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Sociologia, Problemas e Práticas

versión impresa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  n.33 Oeiras sep. 2000

 

OS NOVOS DESAFIOS EPISTEMOLÓGICOS DA SOCIOLOGIA

Jean Michel Berthelot*

 

 

Resumo Um século após a sua fundação, como é que a sociologia pensa o seu programa epistémico fundamental? Esta questão pode parecer desmesurada. No entanto, ela é legítima e urgente. Legítima, porque a reflexão sobre o estatuto epistemológico da sociologia acompanha a disciplina desde a sua origem; urgente, porque o relativismo e o cepticismo contemporâneos lhe exacerbam o alcance. O presente artigo procura dar conta de como, na última década, a sociologia tem vindo a enfrentar este desafio. Acompanha as vias do debate sobre a internacionalização e a indigenização, o relativismo e o racionalismo, e põe em evidência, nos trabalhos epistemológicos contemporâneos, uma nova linha que conjuga pluralismo e racionalismo. Longe de qualquer pretensão normativa, esta perspectiva faz questão de apreender a disciplina não como ela se idealiza, mas sim como se revela à luz do seu processo de construção histórica.

Palavras-chave Sociologia, epistemologia, pluralismo, racionalismo.

 

 

Em que ponto se encontra a sociologia?1 Esta é uma questão recorrente, nomeadamente na tradição anglo-saxónica, habituada a States of The Art periódicos. É uma questão que pode ser abordada de diversas maneiras. Pode-se dedicar interesse à situação empírica actual da sociologia, ou ao seu estatuto teórico. Pode-se querer retomar o empreendimento fundador dos grandes teóricos (Habermas, 1981; Freitag, 1986). O nosso propósito será parcialmente diferente. Interrogar-nos-emos sobre como a sociologia pensa hoje o seu programa epistémico fundamental.

Esta interrogação merece alguns esclarecimentos. Se se olhar para a história da sociologia no decurso dos últimos cem anos, torna-se claro que esta disciplina não retira a sua unidade nem de um consenso sobre o objecto, nem de um consenso sobre o método, mas do que se poderia chamar, um tanto paradoxalmente, um consenso polémico sobre o objectivo visado: elaborar um corpus de referências científicas. Esta pretensão comum constitui o terreno de um debate sobre a cientificidade, debate cuja recorrência, depois da célebre polémica sobre os métodos do século XIX, constitui talvez o traço mais específico da sociologia.

Este debate foi durante muito tempo delimitado de forma bastante clara por três posições que poderiam grosseiramente resumir-se da maneira seguinte.

1 A sociologia não pode fundar-se senão sobre uma determinação crítica do seu objecto, irredutível a uma simples fenomenologia do existente. Esta posição é ilustrada exemplarmente por Adorno, na controvérsia que o opôs a Popper em 1961 (Adorno e Popper, 1969). Liga o projecto epistémico da sociologia ao programa de uma filosofia crítica.

2 A sociologia não pode ser senão uma ciência como as outras, devendo-se admitir que, se a natureza está submetida à autoridade do princípio da causalidade, não há nenhuma razão para que a sociedade escape à sua legislação. Esta posição, inaugurada por Durkheim (1981) com a força que se conhece, encarnou-se depois nas diversas variantes do racionalismo experimental e do positivismo, por exemplo no sistema de Bourdieu (1970), o qual, na sua versão estruturo-funcionalista, ilustra um objectivo de refundação unitária da sociologia científica, com o risco recorrente de naturalismo que sem dúvida comporta.

3 A sociologia, enfim, deve aceitar ao mesmo tempo o princípio do racionalismo experimental e o princípio do pressuposto transcendental da subjectividade. Esta associação difícil mas fundamental é enunciada pela primeira vez por Weber (1904-1917, 1922) e é retomada por Schutz (1953, 1963) no seu diálogo com Hempel e Nagel (1963).

Destas três posições clássicas podem encontrar-se com facilidade múltiplos ecos nas diversas correntes de pensamento que atravessam a sociologia contemporânea. Esta, no entanto, é percorrida em simultâneo por tendências deletérias fortes que já não se inscrevem no espaço conflitual de legitimação definido do modo assinalado: é o próprio projecto epistémico da sociologia, a sua aspiração a construir um conhecimento de carácter científico - qualquer que seja o critério adoptado para definir este último - que parece ser contestado. Tudo se passa como se, cem anos depois do seu nascimento como disciplina científica autónoma, a sociologia fosse alvo de uma contestação radical do objectivo por ela visado.

Limitando voluntariamente a investigação à última década, ou pouco mais, vamos procurar ver como se estabelece este novo debate da sociologia consigo própria, a que críticas tem de responder o seu projecto fundamental e segundo que novas modalidades ele é pensado. Um primeiro tema emergirá dos diversos contextos de discussão, o tema do universalismo, sujeito a uma problematização renovada.

 

Internacionalização e indigenização: do debate político à questão epistemológica

Em 1945, refugiado nos Estados Unidos tal como muitos outros universitários europeus, Georges Gurvitch publicou, em colaboração com Wilbert E. Moore, um tratado de sociologia que permite avaliar o caminho percorrido desde então. Era uma obra efectivamente internacional; apesar da presença predominante dos maiores nomes da sociologia americana, consagrava o seu segundo tomo às sociologias nacionais, apresentadas na maioria dos casos por um dos seus membros. Mas esta abertura consciente e conhecedora às tradições nacionais aparecia a par de uma divisão temática a que era consagrado o primeiro volume. Desde essa época, duas modificações fortes afectaram o quadro então apresentado: as segmentações pertinentes do domínio da sociologia retidas na obra — a meio caminho entre as generalidades teóricas ou metodológicas e as divisões sectoriais — foram-se progressivamente confinando em especializações cada vez mais acentuadas e com frequência estanques (Collins, 1986); e sobretudo, desde a década de 80, a articulação entre as sociologias nacionais e o corpo comum da disciplina cessou de ser tida como óbvia para se tornar problemática. É a internacionalização da sociologia, cujo movimento, apesar de esboçado desde o início do século XX, se acelerou fortemente e se aprofundou a seguir à segunda guerra mundial, que é submetida a questionamento. Esta interrogação nova é ela própria produto de dois fenómenos distintos, se bem que ligados entre si. O primeiro é o da globalização, termo que designa, nomeadamente no pensamento anglo-americano (Wallerstein, Tilly), a constituição progressiva de um espaço-mundo único regido por mecanismos conjugados, funcionando através de redes multiplamente interligadas tendendo a sobrepor às diferenças culturais tradicionais um novo sistema comum de referências e de comunicação (Sztompka, 1988). O segundo é o da constituição, com as associações internacionais de sociologia, designadamente a ISA (International Sociological Association), de um espaço internacional de discussão e de debate, apoiado em larga medida em revistas como Current Sociology ou International Sociology.

A internacionalização da sociologia é objecto de um discurso novo, fortemente contrastado. Aparece aos seus defensores como uma oportunidade para a sociologia. Assente no processo de globalização que afecta o mundo moderno, constitui um verdadeiro desafio, tanto institucional como científico. Permite esperar que o projecto universalista dos fundadores da sociologia venha a encontrar enfim, na superação dos particularismos nacionais, o seu verdadeiro suporte (Sztompka, 1988; Genov, 1991). Convida os sociólogos do mundo inteiro a tomar o mundo como horizonte, a constituí-lo em espaço de referência tanto dos seus trabalhos como dos seus ensinamentos (Tiryakian, 1986). O título do Congresso Mundial de Madrid da ISA (em 1990) inscreveu-se na mesma perspectiva: Sociology for one World.

No entanto, esta linha de pensamento optimista, ou voluntarista, é obrigada a enfrentar uma oposição cuja existência importa menos do que os argumentos por ela avançados. Estes, com efeito, atacando uma internacionalização concebida como processo de dominação, levantam a questão do estatuto, não somente político mas também epistemológico, das diferenças nacionais na produção e na difusão do discurso sociológico.

O espectro de posições é evidentemente largo. No entanto, a articulação da dimensão política com a dimensão epistemológica é decisiva. É, antes de mais, a um primeiro nível que funciona uma oposição recorrente entre internacionalização e indigenização: a sociologia internacional é definida como uma sociologia ocidental que exporta para os países do terceiro-mundo modelos teóricos inadaptados, como os da modernização ou da mudança social, os quais não resistem à prova da respectiva aplicação a contextos sociais e culturais diferentes (Sanda, 1988). A indigenização, como movimento inverso, designa tanto um processo cognitivo de elaboração de modelos adaptados às situações concretas de um dado país como um processo institucional de constituição de “comunidades nacionais de ciências sociais”, autónomas e estabelecendo permutas com quaisquer outras em estrito pé de igualdade (Loubser, 1988). Internacionalização conjuga-se pois com dominação, etnocentrismo e imperialismo. Esta tese pode apoiar-se no estudo pormenorizado do sistema de produção e de troca de conhecimentos em ciências sociais e do lugar determinante que nele ocupam os autores ocidentais e, mais especificamente, americanos (Gareau, 1985, 1988).

Por detrás deste debate político joga-se, no entanto, um debate epistemológico de alcance bem mais vasto. O postulado da universalidade dos modelos teóricos em sociologia pode ser afectado de maneira diversa segundo a posição adoptada e o estatuto atribuído ao enraizamento nacional da disciplina. A polémica que opôs Jeffrey C. Alexander a Richard Münch acerca da avaliação da tradição germânica comparada com a tradição americana revela claramente que a questão não se reduz ao par internacionalização/indigenização e às suas conotações Norte/Sul, mas envolve a questão da pertinência epistemológica de se tomar em consideração o contexto societal de elaboração das abordagens teóricas. Afirmar que a definição dos paradigmas microssociológicos implica “a concepção etnocêntrica de uma sociedade constituída pelas múltiplas actividades de agentes livres e independentes” (Münch, 1995: 553) transforma a transferência e a generalização de tais paradigmas num empreendimento ilegítimo de imposição, justificando a crítica de “reducionismo” (Alexander, 1995: 544). Por trás da denúncia política de hegemonismo pode perfilar-se, directa ou indirectamente, o questionamento da própria pretensão da sociologia a elaborar um discurso universalizável.

No debate sobre a internacionalização é, de facto, e qualquer que seja a posição adoptada, a questão do universalismo que é colocada: a globalização é, para uns, o garante de uma internalização que aproxima os contextos de vida e de experiência, permitindo a realização prática do ideal dos fundadores da sociologia (Sztompka, 1988); a falência do universalismo é, para outros, um estado de facto verificado pela precariedade das teorias sociológicas (Sanda, 1988) e pela incapacidade dos investigadores das ciências sociais em constituírem comunidades científicas unidas em torno de consensos como nas ciências da natureza (Gareau, 1988). A determinação social e cultural dos conhecimentos tem de se aplicar à sociologia tal como aos outros sistemas de conhecimentos, e o mito universalista não passa finalmente de um produto da ilusão positivista de uma ciência universal (Park, 1988).

Seja qual for a pertinência destes argumentos, e mesmo que seja possível desenvolver uma posição intermédia distinguindo universalismo lógico e universalização, e registando tanto os factores favoráveis como os hostis à universalização do saber em ciências sociais (Smelser, 1991), é claro que o contexto de discussão que se reporta à internacionalização da sociologia afecta a pertinência do objectivo original desta. Mesmo se, como declara apropriadamente Bryan S. Turner (1996), no seu comentário ao debate Alexander-Münch, os conflitos entre os aspectos nacionais e universais da sociologia forem resultante necessária de uma dialéctica do local e do global, e se se incorre numa reductio ad absurdum ao querer designar-se uma sociologia pela sua origem nacional (“porque não uma sociologia da Vestefália ou da Baviera?”), fica colocada em questão a possibilidade de subsistir a pretensão da sociologia à cientificidade, isto é, a um saber cuja validade seja irredutível às suas condições de produção.

Esta questão é nova na tradição sociológica. O debate anterior não incidia sobre a legitimidade do objectivo visado, mas sobre a definição de cientificidade: seria de ligá-la ao modelo fisicalista das ciências da natureza, inscrevê-la no desenvolvimento de uma reflexão crítica ou instalá-la na especificidade de um conhecimento do homem? Ninguém pensava, fosse qual fosse a via que privilegiasse, em negar o valor de verdade da via que adoptava. Pelo contrário, submeter o conhecimento sociológico à determinação exclusiva do seu contexto de produção, é declará-lo de valor relativo. O que significa, por conseguinte, entrar num debate novo, e muito mais amplo, associado ao desenvolvimento da epistemologia pós-positivista e do movimento de reflexão pós-moderno, opondo já não universalismo e particularismo, mas, bem mais radicalmente, racionalismo e relativismo.

 

A sociologia perante o relativismo

Ao introduzir a retranscrição da mesa redonda consagrada ao problema do universalismo e do indigenismo aquando do Congresso da ISA realizado no México em 1982, Akinsola Akiwowo escrevia: “Até que ponto os esquemas conceptuais e as proposições constitutivas das principais teorias sociológicas podem ser tidos como relevando de princípios universais de explicação de toda e qualquer sociedade?” (Akiwowo, 1988: 155). Fazendo desta questão o cerne do debate entre internacionalização e indigenização, o autor retomava implicitamente uma problemática clássica da sociologia do conhecimento, a qual não é inútil evocar, menos para captar uma mudança de temática do que uma mudança de contexto.

Quer se trate da teoria marxiana da produção social das ideias, da teoria durkheimiana da sociogénese das categorias lógicas (Durkheim e Mauss, 1903; Durkheim, 1985) ou da interrogação weberiana sobre as condições de emergência do racionalismo ocidental (Weber, 1905), a sociologia reconheceu, desde as suas origens, o papel das determinações sociais na elaboração do conhecimento. Mas isso não lhe surgiu como um obstáculo ao reconhecimento, em simultâneo, da validade desse conhecimento. O materialismo histórico é, em Marx, a concepção do mundo mais capaz tanto de exprimir os interesses do proletariado como de analisar de maneira científica as configurações históricas e sociais. O pensamento científico, para Durkheim, retira a sua lógica e a sua força originais da religião, enquanto se vai desta progressivamente distinguindo pela sua exigência de controlo: “O conceito que, primitivamente, é tido por verdadeiro porque é colectivo, tende a tornar-se colectivo apenas na condição de ser tido por verdadeiro: pedimos-lhe os seus títulos antes de lhe conceder a nossa crença” (Durkheim, 1985: 624). Enraizado, segundo Schutz, no conhecimento corrente e nas suas tipificações, o conhecimento científico não deixa por isso de se desprender dos limites do hic et nunc, através do sistema de pertinência que promove (Schutz, 1953). Não se reduzindo ao estereótipo positivista, sendo pelo contrário susceptível de modulação, de acordo com a diversidade das filiações filosóficas, o universalismo racionalista continua a ser o padrão de referência comum da profissão de fé sociológica.

É este pano de fundo que, no decurso do século XX, se vê abalado, dando lugar, a pouco e pouco, a novas convicções, relativistas e cépticas. Desde o fim da segunda guerra mundial que Robert K. Merton (1945) as tinha identificado muito claramente. Merton via na complexificação das sociedades contemporâneas, no estilhaçamento dos valores e na multiplicação conflitual das referências daí resultante, o fundamento de uma perda de comunidade de sentido, de uma “desilusão traumática”, de uma “desconfiança activa e recíproca” aberta a todas as propostas de redução da validade de um enunciado aos interesses sociais que é suposto ele servir: “Não só se formam universos de pensamento diferentes, mas a existência de qualquer um deles torna-se um desafio à validade e à legitimidade dos outros” (Merton, 1945: 379). Sem ser explicitamente formulado, o conceito de incomensurabilidade está já presente, e com ele o questionamento de toda a concepção racionalista de verdade: “A ‘revolução coperniciana’ neste domínio de investigação é a hipótese de que não somente o erro, a ilusão ou a crença sem fundamento, mas mesmo a verdade, são condicionadas pela sociedade e pela história” (Merton, 1945: 381).

Se esta retrospectiva histórica se impunha, é porque a questão da internacionalização não se limita a redescobrir um debate epistemológico subjacente, mas manifesta, em simultâneo, as transformações em profundidade que nele ocorrem. O problema do enraizamento social do conhecimento muda de perspectiva e de amplitude. Já não é só objecto de análise circunscrito a um segmento particular da sociologia, por fundamental que ele seja. Torna-se um escolho para a própria disciplina, enquanto tal, e, de forma mais ampla, um obstáculo a qualquer pretensão à cientificidade. Deixa de constituir um debate no âmbito da sociologia, passando a ser, de forma bem mais alargada, uma confrontação entre filosofias, concepções do mundo, sistemas de pensamento e de valores. Como declara Raymond Boudon, perto de cinquenta anos depois de Merton: “O cepticismo, o relativismo, são deste modo promovidos ao estatuto de filosofia vulgar das sociedades modernas” (Boudon, 1995b: 240). Como é que a sociologia reage a este novo desafio, radicalmente diferente dos que presidiram à sua emergência no século XIX, quando se tratava de fazer prova da sua aptidão à cientificidade?

O relativismo contemporâneo tem fontes e formas diversas (Hollis e Lukes, 1984). Vai buscar as suas raízes filosóficas a diversas correntes que, de Nietzsche a Wittgenstein, Foucault, Derrida ou Rorty, se empenharam em desconstruir a ilusão assertórica, quer dizer, a ideia de que um enunciado sobre a realidade possa enunciar simplesmente sobre esta aquilo que pretende enunciar. Amplifica-se com a ressonância e a dramaturgia históricas carreadas por uma nova grande partilha entre modernidade e pós-modernidade, sugerindo que ao “esgotamento” do projecto da modernidade corresponderia o estilhaçamento das formas tradicionais de discurso e que aos valores lógicos viriam substituir-se os valores estéticos, éticos e políticos (Seidman e Wagner, 1992; Rosenau, 1992). Alimenta-se dos debates e das tomadas de posição que, fazendo apelo tanto à crítica ao etnocentrismo como às reivindicações de grupos minoritários, recusam o postulado weberiano da neutralidade axiológica. Proteiforme, o relativismo contemporâneo precisa de ser definido com mais precisão, sob pena de se misturar o que decorre da investigação e da crítica legítimas dos sistemas de pensamento e o que constitui uma posição preconcebida contestável. Proporemos aqui, no plano epistemológico que nos ocupa, o critério seguinte: são relativistas todas as posições que reduzem o significado de um enunciado à expressão do seu contexto singular de enunciação. É com esse relativismo epistemológico que fundamentalmente se vê confrontada a sociologia contemporânea. Que posição é por esta adoptada?

Teria sido muito surpreendente se a sociologia, tendo em conta a sua diversidade interna, tivesse ficado à margem do debate. No entanto, na medida em que seja possível apresentar uma visão panorâmica, o seu envolvimento parece ter assumido no essencial quatro formas:

- a de uma promoção do relativismo epistemológico, a partir do programa forte da sociologia da ciência, desenvolvendo de algum modo até ao limite as tendências já diagnosticadas por Merton no pós-guerra;
- a de uma emancipação relativamente aos critérios “positivistas” de cientificidade, encontrando legitimidade histórica na tradição hermenêutica, vendo no pensamento pós-moderno a ocasião de traçar novas vias de conhecimento e de escrita, mais estéticos e figurativos;
- a de uma crítica frontal ao relativismo e aos seus pressupostos;
- a de uma tentativa, enfim, de tomar em conta esta nova situação civilizacional, social e epistémica, num aprofundamento do projecto de cientificidade da sociologia.

Estas quatro formas constituem ideais-tipos weberianos. Na prática, as diferenças podem ser mais fluidas. Mas é relativamente fácil situar nesta categorização um conjunto de posições contemporâneas. Assim, Jean Braudillard é a figura emblemática de uma sociologia que se desfaz da armadura habitual da demonstração e da prova para usar recursos literários de expressão e de construção de sentido. Este estilo, no verdadeiro sentido, praticado em grande medida nas margens das disciplinas, pode procurar a sua justificação epistemológica numa crítica da razão abstracta, num regresso a uma fenomenologia do mundo vivido, numa sensibilidade desejosa de restituir a plenitude da experiência (Maffesoli, 1985, 1996). Caracteriza-se mais pelas liberdades que toma relativamente às normas de um conhecimento standard e pela sua aversão ao modelo positivista de cientificidade do que por uma rejeição relativista do projecto de conhecimento sociológico. Pelo contrário, e é a quarta forma acima localizada, certos fenómenos e certos problemas referenciados pelas correntes pós-modernistas podem ser retomados sem mobilizar a retórica destas últimas, considerada mais como um reflexo da condição pós-moderna (a mimetic representation, Bauman, 1988: 806) do que como a sua teorização sociológica. Esta far-se-á então por outras vias, re-interrogando a modernidade e o seu projecto, sem cortar por isso as amarras que a ligam à tradição sociológica (Balandier, 1988, 1994; Touraine, 1992).

Em contrapartida, o relativismo epistemológico, no sentido preciso que lhe foi dado acima, encontrou na “nova sociologia da ciência” um recurso tanto mais forte quanto esta enfrentava o próprio coração da cidadela racionalista e não hesitava em voltar contra ela as suas próprias armas: os quatro princípios do programa forte de David Bloor (1976), que reconduzem qualquer elaboração conceptual ao efeito de uma causa mecânica e qualquer superioridade de uma concepção sobre outra ao efeito de uma variável determinante, não se limitam a estabelecer um princípio metodológico de simetria entre teorias verdadeiras e falsas; suprimem simultaneamente qualquer diferença pertinente entre os dois termos do ponto de vista do conhecimento. A dissimetria entre o verdadeiro e o falso já não decorre, em última análise, do valor científico das teorias mas da força do veredicto social que repudia implacavelmente as teorias reputadas falsas, à imagem do infeliz Pouchet, vítima da sua controvérsia com Pasteur (Farley e Geison, 1974; Latour, 1989). Mais ainda, tanto o estudo histórico minucioso das controvérsias ou dos produtos científicos como a descrição meticulosa do trabalho diário dos investigadores não cessam de alargar o fosso entre a ciência tal como ela se faz e tal como ela se diz, entre a realidade da sua inscrição concreta e a idealização da sua representação normativa. A concepção segundo a qual a validade de um enunciado pode ser reduzida à especificidade das suas condições de enunciação parece, assim, graças ao programa forte e aos seus derivados, passar do estatuto de especulação filosófica ao de observação empírica. Isto, aliás, na sua versão já não estritamente mecanicista, mas construtivista (Latour, 1984), reencontra as seduções do estilo pós-modernista.

A crítica ao relativismo epistemológico é conduzida, na sociologia contemporânea, de diversos pontos de vista. Pode ser necessário relembrar, perante a diversidade dos ataques anti-ciência de que ela é objecto, que um grande número destes ataques resultam mais de uma caricatura do que de uma apreciação justa da actividade científica (Collins, 1989). Uma outra via consiste em ater-se ao próprio fundamento do argumento relativista, quer dizer à redução da validade de uma proposição ao seu contexto de enunciação. Isto implica duas denegações que o relativismo deveria ser capaz de provar: a do carácter universal dos princípios lógicos, e especificamente do princípio da não-contradição, “pedra de toque da inteligibilidade enquanto tal”; e a da possibilidade de translação bem sucedida do significado de conceitos ou de sistemas de conceitos (Archer, 1987, 1991). Apoiando-se em exemplos tirados da antropologia, Steven Lukes (1984) ou Margaret Archer chegam à conclusão que, inversamente, a universalidade dos princípios lógicos e a possibilidade de translação dos significados de um contexto para outro são condições de exercício do pensamento. Pode-se igualmente sublinhar o dilema lógico em que se envolve o relativismo, cuja posição ou é ela própria universal, o que o nega, ou é relativa, o que o nega na mesma (Berthelot, 1996)!

Numa perspectiva inscrita sobretudo na sociologia do conhecimento, Raymond Boudon relembra que, sendo a ciência ao mesmo tempo contextualizada e produtora de proposições universais, a verdadeira questão é a de saber “porque é que os partidários de cada campo se deixam persuadir por soluções absolutizantes (…) e porque é que a solução sociologista é hoje em dia dominante” (Boudon, 1994: 32). Numa espécie de inversão, simétrica à operada pela nova sociologia da ciência a propósito das práticas científicas, o autor coloca sob interrogação as razões da adesão aos pressupostos relativistas. O mecanismo da adesão reenvia para um modelo lógico evidenciado por Simmel, modelo que consiste em retirar de premissas válidas ou aceitáveis uma conclusão falsa, devido à intervenção implícita de enunciados não especificados. É o que se passa com o “trilema de Munchausen”, aduzido por Hans Albert, no qual se pretende que nenhuma proposição dedutiva pode ser fundamentada em definitivo, o que pode conduzir tanto a uma conclusão racionalista de tipo popperiano como a uma conclusão relativista. A diferença estará em critérios implícitos, os quais, para uma posição relativista, serão afinal os de que uma teoria só pode ser dita objectiva se puder ser definitivamente fundada, sendo que, em caso contrário, qualquer adesão a ela releva necessariamente da crença (Boudon, 1995a: 509-511). A escolha desta conclusão relativista em vez da conclusão racionalista terá a ver, em última análise, com o contexto global, céptico e niilista, que a torna mais credível (Boudon, 1995b).

Assim, os debates sobre a internacionalização e a indigenização, sobre o racionalismo e o relativismo, associam aspectos epistemológicos e aspectos contextuais: a tese da indigenização encontra pontos de apoio fortes na crítica ao universalismo e ao racionalismo que lhe está na base; a adesão a uma posição relativista, ao invés, vai buscar paradoxalmente argumento e credibilidade ao sucesso das próprias ciências sociais, à contribuição destas para o reconhecimento da diversidade cultural e à legitimidade que elas conferem às reivindicações de grupos minoritários ou dominados. Podemos pois perguntar-nos se, endurecendo posições, reduzindo-as a disjunções estritas, a sociologia não estará a submeter-se à sobredeterminação do seu espaço epistémico por conflitos que lhe são exteriores. Mais precisamente, não aceita ela assim uma leitura bipolar de uma realidade muito mais complexa e matizada, em que a questão central não é deitar às urtigas a finalidade inicial definida há um século mas repensá-la à luz das evoluções ulteriores? É esta, com efeito, a via que segue, nos debates precedentes, um conjunto de autores, rejeitando as oposições biunívocas a favor de um paradigma pluralista (Oommen, 1988).

 

Pluralismo e racionalismo

O termo pluralismo é por vezes associado ao de relativismo. Pode efectivamente ser assim quando o pluralismo exprime uma reivindicação defendendo a relatividade dos pontos de vista para justificar a pluralidade destes. Em contrapartida, o termo pode designar igualmente o reconhecimento - a um nível de elaboração intermédio, o das teorias e dos programas - de uma pluralidade de construções, diferentes na sua orientação específica, mas reclamando-se de uma referência comum aos princípios racionais que regem a actividade de conhecimento. Este pluralismo é uma das características fundamentais das ciências sociais. É igualmente um resultado da sua história. E, hoje, as ciências sociais devem assumir a tarefa de lhe analisar as formas e de lhe pensar os fundamentos.

Esta questão é para a sociologia, mais uma vez, relativamente nova. É uma questão que transborda as grandes oposições clássicas entre positivismo ou sociologia compreensiva, individualismo ou holismo, as quais podem aparecer como redes de malha demasiado larga que deixam passar a especificidade de abordagens significativamente distintas. Os desenvolvimentos, ao longo do século XX, de escolas e correntes que se cristalizam para melhor se distinguirem entre si mostram uma multiplicação e um pulular que alguns não hesitam em analisar em termos de “seitas” (Gareau, 1985) e que recolocam de um novo modo a questão da finalidade fundamental da sociologia. Se a hora já não é de combates fundadores, se a sociologia é uma disciplina académica instalada tendo lugar assente no mundo inteiro, poder-se-á atribuir algum crédito a uma ciência assim tão dividida e estilhaçada? Sabe-se o que a referência a Kuhn e a utilização imoderada do termo paradigma fizeram para “clarificar” esta situação: se o que caracteriza a ciência normal é a unidade paradigmática, se dois paradigmas são incomensuráveis, então a sociologia, multiplicando à vontade os paradigmas, seria, de algum modo, uma sub-ciência ao quadrado! Visão apenas ligeiramente caricatural, a crer em Giordano Busino que fala, de maneira mais comedida, de “uma ciência doente” (Busino, 1993), estigmatizando uma “comunidade sociológica fragmentada” (Busino, 1993: 10). Visão esta que poderia ir buscar argumentos à incapacidade da sociologia em dar de si própria uma face mais unificada, incluindo nos seus melhores tratados, obrigados quer a assumir essa pluralidade (Bottomore e Nisbet, 1978), quer a reduzi-la a favor de uma orientação particular (Boudon, 1992), quer, ainda, a postular-lhe a reunificação no seio de uma “matriz disciplinar única” (Wallace, 1988).

A novidade deste desafio é que ele já não confronta o projecto de cientificidade da sociologia com uma petição de princípio, mesmo se alicerçada na mais rigorosa reflexão epistemológica, como nos casos de Durkheim e de Weber, mas com uma avaliação do existente. A sociologia está a cumprir o seu contrato? As suas turbulências e as suas disputas de superfície, não passarão elas de epifenómenos mascarando avanços reais (Collins, 1989), ou constituirão divisões inultrapassáveis, comprometendo irremediavelmente o seu projecto fundamental? A dificuldade na resposta a estas questões está em que, na ausência de observadores neutros, ela envolve os autores enquanto julgadores e enquanto partes, podendo tentá-los a limitar a reflexão epistemológica à justificação da abordagem que propõem. Em vez disso, operar esse diagnóstico requer uma mudança de sistema de pertinência (Schutz, 1953) ou de nível argumentativo (Habermas, 1972): implica a passagem de um metadiscurso justificativo a um metadiscurso analítico. Este último distingue-se muito claramente de um metadiscurso de fundação, do qual diversas manifestações são facilmente identificáveis na sociologia contemporânea em autores como Giddens, Bourdieu, Freitag, Habermas, etc. O seu objecto não é produzir o fundamento teórico de explicações unitárias, resolvendo as contradições que atravessam o pensamento sociológico, mas submeter este último à análise epistemológica das suas formas constitutivas.2 A sociologia francesa recente manifesta um interesse sustentado por esta ordem de questões. As respostas que nela encontramos envolvem uma visão e uma avaliação contrastadas mas renovadas da capacidade da sociologia para estabelecer articulações entre a pluralidade de abordagens e o objectivo da cientificidade.

Num texto escrito por ocasião do aparecimento da obra de Henri Mendras, Comment Devenir Sociologue, Raymond Boudon (1996) exprime o seu desacordo relativamente ao niilismo de cátedra que percorre o livro. Vê nele mais uma expressão do cepticismo contemporâneo já denunciado anteriormente (Boudon, 1994, 1995a e 1995b). Opõe-lhe, pelo contrário, a tese de que “existe no magma das ciências sociais uma corrente científica orientada para a produção de um autêntico saber” (Boudon, 1996: 58). Essa corrente é composta por teorias de diversos níveis (A, B, C), constituindo uma arquitectura conforme às exigências de cientificidade em vigor em todas as disciplinas. No escalão inferior (A), uma teoria é um conjunto proposicional dando conta de um enigma: é uma teoria que deve preencher o duplo critério da congruência das suas proposições empíricas com todos os factos disponíveis e de aceitabilidade das suas proposições não empíricas. Satisfazem tal exigência tanto as teorias clássicas da física como um grande número de teorias sociológicas que se propõem resolver enigmas sócio-históricos ou sociológicos: porque é que, contrariamente à tese do desencanto do mundo, é nos Estados Unidos da América, o país mais moderno, que se mantém o mais alto nível de religiosidade? Porque é que os pintores holandeses do século XVII pintavam naturezas mortas em profusão? etc. (Boudon, 1996: 61). A um segundo nível (B), existem teorias que explicam fenómenos heteróclitos. Um mesmo modelo pode ser aplicado a uma série de fenómenos independentes uns dos outros: é o caso do modelo proposto por Olson para dar conta de comportamentos paradoxais ou o dos efeitos perversos para dar conta das consequências não desejadas. A um terceiro nível (C), por fim, mais perto do que se poderia chamar um paradigma, situam-se teorias de um nível mais elevado de abstracção, susceptíveis de aplicação a múltiplos casos, como a teoria da acção racional ou o funcionalismo. No próprio interior deste domínio é possível construir teorias ainda mais englobantes, como a teoria cognitivista das razões justificativas.

A avaliação proposta por Raymond Boudon converge, pois, no fundo, com a que se pode encontrar nos diversos autores que prosseguem o objectivo de cientificidade da sociologia. Tem, além do mais, o duplo interesse de tomar a forma de um balanço do existente e de pensar a pluralidade sob os auspícios de uma hierarquia de níveis de aplicação.

Se bem que de inspiração diferente, o trabalho de J.-C. Passeron (1991, 1994) permite comparações interessantes com esta concepção. A diferença resulta de uma leitura estrita do popperianismo que, excluindo a sociologia do quadro da falsificabilidade popperiana, torna nela muito problemática qualquer tentativa de cumulatividade. O núcleo da argumentação reside na diferença estabelecida por Popper entre dois tipos de universalidade: a universalidade lógica, em que uma proposição p é tida por verdadeira quaisquer que sejam as variações de condições espaciais e temporais; e a universalidade numérica, em que uma mesma proposição p só é válida num certo contexto espaciotemporal determinado. Resulta desta distinção que só os enunciados da primeira categoria “correspondem às exigências lógicas da mecânica falsificadora” (Passeron, 1991: 378) e que por definição os enunciados sociológicos pertencem à segunda categoria. Tirando sistematicamente as consequências desta situação, J.-C. Passeron renova a problemática da inscrição da sociologia nas ciências históricas. Não conclui, recusando o “dilema estéril” do tudo ou nada (Passeron, 1994: 78), pela exclusão da sociologia de qualquer espaço de cientificidade, mas sim pela constituição de um espaço de racionalidade específico, exterior aos critérios popperianos, estabelecendo os graus de severidade dos seus modos de protocolização, mas sem jamais poder pretender à culminância lógica do modus tollens.3 Este espaço de racionalidade pode ser ele próprio descrito a dois níveis: o da diversidade das teorias empíricas (T2); e o da unicidade dos princípios que as constituem, precisamente, como teorias sociológicas. Este segundo nível “transempírico”, (T1), constitui um índex, no sentido em que se pode falar em física de índex galilaico. Não é teoria sociológica, mas sim teoria do conhecimento sociológico. Define o “campo de formulação teórica” das T2 e foi à respectiva explicitação que os fundadores da sociologia consagraram o seu esforço epistemológico. O problema, a partir daí, é definir para a sociologia um referencial T1 suficientemente aberto para aceitar a diversidade de teorias T2 que a história da sociologia multiplicou, e suficientemente estrito para não aceitar uma construção qualquer, não importa qual, como teoria sociológica. Os quatro princípios definidos por J. -C. Passeron são discutíveis, nomeadamente a respeito da articulação entre o postulado da interpretação subjectiva de Weber-Schutz e o princípio durkheimiano da não transparência.4 O essencial, no entanto, parece-nos situar-se noutro plano. Reside na afirmação de que o quadro de cientificidade da sociologia não pode ser definido a priori mas tão-só como resultante de uma dupla análise, uma análise lógica das modalidades de conhecimento sociológico e uma análise histórica do que no seu seio é reconhecido valer como ciência.

Diferindo sobre o diagnóstico do regime de cientificidade da sociologia (popperiano ou não popperiano), Raymond Boudon e Jean-Claude Passeron estão próximos, em contrapartida, na concepção de uma hierarquia de níveis, a qual permite subsumir a proliferação de teorias sob a unidade de alguns grandes paradigmas (as teorias C, em Boudon), eles próprios susceptíveis de inscrição numa metateoria global (a T1 de J. -C. Passeron).

Um problema, no entanto, é ignorado pelas duas análises. Diz ele respeito à própria pluralidade das abordagens e dos quadros de análise usados pelas diversas teorias. Esta pluralidade exprime-se nas designações que a história das ciências antropossociais multiplica numa espécie de desordem permanente: funcionalismo, estruturalismo, interaccionismo, construtivismo, etc. Podendo ser considerados como teorias C na análise de Raymond Boudon, não sendo especificamente tomados em conta na análise de Jean-Claude Passeron, pode avaliar-se a importância destes quadros de análise quando se repara que eles, não só são relativamente independentes das teorias entendidas como sistemas de conceitos e conjuntos de proposições, mas são susceptíveis de induzir nelas inflexões e leituras diferentes: por exemplo, o marxismo e a psicanálise, duas “armaduras conceptuais” (Valade, 1996: 435) dominantes no século XX, puderam ser interpretados de um ponto de vista sucessivamente mecanicista, funcionalista, hermenêutico, estruturalista e até accionalista, sem que os seus termos fossem modificados. Ora, designando cada um deles programas ou conjuntos de programas de análise, esses termos tendem a definir abordagens incomensuráveis entre si, pela própria lógica de uma exposição cujo objectivo primeiro é fundar a sua pertinência na distinção face a outras. Em sentido inverso, levámos a cabo a tentativa de uma desconstrução lógica das diversas abordagens significativas em sociologia (Berthelot, 1990). Tomando como fio condutor o modelo de inteligibilidade promovido por cada abordagem, chegámos à construção de uma tabela lógica de seis esquemas, dotados das seguintes propriedades: especificidade lógica de cada esquema, identificável com uma forma lógica determinada; passagem possível de um esquema a outro, através de um jogo de traduções e de neutralizações invalidando a tese da incomensurabilidade; especificação de cada esquema em programas particulares, tendo o mesmo núcleo de inteligibilidade fundamental mas separando-se quanto a axiomas auxiliares; inscrição, enfim, destas diferentes abordagens num espaço comum mas bidimensional da prova, privilegiando num pólo a pertinência semântica e no outro a verificação empírica.

Este tipo de análise é completamente congruente com os dois antes apresentados, de Raymond Boudon e Jean-Claude Passeron: os dois critérios weberianos da adequação causal e da adequação significativa (Weber, 1904-1917, 1922) definem uma teoria científica para Raymond Boudon, podem ser inscritos, de forma algo mais matizada no que toca ao segundo, nas T1 de Jean-Claude Passeron, delimitam enfim o espaço da prova no nosso caso. A articulação, nas teorias T2 de Jean-Claude Passeron, dos diversos níveis distinguidos por Raymond Boudon é paralela ao jogo dos esquemas e da sua especificação em programas na análise que propusemos. Esta congruência, para lá das diferenças que separam os autores, permite responder à questão inicial: o pluralismo de facto que a sociologia revela não fragiliza as suas pretensões iniciais à cientificidade. Em contrapartida, coloca três problemas: o da depuração das diversas abordagens da sua ganga terminológica e da sua retórica de exposição que, com demasiada frequência, tendem a transformar os seus discursos em máquinas de guerra; o da determinação de critérios que permitam, para diversas teorias relevando de abordagens diferentes, operar um confronto regulado conducente a uma espécie de balanço cognitivo, destacando os contributos e as falhas de cada uma e incentivando a ultrapassar estas últimas; enfim, o da determinação do modo de cientificidade próprio da sociologia. Sobre este ponto, a referência popperiana estabelece uma linha de clivagem determinante entre duas apreensões do racionalismo.

Estas três questões podem resumir-se numa só, tão mais actual quanto se está em tempo de balanços: de que cumulatividade é capaz a sociologia? A resposta a esta questão exige, parece-nos, um argumento não só lógico mas histórico.

 

A dialéctica da pluralização e da redução

As tentativas para reconduzir a diversidade das construções sociológicas a uma organização lógica subjacente, trate-se de teorias, de “paradigmas”, de esquemas de análise ou de programas, chocam frequentemente com o cepticismo mais ou menos vincado da comunidade sociológica. Esta parece estar sempre em busca de novos pontos de vista pertinentes e sempre pronta a imputar ao trabalho de racionalização intenções e efeitos normalizadores. O rótulo de anarquismo metodológico dado por Feyerabend às suas posições indica como a assimilação de uma redução analítica a uma imposição arbitrária pode facilmente ser feita. O debate entre internacionalização e indigenização, qualquer outro fundamento que tenha, é igualmente uma manifestação deste mecanismo. Ora a redução analítica inscreve-se numa verdadeira dialéctica histórica em que a proliferação de novas abordagens, associadas à descoberta de novos enigmas ou problemas, engendra por sua vez processos de decantação e de filtragem, aos quais sucedem novas criações e nova fragmentação. O jogo de fertilização recíproca entre teorias A, B, C evocado por Raymond Boudon é, em simultâneo, um jogo de decantação histórica. Avançamos a tese de que o estudo deste processo, mobilizando de maneira positiva a história e a sociologia da ciência, pode concorrer de forma decisiva para a determinação do regime de cientificidade da disciplina e esclarecer as modalidades de uma cumulatividade que não pode ser do mesmo tipo do que a presente nas ciências da natureza.

A memória das disciplinas exerce-se de modo diferente consoante elas sejam constituídas ou não por teorias matematizadas. No caso das ciências físicas, por maioria de razão das matemáticas, o passado inscreve-se no presente sob a forma de tradução: a cada passo da disciplina, a linguagem mais contemporânea recupera e depura os resultados anteriores inscrevendo-os numa sistematicidade ao mesmo tempo mais ampla e mais aguda. O passado disciplinar, não na especificidade da sua historicidade — o contexto de produção do resultado —, mas na universalidade dialéctica — porque sem cessar recolocada sob análise — dos conteúdos racionais elaborados, está sempre activo no presente. Inscreve-se na linguagem, nos procedimentos de cálculo, nos instrumentos de experimentação. Incorpora-se no horizonte de trabalho actual de cada um. Nas ciências humanas, as coisas passam-se de maneira muito diferente. A língua natural que elas usam impossibilita que, na utilização deste ou daquele conceito, se leiam imediatamente os estratos sucessivos da sua elaboração histórica. Estes não resultam duma depuração lenta, de uma “percolação” (Serres, 1993), como nas matemáticas, mas do jogo indefinido das denotações e das conotações. A memória disciplinar exerce-se então, não de maneira imediata e incorporada, mas de modo disjunto, por lembranças e referências. Disso é caso exemplar a sociologia, de que se pode mostrar, em comparação com a antropologia, a história ou a economia, que é a menos sujeita a constrangimentos textuais fortes (Berthelot, 1996). Acumulação recorrente e ritual de regressos dispersos e por vezes interessados ao passado, mais numa preocupação de legitimação do que de análise, assim parece funcionar a memória sociológica, a qual importa distinguir de todo em todo da história da sociologia.

Este funcionamento da memória pode também concorrer para uma desvalorização radical da sociologia. Os positivistas estritos verão nele a marca incontestável da incoerência epistémica da disciplina. Os relativistas poderão facilmente evocar essa multiplicidade irredutível dos pontos de vista e das referências; os mais irónicos farão mesmo notar que qualquer “indigenização” constitui uma espécie de relativismo ao quadrado, pelo cruzamento de referências locais com referências internacionais, elas próprias seleccionadas segundo o jogo das áreas de influência linguísticas. A “corrente científica” evocada por Raymond Boudon para refutar o cepticismo envolvente poderá nesse sentido aparecer bem estreita e frágil.

Ora, pelo contrário, acontece que, se o funcionamento quotidiano da memória disciplinar no trabalho habitual dos sociólogos pode parecer levar água ao moinho relativista, a concretização de uma história racional da disciplina recusa-o tão fortemente quanto a análise lógica referida na parte precedente.

A história das disciplinas tem o mérito de constituir as respectivas memórias como um misto irredutível de preservação e de idealização do passado. Tem, aliás, a vantagem decisiva de reduzir a distância entre as diversas ciências, de pôr em evidência os mecanismos comuns da sua constituição, de sugerir aproximações inéditas. Assim, se as ciências matematizadas e as próprias matemáticas podem sugerir, em virtude dos seus processos de incorporação e de reescrita permanente, a ideia de um desenvolvimento linear, mesmo que quebrado por saltos que constituem mudanças de epistemologia (Bachelard, 1934) ou de paradigma (Kuhn, 1962), a sua história, ao invés, revela a textura espessa de continuidades e descontinuidades, de recorrências e reversões, de complexificações e depurações, pelas quais, pelo menos em geometria, se constrói um universal (Serres, 1993).

A sociologia é susceptível do mesmo esclarecimento pela história. Esta permite, ao mesmo tempo, complexificar cada momento, revelar-lhe as determinantes múltiplas, sociais, culturais, políticas, científicas, institucionais, até mesmo biográficas (Fournier, 1994), e captar as filiações profundas, a depuração progressiva de grandes tendências explicativas ou de grandes pontos de vista analíticos. É possível assim, cem anos depois das Règles de la Méthode Sociologique, fazer o balanço duma recepção contrastada do texto (Borlandi e Muchielli, 1996; Cuin, 1997) e localizar, através das conjunturas sucessivas da sua leitura, a libertação, relativamente à ganga terminológica do fim do século XIX que o envolvia, do programa causalista e experimentalista em sociologia (Berthelot, 1995). Três mecanismos entrelaçados, característicos da constituição da sociologia como ciência ao longo do tempo, podem assim ser identificados.

O primeiro é um mecanismo de proliferação-redução: cada conjuntura da história da sociologia aparece sempre, à leitura histórica, como de uma complexidade infinitamente maior do que aquilo de que a memória da disciplina tinha conservado traços. O grupo da Année Sociologique não é um conjunto de antigos discípulos às ordens do mestre. Junta um complexo de individualidades diferentes, inscritas é certo em redes de proximidade e transacção (Besnard, 1979), mas em que a adesão a um projecto colectivo passa pela complexidade singular das convicções e pela troca reiterada de argumentos (Vogt, 1979; Berthelot, 1995). Se a nascente sociologia alemã teve dificuldades em se constituir como disciplina autónoma devido às suas raízes intelectuais, soube rapidamente, graças à fundação da Deutsche Gesellschaft fur Soziologie, em 1909, e à instituição regular das Soziologentagen, constituir um meio de trocas particularmente rico e diversificado (Käsler, 1984). O conflito entre os “qualitativistas” da escola de Chicago e os “operacionalistas” da escola de Columbia que, entre as duas guerras, pôs em crise a American Association of Sociology, esteve longe de opor frontalmente dois departamentos rigidificados no seu antagonismo. A escola de Chicago manifestou, pelo contrário, tanto institucionalmente como cientificamente, uma preocupação permanente de abertura à diversidade dos métodos (Bulmer, 1984). Do mesmo modo, as conexões entre quadro teórico e técnica de pesquisa, com frequência reduzidas de maneira apressada a uma espécie de implicação lógica, revelam-se no plano histórico de uma complexidade bastante maior, como mostra Jennifer Platt para o funcionalismo e o inquérito standard (1986). Perante esta multiplicidade de rostos que a sociologia sempre apresenta, torna-se possível compreender o papel da redução analítica das diferenças representado pelas diversas grandes obras teóricas ou programáticas que entrelaçam a sua história. Pode defender-se a tese de que elas ocupam, estruturalmente, o mesmo lugar que as obras equivalentes nas disciplinas das ciências da natureza. O seu efeito, no entanto, é diferente. Enquanto que, nestas últimas, definem um novo patamar de abstracção e de recomposição linguística, em sociologia apenas constituem um momento de fixação e de cristalização, num processo ininterrupto de diferenciação.

O mecanismo de proliferação-redução, qualquer que seja a força das obras que, a dada altura do desenvolvimento da disciplina, entendem canalisá-lo e controlá-lo, aparece sempre, simultaneamente, como um mecanismo de redução-proliferação: a delimitação provisória do que pode contar, não como teoria privilegiada, mas como paradigma, no sentido que lhe é dado por Raymond Boudon na tipologia que propõe, não leva apenas a precisar e a fundamentar os quadros de análise de um programa existindo anteriormente em estado disperso. Torna possível ao mesmo tempo a contestação, pondo a nu os postulados em que se sustenta. Se, no seguimento de Lakatos, considerarmos que as grandes vias de análise sociológica constituem programas e se, na continuidade do que foi lembrado acima, remetermos estes para grandes esquemas analíticos, então o jogo de protecção de um programa pela cortina de hipóteses auxiliares é tanto menos eficaz em sociologia quanto o veredicto da experiência é nela mais ambíguo. Uma obra forte fixa e depura um programa. Não reduz a diversidade programática, mas desloca o palco de confrontação. Pode-se encontrar um exemplo recente no debate Coleman-Sewell sobre as relações entre os níveis micro e macro na explicação sociológica (Coleman, 1986, 1988; Sewell, 1988).

Esta persistência da pluralidade, inscrita numa verdadeira dialéctica da pluralização e da redução, pode dar de novo alimento ao relativismo se nos contentarmos em estabelecer tal constatação ou em fazer o respectivo inventário. Defendemos, em contrapartida, que essa persistência manifesta em profundidade um mecanismo de decantação a longo prazo do núcleo racional das diversas abordagens sociológicas, homólogo ao mecanismo de filtragem e de percolação de que fala Michel Serres a propósito da geometria. Através da diversidade das ocorrências singulares e da multiplicação dos terrenos de análise, por trás das oposições entre um universalismo sempre provisório e as situações inscritas na singularidade de uma história e de uma cultura, tornam-se progressivamente visíveis as articulações e as codificações conceptuais para aquém das quais já não é possível retroceder: do organicismo proliferante no século XIX ao paradigma funcional estabelecido por Merton, do causalismo ainda impregnado de metafísica de Durkheim aos modelos da análise causal moderna, do individualismo metodológico do início do século XX à sua tematização por Coleman ou Boudon, realiza-se um verdadeiro progresso de conhecimento.

É certo que este não tem a amplitude dos grandes êxitos científicos míticos. Mas não chegará para provar que, um século depois, a sociologia se ateve, pelo menos no essencial, ao seu contrato: construir um projecto de cientificidade de longa duração sujeito à verificação do real?

 

Conclusão

Esta construção é, afinal, um teste à própria cientificidade. As diversas discussões de que nos fizemos eco são por vezes marcadas pelo primado de um extremismo disjuntivo pronto a recusar a validade de uma construção ou de uma proposição em nome de um princípio implícito de tudo ou nada (Boudon, 1995a). Este princípio pode, no caso de certas reivindicações identitárias, ser instrumento de boa causa e justificar-se. Está-se então na ordem do debate político, não na da avaliação epistemológica. Esta é ao mesmo tempo mais rigorosa e mais subtil. Requer que seja delimitado o regime de conhecimento próprio de uma disciplina e que seja compreendida a dialéctica histórica da constituição do racional no seu seio. Tal como os trabalhos fundamentais em história das ciêncas de Koyré, de Bachelard, de Blanché ou de Holton não invalidaram a natureza dos conhecimentos da física clássica ao revelarem o seu pano de fundo metafísico ou simbólico, também o pluralismo recorrente da sociologia não é argumento para qualquer relativismo que seja. Precisa, pelo contrário, de ser descrito e analisado tanto pelos meios da investigação histórica como da análise lógica a fim de que seja posto em evidência o regime de cientificidade da sociologia. A oposição entre popperianismo e não-popperianismo, por mais argumentada que seja, não nos parece pertinente na medida em que postula que o popperianismo estrito constitui uma descrição satisfatória da actividade das ciências naturais, o que está longe de ser unanimemente aceite (Lakatos, 1970; Robert, 1993). Ao invés, conceber a sociologia como um esforço de descrição reflectida do mundo social, de resolução de enigmas, de elucidação de mecanismos constitutivos, de aferição de esquemas interpretativos, permite definir um vector epistemológico comum, irredutível sem dúvida a uma unificação teórica, mas suficiente para circunscrever um espaço de problematização partilhado. Aprofundar esse espaço pela depuração e pela comparação regulada dos grandes programas da sociologia, favorecer os modos de cumulatividade crítica procedendo, não por simples adição ou integração, mas por indexação clara dos resultados a referenciais confrontáveis, constituem sem dúvida tarefas comuns que cem anos de sociologia legam àqueles que, actualmente, continuam a reclamar-se do objectivo por ela visado desde início.

[Tradução de António Firmino da Costa]

 

 

Notas

1 Uma primeira versão deste artigo foi publicada, em francês, na revista Sociologie et Sociétés, XXX (1), 1998.

2 Estas contradições engendram, a par de obras de fundação, os seus próprios debates. Encontram-se disso ecos nítidos na literatura dos últimos dez anos, por exemplo a propósito dos níveis pertinentes da explicação sociológica e da relação entre micro e macro (Coleman, 1986; Sewell, 1988), ou a propósito das relações entre actores e estruturas, por exemplo no debate estabelecido ao longo dos números da Revue Suisse de Sociologie publicados entre 1992, 18 (1) e 1994, 20 (2).

3 O modus tollens, quer dizer a lei lógica segundo a qual de p®q, só a inferência ¬q®¬ q é verdadeira, é o núcleo da tese popperiana do poder exclusivamente refutativo da experiência.

4 Princípios enunciados desde Le Métier de Sociologue, de construção do objecto, de não transparência, de explicação do social pelo social, ao qual se junta um princípio de “pobreza do poder de organização sintética próprio a qualquer teoria sociológica” (Bourdieu, Chamboredon e Passeron, 1994, 1970: 115).

 

 

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* Jean Michel Berthelot. Université de Paris V, Sorbonne. LEMTAS. 12, rue Cujas. 75230 Paris, Cedex 05, France.

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