e pela população (senso comum), para posteriormente se operar a sua validação científica, através da construção e estudo de um instrumento de avaliação que contenha as dimensões representacionais destes conceitos.

Mais especificamente, este estudo visou contribuir para:

· A apreensão dos significados particulares destes conceitos pela população, pelos técnicos de intervenção comunitária e pelo direito português, e a análise das diferenças e comunalidades existentes entre os diferentes definidores.

· A definição integrada dos conceitos a partir das contribuições destas três fontes de análise.

· A identificação das dimensões que organizam o pensamento do senso comum e de alguns factores associados à variabilidade desse pensamento (sexo, idade, profissão, escolaridade e experiência profissional na área da infância), assim como a distinção que estes sujeitos fazem entre mau trato e negligência.

 

Método

Sujeitos e procedimentos

Para a análise do senso comum participaram no estudo 123 sujeitos constituindo uma amostragem por conveniência. Os sujeitos, de ambos os sexos (37,4% masculino e 62,6% feminino), eram residentes na região de Lisboa. O quadro 1 apresenta a distribuição dos sujeitos por idade, escolaridade e profissão.

 

Quadro 1    Distribuição dos sujeitos por idade, escolaridade e profissão

 

 

Do total dos sujeitos, 38 (30,9%) tinham contacto profissional com crianças e 85 (69,1%) não tinham contacto profissional com crianças. Nenhum dos inquiridos estava profissionalmente relacionado com serviços de mau trato ou negligência.

Através de uma entrevista estruturada colocavam-se aos sujeitos questões relativas à sua caracterização sociodemográfica e à definição de mau trato e de negligência na educação e interacção entre pais e filhos. Tomámos o mau trato e negligência como um axioma de partida, pois as preocupações actuais de definição (por ex. McGee e Wolfe, 1991) estão centradas nas descrições, não só dos conteúdos, limites e fronteiras dos comportamentos e métodos de disciplina fisicamente abusivos — que pressupõem contacto físico —, mas começam a integrar também as descrições dos cuidados que se devem ter com as crianças e quais as fronteiras de comportamentos parentais e práticas de disciplina não física (emocional e verbal). Além disso, os objectivos e parâmetros dos métodos disciplinares não envolvem somente formas emocionais e físicas das acções/comportamentos observáveis nos pais. A parentalidade disfuncional passou também a ser vista como a ausência de métodos apropriados de estimular a criança e as omissões de comportamentos que manifestem sensibilidade, orientação e supervisão ou seja, — a negligência —, embora esta área esteja menos desenvolvida e seja menos específica do que o mau trato.

As entrevistas tiveram a duração média de dez minutos, foram gravadas e posteriormente transcritas de forma a que se pudesse efectuar a análise de conteúdo. Dado que o material a analisar foi produzido com vista à pesquisa que se propõe realizar, o corpus de análise relativo à população em geral foi constituído por todo o material recolhido nas entrevistas.

Para o estudo do senso técnico, numa primeira fase, foram contactadas entidades, no sentido de se perceber quais as instituições hospitalares e de intervenção social e judicial que poderiam participar no estudo.1 Numa segunda fase, através das instituições referenciadas, foram seleccionados para constituição do corpus de análise nove relatórios técnicos (seis de instituições hospitalares2 e três de instituições sociais)3 que continham os registos relativos a 516 crianças maltratadas e negligenciadas com idades compreendidas entre o nascimento e os 17 anos.

Para o estudo do senso legal no âmbito do direito português foram definidos como materiais de análise o Direito de Família (1995), a Organização Tutelar de Menores (1992) e o Direito Penal (1996). Dentro de cada uma destas áreas do direito foram seleccionados os decretos-leis que se referiam, quer a comportamentos parentais que levassem à intervenção judicial e penal, quer às situações de vida das crianças susceptíveis de intervenção da OTM, no total de 25 artigos, constituindo-se assim o corpus de análise do senso legal.

A técnica de base foi a análise de conteúdo, considerando-se os diferentes materiais recolhidos as unidades de contexto (entrevistas à população, relatórios técnicos e decretos-leis) a partir das quais foram retidas as unidades de registo de acordo com o critério semântico, ou seja, com as ideias subjacentes a cada uma delas, e não, a partir de critérios teóricos ou definidos a priori. A partir destes conteúdos foi elaborado um esquema de categorização integrado em subcategorias e estas em categorias (figura 1).

 

Figura 1 - Esquema do plano de análise de conteúdo

 

As unidades de registo obtidas através da análise de conteúdo das entrevistas deram origem a três tipos de tratamento de dados que visavam quatro objectivos diferentes: em primeiro lugar, obter a classificação dos conteúdos dessas unidades nas áreas de mau trato ou de negligência, de modo a distinguir os dois conceitos; em segundo lugar, distinguir diferentes categorias, recorrendo ao processo de análise conceptual de McGee e Wolfe (1991), no qual se faz, não só a distinção entre actos (mau trato) e omissões (negligência), como se diferencia no mau trato, o mau trato psicológico em que os comportamentos são verbais, do mau trato físico em que os comportamentos pressupõem contacto físico; em terceiro lugar, construir as subcategorias para inclusão no questionário de avaliação de mau trato e negligência; e, por último, operar um tratamento estatístico estrutural onde se definiam as diferentes dimensões de significado de mau trato e de negligência.

Na análise das categorias, e embora o modelo proposto por McGee e Wolfe em 1991 refira também as circunstâncias dos efeitos que os actos parentais provocam, não considerámos este aspecto no estudo. E isto porque, como é referido na revisão de literatura de Figueiredo (1998), a delimitação entre maus tratos físicos e psicológicos a partir das consequências para a criança torna-se uma questão meramente académica, já que, por vezes, os actos físicos têm consequências psicológicas, assim como os actos psicológicos têm consequências físicas e estes ocorrem simultaneamente.

Relativamente ao corpo de análise técnico, como pretendíamos observar a relevância das diferentes descrições/definições de mau trato e negligência reveladas pelos serviços na caracterização das situações, e queríamos pôr em evidência a categorização de que são objecto estes mesmos conteúdos, fizemos uma análise de conteúdo, tal como na parte anterior, recorrendo à quantificação do material recolhido através da análise de ocorrências e da análise avaliativa (Vala, 1986). O material relativo à definição jurídico-normativa foi somente submetido à categorização por juízes.

 

Resultados

Unidades de registo. Na definição de senso comum, o trabalho exploratório sobre o corpus de análise das entrevistas deu origem a 41 unidades de registo.

Na definição do senso técnico, na análise dos relatórios foram encontradas 51 unidades de registo, das quais 38 (72,6%) já tinham sido referidas pela população; 13 unidades de registo (27,4%) são diferentes.

Na definição do senso legal, dada a pouca especificidade descritiva das três áreas dodireito, da análise só foi efectuada a partir da fase das subcategorias já encontradas a partir dos outros corpus analisados.

Para obter um sistema integrado de categorização a partir das três fontes de informação utilizadas — os leigos, os técnicos e os juristas — utilizaram-se, na totalidade, 54 unidades de registo: 38 são comuns ao estudo da população e dos relatórios técnicos, 3 foram constituídas com o material recolhido exclusivamente na entrevista à população e 13 são oriundas exclusivamente dos relatórios técnicos. As 54 unidades de registo, ainda que de uma forma vaga, são referidas no material jurídico analisado

Subcategorias. O sistema de categorização foi criado com base nas características específicas do material recolhido. Desta forma foram criadas 18 subcategorias onde foram incluídas as unidades de registo observadas no estudo da população, na análise dos relatórios técnicos e material oriundo dos decretos-leis.

Este processo de inclusão foi efectuado por quatro juízes (dois psicólogos e duas psicólogas, com experiência na área educacional), para controlo da fidelidade da categorização e codificação propostas. O índice de fidelidade foi calculado dividindo o número de acordos entre juízes pelo total de categorizações efectuadas. O nível de concordância entre juízes apresenta um valor médio de 82%, variando entre 67% e 100% (anexo 1).

Categorias. Das 54 unidades de registo construídas com o material recolhido nas três análises anteriores, e partindo da distinção realizada pelos sujeitos (população e técnicos) entre mau trato, negligência, abuso sexual e trabalho infantil, classificaram-se 22 unidades de registo como mau trato (p <0,05), 24 unidades de registo como negligência (p <0,05), 2 unidades em que não há uma distinção clara entre as duas categorias, 3 unidades como abuso sexual (p <0,05), e 3 unidades como trabalho infantil (p <0,05). Desta forma, com as 18 subcategorias (ver células do quadro 3) construídas com o material recolhido nas três análises anteriores, partindo da adaptação do modelo de categorização de McGee e Wolfe (1991), criaram-se 4 categorias tendo em consideração os comportamentos e omissões parentais, obtendo-se assim uma definição integrada de mau trato e negligência: mau trato físico (3 subcategorias), em que os pais através de actos fisicamente violentos implementam métodos e técnicas de educação coercivas/punitivas, recorrem à violência e agressão física com os filhos, integrando também o consumo de álcool e de medicamentos inapropriados; mau trato psicológico (4 subcategorias), que engloba indicadores relativos ao abandono ou à relação afectiva, socialização e interacção verbal desajustada com a criança; negligência física (7 subcategorias), que diz respeito à falta de provisão nas áreas do bem-estar físico, da alimentação, higiene, saúde e falta de supervisão na área da segurança; negligência psicológica (2 subcategorias), refere-se a indicadores de falta de supervisão da vida diária e escolar da criança. O abuso sexual (1 subcategoria) e trabalho infantil (1 subcategoria) foram categorizados no mau trato físico e psicológico.

 

Quadro 2    Sistema integrado de categorização do mau trato e negligência
Fonte: adaptação do modelo de categorização de McGee e Wolfe

 

Quadro 3    Subcategorias submetidas à AFCM

 

Retidos os significados particulares de mau trato e negligência existentes nos três contextos de análise em que têm sido ancorados estes conceitos e obtida uma definição integrada destes construtos, pretende-se agora dar seguimento ao terceiro objectivo desta investigação, ou seja, a identificação das dimensões que organizam o pensamento do senso-comum e a análise de alguns factores dos sujeitos (sexo, idade, profissão, escolaridade e experiência profissional com crianças) associados à variabilidade desse pensamento.

Para se estudarem as relações entre as variáveis tomadas como independentes recorremos ao teste c2. À excepção das variáveis sexo e profissão, as restantes variáveis (idade, habilitações e contacto profissional com crianças) estão relacionadas entre si (p£0,05) o que pode conduzir a que fiquem confundidos os eventuais efeitos destas sobre as variáveis dependentes. A discussão dos resultados terá em conta esta situação.

Das dezasseis subcategorias,4. anteriormente referenciadas, as catorze enunciadas no quadro 3 foram submetidas a uma análise factorial de correspondências múltiplas.5

A AFCM extraiu quatro factores responsáveis por 47,42% da inércia total, como se pode ver no quadro 4.

 

Quadro 4    Valor próprio e percentagem de inércia dos quatro primeiros factores

 

Projectados no plano, os dois primeiros eixos, com as subcategorias que os definem e as variáveis ilustrativas que enquadram, apresentam-se na figura 2.

 

Legenda: subcategorias que contribuem para a definição dos factores: prf1, quadros médios e superiores; ct-s, contacto com crianças; supe, curso médio/superior; =< 45, 36 a 45 anos; prf2, empregados do sector público; ct-n, sem contacto com crianças; home, masculino; =>46, +46 anos; prf3, operário especializado/semiespecializado; 4cla, até à 4ª classe; mulh, feminino; prf4, trabalhadores não qualificados; 9º ano, 6º a 9º ano; =<25, até 25 anos; prf5, não activos; 12º ano, 10º a 12º ano;=<35, 26 a 35 anos.
Figura 2 - Projecção factorial dos eixos 1 e 2

 

O primeiro eixo (horizontal) engloba as subcategorias de negligência "acompanhamento da saúde", "acompanhamento escolar", "alimentação" e "aparência e bem estar físico", definindo uma dimensão que indica falhas parentais nas respostas às necessidades físicas das crianças e de desenvolvimento escolar. Ou seja, uma dimensão que simboliza áreas essenciais do acompanhamento diário e cuidados parentais para o desenvolvimento físico e intelectual das crianças.

Relativamente ao posicionamento das variáveis dos sujeitos nesta agregação, as variáveis idade, escolaridade e profissão parecem ser as mais claramente relacionadas com este factor.6 Assim, os sujeitos com idades compreendidas entre os 26 e os 35 anos, que têm um nível de escolaridade médio baixo (6.º-9.º ano) e que são empregados do sector público, são os que especificamente salientam a dimensão da negligência assim entendida.

O segundo eixo (vertical) define uma área integrada por comportamentos parentais marcadamente antinormativos como o "trabalho infantil" e o "abuso sexual" por oposição a "abandono". Assim, este factor de mau trato sugere uma dimensão em que os adultos não demonstram o mínimo grau de cuidados com a integração educativa, social e afectiva das crianças tendo em consideração as expectativas sociais actuais em relação à infância. Ou seja, uma parentalidade moral e legalmente abusiva versus abandónica.

Os sujeitos que privilegiam o primeiro pólo — trabalho infantil/abuso sexual — têm idades entre os 36 e 45 anos, têm escolaridade entre o 9.º e 12.º anos e estão inseridos profissionalmente no primeiro grupo.

Os sujeitos que privilegiam o segundo pólo deste factor — abandono — pertencem ao grupo etário dos mais velhos, têm níveis de escolaridade mais baixos e trabalham como operários especializados.

Analisemos agora os factores 3 e 4 representados na figura 3, assim como a projecção sobre eles das variáveis ilustrativas.

 

Legenda: designação das subcategorias que contribuem para a definição dos factores: prf1, quadros médios e superiores; ct-s, contacto com crianças; supe, curso médio/superior; =< 45, 36 a 45 anos; prf2, empregados do sector público; ct-n, sem contacto com crianças; home, masculino; =>46, +46 anos; prf3, operários especializados/semiespecializados; 4cla, até à 4ª classe; mulh, feminino; prf4, trabalhadores não qualificados; 9º ano, 6º a 9º ano; =<25, até 25 anos; prf5, não activos; 12º ano, 10º a 12º ano;=<35, 26 a 35 anos.
Figura 3 - Projecção factorial dos eixos 3 e 4

 

O terceiro eixo (horizontal) opõe as subcategorias "abandono" e "socialização inadequada" à subcategoria "interacção verbal agressiva", constituindo-se assim como uma dimensão de mau trato psicológico. Nesta dimensão ficam contrastados actos de abandono familiar efectivo e uma educação sociomoral em que não existe controlo, podendo levar a criança a comportamentos anti-sociais, criminais ou destrutivos para os outros e para si própria, com um padrão de interacção agressiva verbal que desvaloriza a criança. Ou seja, uma educação "selvagem versus intrusiva".

À percepção desta dimensão de mau trato psicológico na sua vertente de educação sociomoral desenquadrada estão associados os sujeitos com idades entre os 36 e os 45 anos, com habilitações e nível profissional superiores, e que têm contacto profissional com crianças. À vertente criança controlada por um padrão de interacção verbal violenta e ameaçadora estão associados os sujeitos do nível etário mais jovem, com escolaridade entre o 9.º e 12.º anos e que são operários especializados.

Por último, o quarto factor (vertical) opõe comportamentos parentais cuja socialização promove o desvio, fisicamente agressivos/coercivos e anti-normativos (filhos como fonte de trabalho) a práticas parentais de socialização em que as crianças não são inseridas num contexto educativo regular, a escola. Uma dimensão que designámos como "desvio versus anomia".

Associados ao primeiro pólo encontram-se os sujeitos com cursos superiores e quadros de empresas, enquanto ao segundo estão associados os mais velhos com escolaridade média baixa e profissões sem qualificação específica.

Em síntese, e apesar dos possíveis efeitos exercidos pelas associações que foram encontradas ao nível das diferentes variáveis independentes, parece podermos afirmar o seguinte:

Os sujeitos com idades entre os 36 e os 45 anos com formação superior, que profissionalmente exercem as suas funções como quadros de empresa e da administração pública e que têm contacto profissional com crianças, estão mais associados à definição de mau trato do que da negligência.

Em relação às dimensões de mau trato encontradas, estes sujeitos aparecem associados sobretudo à imagem do mau trato definida por comportamentos parentais e familiares considerados graves e marcadamente antinormativos como o abuso sexual, o abandono, a socialização inadequada e a coerção e punição físicas.

Os sujeitos mais velhos e mais novos, com profissões e níveis de escolaridade médios baixos estão mais associados à definição da negligência no acompanhamento diário, e quando referenciam o mau trato focalizam-se em aspectos relacionados com a relação e a interacção quotidiana dos pais com as crianças.

Ou seja, os primeiros atribuem importância a actos parentais graves e menos frequentes, enquanto os segundos estão mais associados à definição de situações de acompanhamento, supervisão e educação no dia-a-dia das crianças.

 

Conclusões

No conjunto, as análises de conteúdo realizadas fizeram sobressair algumas comunalidades e particularismos que passamos a apresentar, e forneceram algumas respostas relativamente aos problemas de definição levantados na revisão de literatura. Além disso contribuíram também para levantar alguns problemas relativamente à forma como este tema é abordado pela comunidade técnica em Portugal.

A apreensão dos significados de mau trato e negligência obtida nas três fontes de informação resultou em 18 subcategorias que se organizaram em quatro categorias distintas, obtendo-se desta forma uma definição integrada de mau trato (actos) e negligência (omissões) que integra os seguintes conteúdos:

O mau trato psicológico, definido poractos conscientes dos pais na relação afectiva e na socialização da criança que não favorecem as necessidades de desenvolvimento emocional, social e intelectual, incluindo interacções verbais agressivas, actos de abandono declarado e umasocialização inadequada através de modelos inadequados, reforço do desvio ou evitamento social.

O mau trato físico, que engloba métodos de educação coercivos/punitivos através da utilização de técnicas disciplinares (físicas) inadequadas e violentas, a agressão e violência física e o consumo de álcool e medicamentos.

A negligência psicológica, definida por omissões dos adultos em relação à supervisão na organização da vida diária e actividade escolar da criança.

A negligência física engloba a falta de supervisão em relação à segurança e falta de provisão em relação às necessidades de desenvolvimento físico da criança relacionadas com a aparência e bem-estar, higiene, alimentação e saúde.

Dado que se pretende construir um questionário que reflicta o contínuo de práticas de educação parental que são vistas como abusivas na nossa cultura, ou que ultrapassam as fronteiras do que é aceitável, e que de futuro seja aplicado pelos diferentes técnicos que avaliam e intervêm no problema, tivemos em consideração a inclusão de áreas e indicadores que, mesmo não sendo comuns aos três grupos de definidores, serviriam objectivos específicos de cada valência profissional. Estão neste caso as subcategorias "problemas de saúde" e "problemas de desenvolvimento psicomotor" definidas exclusivamente pelos técnicos de saúde, corroborando estas subcategorias os resultados obtidos por Almeida e colegas (1999).

Da análise da origem dos indicadores ressalta, por um lado, a homogeneidade entre as definições técnicas e do senso comum e, por outro, a importância atribuída pelos técnicos à negligência física na saúde e às suas consequências para a criança, dimensão e critérios que não aparecem representados nas percepções da negligência pelo senso comum.

Todas as áreas definidas foram encontradas, ainda que duma forma vaga e pouco descriminada, nos códigos do direito português que referem o problema, quer ao nível da família, quer da criança.

O facto de 38 indicadores serem comuns a todas as definições indica-nos que a variabilidade entre os definidores e diferentes contextos (cultural e institucional) de definição é pouco acentuada. A variabilidade observada (16 indicadores não comuns) pode ser facilmente justificada pelo facto de as definições servirem diferentes objectivos institucionais e de intervenção. Elas servem para definir o estatuto de dependência das crianças em relação aos adultos, servem, no âmbito do direito criminal, para definir uma acção crime para fins de prossecução, e servem também para definir os requisitos necessários a uma intervenção social ou judicial numa dada situação de mau trato ou negligência. No entanto, sendo os actores familiares os mesmos, e o acto único, se não se utilizar um instrumento que englobe uma definição conjunta, esta dispersão pode conduzir ao desfasamento nas avaliações e medidas, desfasamento que resultará da diferença de perspectiva dos diversos serviços e da descontinuidade das decisões (Epifânio e Farinha, 1987 [citados em Epifânio e Farinha, 1992]).

Relativamente ao estatuto vago que é atribuído às definições, ele foi mais notório à medida que caminhávamos na exploração dos conteúdos das definições do senso comum para os relatórios técnicos e para o direito português. Ou seja, as definições do senso comum foram aquelas que, não só apareceram duma forma mais homogénea, como se manifestaram mais precisas na distinção entre mau trato e negligência. Além disso, centram-se sobretudo nos factos e não nas causas ou nas consequências para a criança.

Relativamente aos relatórios técnicos, embora se constate homogeneidade nas definições (todos procuram definir as causas, a situação observada e as consequências) e estas sejam mais específicas (contribuem com 13 indicadores novos em relação ao senso comum), parece-nos que a questão se coloca sobretudo entre as diferentes profissões e instituições (serviço social versus médicas). As dimensões categorizadas pela área de intervenção social estão mais próximas das do senso comum. Os 38 indicadores comuns à definição técnica e da população parecem-nos advir da definição dos técnicos de serviço social e educação, enquanto que os indicadores da negligência física têm a sua origem nas definições médicas.

Duma forma geral, as definições no âmbito das instituições de intervenção social manifestam maior preocupação com as causas e descrevem as situações em relação aos limites máximos do desenvolvimento ideal das crianças. Por sua vez, os médicos preocupam-se sobretudo com as sequelas físicas observadas, ou seja, a observação das consequências dos actos parentais para as crianças.

A definição do direito, sobretudo nos aspectos da negligência e do mau trato psicológico, foi a que apresentou a noção mais vaga do problema, o que pode conduzir a imprecisões na definição de graus de perigo (direito de família e de menores). Sendo mais precisa e específica ao nível do direito penal, sobretudo na definição de mau trato físico e outro tipo de comportamentos gravemente abusivos, persiste com o problema da definição e discriminação entre a intencionalidade, acidente e poder de correcção. Dado que constitui o órgão máximo de decisão, quer ao nível da avaliação, quer da intervenção, pensamos que as normas por que se rege deveriam apresentar uma maior correspondência com o pensamento dominante (senso comum e técnicos) para, em nome do poder público, poder julgar este tipo de actos abusivos, o que, de facto, não acontece.

Ao nível da definição do senso comum, tal como Giovannoni (1989) demonstra na sua revisão de literatura, nós confirmamos também que o público em geral não só é um definidor saliente do mau trato como não se confirma a ideia de que existe uma grande tolerância em relação ao mau trato e à negligência entre a população em geral, mesmo nas classes mais desfavorecidas.

Em primeiro lugar, há a evidenciar o facto de todos os universos recenseados revelarem pouca variabilidade interna. Ou seja, considerando, quer os grupos de sujeitos, quer dentro de cada grupo, os indivíduos que os compõem recorrem a descrições semelhantes, o que indica uma partilha social de significados sobre os conceitos de mau trato e negligência.

Em segundo lugar, se tivermos em consideração o número médio de referências produzidas por cada grupo, estas também não variam muito entre os diferentes grupos.

Em terceiro lugar, no que diz respeito à saliência dos conteúdos definidos, parece podermos concluir que as categorias de mau trato são mais referenciadas do que as de negligência, sendo o mau trato físico a área mais saliente e identificadora das práticas educativas parentais abusivas. Contudo, não podemos deixar de referir que a esta definição clássica de mau trato se associa também a importância dada aos aspectos relacionais e emocionais da relação pais-filhos, ou seja, o mau trato psicológico. Aliás, este estudo é revelador da centralidade que as atitudes educacionais do quotidiano na relação e interacção pais-filhos começam a ter, contrariando a ideia de mau trato definida exclusivamente por comportamentos parentais que, embora esporádicos, são considerados pela nossa sociedade como verdadeiramente antinormativos.

Outro aspecto que nos parece relevante nesta análise é a importância atribuída pelos sujeitos, não tanto a actos que em termos sociais são definidos como marcadamente antinormativos e menos frequentes (abuso sexual, trabalho infantil, abandono), mas mais a aspectos relacionados com o acompanhamento, cuidados e relação, atitudes que fazem parte das práticas quotidianas da educação parental.

Relativamente às dimensões em que se organiza o pensamento dos sujeitos, e conforme se tinha hipotetizado, a construção das ideias sobre mau trato e negligência varia em função do nível de escolaridade, profissão e experiência profissional com crianças.

No entanto, uma orientação semelhante aos resultados obtidos por Giovanonni e Becerra (1979), em que os sujeitos com níveis educacionais e profissionais mais elevados perfilhariam uma definição baseada na falta de cuidados nos aspectos básicos de acompanhamento e de educação, enquanto que os outros deveriam atribuir mais importância às áreas mais violentamente abusivas, não se confirma.

As nossas conclusões apontam, sim, para uma clivagem entre estes dois grupos de sujeitos, mas no sentido contrário àquele que foi encontrado por aqueles autores. A definição da negligência é sobretudo partilhada pelos sujeitos com nível educacional e profissional médio baixo, enquanto a definição de mau trato é partilhada pelos sujeitos de nível educacional e profissional superior e que têm contacto profissional com crianças (professores, curadores de menores, técnicos de serviço social, etc.). Ou seja, os primeiros estão mais associados à definição de situações de falta de acompanhamento e de supervisão e a uma educação cujo problema central parece ser a ausência de uma organização do dia-a-dia da criança. Mesmo quando se associam à definição das dimensões de mau trato, focalizam-se nas áreas relacionadas com a relação e interacção pais-filhos. Os segundos, talvez porque no contexto socioeconómico e cultural em que estão inseridos, duma forma geral, as pessoas garantam o cumprimento destas questões básicas de relação, saúde, ensino, alimentação, etc., aparecem mais associados à definição de actos parentais considerados mais graves, antinormativos e intencionais. Além disso, na nossa cultura, os padrões de educação negligente parecem estar ainda, para este grupo, muito associados ao nível sócioeconómico e cultural das famílias, persistindo ainda uma certa desculpabilização/aceitação deste tipo de atitudes. Pelo contrário, os actos parentais manifestamente maltratantes, possivelmente, não só os consideraram marcadamente antinormativos, como lhes atribuem mais facilmente uma intencionalidade.

Vários problemas ainda persistem, contudo. Em Portugal (Amaro, 1986), embora as leis actuais já não se refiram ao poder de correcção, continua a existir um direito de correcção incluído no "poder dever" da educação, sendo o seu conteúdo dependente duma interpretação ampla desse direito, pois não se determinou a proibição do castigo corporal (como sucede na Suécia), nem a respectiva violação corresponde necessariamente a uma sanção.

Considerando-se a "vitimização" da criança (Brassard e outros, 1987; Garbarino e outros, 1986), ou os actos parentais, independentemente das consequências para a criança (Mash e Wolfe, 1991; Wolfe e McGee, 1994), mais importantes do que o carácter intencional dos seus comportamentos (conceito determinante, mas de difícil definição), a questão parece continuar a ser a de se saber até onde pode ir o castigo como método disciplinar, e o que se deve considerar já maus tratos. Por outro lado, hoje em dia põe-se muito em questão a linha separadora entre acidente e mau trato, dado que muitos dos "acidentes" ou agressões ditas involuntárias resultam de negligência ou mau trato (Peterson e Brown, 1994).

Um outro aspecto a referir, relativamente às definições utilizadas, prende-se com o facto de os diferentes contextos de análise do problema utilizarem categorias gerais que circunscrevem situações agrupadas (ex: nem sempre se distingue o mau trato físico do psicológico ou a negligência do mau trato físico). Dada a pouca evidência de que o mau trato é uma variável homogénea, já que existem tipos e graus diferentes de mau trato e a sua etiologia é difusa, havendo várias condições possíveis que antecedem e conduzem a resultados com graus de gravidade diferentes (Milner, 1992), então, no seguimento desta análise e com a construção de um instrumento de avaliação que contemple as diversas áreas, o julgamento poderá ser efectuado relativamente a um padrão de educação contínuo, mais do que em relação a acções ou categorias específicas.

Relativamente aos graus e tipos de perigo, em Portugal, um dos pressupostos da aplicação da medida de inibição ou redução do poder paternal é a existência de "um perigo para a segurança, a saúde, formação moral ou a educação da criança" (art. 1918.º do código civil).

Como foi possível constatar e como reconhece Duarte (1989), a definição da noção de perigo está ainda por fazer, pelo que só é possível fixar alguns critérios de delimitação, como " … tenha como limite máximo uma perigosidade", "o risco que as condições de vida do menor sofre deve ter um carácter real", e não tanto "um perigo meramente eventual", mas "não é necessário que seja particularmente grave" (cit. em BMJ 418, 1992: 298). Estas noções podem, no entanto, representar uma variabilidade enorme, quer em função das pessoas que avaliam, quer em função da criança (idade, características, nível de desenvolvimento, etc.). Dada a liberdade de apreciação, é possível que o contorno deste conceito se revele bastante flexível e difícil de precisar e de aplicar. Aliás, segundo a mesma autora, o próprio conceito de gravidade é variável em função do próprio menor, tendo, pois, de se afastar um critério puramente objectivo. Neste sentido, e dado que cada vez mais o problema é discutido interdisciplinarmente, este estudo representa um contributo para a discussão técnica na medida em que possibilita a sua aplicação por diferentes disciplinas.

Ainda em relação ao perigo, ou melhor, aos diferentes tipos de perigo, a nossa lei não distingue entre "perigo para a segurança, saúde ou formação moral" e "perigo para a educação", ao contrário do que acontece noutros países (França, por exemplo), em que a educação é a área em que judicialmente se é menos exigente, por ser mais ampla e estar mais dependente das liberdades individuais e familiares, apresentando-se o perigo para a segurança, a saúde ou a formação moral com maior objectividade (BMJ 418, 1992). Contudo, com a adopção, no nosso país, da escolaridade obrigatória até ao 9.º ano, e a não existência de curricula alternativos para crianças com insucesso escolar e ambientes familiares pouco integradores, este torna-se actualmente um dos maiores problemas de integração de crianças em risco.

 

Anexo 1

Subcategorias e unidades de registo obtidas nas três fontes de análise

(1)    Relação/ Interacção não verbal. Actos conscientes dos pais, na relação com a criança, que não favorecem as condições necessárias para o seu desenvolvimento emocional e intelectual.

    Direito português: art.º CC, 1915;  OTM, 15 (art.º referente a todas as subcategorias dado ser definido "pelos deveres para com o filho"); CP, 153.

· "esperam de mais da criança", "não reconhecem as dificuldades", "de aprendizagem", "de controlo", "que são crianças", "exigem muito", "não as levam a serviços que possam melhorar as suas condições", " não as ajudam quando estão com alguma dificuldade", etc.

    Unidades de registo: população, 62; técnicos, 5.

· "não estimulam", "não lhes ensinam a ser responsáveis", "não dão autonomia", "não põem a criança na escola", etc.

    Unidades de registo: população, 25; técnicos, 5.

· "interacções negativas", "ausência de contacto", " não gostam da criança", "são imprevisíveis", " a criança é bode expiatório", etc.

    Unidades de registo: população, 45; técnicos, 8.

(2)    Interacção verbal agressiva com a criança. Actos dos pais que incluem agressão verbal directa com a criança.

    Direito português: art.º OTM, 15; CP, 153.

· "ralham constantemente", "chamam nomes", "depreciam", "diminuem" a criança, etc.

    Unidades de registo: população, 42; técnicos, 2.

· " ameaçam verbalmente a criança", "aterrorizam-na", "metem medo", etc.

     Unidades de registo: população, 41; técnicos, 2.

· "não as deixam falar", "dar opiniões", "dar ideias", "participar nas coisas da família", etc.

    Unidades de registo: população, 18; técnicos, 2.

(3)    Abandono familiar. Actos de abandono declarado e não situações de separação em que os pais ou familiares continuam a mostrar interesse e preocupação pelas crianças.

    Direito português: art.º CC, 1913; OTM, 15; CP, 138.

· "a mãe não quer saber dela", "a mãe abandonou-a", "a mãe nunca mais aparecer", "ser entregues a instituições", "não mandarem dinheiro", etc.

    Unidades de registo: população, 11; técnicos, 4.

· "o pai não quer saber dela", "o pai abandonou-a", "o pai nunca mais aparecer", "ser entregues a instituições", "não mandarem dinheiro", etc.

    Unidades de registo: população, 11; técnicos, 4.

· "os pais morrerem e a família não querer saber", "os pais dão-se mal com os avós e estes nem conhecerem os netos", "os pais serem drogados e a família não tomar conta da situação", etc.

    Unidades de registo: população, 4; técnicos, 4.

(4)    Socialização inadequada. Actos dos adultos que não favorecem um bom desenvolvimento social da criança, através de modelos inadequados, reforço do desvio ou evitamento social.

    Direito português: art.º CC, 1885 e 1918; OTM, 13 e 15; CP, 153.

· "mandam-na roubar" "drogam-se diante dela", "incitam-na à violência", "acham piada a comportamentos de má educação", etc.

    Unidades de registo: população, 32; técnicos, 2.

· "evitam que ela conviva com outras crianças", "proíbem-na de ter relações de amizade", "acham que ela não é capaz de ter amigos", "fazem-na acreditar que ninguém gosta dela", etc.

    Unidades de registo: população 15; técnicos, 2.

· "vivem num meio familiar pouco organizado", "ambiente promíscuo", "família violenta", "observa violência", etc.

    Unidades de registo: população, 22; técnicos, 3.

(5)    Métodos de educação coercivos/ punitivos. Utilização de técnicas disciplinares (físicas) inadequadas e violentas com a intenção de educar.

    Direito português: art.º OTM, 15; CP, 153.

· " batem na criança para a educar", "perdem o controlo com o seu comportamento", "escalada de violência para endireitarem os filhos", etc.

    Unidades de registo: população, 30.

· "castigos violentos", "fechar no quarto durante muito tempo", "os pais para educarem os filhos fazem coisas muito más", "fechar a luz", "obrigar a estudar durante toda a noite", etc.

    Unidades de registo: população 48; técnicos, 1.

· " amarrar a criança a uma cadeira porque é muito irrequieta", "prendê-la a uma mesa para não lhe acontecer nada", "obrigar a ficar deitada"

    Unidades de registo: população, 8; técnicos, 1.

(6)    Agressão e violência física. Actos dos pais em que existe contacto físico violento sem a intenção de disciplinar, mas que podem pressupor uma certa intencionalidade.

    Direito português: art.º OTM, 15 e 142; CP, 153.

· "espancam a criança", "a criança ficar marcada", "sinais de dentadas", "marcas de cintos", "beliscaduras", "socos", "pontapés", "bofetões", etc.

    Unidades de registo: população, 108; técnicos, 6.

· "queimam a criança", "põem-na em água a ferver", "qiemam-na com cigarros", "aparelhos eléctricos", etc.

    Unidades de registo: população, 8; técnicos, 1.

· " puxam", "sacodem violentamente a criança", "abanam a criança"

    Unidades de registo: população, 26; técnicos, 5.

(7)    Consumo de álcool e medicamentos. Os pais dão à criança álcool e medicamentos inapropriados, ou facilitam o consumo de produtos nocivos.

    Direito português: art.º 13; OTM, 15 e 142; CP, 153 e 131.

· "consumo de álcool", "medicamentos estragados", "medicamentos inapropriados", "dar drogas", "criança beber vinho", "dar comprimidos à criança para esta dormir".

    Unidades de registo: população, 9; técnicos, 2.

· "intoxicação(ões) provocada(s)", "deixar à vista da criança medicamentos ou outros produtos nocivos de forma a que esta os venha a ingerir"

    Unidades de registo: técnicos, 2.

· "intoxicação(ões) voluntária(s)", "adulto dá medicamentos em excesso à criança"

    Unidades de registo técnicos, 2.

(8)    Alimentação. Actos dos pais em relação à alimentação, intencionais, que podem ter consequências físicas graves para a criança.

    Direito português: art.º CC, 1878; OTM, 15 e 142; CP, 153

· "privam a criança de alimentação", " passar um dia sem comer", "a criança tem fome e os pais não lhe dão de comer", etc.

    Unidades de registo: população, 22; técnicos, 4.

· "não alimentam a criança ao ponto desta adoecer", "porque não comem ter atrasos de crescimento", etc.

    Unidades de registo: população, 5; técnicos, 4.

· "apertar o nariz da criança para que ela coma", "a criança tem que engolir o vomitado", "não dar de beber propositadamente"

    Unidades de registo: população, 3.

(9)    Abuso sexual. Diferentes formas de molestação sexual. Nas crianças estas práticas, quando pagas, são consideradas abuso e não trabalho.

    Direito português: art.º 201; CP 204 e 207; OTM, 13.

· "violação sexual", " relações sexuais", " práticas sexuais aberrantes", "abuso sexual", etc.

    Unidades de registo: população, 20; técnicos, 5.

· "exploram a criança como prazer", "utilizam a criança para fins pornográficos"

    Unidades de registo: população, 2.

· "consentem que os filhos vão para a prostituição", "colocam a criança na prostituição"

    Unidades de registo: população, 6; técnicos, 3.

(10)    Trabalho infantil/mendicidade. Qualquer forma de trabalho fomentada pelos pais, remunerado ou não, mas que seja excessivo para a criança ou que a prive de frequentar a escolaridade obrigatória (9.º ano).

    Direito português: art.º OTM, 13; CP, 153.

· "colocam a criança a trabalhar fora de casa", "exercer uma actividade profissional", "trabalho infantil"

    Unidades de registo: população, 6; técnicos, 3.

· "põem a criança a tomar conta dos irmãos e não vai à escola", "realizar trabalhos excessivos", "trabalhos perigosos para a sua idade"

    Unidades de registo: população, 3; técnicos, 2.

· " mendicidade"

    Unidades de registo: população, 6; técnicos, 2.

(11)    Aparência e bem estar físico. Omissões dos pais relacionadas com a aparência e bem-estar físico da criança.

    Direito português: art.º OTM, 15.

· "não cuidam do vestuário da criança", "roupa suja", "uso de roupa pouco adequada para a época", "roupa muito grande ou muito pequena", etc.

    Unidades de registo: população, 20; técnicos, 6.

·"negligenciam a higiene de corpo da criança", "não dão banho", "aparência de suja", "raramente lavada", "mau cheiro", etc.

    Unidades de registo: população, 33; técnicos, 6.

· " negligenciam os cuidados diários", "a criança não se sentir confortável", "a criança não tem um lugar apropriado para dormir", "algumas das refeições não são completas", etc.

    Unidades de registo: população, 51; técnicos, 5.

(12)    Acompanhamento na saúde. Omissões dos pais, em que não se faz prevenção da saúde, não se têm os cuidados necessários à manutenção da saúde, ou em que a criança não é tratada quando está doente.

    Direito português: art.º CC, 1878, 885, 1918.

· "não fazem a vigilância de saúde da criança", "falta às consultas de rotina", "não aplicação de vacinas", etc.

    Unidades de registo: população, 43; técnicos, 7.

· "não tratam a criança quando está doente", "falta aos tratamentos", "falta de actuação em relação às orientações médicas"

    Unidades de registo: população, 32; técnicos, 7.

· "a criança vai a consultas médicas ou é sujeita a internamentos sucessivos de urgência", "negligência no acompanhamento da saúde adoecendo com frequência"

    Unidades de registo: técnicos, 6.

(13)    Segurança. A criança por falta de segurança sofre acidentes com sequelas de gravidade variável.

    Direito português: art.º CC, 1978.

· "não há condições de segurança necessárias", "não há protecção de pequenos acidentes", "ingestão de medicamentos que foram deixados à mão da criança", "queimaduras por falta de segurança", "fracturas ou lesões por descuido"

    Unidades de registo: população, 25; técnicos, 1.

· acidente(s) grave(s) com sequelas irreparáveis por falta de segurança, atropelamento

    Unidades de registo: técnicos, 1.

· intoxicação(ões) acidental(ais) de medicamentos ou produtos nocivos, os adultos deixaram os medicamentos acessíveis à criança

    Unidades de registo: técnicos, 1.

(14)    Acompanhamento diário da criança. Omissões dos adultos em relação à organização da vida diária da criança e nas suas actividades parentais.

    Direito português: art.º OTM, 15.

· "as crianças são deixadas ao Deus-dará", "as crianças não frequentarem o colégio e ficarem sozinhas em casa", "as crianças ficarem sozinhas durante o dia"

    Unidades de registo: população, 71; técnicos, 2.

· "não se interessam pelo que a criança faz durante o dia", "não acompanham o dia a dia da criança", "desinteresse sobre a organização da sua vida diária", "não querem saber com quem a criança anda", " não existem regras"

    Unidades de registo: população, 56; técnicos, 2.

· "não têm actividades de estimulação com a criança", "não brincam", "não fazem jogos, passeios", "a criança passa tempo exagerado ao computador, TV", etc.

    Unidades de registo: população, 35; técnicos, 2.

(15)    Acompanhamento da vida escolar. Omissões dos pais em relação à escola e actividade escolar da criança.

    Direito português: art.º CC, 1878 e 1885; OTM, 15; CP,

· " não mandam a criança à escola", "a criança falta muito à escola"

    Unidades de registo: população, 5; técnicos, 4.

"não controlam os horários", "não querem saber das notas", "não controlam as faltas", " não se preocupam com os comportamentos na escola"

    Unidades de registo: população, 33; técnicos, 1.

· "não fazem o acompanhamento da aprendizagem da criança", "dos trabalhos de casa", "do material escolar", etc.

    Unidades de registo: população, 16; técnicos, 1.

(16)    Falta de higiene/problemas de saúde. Omissões em que, por falta de higiene, podem ocorrer problemas de pele, ou em que já se observam esses problemas.

    Direito português: art.º OTM, 15.

· portadora de parasitas com frequência (com picadas no corpo)

    Unidades de registo: população, 7; técnicos, 3.

· doenças de pele provocadas por sujidade

    Unidades de registo: técnicos, 3.

· lesões cutâneas infectadas por falta de higiene

    Unidades de registo: técnicos, 3.

(17)    Problemas de desenvolvimento psico-motor. Problemas de desenvolvimento físico, sobretudo em crianças mais jovens (dos 0 aos 3/4 anos).

    Direito português: art.º CC, 1885; OTM, 15.

· défices de desenvolvimento físico/motor

    Unidades de registo: técnicos, 3.

· deficiente progresso estato-ponderal (debilidade física)

    Unidades de registo: técnicos, 4.

· falta de progressão no peso, desajustamento entre o peso esperado e o apresentado

    Unidades de registo: técnicos, 4.

(18)    Problemas de saúde. Consequências na criança que descrevem a existência de problemas de saúde já observados.

    Direito português: art.º OTM, 15.

· má nutrição

    Unidades de registo: técnicos, 6.

· intoxicações alimentares com frequência

    Unidades de registo: técnicos, 3.

· problemas de gastroenterite (diarreias), infecções respiratórias com frequência

    Unidades de registo: técnicos, 3.

Nota: Recorda-se que as fontes de análise são o direito português, entrevistas à população e relatórios técnicos. População N=123, e relatório N=9.1) art.º referente a todas as subcategorias dado ser definido "pelos deveres para com o filho".

Legenda: (CC) Código Civil; (OTM) Organização Tutelar de Menores; (CP) Código Penal.

 

 

Notas

1    Secção de Pediatria Social da Sociedade Portuguesa de Pediatria, Instituto de Apoio à Criança e Centro de Estudos Judiciários, entidades que no início da década de 90 tinham começado a sensibilizar a comunidade técnica para o problema das crianças maltratadas e negligenciadas.

2    Hospital Pediátrico de Coimbra, Serviço Pediátrico do Hospital de Vila Franca de Xira, Serviço Pediátrico do Hospital de Setúbal, Serviço Pediátrico do Hospital de Santa Maria, Hospital Infantil de São Roque, Serviço de Saúde Comunitário.

3    Centro de Estudos Judiciários, Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Projecto de Apoio à Família e Criança.

4    Embora tivessem sido obtidas 18 subcategorias, duas foram construídas exclusivamente com unidades de registo obtidas nos relatórios técnicos.

5    Utilização do programa Spad-n.

6    Uma vez que, como atrás se viu, estas variáveis se encontram correlacionadas.

 

 

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*Manuela Calheiros. Assistente de Psicologia Social no ISCTE, Departamento de Psicologia Social e das Organizações. E-mail: Maria.Calheiros@iscte.pt

**Maria Benedicta Monteiro. Professora Catedrática de Psicologia Social no ISCTE, Departamento de Psicologia Social e das Organizações. E-mail: mbbm@iscte.pt

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