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Sociologia, Problemas e Práticas

versão impressa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  n.33 Oeiras set. 2000

 

OS NOVOS NOMES DO RACISMO: ESPECIFICAÇÃO OU INFLAÇÃO CONCEPTUAL?

Fernando Luís Machado*

 

 

Resumo Boa parte da vasta produção teórica que a sociologia e outras ciências sociais têm dedicado, nas últimas décadas, à problemática do racismo, especialmente no mundo anglo-saxónico, ao procurar dar conta das mutações de forma e conteúdo que ele sofreu desde as suas primeiras formulações e manifestações práticas, acaba por inflacioná-lo conceptualmente. Neste artigo, em que se analisa esse processo de inflação conceptual, muitas vezes associado a uma extrema ideologização e politização do conceito, tenta fazer-se, ao mesmo tempo, a especificação teórica do racismo, em cada uma daquelas que, consensualmente, se reconhece serem as suas três dimensões constitutivas: ideologia, preconceito e discriminação.

Palavras-chave Racismo, ideologia, preconceito, discriminação.

 

 

Na generalidade dos países da União Europeia, seja nos maiores e mais antigos receptores de imigrantes, seja naqueles em que a imigração é mais recente e reduzida, o racismo tem-se mantido, ao longo das duas últimas décadas, na agenda social e política, embora com expressão variável de país para país e com flutuações de intensidade.

Em alguns casos, há dele sinais bem evidentes e perigosos, como os actos de violência contra imigrantes perpetrados por grupos assumidamente racistas, ou a expressão eleitoral alcançada por partidos que assentam o seu discurso na hostilidade contra migrantes e minorias. Noutros, sem assumir esse grau de visibilidade e gravidade, o racismo não deixa de ter uma expressão social difusa, tal como a dão a perceber atitudes de preconceito e rejeição de alguns segmentos das populações autóctones, reveladas por estudos e sondagens de opinião, ou episódios mais ou menos localizados de discriminação racial em diferentes domínios da vida quotidiana.

Sendo um fenómeno de difícil delimitação e estudo, a própria imprecisão e elasticidade de muitas definições que dele vêm sendo dadas contribuem para dificultar a sua objectivação, e para facilitar a sua já de si fácil ideologização e politização. Não faltam autores a dizer que o âmbito daquilo que cabe sob a designação de racismo é muito mais amplo do que acabou de se enunciar. Uma das mais demonstrativas provas de racismo seria, por exemplo, o facto de muitos migrantes fixados nos países europeus terem uma condição social mais desfavorecida do que a média das respectivas populações receptoras; a adopção por esses países de medidas reguladoras de novas entradas seria também uma forma de racismo; e seriam ainda racistas, embora subtis, aquelas representações e discursos comuns que se limitam a constatar as diferenças culturais das populações migrantes.

No limite, por acção ou omissão, quer ao nível das interacções individuais e de grupo, quer ao nível institucional, tudo o que envolve a inserção dessas populações nas sociedades receptoras seria, em suma, marcado pelo racismo e poderia, portanto, ser equacionado e analisado nesses termos.

Quando, há mais de cinquenta anos atrás, Merton dizia que "a profecia que se cumpre por si própria" (Merton, 1968 [1949]: 515-531) explicava em grande parte a dinâmica do conflito racial e étnico nos EUA de então, ele próprio estava a profetizar sobre os efeitos potenciais de boa parte dos discursos hoje correntes sobre o tema, sobretudo nos próprios EUA, mas, a partir daí, largamente difundidos na Europa e noutras partes do mundo. Se a realidade é tão generalizadamente definida em termos raciais, incluindo pela sociologia e outras ciências sociais, ela não deixará de tornar-se racial nalgumas das suas consequências.

O objectivo deste artigo é, assim, a tentativa de especificar o conceito de racismo, analisando do mesmo passo a "inflação conceptual" (Miles, 1989: 41-68) de que ele padece. Mesmo descontando os trabalhos que parecem subordinar a construção rigorosa de um objecto de estudo a interesses de luta ideológica e política imediata, com óbvio prejuízo de conhecimento, é verdade que a própria plasticidade histórica do racismo favorece, também, essa produção de discursos inflacionados. As suas formas e gravidade variam no tempo e no espaço; têm protagonistas e grupos-alvo muito heterogéneos, grupos-alvo esses que, de resto, nem sempre são racialmente distintos, mas por vezes apenas racializados por construção ideológica e cultural, como tem acontecido com os judeus; e revelam, finalmente, uma significativa capacidade de actualização de conteúdos.

 

Racismo enquanto ideologia e preconceito

É relativamente consensual, na literatura sociológica e na de outros domínios disciplinares, que se pode falar de racismo em três dimensões distintas, mas articuladas: racismo enquanto ideologia, racismo enquanto preconceito e racismo enquanto prática de discriminação. Já quanto ao conteúdo de cada uma dessas dimensões e quanto ao modo como é equacionada a articulação entre elas o consenso é, como veremos, bastante menor.

Se só bastante mais tarde a palavra racismo surgiu e se fixou no vocabulário comum, mais precisamente na segunda e terceira décadas do século XX, é durante o século XIX, em especial na sua segunda metade, que se sistematiza, na Europa, a ideologia da hierarquização inelutável dos homens em função das pertenças raciais.1 Autores franceses como Arthur de Gobineau, que publica em 1852 um Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas, ou Georges Vacher de Lapouge, que no final do século escreve, entre outros títulos, O Ariano e o Seu Papel Social (1899), são habitualmente dados como os principais sistematizadores desse pensamento. As taxinomias raciais mais ou menos elaboradas, com a respectiva atribuição diferencial de qualidades culturais e morais, ou o temor da degenerescência das culturas ditas superiores por via da miscigenação racial são, entre outros, tópicos fixados nesses trabalhos.2

Mas a ideia de que as capacidades intelectuais e a cultura se transmitem de forma hereditária e desigual de acordo com as raças — ideia que toma como indicador principal, embora não exclusivo, a cor da pele, com o branco europeu do norte a ocupar o topo da hierarquia — é uma interpretação sobre a diversidade humana amplamente partilhada no campo intelectual e científico europeu da época, e não o produto de alguns espíritos isolados. Esta maneira de pensar, também designada por racialismo, é o resultado "de uma formidável convergência de todos os campos do saber, com inumeráveis contribuições de filósofos, teólogos, anatomistas, fisiologistas, historiadores, filólogos, mas também de escritores, poetas e viajantes", numa Europa em que, por todo o lado, há quem "se apaixone pela medição dos crânios e dos ossos, a pigmentação da pele, a cor dos olhos e dos cabelos" (Wieviorka, 1991: 27, 29).3

Esta primeira configuração ideológica do racismo, habitualmente apelidada de "racismo científico", tem o contributo, como nota ainda Wieviorka, da própria sociologia emergente. Se alguns escritos de Tocqueville e Weber sobre as relações raciais nos EUA permitem designá-los como "primeiros sociólogos do racismo", outros seguem a tendência intelectual dominante de tomar a raça como factor explicativo da cultura.

Na Sociological Society of London debate-se, em ambiente de amena polémica intelectual, o eugenismo, que Francis Galton advogava como solução prática para defender da decadência genética os mais dotados em termos raciais, mas também em termos sociais, e nos Estados Unidos o American Journal of Sociology publica, durante a primeira década do século XX, textos do mesmo Galton, bem como um capítulo do já citado livro de Vacher de Lapouge, entre outros artigos na mesma linha de autores menos conhecidos (Wieviorka, op. cit.: 28, 37).4

A relação biunívoca entre estas ideias e os contextos políticos, económicos e sociais da época é bastante evidente. Por um lado, o interesse intelectual e científico na classificação e hierarquização das raças e culturas humanas vai sendo alimentado pelo crescente contacto dos europeus com outros povos do mundo, racial e culturalmente muito diferentes de si próprios; por outro lado, o acolhimento político e a difusão social dos produtos que resultam dessa actividade intelectual são tanto mais alargados quanto legitimam a consolidação dos impérios coloniais europeus em curso e as relações de dominação que aí se fortalecem. Do mesmo modo se pode compreender a rápida adopção das ideias racialistas nos EUA, que, não certamente por acaso, virão a tornar-se mais tarde o maior exportador mundial de categorias analíticas racializadas no campo das ciências sociais, especialmente na sociologia, aspecto a que se voltará adiante.

É este racismo de base biológica, a que corresponde, de resto, o sentido originário e exclusivo da palavra, que a generalidade dos investigadores deste domínio considera estar a ser paulatinamente abandonado, nos últimos 23 anos, a favor de outras configurações ideológicas.

O enorme impacto público que, nos anos a seguir à 2.ª Guerra Mundial, teve a revelação do genocídio dos judeus pelos nazis alemães, justamente em nome de uma ideologia da superioridade e da pureza racial, é tido como o principal contexto para o declínio das explicações pela raça, tanto nos discursos mais elaborados como nos discursos comuns. Na esfera intelectual, em particular, a UNESCO contribui decisivamente para a crítica do racismo, convocando, por diversas vezes, entre o início dos anos 50 e meados dos anos 60, comissões pluridisciplinares de reputados investigadores das áreas naturais e sociais, com a incumbência de produzirem declarações conjuntas formais rejeitando, à luz do conhecimento científico, a ideia de hierarquização dos indivíduos e das culturas em função de características raciais.5

Segundo uma interpretação largamente partilhada, a nova configuração do racismo deixa cair, ou pelo menos coloca em segundo plano, a linguagem da raça, pondo em seu lugar a referência às diferenças étnicas e culturais. A tentativa de qualificar essa transição ideológica dá azo, nos anos 70 e 80 do século XX, a uma verdadeira explosão de novos conceitos, tanto nos EUA como na Europa. Racismo simbólico, racismo aversivo, racismo cultural, racismo moderno, novo racismo, racismo diferencialista, racismo latente, são todas elas categorias que procuram equacionar esse recuo das concepções mais primárias de base biológica e a sua substituição por formas mais subtis de racismo.6

Pierre-André Taguieff, um dos autores que em França mais se tem dedicado ao tema, sintetiza em quatro pontos as características desse "neo-racismo contemporâneo": passagem da raça à cultura, com a substituição da ideia de pureza racial pela de identidade cultural autêntica; da desigualdade à diferença, em que o desprezo pelos "inferiores" dá lugar à obsessão do contacto com eles; recurso a enunciados mais heterófilos do que heterófobos, ou seja, a insistência no direito à diferença da maioria face às culturas minoritárias; e uma expressão simbólica e indirecta, mais do que directa e assumida (Taguieff, 1987: 14-16; 1991: 42-43).

Ainda antes de Taguieff, outro autor francês de referência neste campo, Albert Memmi, estabelecia a distinção entre um racismo estrito, de fundamentação apenas biológica, e um racismo lato, "de geometria variável", que passa de bom grado ao lado da diferença racial, e invoca "a psicologia, a cultura, os costumes, as instituições, a própria metafísica", todas elas fornecendo "o seu contingente de escândalos" (Memmi, 1993 [1982]: 71). Em nome da clarificação terminológica, o autor propõe, de resto, que se reserve o termo racismo para os casos em que a primazia é dada às características biológicas, e o de heterofobia para os restantes (idem: 83-85).

A emergência das novas formas de racismo é relacionada, tanto em França como no Reino Unido, com um trabalho de reelaboração ideológica nos círculos da direita mais conservadora, no final dos anos 60 e nos anos 70, face à realidade da crescente imigração e da diversidade étnica a ela associada. Em França, a partir de certos clubes ou associações "de pensamento", como o Grece ou o Club de l’Horloge, e tendo como expressão política a temática da "preferência nacional" advogada pela Frente Nacional de Jean-Marie Le Pen (Taguieff, op. cit.: 49; Wieviorka, op. cit.: 90); no Reino Unido, em alguns sectores do Partido Conservador, com um discurso em tudo idêntico, já não o da hierarquia das raças, que pode até ser firmemente rejeitado, mas o de que é natural cada povo gostar de "viver entre os seus" e o de que a imigração ameaça essa homogeneidade cultural nacional (Miles, 1989: 62-63).

É assim que, nas actuais análises sobre o preconceito racial, a segunda das três dimensões do racismo atrás indicadas, se vai à procura da manifestação dessas novas faces do racismo nas representações comuns das populações ocidentais.

O estudo do preconceito, com sede privilegiada na psicologia social, constitui uma linha de investigação consistente e duradoura, que tem como referências clássicas a investigação de John Dollard, Caste and Class in a Southern Town, de 1937, a pesquisa dirigida por Theodor Adorno, intitulada The Authoritarian Personality, publicada em 1950, e de Gordon Allport, The Nature of Prejudice, de 1954, todas elas nos EUA. Hoje em dia, são as investigações dirigidas ou inspiradas por Thomas Pettigrew, também norte-americano, e cujos primeiros trabalhos remontam ainda aos anos 50, alguns em colaboração com Allport, que marcam a agenda de pesquisa deste campo.

Para efeitos de operacionalização de conceitos e investigação empírica, agora no contexto europeu, Pettigrew introduz a distinção entre racismo flagrante e racismo subtil, o primeiro designando a configuração tradicional de base biológica, o segundo com o objectivo de sintetizar num novo conceito o conjunto já mencionado de designações entretanto propostas para captar os novos sentidos da ideologia racista (Pettigrew e Meertens, 1993; Meertens e Pettigrew, 1999; Pettigrew, 1999). Essa distinção, bem como os procedimentos de pesquisa adoptados por Pettigrew, são retomados por Vala, Brito e Lopes (1999), no estudo que, como foi dito, inaugura a investigação empírica sistemática sobre racismo no Portugal de hoje.

O pressuposto destes autores é o de que o senso comum, no contexto do abandono da ideia de raça tanto pelo discurso científico como pelos discursos políticos e institucionais, vem deslocando "a construção de teorias sociais sobre os grupos humanos, e as consequentes formas de categorização racial, de ideias sobre a raça para ideias sobre as diferenças culturais e étnicas". A ideia de raça não foi propriamente abandonada nos discursos quotidianos, dizem, mas "hoje é mais fácil exprimir diferenças culturais do que diferenças raciais", já que a expressão de diferenças culturais não desafia abertamente a "norma social da indesejabilidade do racismo" (Vala, Brito e Lopes, op. cit. 141, 73).

O racismo é, então, definido como uma "configuração multidimensional de crenças, emoções e orientações comportamentais", alinhadas em dois eixos estruturantes, um relativo à diferenciação e inferiorização racial e outro relativo à diferenciação e inferiorização cultural. Os resultados obtidos nos vários países onde o estudo foi realizado mostram que a expressão de preconceitos se faz hoje mais pela negação de traços positivos do que pela atribuição de traços negativos a um grupo-alvo, ou seja, são atribuídos mais traços positivos ao endogrupo do que ao exogrupo (favoritismo endogrupal), mas não necessariamente mais traços negativos ao exogrupo do que ao endogrupo (derrogação exogrupal). Em suma, em todas as amostras inquiridas, incluindo a portuguesa, a adesão ao racismo subtil é maior do que a adesão ao racismo flagrante, não deixando os dois, no entanto, de estar muito correlacionados (idem: 14-15, 77, 171-195).

É justamente a propósito dos resultados deste estudo comparativo, e na medida em que ele tem o mérito de as colocar no terreno empírico, que importa fazer um primeiro conjunto de comentários quanto às novas definições de racismo e aos riscos de inflação conceptual a elas associados.

É verdade que o preconceito racista, como outras formas de preconceito, tem uma grande maleabilidade e criatividade. A alquimia moral de que falava Merton, pela qual o "intragrupo transforma facilmente a virtude em vício e o vício em virtude, conforme as necessidades de ocasião" (op. cit.: 522), significa justamente que os preconceituosos se agarram ao que for preciso para visarem o grupo tomado como alvo. É nesse mesmo sentido que Sartre, no ensaio que dedicou ao anti-semitismo, dizia que "se o judeu não existisse, o anti-semita inventá-lo-ia" (Sartre, 1999 [1954]: 14).

Mas, dito isto, deve perguntar-se se é ainda de racismo que se trata quando os membros de uma população maioritária se referem mais positivamente à sua cultura do que à de determinada minoria, quando não chegam sequer a qualificar negativamente essa minoria, limitando-se a considerar os seus próprios traços culturais preferíveis face aos dela. A ser assim, deixaria de haver qualquer diferença entre racismo e etnocentrismo.

Ora, a fusão dos dois conceitos está longe de ser consensual. Claude Lévi-Strauss, por exemplo, opõe-se firmemente a essa possibilidade, dizendo que não se pode confundir o racismo, doutrina falsa que "pretende ver nas características intelectuais e morais atribuídas a um conjunto de indivíduos (…) o efeito necessário de um património genético comum", com a atitude de indivíduos ou grupos cuja fidelidade a certos valores os torna parcial ou totalmente insensíveis a outros valores". Essa "incomunicabilidade relativa não autoriza naturalmente a opressão ou destruição dos valores que se rejeita e dos seus representantes, mas, mantida nesses limites, nada tem de revoltante" (1983: 15).7

Confrontado com o mesmo problema, João de Pina-Cabral não manifesta tal oposição. Dado que, nas novas formas de preconceito, as características fenotípicas representam apenas um entre vários factores de classificação, seria preferível adoptar, em vez de racismo, "expressões mais abrangentes do género de ‘etnocentrismo’ ou ‘discriminação e preconceito étnico’". O conceito de racismo, segundo o autor, põe uma ênfase excessiva na diferenciação fenotípica como princípio classificatório dominante, o que, se é verdade "em contextos radicados na tradição anglo-americana", não o é em tantos outros contextos a nível mundial, "onde o preconceito e a discriminação também grassam, incluindo os lusófonos" (1998: 24). Uma terceira posição, distinta de qualquer das anteriores, é a daqueles que falam de "etnicismo" para designar essas novas formas de preconceito, não deixando, contudo, de o incluir num conceito alargado de racismo (Essed, 1991: 287-288; Dijk, 1993: 5, 23).

Sem negar que há uma faixa de sobreposição entre os dois fenómenos, e não entrando aqui na discussão aprofundada do problema, pode, de qualquer modo, dizer-se que a fusão do etnocentrismo e do racismo, ou a substituição do segundo conceito pelo primeiro, é precipitada. Se isso permite dar conta daquilo que os dois têm em comum, perde-se de vista o que eles têm de diferente, e que justificou a evolução autónoma dos dois conceitos. Não será também por mera inovação terminológica, seja o referido "etnicismo" ou ainda "etnismo" ou "etismo", que a questão se resolverá.8

Considerar a autovalorização cultural de um determinado grupo maioritário como uma forma de racismo torna-se ainda mais discutível quando se tem em conta o tipo de indicadores utilizados para a sua "medição" empírica. A operacionalização proposta por Pettigrew, e seguida em Portugal por Vala, Brito e Lopes, inclui na "escala de racismo subtil" itens que só por extrema ampliação do conceito se podem considerar indicadores de preconceito racial.

Assim, às perguntas sobre se a religião, a língua, ou mesmo os valores incutidos aos filhos por determinada minoria (no caso do estudo português, "os negros"), são muito semelhantes ou muito diferentes dos da população maioritária (Pettigrew et al., 1993: 112-113; Meertens e Pettigrew, 1999: 28-29; Vala, Brito e Lopes, 1999: 176), quando essa diferença é uma questão factual, as respostas obtidas, quaisquer que sejam, não podem tomar-se como sinónimo de preconceito, mas apenas como indicativas de conhecimento ou desconhecimento de factos objectivos. Perguntar, por outro lado, com que frequência se sente simpatia ou admiração por essa mesma minoria também não parece uma boa maneira de medir preconceitos. Se a manifestação de antipatia para com uma minoria globalmente considerada poderá ser sinal de racismo, já não é aceitável dizer-se que só não há racismo se forem expressas, de forma igualmente global, simpatia e admiração frequentes face a ela.

Pettigrew e Meertens não deixam de reconhecer a limitação destes indicadores, afirmando que "os turcos e os norte-africanos, por exemplo, têm uma religião e falam uma língua realmente diferentes das da maior parte dos europeus". O contra-argumento segundo o qual, apesar disso, "os sujeitos que obtêm valores mais altos na escala do racismo subtil consideram sistematicamente essas diferenças como sendo maiores do que as reconhecidas pelos outros sujeitos", o que, portanto, validaria esses indicadores, não é convincente (1993: 113-114). Deste modo, quando os mesmos autores se questionam, no título de um dos trabalhos já citados, se "Será o racismo subtil mesmo racismo?" (1999: 11-29), não se pode deixar de manifestar reservas perante a resposta positiva inequívoca a que chegam, tendo em conta a operacionalização e os indicadores usados.

O mesmo problema de inflação conceptual do racismo, na sua dimensão representacional, pode encontrar-se, numa modalidade ainda mais flagrante, dir-se-ia, nos trabalhos de outro autor contemporâneo influente neste domínio, o holandês Teun van Dijk (1987, 1993). Dijk parte do pressuposto, que partilha com muitos outros autores, e que será questionado mais à frente, de que, tanto os EUA como os países europeus ocidentais receptores de imigrantes constituem, acima de tudo, sociedades de dominação racial, em que um grupo maioritário branco domina, a todos os níveis da existência colectiva, uma ou mais minorias étnicas e raciais totalmente subordinadas.

Nesse quadro, o preconceito "não é apenas uma atitude individual de certas pessoas (preconceituosas), mas uma forma de cognição social estruturalmente fundada" (Dijk, 1987: 391), destinada a legitimar essas relações de dominação global, e que conhece uma reprodução alargada através de todo o tipo de discursos. Estruturas de poder e dominação, cognição social e discurso constituem, por outras palavras, o modelo articulado que o autor adopta para analisar o racismo. Tanto o racismo flagrante como o subtil, este último reconhecido também como a sua forma predominante, permeiam, em sentido descendente, "todos os níveis sociais e pessoais das nossas sociedades: desde as decisões, acções e discursos dos corpos legislativos e governamentais, passando pelos de várias instituições, na educação, investigação, media, saúde, polícia, tribunais e agências sociais, até à conversação, pensamento e interacção quotidianos" (idem: 15).

A comunicação pública e interpessoal dos preconceitos racistas — é esse o objecto empírico do autor —, faz-se através de uma multiplicidade de discursos correntes no seio da maioria dominante branca, discursos que servem para reproduzir esses preconceitos.9 Inclui aí a conversação entre pais e filhos; entre vizinhos, amigos e nos grupos de pares; em filmes e programas de televisão, romances e noticiários, propaganda política e relatórios de investigação académicos. Fundamental em todos esses discursos, "embora cuidadosamente implícito, é o par escondido superioridade/inferioridade" (idem: 384, 386).

No segundo dos trabalhos citados, Dijk desenvolve largamente a ideia, sugerida já no primeiro estudo, segundo a qual os conteúdos da conversação corrente entre os membros comuns das maiorias brancas acerca das minorias invocam, em grande medida, discursos institucionais produzidos e postos a circular a partir de patamares mais elevados na estrutura social, e que funcionam como legitimação desses conteúdos. São, concretamente, as elites políticas, educativas, universitárias, empresariais e dos media, quem contribui para a reprodução do preconceito, pré-formulando persuasivamente o consenso dominante em matéria étnica e as formas populares de racismo. Diz ainda o autor que, circunscrevendo o racismo às ideologias e práticas explícitas, intencionais e flagrantes da extrema-direita, essas elites adoptam "uma definição de racismo que convenientemente as exclui como parte do problema" (1993: 8-9).

Particularmente visadas por Dijk são as chamadas elites académicas. No primeiro estudo já afirmava que, hoje em dia, e de forma muito mais subtil e indirecta do que no passado, são "pressupostos e objectivos racistas que inspiram muito do trabalho académico (de brancos) sobre grupos étnicos e relações raciais, com a negação, por exemplo, da natureza estrutural do racismo nas nossas sociedades" (1987: 15). No estudo subsequente, analisa, como alegada prova da reprodução universitária de discursos racistas, diferentes manuais de sociologia em língua inglesa, entre os quais o conhecido Sociology de Giddens, sobre o qual diz "ter uma perspectiva branca e não sublinhar nem analisar suficientemente o papel da dominação étnica europeia, da desigualdade e do racismo nas relações étnicas (1993: 177)."10

Perante definições e operacionalizações com esta latitude, especialmente no caso de Dijk, mas também no de Pettigrew, só pode concluir-se que o racismo enquanto preconceito é uma fatalidade, ou seja, não pode não haver preconceitos racistas. Mais do que ser conceptualmente especificado, o racismo é aqui objecto de generalização conceptual, a um ponto em que toda a representação simbólica da distintividade étnica e racial — desde o seu mero reconhecimento de facto, passando pelos estereótipos mais ou menos inócuos que sobre ela se produzem, até às expressões mais explícitas e agressivas contra ela —, é virtualmente sinónimo de preconceito. O preconceito seria, assim, tão inevitável quanto o é, no próprio funcionamento cognitivo humano, a produção de estereótipos, como forma de reduzir a imensa variedade de informação social relativa a grupos sociais (Garcia-Marques, 1999: 130-131).

No caso particular de van Dijk, há, além do mais, um modelo circular e fechado de análise do racismo, que em si mesmo coloca as perguntas e dá as respostas, limitando-se a pesquisa empírica a confirmá-las. Se o racismo, como diz o autor, é estrutural e atravessa todas as instâncias institucionais e pessoais na sociedade, então ele estará em todos os pensamentos e em todos os discursos. Como em todos os discursos há preconceitos raciais, e empiricamente consegue encontrá-los por mais escondidos que estejam, então o racismo é estrutural.

Outra questão suscitada pelas formulações de Pettigrew e Dijk é a que tem a ver com o significado atribuído ao declínio do chamado racismo flagrante. Preocupados em identificar e classificar as formas mais subtis e ocultas do racismo contemporâneo, os autores citados, e muitos outros, parecem subavaliar a importância que tem a contenção social das formas mais primárias de racismo do ponto vista do seu combate, ou, se se quiser, do ponto de vista do chamado anti-racismo.11

Entre o racismo flagrante e o subtil há, segundo estas interpretações, uma diferença de natureza, mas não de grau. No entanto, não será o racismo subtil menos racista do que o flagrante? A sanção social externa e a autocontenção a que está submetido o racismo flagrante não significam, justamente, que a expressão do racismo é menor do que naqueles contextos históricos em que, tanto as representações como as práticas racistas tinham ou têm pouca ou nenhuma contenção e penalização social?

Apesar da definição tão lata que adopta, é o próprio Pettigrew e, em sintonia com ele, Vala, Brito e Lopes, quem chama a atenção para o carácter antinormativo do racismo nas sociedades ocidentais contemporâneas, ou melhor, para a normatividade social anti-racista que hoje caracteriza essas sociedades. O grau de enraizamento social da norma anti-racista é atestado pela própria ideia de racismo subtil, já que, de acordo com os autores, ele torna-se subtil justamente para não contrariar essa norma, o que não deixa de mostrar quão efectiva ela é. Pettigrew chega mesmo a distinguir "igualitários", "racistas subtis" e "fanáticos" (ou racistas flagrantes), de acordo com a influência social obtida por essa norma: os "igualitários" internalizam-na completamente, os subtis acatam-na ou conformam-se com ela, embora não deixem de exprimir preconceitos não flagrantes, e os "fanáticos" desafiam-na activa e publicamente (Pettigrew e Meertens, 1993: 122-126; Vala, Brito e Lopes, op. cit.: 170-174).

Ora, se é importante investigar que "mecanismos psico-sociológicos alimentam o racismo em contextos sociais em que este é antinormativo, e que expressões subtis, não antinormativas, assume hoje o racismo" (Vala et al., idem: 18), não será menos importante sublinhar que há aqui uma diferença de natureza, mas também de grau, por comparação com os contextos em que o racismo não era ou não é antinormativo. Como notava Fontette, já há bastante tempo, "o verdadeiro racista não tem vergonha" e a "célebre fórmula ‘eu não sou racista, mas’ é susceptível de várias interpretações, a menos desfavorável das quais é a de que aquele que a pronuncia revela, por isso mesmo, sentimentos de que se envergonha e que não ousa manifestar enquanto tais" (Fontette, 1981: 122).

No entanto, Teun van Dijk e outros autores desvalorizam largamente os valores e as normas que, no quadro das culturas ocidentais contemporâneas, condenam firmemente o racismo. Referindo-se a esta questão, Dijk diz que, de acordo com os resultados das suas pesquisas, as pessoas em geral não aprenderam a contradizer o pensamento racista e raramente o contradizem, ao passo que os media não fornecem contra-informação que possa ser usada para o combater. Esses valores e normas gerais poderão ser, quando muito, "inconsistentes com o racismo", mas o que realmente sobressai é que "uma das mais notáveis propriedades de uma sociedade racista é que ela não é anti-racista" (Dijk, 1987: 394).

Na mesma linha, Philomena Essed, autora, tal como Dijk, de pesquisas comparativas entre a Holanda e os EUA, mas cujos resultados considera serem válidos para outras sociedades "dominadas por brancos", afirma que o valor da tolerância, tido pela sociedade holandesa como um dos seus traços culturais mais marcantes, é problemático quando aplicado a relações hierárquicas entre grupos.12 A tolerância, diz, "pressupõe que um grupo tem o poder de ser tolerante e que os outros terão de esperar para ver se vão ser rejeitados ou tolerados. Por isso, a tolerância cultural é, essencialmente, uma forma de controlo cultural" (1991: viii, 210-211).

Posição do mesmo tipo é, ainda, a de Ponterotto e Pedersen, para quem as modernas formas de racismo subtil prevalecem mesmo entre aqueles norte-americanos que "possuem valores fortemente igualitários, simpatizam com as vítimas de injustiças passadas, apoiam políticas de promoção da igualdade racial e se vêem a si próprios como não preconceituosos e como não tendo práticas discriminatórias (op. cit.: 17).

Neste ponto já não estamos só perante um problema de generalização do conceito de racismo a uma escala que o deixa praticamente sem préstimo, em que tudo se igualiza, desde o preconceito racista mais flagrante até ao valor da tolerância e o apoio a políticas de igualdade racial. Mais do que isso, há aqui meras posições de princípio, em que parece já não interessar muito a constituição do racismo enquanto objecto de reflexão e pesquisa sociológica, mas, antes disso, ou até em vez disso, constituí-lo em campo de luta ideológica e política, a partir do mundo académico. Declarar, por princípio, que tudo é racismo tem exactamente o mesmo valor, neste quadro, que declarar, também por princípio, exactamente o contrário.

O modo como é interpretada a relação inversamente proporcional entre escolaridade e preconceito, habitualmente confirmada pela pesquisa empírica, ilustra bem essa posição. Mais do que realçar a importância da escolaridade na redução de estereótipos e preconceitos, prefere-se defender que ela proporciona mais consciência das subtilezas das normas e valores prevalecentes, e que os mais escolarizados, quando os contextos o favorecem, são pouco menos racistas, nas ideias e nas práticas, do que as outras pessoas (Dijk, 1987: 394).13

A discussão sobre os contornos conceptuais do racismo, enquanto fenómeno representacional, não poderia completar-se sem referência ao conceito de racialização, de uso corrente na sociologia de língua inglesa. Aquele que é o seu principal proponente actual, Robert Miles, distingue-o inequivocamente, por um lado, de racismo e, por outro lado, de racismo institucional, conceito que será comentado adiante e que, também no mundo anglo-saxónico, é habitualmente tido como alternativa vantajosa ao de discriminação racial.

Fala-se de racialização para designar o processo simbólico que consiste na atribuição de "significado social a certas características biológicas (normalmente fenotípicas), na base das quais aqueles que delas são portadores são designados como uma colectividade distinta" (Miles, 1989: 74). Trata-se, por outras palavras, de um processo de categorização social a partir de traços de distintividade racial de determinadas populações, e que se traduz na utilização generalizada da noção de raça para mencionar ou descrever essas populações, mesmo em casos em que a diferença fenotípica é apenas imaginada (Miles, 1996: 306-307).

O que, para o autor, distingue racialização de racismo é que o racismo é um caso particular de racialização, envolvendo uma avaliação explicitamente negativa de categorias imutavelmente definidas em termos biológicos ou culturais.14 Essa avaliação negativa não está, no entanto, necessariamente presente em todos os processos de categorização racial. Em muitos discursos contemporâneos nos EUA e na Europa, diz ainda Miles, e no caso europeu estará certamente a referir-se mais ao Reino Unido do que a qualquer outro país, "categorias como ‘branco’ e ‘preto’ são utilizadas para etiquetar indivíduos e, por consequência, para constituir grupos, mas frequentemente na ausência formal do discurso da ‘raça’" (1989: 75, 79).

Trata-se, pode dizer-se, de um conceito largamente tributário da perspectiva weberiana sobre a orientação subjectiva da acção social e a constituição, por essa via, de identidades colectivas. Era, de resto, em termos muito próximos destes que o próprio Weber se referia já ao significado da "pertença racial", dizendo que ela "não conduz a uma ‘comunidade’ a não ser que seja sentida subjectivamente como uma característica comum" (1995 [1922]: 124). Foi também para evidenciar como a distintividade racial se torna objecto de categorização social que Roger Bastide chegou a propor a noção de "raças sociológicas" e sublinhou a sua grande variabilidade entre países e contextos históricos. Justamente por as pertenças raciais serem construídas socialmente é que um mulato claro é definido como branco no Brasil e como negro nos EUA (Bastide, 1973: 34).

Se a racialização, nos termos estritos em que Miles a define, não é, com efeito, sinónimo de racismo, coloca-se a questão de saber se a fronteira que separa uma e outro não será, no entanto, mais difusa do que a definição deixa crer, e se não se passará facilmente da categorização racial meramente descritiva para a constituição de estereótipos e preconceitos raciais propriamente ditos.

Tomando, desde logo, a interacção social quotidiana entre indivíduos racialmente diferenciados, pode dizer-se que ela dá lugar a um processo cruzado de categorização, fundado na própria visibilidade imediata dessa diferença, que não implica, de facto, necessariamente preconceitos raciais. Sendo certo que em todas as situações de interacção as pessoas envolvidas procedem a uma categorização automática do visível, nos casos em que essas pessoas são fenotipicamente diferentes, essa mesma diferença fenotípica sobrepor-se-á, muitas vezes, enquanto critério de classificação, a todas as outras características distintivas igualmente apreensíveis a olho nu, como, por exemplo, o sexo ou a idade. A cor da pele, em particular, sendo o mais visível de todos os traços fenotípicos, e o que se oferece de maneira mais directa e inquestionável à percepção de um observador comum, constitui-se facilmente em principal critério de categorização social.

Não deve esquecer-se, no entanto, que, no curso dessas práticas classificatórias automáticas e recíprocas, se pode transformar facilmente uma característica entre muitas outras daqueles que são observados, como seja a cor da pele, em eixo organizador da própria prática de observação, deixando a categorização racial de ter uma função apenas descritiva, para passar a ser um princípio de explicação de tudo o que se observa, e abrindo caminho, portanto, à formação de estereótipos e preconceitos raciais.

Mais do que das interacções informais quotidianas é, contudo, da racialização produzida em sede institucional que advêm os maiores contributos para que a fronteira ténue entre a mera categorização racial e o preconceito seja transposta. Particularmente nos EUA e na Inglaterra, e não é por acaso que o conceito em análise é daí oriundo, há múltiplas instâncias institucionais de racialização, fortemente articuladas entre si, que constituem um poderoso factor de estruturação do pensamento e dos discursos comuns a este respeito.15

Entre os lugares permanentes de produção institucional de categorias e discursos racializados contam-se: o campo político, tanto do lado das autoridades governativas a todos os níveis de decisão, como do lado do associativismo e da acção colectiva das minorias étnicas e raciais; o campo jurídico, particularmente o legislativo; os aparelhos estatísticos oficiais; e as próprias ciências sociais, nomeadamente a sociologia. Em todos esses domínios, termos como raça e relações raciais, negro ou branco, fazem parte da terminologia formal de uso corrente.

É, aliás, notório, nas formulações de Miles, que o cuidado em distinguir racialização de racismo tem a ver, também, com a necessidade de salvaguardar a posição daqueles que, sendo historicamente as principais vítimas de preconceito e discriminação, adoptam, como linguagem política e bandeiras de mobilização (desde o Black Power dos anos 60 até à actualidade), essas mesmas categorias racializadas, categorias que, afinal, coincidem, em larga medida, com as usadas nos discursos racistas propriamente ditos.

Além de contribuir para uma cristalização de designações que indirectamente favorece o pensamento racista, a racialização dos discursos dos líderes e organizações de minorias, em particular, tem o problema adicional e mais imediato das condições de eficácia. Noções como "unidade negra", "luta dos negros" ou "resistência negra" conhecem frequentemente problemas de operacionalização política, já que simplificam ao extremo realidades que são complexas e multidimensionais, acabando por ser muito menos mobilizadoras do que era esperado.

A ideia, por exemplo, de que seria parte integrante do "movimento negro" o protesto público dos asiáticos muçulmanos fixados em Inglaterra, por ocasião da publicação do livro Versículos Satânicos de Salman Rushdie, em 1988, é apenas um caso limite de um processo de reificação política de categorias raciais, que conhece muitas outras expressões e que, como nota o próprio Miles, "reproduz a dicotomia racista subsistente como uma imagem de espelho" (Miles, 1993a: 3-4)

Algo de homólogo se passa com a racialização dos instrumentos estatísticos. Embora se possam invocar alguns argumentos a seu favor, o uso oficial de estatísticas raciais, não só tende a reforçar significativamente a linguagem da raça nos discursos informais e institucionais, como tem eficácia duvidosa do ponto de vista da própria caracterização da realidade, uma vez que é virtualmente impossível produzir sistemas de classificação que sejam, simultaneamente, consensuais, rigorosos, exaustivos e capazes de dar conta da permanente flutuação das auto-identificações étnicas e raciais.16

No recenseamento norte-americano de 1990, por exemplo, os 9, 8 milhões de respostas registadas na categoria "outros" dão um bom testemunho da falibilidade do sistema de classificação adoptado e podem ser lidos como uma "rejeição de facto" dessa classificação (Berghe, 1993: 248). Nenhum sistema de classificação racial poderia, tão pouco, dar sentido útil às 136 respostas diferentes que uma pergunta do mesmo tipo obteve no recenseamento brasileiro de 1980 (Vieira, R. M., 1995: 235), caso, aliás, bem demonstrativo de um pensamento comum não racializado.

No que toca, finalmente, à racialização do discurso sociológico, o uso generalizado de categorias analíticas como "raça", "relações raciais" ou "linha de cor", é um processo de longa duração, iniciado nos EUA com a Escola de Chicago, nos anos 20, estendido mais tarde à sociologia inglesa, a partir do momento em que o Reino Unido começou a receber imigrantes extra-europeus, e que se prolonga até aos dias de hoje, nos dois países. Se, particularmente no caso norte-americano, e face às circunstâncias históricas conhecidas, era praticamente inevitável que essas noções entrassem na teoria sociológica, a sua posterior cristalização na sociologia anglo-saxónica em geral acabou por ter os mesmos efeitos negativos de outros discursos institucionais racializados.

Na medida em que se confirmam e reforçam reciprocamente, e estruturam de forma decisiva o pensamento comum, esses vários discursos, sociologia incluída, geram um efeito de coro, em que todas as relações sociais envolvendo indivíduos e grupos racialmente diferentes são entendidas, exclusiva ou principalmente, como relações raciais; ou seja, eles funcionam tendencialmente, para usar de novo a célebre formulação de Merton, como uma profecia que se cumpre por si própria. Ao definir-se tão generalizadamente a realidade em termos raciais, são os próprios contextos do racismo que são alimentados.

Desde os anos 80, a atribuição de estatuto analítico a noções como raça ou relações raciais tem sido objecto de críticas crescentes, dentro da própria sociologia de língua inglesa, estando em curso um debate sobre o assunto, no qual se tem destacado o próprio Robert Miles. Na sua perspectiva, "os cientistas sociais prolongaram, perversamente, a vida de uma ideia [a de raça] que devia ter sido explícita e consistentemente confinada ao caixote de lixo dos termos analiticamente inúteis"; em vez de se explicar como é que a ideia de raça se torna objecto de um processo de construção social, ela é tomada como "um facto social explicativo de outros factos sociais" (Miles, 1989: 72-73). Não se demarcando do senso comum racializado, ou confirmando-o mesmo de forma explícita, a utilização sociológica da noção de raça, diz ainda Miles, acaba por apoiar, indirectamente, a própria ideologia racista (Miles, 1993a: 47).17

É na sequência destas críticas que Miles defende, então, o abandono daquela noção e propõe, como alternativa, o mencionado conjunto tripartido de conceitos formado por racismo, entendido como ideologia e preconceito da superioridade/inferioridade de base biológica e/ou cultural, racialização e racismo institucional. Nessa alternativa, e deixando de lado para já os problemas que envolvem a ideia de racismo institucional, ficam, no entanto, por discutir as relações de proximidade entre racismo e racialização, nomeadamente, se parte daquilo que é tomado somente por racialização não é já uma forma de preconceito racial propriamente dito.

Independentemente de significar só racialização, no sentido que lhe é dado por Miles, ou de ser mais do que isso, a permanência de representações sociais, espontâneas e elaboradas, que tomam como base a distintividade racial, deve ser salientada em contraponto à ênfase que as novas definições de racismo colocam na ideia de que os conteúdos da ideologia e do preconceito racistas são cada vez mais culturais e cada vez menos raciais. Mesmo nos casos em que não se exclui da definição do novo racismo a componente especificamente racial (Vala, Brito e Lopes, 1999), ela não deixa de ser colocada em segundo plano face à dimensão étnico-cultural. Ora, sem negar importância a essa nova configuração ideológica que é o racismo "culturalizado" e subtil, o que se pode concluir da persistência de tantos discursos racializados, especialmente no mundo anglo-saxónico, mas certamente não só aí, é que os conteúdos propriamente raciais da ideologia e do preconceito racistas estão longe de estar esgotados.

Dir-se-ia, assim, para encerrar este ponto, que, se nas actuais definições de racismo há, por um lado, um problema de inflação conceptual, alargando-se a aplicação do conceito a domínios que já não são os seus, por outro lado, há um problema de esvaziamento conceptual, já que parece subestimar-se a persistência de maneiras de pensar que continuam a ter como primeira referência as características raciais de determinadas populações. A posição de Collette Guillaumin (1993: 149-151), segundo a qual o racismo banal ou comum é, afinal, um sincretismo, em que não se faz distinção entre o somático e o simbólico, entre o biológico e o cultural, constitui provavelmente a abordagem mais equilibrada da questão, valendo a pena que a actual pesquisa empírica pudesse prosseguir.

Ainda que a ideia de hierarquização de raças, característica da ideologia racista clássica, tenha sido abandonada, como se viu, pelas formulações ideológicas mais recentes, faz sentido continuar a reter essa ideia na definição de racismo enquanto preconceito comum, alargando-a, é certo, à hierarquização também de diferenças étnico-culturais.18 O que cabe dentro dos limites do preconceito racial é essa crença numa relação de superioridade e inferioridade entre categorias raciais e culturais diferentes, e a consequente avaliação negativa, preconcebida e sistemática, dos considerados inferiores.

Estender a definição do conceito à valorização por cada uma dessas categorias dos seus traços culturais distintivos, ou mesmo à mera percepção social cruzada das suas diferenças, apenas lhe retira utilidade analítica. Além de se chamar racismo a algo que não o é, deixa-se na sombra, ou tende a subavaliar-se, o que nas representações e discursos quotidianos há de racismo flagrante.

 

Racismo enquanto prática social

Nenhuma discussão do conceito de racismo pode estar completa sem se considerar a terceira das suas dimensões enunciadas no princípio, ou seja, o racismo enquanto prática de discriminação. Se bem que, na acepção originária, racismo se referisse apenas à ideologia da hierarquização racial das capacidades e competências humanas, o conceito foi-se progressivamente alargando de forma a designar igualmente, quer o preconceito racial, quer a discriminação de indivíduos ou grupos em função da sua distintividade racial e/ou étnica.

Os problemas de delimitação e especificação conceptual, que vimos colocarem-se no plano do racismo-ideologia e do racismo-preconceito, põem-se de maneira ainda mais notória quando se trata de definir racismo como prática. À tendência igualmente forte para a inflação conceptual soma-se agora uma maior discrepância entre definições. Se, quando se fala de ideologia e preconceito raciais, a generalidade dos autores está de acordo quanto à existência de um novo racismo de tipo subtil e culturalizado, quando passamos para o campo dos comportamentos sociais verificamos que se está longe de qualquer consenso teórico.

Para além de definições diferentes do que são ou não práticas racistas, há concepções largamente discordantes quanto ao próprio modo como as três dimensões do racismo se articulam entre si. Há quem entenda a ideologia e o preconceito raciais como meros instrumentos simbólicos de legitimação de relações de dominação historicamente situadas, sejam elas de tipo esclavagista, colonialista ou capitalista; há quem considere que práticas, por um lado, e dimensões simbólicas, por outro, têm autonomia de expressão, podendo manifestar-se umas sem que as outras estejam presentes; há, ainda, quem adopte definições tão "estruturais" que a questão da eventual autonomia das dimensões constitutivas do racismo nem sequer se coloca.

A principal linha de clivagem teórica na definição do racismo enquanto prática é introduzida pela ideia de racismo institucional, surgida nos EUA nos anos 60, e adoptada generalizadamente pela sociologia de língua inglesa até à actualidade. Mais do que falar em discriminação racial, praticada por indivíduos ou grupos concretos, em circunstâncias determinadas, contra outros indivíduos ou grupos concretos, o conceito de racismo institucional desloca o centro da definição do plano individual/grupal para o plano do sistema ou da estrutura social como um todo.

Na sua formulação inicial, proposta pelos activistas negros norte-americanos do movimento Black Power, Stokely Carmichael e Charles Hamilton, o racismo institucional era definido por oposição ao chamado racismo individual.19 Este último designava actos de discriminação declarada por parte de determinados indivíduos ou grupos isolados contra pessoas racialmente distintas. Mais importante do que essa modalidade de racismo seria, no entanto, segundo os autores, o racismo encoberto e difuso, inscrito na generalidade das instituições sociais, as quais, por acção ou omissão, contribuem para manter um grupo racialmente definido, neste caso a população negra dos EUA, numa posição de exclusão e subordinação social (Miles, 1989: 50-51).

Na medida em que o grupo em causa conheça, historicamente, um quadro de desfavorecimento social continuado, isso só pode resultar de dinâmicas estruturais mais amplas do que os meros actos racistas individuais, e são essas dinâmicas que o conceito de racismo institucional pretende descrever. Numa fase em que os estudiosos do racismo estavam ocupados, essencialmente, com a investigação sobre os preconceitos raciais, numa perspectiva sobretudo psicossociológica, o conceito de racismo institucional teve forte impacto académico, além de político, entrando a partir daí na terminologia corrente da sociologia anglo-saxónica (Miles, op. cit.: 51).

Com alguma oscilação no sentido dado à palavra institucional, que pode designar mais estritamente organizações, ou mais latamente estruturas sociais, a definição hoje usada não difere, no essencial, da estabelecida nos anos 60. Na fonte de referência neste domínio, que é o Dictionary of Race and Ethnic Relations (Cashmore, 1996a), pode ler-se que racismo institucional designa "as operações anónimas de discriminação em organizações, profissões ou mesmo em sociedades como um todo". Elas são anónimas na medida em que os indivíduos podem negar a acusação de racismo e ilibarem-se a si próprios de responsabilidades. No entanto, diz-se ainda, "se um padrão de exclusão persiste, então as causas têm de ser procuradas nas instituições de que esses indivíduos fazem parte, nos pressupostos não expressos sobre os quais essas instituições baseiam as suas práticas e nos princípios não questionados que elas possam usar" (Cashmore, 1996b: 169).

Não se trata, portanto, estritamente de discriminação racial, que é o sentido mais corrente que o racismo enquanto prática tem fora do mundo de língua inglesa. Racismo institucional é mais do que isso. Como se pode ler ainda no citado dicionário, que, de resto, dedica apenas uma pequena entrada ao conceito de discriminação racial, o uso deste termo "diminuiu em anos mais recentes, à medida que racismo e racismo institucional passaram a ser correntemente usados para designar tanto pensamentos como acções" (Cashmore, 1996c: 305-306). Por outras palavras, discriminação racial é, para os que adoptam a perspectiva do racismo institucional, um conceito demasiado fraco e parcelar, que não capta a raiz do problema.

Não é difícil perceber que se está, uma vez mais, perante uma definição em que o risco de inflação conceptual é muito alto. Mesmo um autor como Robert Miles, que, embora de forma mais restrita, não deixa de usar o conceito de racismo institucional, alerta para o sentido inflacionado que o uso corrente do conceito geralmente tem na literatura sociológica.20 Na ausência de uma especificação rigorosa da ideia de racismo institucional, diz Miles, o que se tem é um conceito teleológico de racismo, em que a sociedade é global e intrinsecamente racista e não pode, portanto, haver nenhuma acção que não o seja, excepto talvez a revolução, desde que "não seja feita por brancos". O conceito pressupõe, assim, aquilo que devia ser demonstrado, em cada caso particular (Miles, 1989: 56).21

Há, no entanto, quem ache a própria ideia de racismo institucional ainda insuficiente para explicar a produção e reprodução da desigualdade racial, e considere especialmente enganadora a distinção entre racismo institucional e racismo individual. A já citada Philomena Essed, por exemplo, propõe, em alternativa a esse par, o conceito de racismo quotidiano, no sentido de atravessar as fronteiras entre as abordagens estrutural e interaccionista do racismo, e de ligar os detalhes das micro-experiências ao contexto estrutural e ideológico em que elas tomam forma (Essed, 1991: 288).

Falar em ser-se ou não racista, diz a autora, simplifica o problema. Embora sejam indivíduos os agentes do racismo, "o que interessa são as práticas e respectivas implicações, não a psique desses indivíduos" (idem: viii). Não é só nos contextos institucionais, por um lado, e nos preconceitos dos indivíduos, por outro, que o racismo se manifesta. Ele está inscrito na própria multiplicidade dos contextos quotidianos, onde o racismo, mais do que se configurar como acontecimento ou conjunto de acontecimentos isolados e singulares, se constitui como "um complexo de práticas cumulativas", que "se tornam parte do que é visto como ‘normal’ pelo grupo dominante" (idem: 288).

A definição maximalista de Essed é também, recorde-se, a de Teun van Dijk, para quem, como vimos, o racismo atravessa todos os níveis institucionais e pessoais da sociedade. Já não se trata, portanto, de localizar o racismo nas instituições ou nos comportamentos e discursos individuais e grupais, mas sim de o considerar encravado na própria estrutura global da sociedade (Dijk, 1987).

Chegamos assim a um ponto em que o racismo é um sistema sem actores, um processo sem protagonistas. São as sociedades que são racistas, independentemente de os indivíduos terem ou não preconceitos, discriminarem racialmente ou não. Dito por outras palavras, todos são "objectivamente" racistas, embora ninguém seja individualmente responsável ou responsabilizável por esse facto. Este hiperestruturalismo, que parece reentrar na sociologia pelo lado das questões étnicas e raciais depois de ter sido centrifugado, já há bastante tempo, pela análise de classes, é obviamente insustentável. Segundo estas formulações não pode, na prática, não haver racismo, seja no plano da ideologia e dos preconceitos, como vimos anteriormente, seja agora no plano das práticas sociais.

Importa não confundir esta perspectiva com o problema da possível solução de continuidade entre preconceito e discriminação, que Merton colocava nos anos 40, referindo-se às situações, empiricamente determináveis, em que, mesmo sem serem preconceituosos, alguns indivíduos podem praticar a discriminação racial.22 Michel Wieviorka, cujo modelo de análise será comentado mais à frente, encontra um laço próximo entre a interpretação maximalista do racismo institucional, que rejeita, e essa formulação mertoniana, dizendo que ambas dissociam o actor do sistema (Wieviorka, 1991: 123).

Trata-se, contudo, de ideias muito diferentes. Quando Merton diz que se pode discriminar racialmente mesmo sem preconceitos, não é por considerar que o racismo está no sistema social como um todo, independentemente dos indivíduos. Ele está a referir-se, antes, a contextos localizados de interacção em que isso acontece por pressão social imediata, como é o caso do comerciante branco que não atende negros no seu estabelecimento, não porque tenha preconceitos, mas porque entende que os seus clientes não o aceitariam. Merton está, portanto, a chamar a atenção para processos sociais específicos e não a qualificar a priori a sociedade como racista.

Mas o que torna mais evidente que não se está a falar da mesma coisa é o facto de o modelo mertoniano incluir possibilidades que os defensores da versão mais radical do conceito de racismo institucional nunca subscreveriam. A tipologia de Merton, que visava denunciar atropelos à norma "oficial" norte-americana do igualitarismo, cruza a dimensão das atitudes e a das práticas, sendo que, na primeira dimensão, pode ou não haver preconceito e, na segunda, pode ou não haver discriminação. Resultam daí quatro perfis-tipo, que Merton designa por liberais absolutos (não têm preconceitos nem discriminam), liberais relativos (têm preconceitos, mas não discriminam), não liberais relativos (não têm preconceitos, mas discriminam) e não liberais absolutos (têm preconceitos e discriminam).23

Ora, para aqueles que entendem o racismo como estando fatalmente inscrito nas instituições e no sistema social como um todo, só existem não liberais, absolutos ou relativos. Não ter preconceitos nem discriminar, ou ter preconceitos mas não discriminar, são hipóteses que não colocam, uma vez que essas hipóteses decorrem de uma perspectiva teórica que não define o racismo como intrínseco ao "sistema", mas antes como um complexo de atitudes e comportamentos contextualizado histórica e socialmente.

O já citado mecanismo da profecia autocriadora descreve justamente processos em que preconceito e discriminação se alimentam reciprocamente, sustentados por "factos" que são produto de uma situação falsamente definida como real. O exemplo dos operários negros impedidos pelos seus pares brancos de se sindicalizarem, com o argumento de serem fura-greves, mas que, pelo contrário, só acabam por se tornar fura-greves porque não lhes é permitido aderir a sindicatos, é um dos que ilustra melhor a circularidade desse jogo de alimentação recíproca e a perversidade das suas consequências (Merton, 1968 [1949]: 518-519). Como refere Peter Berger, nesta mesma óptica, "a coisa mais terrível que o preconceito pode fazer a um ser humano é fazer com que ele tenda a tornar-se aquilo que a imagem preconceituosa diz que ele é" (1986 [1963]: 116).

Mas a abordagem mertoniana sublinha igualmente as situações, relativamente comuns, em que, mesmo existindo preconceito, não acontecem práticas de discriminação. Merton não está, de resto, sozinho neste ponto. Robert Miles, no quadro da crítica ao entendimento maximalista de racismo, retoma este problema, chamando a atenção para a complexidade das inter-relações entre crenças e práticas e entre consequências pretendidas e não pretendidas da acção social. Não havendo uma conexão lógica entre ideias e acções, acrescenta, "uma análise da prevalência de crenças racistas pode revelar-se um guia muito pouco fiável da extensão de comportamentos discriminatórios, e vice-versa" (Miles, 1989: 60).

O que a descontinuidade entre preconceito e discriminação revela, acima de tudo, é a importância decisiva, quer dos controlos sociais externos, quer do autocontrolo socialmente incorporado, que penalizam, não só os preconceitos enquanto tais, mas, mais ainda, a sua conversão em práticas discriminatórias.

Merton assinalava-o já com clareza, dizendo que a profecia autocriadora no campo racial só funciona "na ausência de controlos institucionais deliberados", acrescentando que, "apesar dos ensinamentos de psicólogos amadores, o pânico e a cega agressão racial não estão arraigados na natureza humana", mas são tipos de conduta "em grande parte produzidos pela estrutura modificável da sociedade" (Merton, op. cit.: 530-531). Outros autores aprofundaram, depois, a análise das relações entre preconceito, discriminação e controlo social, mostrando que esse controlo é importante para prevenir a transformação de preconceitos em discriminação, mas também para prevenir a possibilidade desta última degenerar em violência racial (Simpson e Yinger, 1965: 13-16).

Reencontramos, assim, a questão da normatividade social anti-racista, bem como a sua subestimação pelas definições inflacionadas de racismo, agora no plano das práticas. A incorporação dessa norma pelas sociedades ocidentais contemporâneas, solidamente traduzida em termos políticos, legais e culturais, não pode ser descartada da especificação conceptual do racismo, como se não existisse.

O que ela significa, usando ainda os termos estritos da tipologia mertoniana, é que nessas sociedades predominam os liberais, absolutos ou relativos, em proporção certamente muito maior do que na sociedade norte-americana dos anos 30 e 40 sobre a qual Merton escreveu. Não o ter em conta, ou subvalorizá-lo, é não perceber a diferença que vai de uma sociedade onde a discriminação racial era legalmente apoiada para outra em que ela é culturalmente penalizada e punida pela lei.

Um dos principais, senão mesmo o principal argumento invocado por aqueles que defendem que as práticas racistas vão para além de actos individuais ou grupais de discriminação e devem ser procuradas no próprio edifício institucional da sociedade, é o do desfavorecimento socioeconómico de muitas minorias étnicas e raciais nos países ocidentais. Essa condição desfavorecida seria a melhor prova da lógica institucional e estrutural do racismo, produzindo e reproduzindo desigualdades, segundo critérios de pertença racial ou étnica. Dito de outro modo, seria o racismo o primeiro factor responsável pelo perfil de classe globalmente desprivilegiado dessas minorias.

Não estando em causa que há, nesses países, minorias cujos contrastes sociais "para baixo" com as populações envolventes são um facto facilmente comprovável, o que falha naquele argumento é que, por um lado, abstrai da diferenciação classista intra e inter-minorias, incluindo as chamadas "minorias intermédias" (Ward, 1996); por outro lado, confunde frequentemente discriminação social, no sentido de desigualdade de oportunidades em função da pertença de classe, com discriminação racial. Esta segunda falha é, de resto, a que gera em grande parte a primeira, uma vez que a perspectiva do racismo institucional é quase sempre cega às classes, vendo apenas a questão racial, entendida como dimensão exclusiva da dinâmica das desigualdades.

Vejamos o caso norte-americano, tomado, consciente ou inconscientemente, como arquétipo em muitas interpretações deste tipo, quer no espaço europeu, quer noutras partes do mundo. No final da segunda década do século XX, Park dizia já que, se na sua origem as relações raciais no sul dos EUA podiam ser representadas por uma linha de cor horizontal, com os brancos em cima e os negros em baixo, com "o desenvolvimento de classes industriais e profissionais na raça negra, a distinção entre as raças tende a tomar a forma de uma linha vertical" (Park citado por Wieviorka, 1991: 46). Na década seguinte, Warner retoma e especifica essa ideia, representando graficamente a linha de cor como uma diagonal que separa duas estratificações sociais completas, uma branca e outra negra, embora a classe alta negra se situe abaixo da classe média branca (idem: 47).24

A noção de linha de cor, mesmo que cada vez mais vertical, era a forma de traduzir analiticamente uma lógica continuada de segregação racial, que tendia a manter separadas as duas estratificações. Foi essa lógica, de resto, que levou vários autores a importar o conceito de casta para o estudo das relações sociais entre brancos e negros, nessa época, e muitos outros a negar que a ideia de melting pot fosse a metáfora adequada para descrever o processo de construção da sociedade americana.25 Contudo, apesar da segregação, o percurso da população negra nas décadas seguintes foi, efectivamente, de progressiva diferenciação classista interna, mais nos contextos urbanos do norte, mas também no sul ex-esclavagista (Simpson e Yinger, 1965: 246-259).26

Nos anos 60 e 70, sob o impulso democratizador trazido pela luta dos movimentos negros pela igualdade de direitos e consequentes medidas legais e políticas anti-discriminação, a distância entre brancos e negros, apesar de se manter significativa, reduziu-se consideravelmente, em termos económicos, sociais e políticos, embora mais depressa numas dimensões do que noutras (Farley, 1984: 194-206). Neste novo quadro, é a própria ideia de uma linha de cor, mesmo que vertical, a deixar de fazer sentido, já que a prática de discriminação e segregação racial deixa de fazer parte do ordenamento jurídico das relações sociais.

Particularmente marcantes, a este respeito, foram os trabalhos de William Julius Wilson, especialmente o livro The Declining Significance of Race, publicado em 1978. Perante sinais de que a diferenciação classista interna da população negra se parecia polarizar cada vez mais entre, por um lado, uma classe média e uma classe alta em crescimento consolidado e, por outro lado, uma subclasse cada vez mais excluída e guetizada, Wilson rejeita firmemente que a situação dessa subclasse possa ser explicada pelo factor racial, ou seja, que ela possa ser entendida como consequência de racismo institucional.

Se, na ocasião em que se formaram, os guetos negros foram, sem dúvida, a tradução espacial de uma lógica de discriminação racial fortemente enraizada na sociedade norte-americana durante décadas, a partir dos anos 70 do século XX a reprodução da pobreza e da exclusão social nessas zonas, classificadas como hiperguetos (Wacquant e Wilson, 1993), pouco ou nada tem já a ver com relações raciais. A subclasse negra dos hiperguetos não é produto da discriminação racial, mas de factores como a segmentação do mercado de trabalho, reforçados pelos múltiplos efeitos de auto-reprodução que uma vida social tão guetizada tende a gerar.27 O problema não é o racismo, mas a exclusão socioeconómica. Se não fosse assim, não se compreenderia a existência de classes médias e altas em crescimento, ou seja, de uma divisão estrutural da população negra (Wilson citado por Wieviorka, 1991: 113-116).

Vale a pena dizer que a abordagem de Wilson (que tem a "agravante" de ser ele próprio negro) suscitou críticas generalizadas, por vezes violentas, da parte dos muitos seguidores da perspectiva até aí dominante, que tudo tendia a interpretar em termos estritamente raciais, fazendo total economia de outros processos e dimensões das desigualdades.

Os mais brandos afirmam que ele não dá devida conta da "discriminação sofrida pelos afro-americanos de classe média e, mais importante do que isso, que negligencia a dimensão da experiência e a construção racial do outro" (Schutte, 1995: 338), ou que o seu livro é, quanto ao racismo, "a mais notável das más interpretações bem intencionadas" (Bowser, 1995: xii).

Os mais radicais dizem que a sua análise é uma "versão menos reaccionária" da "ideologia da subclasse", que só serve para legitimar, nos EUA como no Reino Unido, um estado minimalista, a impossibilidade da segurança social e o controlo social sobre as minorias negras (Keith e Cross, 1993: 11-13), ou que Wilson está para os anos 80 como Park esteve para os anos 40, ambos camuflando o racismo, e que o reconhecimento profissional e público alcançado pelo seu trabalho se deveu, sobretudo, à "conformidade com as ideologias dominantes" (Stanfield II e Dennis, 1993: 5-6).28

A subavaliação das dinâmicas classistas e da sua importância para a especificação rigorosa do que é ou não racismo é particularmente visível em alguns autores, cujas perspectivas de análise revelam uma verdadeira obsessão com a questão racial.

Num estudo comparativo sobre a situação das populações negras nos EUA e no Reino Unido, Stephen Small, embora reconheça plenamente o crescimento do número de negros em posições de classe média e alta, passa rapidamente por cima do que isso significa do ponto de vista da redução das desigualdades raciais, para perguntar se esse aumento é "uma bênção ou uma maldição" e se "ajuda ou impede o progresso de outros negros no sentido da igualdade". Ignorando, aparentemente, que esse mesmo crescimento é a melhor resposta às questões que coloca, o autor continua perguntando até que ponto os negros de classe média, com base numa "identidade comum racializada", contribuirão para a luta mais global travada pelos operários negros e pelos negros desempregados, pagando o "Imposto Negro", ou se agem, primária ou exclusivamente, em termos de interesses de classe (Small, 1994: 110-113).29

Dir-se-ia, portanto, que algo não está bem na realidade social, quando os negros, ao contrário do que seria normal e desejável para o autor, não agem em termos exclusivamente raciais, antes se orientando por outras pertenças e referências. O equívoco da formulação de Small, quanto a uma aliança racial dos negros independentemente da respectiva condição de classe, fica à vista se a aplicarmos, segundo a mesma lógica racializante, aos brancos: será que a classe média e a classe alta brancas estarão interessadas em contribuir para a luta mais global dos operários e dos desempregados brancos pela igualdade?

Outro exemplo desta forma de pensar totalmente racializada e cega às classes, pode encontrar-se, para um contexto histórico e social muito diferente, num conjunto de trabalhos recentes sobre os negros na sociedade brasileira (Heringer, 1995; Guimarães, 1995; Vieira, 1995). O objecto central desses trabalhos é o das condições de consolidação e actuação do movimento anti-racista no Brasil, tido como um país onde o racismo é "a maior das tragédias" e, "hoje mais do que nunca, impede o progresso e o desenvolvimento social da maioria negra brasileira" (Vieira, op. cit.: 227).

A racialização da análise começa logo com a própria ideia de uma "maioria negra brasileira". Contestando os 46% de negros contabilizados pelos recenseamentos oficiais, Vieira afirma que os "brasileiros-africanos" são, de facto, entre 68% a 75%, na medida em que se devem aí incluir todos aqueles que têm ascendência africana (idem: 227, nota 1). Trata-se, portanto, da inversão completa da clássica imagem da "gota de sangue" usada por Roger Bastide para marcar a diferença entre as sociedades norte-americana e brasileira, e segundo a qual, nos EUA, uma pessoa com uma gota de sangue africano é considerada negra, enquanto no Brasil uma gota de sangue branco basta para se ser considerado branco (Bastide, 1973: 16-18).

Numa postura fortemente americanizada, que transpõe, de forma artificial, perspectivas e categorias analíticas entre experiências históricas totalmente diferentes, defende-se que o anti-racismo no Brasil deve passar pela autoconsciência racial dos negros, apoiada na "cultura africana-brasileira do candomblé, da capoeira e dos afoxés", mas também no legado "negro-atlântico" formado pelo "movimento dos direitos civis nos Estados Unidos, a renascença cultural caribenha e a luta contra o apartheid na África do Sul" (Guimarães, op. cit.: 224). Os brasileiros-africanos deviam tomar como exemplo, em particular, o processo de desmantelamento do ex-regime racista sul-africano, já que ele mostra o que "uma maioria negra persistente pode fazer" (Vieira, op. cit.: 235).

O que perturba estas considerações, e os próprios reconhecem-no, embora a contragosto, é justamente o factor classe social, ou seja, o facto de aquilo que atribuem exclusivamente a práticas racistas generalizadas se dever, em grande medida, a processos de discriminação social e não racial. Como nota um deles, "o maior problema do movimento negro na luta contra o racismo no Brasil é que muitos negros não entendem que a sua situação desfavorável é devida à discriminação, desigualdade e preconceito raciais", dos quais é "difícil dar conta no meio do que parece ser uma pobreza universal" (Heringer, op. cit.: 204-205). Mais explícitas ainda são as palavras de Vieira, quando diz que muitos brasileiros acreditam em duas "teorias ultrapassadas", a da harmonia racial e a de que a desigualdade dos negros se deve apenas a factores de classe, especialmente "aqueles poucos que conhecem mobilidade social, sobretudo através da música e do desporto" (op. cit.: 234-235).

Trata-se de perspectivas de análise que padecem, em suma, de dois males. Por um lado, ao subscreverem uma versão brasileira da dita "morte das classes" — decretada mais habitualmente noutros pontos do planeta (Pakulski e Waters, 1996) —, descartam um factor que continua a ser central na estruturação da desigualdade nas sociedades contemporâneas, com ou sem diversidade racial; por outro lado, aplicam a uma experiência histórica radicalmente diferente categorias analíticas racializadas que, mesmo na sua sede norte-americana de produção, têm, como vimos atrás, evidentes limitações.

Dir-se-ia que, diferentemente do exemplo norte-americano, o quadro racial brasileiro está muito próximo do que pode chamar-se, glosando Merton, uma profecia autocriadora invertida, ou seja, se as pessoas não definem as situações como raciais elas tendem a não se tornar raciais na suas consequências.

O problema da transposição mecânica de categorias e perspectivas de análise entre espaços e tempos muito diferentes não se coloca, aliás, apenas para um caso tão singular como o brasileiro. Podemos perguntar até que ponto essa transposição é válida, mesmo entre a experiência norte-americana e a europeia. Para um autor como Miles, por exemplo, essa importação teórica tem interesse muito reduzido: "um conceito de racismo formulado por referência a um único exemplo histórico (os EUA) e acriticamente aplicado a outro (Reino Unido) tem um grau de especificidade que limita seriamente o seu alcance analítico" (Miles, 1989: 60).

Não podem, por isso, deixar de soar estranhas ideias como a de "comunidade negra na diáspora", que alegadamente aproximaria os negros norte-americanos, os do Reino Unido e muitos outros pelo mundo (Small, 1994: 208); ou altamente questionáveis teses como a de que as diferentes expressões históricas e nacionais do racismo (Brasil, EUA, África do Sul, Reino Unido, Europa Ocidental, Caraíbas) estão num processo de convergência porque "as formas de organização social e económica que o racismo suporta" vão também convergindo num "sistema económico mundial pós-moderno" (Bowser, 1995: 299).

No que respeita ainda à articulação entre desigualdades de classe e desigualdades raciais, importa dizer que não se defende aqui a total redução analítica das segundas às primeiras, o que representaria, afinal, a mera inversão das perspectivas que acabámos de criticar. Trata-se de duas dimensões de análise autónomas, que se podem combinar entre si de mais do que uma maneira. A dupla desvantagem, racial e de classe, é uma delas. Os migrantes africanos inseridos nos segmentos precários do mercado de trabalho em Portugal, por exemplo, terão uma condição ainda mais desfavorecida do que os portugueses com idêntica localização laboral, na medida em que sejam vítimas de discriminação racial, o que acontece com alguma frequência, em termos de salários, horários ou noutras condições de exercício da actividade profissional.

Não se pode é presumir que o facto de os migrantes africanos terem essa localização profissional é, em si mesmo, sinónimo de discriminação racial ou de racismo institucional no mercado de trabalho. A ser assim, ficaria por explicar porque é que tantos portugueses partilham essa situação, porque é que outros migrantes africanos ocupam posições profissionais de classe média, para não falar dos casos em que a sobre-exploração laboral é imposta, não por portugueses, mas por outros migrantes africanos, mais antigos e com posições de poder no mercado informal de trabalho.

Como refere ainda Miles, nesta mesma linha, e a propósito do caso inglês, "se o racismo é definido como uma prerrogativa dos brancos e como a consequência de todas as acções que suportam a subordinação dos negros, não é claro como se poderia conceptualizar a situação duradoura de desvantagem económica dos assalariados negros (muitas vezes mulheres) das pequenas mas crescentes burguesia e pequena burguesia negras no Reino Unido" (Miles, 1989: 55). Do mesmo modo, seria necessário explicar porque é que, "apesar de um nível similar de tratamento discriminatório, certos segmentos da população asiática têm taxas de desemprego muito baixas (mais baixas do que a da população autóctone) e certos segmentos da população caribenha têm níveis de desemprego muito elevados" (idem: 56).

Em síntese, o desfavorecimento social de membros de minorias étnicas ou raciais não é necessariamente consequência de racismo, e a medida em que pode ou não sê-lo é uma questão de pesquisa empírica e não um pressuposto teórico. A crescente diferenciação classista interna dessas minorias desmente, por si própria, qualquer relação linear entre racismo e condição de classe, mostrando, pelo contrário, cada vez maior descoincidência entre linhas de diferenciação social e linhas de diferenciação étnico-racial.

Deixando de lado o caso norte-americano, onde, mesmo para a minoria negra, essa descoincidência se começou a desenhar há mais tempo, pode dizer-se, para o caso europeu, que o exemplo dos países onde a migração tem já algumas décadas mostra justamente que a composição classista das populações migrantes se vai tornando mais heterogénea à medida que se prolonga o tempo de residência e se sucedem as gerações ou, dito de outra forma, à medida que essas populações se vão tornando elas próprias mais autóctones.

Sem pretender entrar aqui na discussão sobre as causas históricas da formação do racismo enquanto padrão ideológico e de comportamento, importa ainda dizer que a progressiva diferenciação classista das minorias étnicas e raciais no mundo ocidental — a que poderíamos somar também, noutro plano, a sua progressiva miscigenação com as populações autóctones —, põe em causa aquele que é, provavelmente, o seu princípio de explicação mais corrente, a saber, a ideia de que é o capitalismo que engendra o racismo e de que este desempenha, no quadro das sociedades capitalistas, a função precisa de legitimar ideologicamente a sobreexploração de minorias étnicas e raciais pelas classes dominantes.

Essa é a tese de autores actuais, como Wallerstein, para quem o racismo é a "fórmula mágica" que favorece os objectivos de maximização da acumulação do capital e, ao mesmo tempo, de minimização dos custos que ela implica (1988: 48), mas que tem reconhecidamente como fundador o trabalho de Oliver Cox, quarenta anos antes.30 Aí, Cox criticava, por um lado, a aplicação do conceito de casta ao estudo das relações raciais nos EUA, feita por Lloyd Warner ou John Dollard, por exemplo, e, por outro lado, usava a teoria das classes sociais, na sua versão marxista estrita, para explicar o preconceito racial. Este seria, assim, uma "atitude social propagada pela classe exploradora com o objectivo de estigmatizar um determinado grupo como inferior, de modo a que a exploração, quer do próprio grupo, quer dos seus recursos, ou de ambos, possa ser justificada" (citado por Miles, 1993a: 32).

Outros autores, já citados, como van Dijk (1993: 283-292) ou Bowser (1995: 285-309), retomam o argumento, numa versão ainda mais linear. Seriam agora as elites dominantes brancas que, como forma de legitimarem a sua dominação, segregariam e reproduziriam o racismo, de cima para baixo, moldando as representações e discursos da grande maioria da população, em sociedades onde, a julgar pelo modelo teórico implícito nos trabalhos referidos, para além de só haver elites e massa, existiria um rigoroso traço horizontal a separar maioria e minorias.

Poderíamos ainda filiar nesta linha de explicação a conhecida formulação de Pierre Bourdieu segundo a qual não há um racismo, mas racismos, tantos quantos "os grupos que têm necessidade de se justificarem existir como existem, o que é a função invariante dos racismos". O racismo propriamente dito, defende Bourdieu, não se distingue, na sua lógica fundamental, do chamado "racismo da inteligência", próprio de uma classe dominante cuja reprodução depende, em parte, da transmissão de um capital cultural, herdado e incorporado, e por isso aparentemente natural e inato (1980: 264), nem das justificações construídas em torno de outras formas de dominação.

É claro que não se pode desligar analiticamente o racismo, enquanto ideologia, preconceito ou prática, das relações de poder que se estabelecem em cada sociedade concreta. Historicamente, o colonialismo, a sociedade segregacionista do sul dos EUA até meados do século XX ou o regime de apartheid sul-africano, são exemplos que mostram como o racismo foi uma articulação coerente entre construções simbólicas e práticas sociais, reciprocamente alimentadas entre si e traduzidas na efectiva subordinação social, cultural e política de grupos racialmente definidos. Nessa medida, a formulação de Bourdieu, em particular, sem o simplismo e com maior alcance analítico do que as anteriormente citadas, é certeira, pelo menos em parte.31

O que já não se pode dizer é que esse princípio explicativo se aplica à situação das minorias étnicas e raciais nas sociedades ocidentais contemporâneas, justamente porque, na generalidade dos casos, essas minorias estão longe de constituir agregados homogéneos em posições socialmente subordinadas. Além das já mencionadas minorias intermédias — frequentemente constituídas por migrantes de origem asiática com capital económico suficiente para trabalharem por conta própria —, as minorias negras têm-se, como vimos, diferenciado progressivamente nas várias dimensões constitutivas das condições de classe. Se as relações de poder nos diversos domínios da vida social não se estruturam de acordo com linhas raciais, ou seja, se, do ponto de vista classista, há nas minorias, como na maioria, dominados e dominantes, a explicação do racismo como justificação ideológica de uma dominação de classe deixa de fazer sentido.

Mesmo que não se esteja de acordo em catalogar como "populismo teórico" as posições que vêem no racismo "a ideologia espontânea dos dominantes", em contraposição ao "povo bom e inocente" que não é portador senão de "um racismo segundo" (Taguieff, 1991: 28-29), há, além do mais, que reconhecer, em diversas circunstâncias históricas, não só um mas vários protagonistas de classe do racismo, não se cingindo, portanto, apenas ao racismo dos dominantes.

O racismo das classes populares é um deles. Identificado em diversos países europeus na actualidade (Wieviorka, 1991b; Dijk, 1987: 387), Portugal incluído (Vala, Brito e Lopes, 1999: 186, 196), é uma variante de racismo que, salvaguardada a distância histórica e social, era já apontada, com contornos particulares, por Max Weber para os estados do sul dos EUA, durante o século XIX. Na época da escravatura, dizia Weber, os brancos pobres (poor white trash) eram "os verdadeiros portadores da antipatia racial — totalmente estranha aos donos das plantações — porque a sua honra social dependia directamente da desclassificação dos Negros" (1995 [1922]: 133-134). Autores como Myrdal (cit. em Wieviorka: 1991: 53-54) ou Parsons (1975: 77) retomaram e reforçaram, ao longo do século XX, o diagnóstico weberiano.

O outro é o racismo pequeno-burguês e das classes médias, em geral. Pierre Bourdieu, no início dos anos 80, menciona-o como um racismo de tipo elementar, vulgar, de ressentimento (op. cit.: 267), e Michel Wieviorka, mais tarde, fala de uma deriva das camadas médias, nas quais se abre espaço para sentimentos racistas, face a uma imigração "percebida como ameaça étnica e religiosa (1991: 179). Ainda em França, mas em tempos mais recuados, é também nos sectores sociais intermédios que Jean-Paul Sartre localiza os protagonistas do anti-semitismo. Ao contrário do meio operário, onde "quase não se encontra anti-semitismo", diz Sartre, a maioria dos anti-semitas está "nas classes médias, ou seja, entre os homens que têm um nível de vida igual ou superior ao dos judeus" (1999 [1954]: 41-42).

O que se pode concluir destes exemplos, que se reportam a contextos históricos e sociais muito diferentes, mas sempre em sociedades capitalistas, não é, obviamente, que todas as classes sociais são racistas, mas que os protagonistas do racismo podem estar nos mais variados lugares da estrutura social. Eles servem para mostrar que, assim como não há uma relação linear e exclusiva entre capitalismo e racismo, também não é possível estabelecer uma relação única entre classes dominantes e ideologias ou práticas racistas. Trata-se de um princípio de explicação que tem demasiadas excepções para fazer regra, quer no passado, quer, sobretudo, nas sociedades contemporâneas.32

Dadas as limitações da argumentação dos que defendem o que se considerou serem definições inflacionadas de racismo, será caso para dizer, então, que o racismo enquanto prática se cinge sempre a comportamentos individuais e de grupo e que nunca alcança expressão institucional?

Não está em causa que a discriminação racial, para além de actos individuais mais ou menos isolados, possa inscrever-se nas orientações de determinadas instituições e, por essa via, condicionar de forma difusa e indirecta as práticas de vários dos seus agentes. Apesar dos valores culturais e das normas legais anti-racistas que prevalecem nas sociedades ocidentais em geral, escolas, empresas, forças de segurança, entre outros, podem, de facto, em determinadas circunstâncias, ser lugar de práticas discriminatórias. Não é por isso, no entanto, que se deve considerar racista o próprio conjunto da organização social, como fazem os defensores do conceito de racismo institucional.

Mas a melhor resposta à questão colocada acima é a que decorre de algumas propostas de Michel Wieviorka (1991), que, sem cair no maximalismo da ideia de racismo institucional, chama a atenção para as circunstâncias em que o racismo pode ser objecto de processos de institucionalização e, desse modo, atingir uma gravidade social que transcende a dos meros actos isolados. A referência a essas propostas finalizará a especificação que aqui se procurou fazer do conceito de racismo nas suas três dimensões constitutivas, ou seja, ideologia, preconceito e discriminação.

Wieviorka identifica, por um lado, o que chama "formas elementares de racismo", a saber, preconceito, discriminação, segregação e violência, e, por outro lado, e esse é o ponto que interessa destacar, distingue quatro níveis de expressão possível do racismo, não necessariamente sempre presentes — infra-racismo, racismo fragmentado, racismo político e racismo de estado (1991: 83-85).33

No primeiro nível, o do infra-racismo, observa-se a presença de doutrinas, a difusão de preconceitos e opiniões, mais xenófobos do que propriamente racistas, pode haver violência, mas apenas pontual, e as práticas de discriminação e segregação têm também carácter localizado. Todas estas formas elementares aparecem, além disso, largamente desarticuladas umas das outras. No segundo nível, embora ainda fragmentado, o racismo tem uma expressão mais clara e afirmativa. As ideologias racistas estão mais difundidas e têm mais meios de difusão, a violência é mais frequente, a discriminação e a segregação mais marcadas, sem que, no entanto, se possa falar de articulação entre essas várias formas elementares de racismo.

Uma mudança qualitativa opera-se quando o racismo passa para o nível político, ou seja, quando ele se torna o princípio de acção de uma força política. Nesse estádio, essa força política "capitaliza as opiniões e os preconceitos, mas também os orienta e desenvolve; reclama-se de elementos doutrinários, que deixam de estar marginalizados; dota-se de intelectuais orgânicos; inscreve-se numa tradição ideológica, ou funda-a, ao mesmo tempo que apela no sentido de medidas concretas de discriminação ou de um projecto de segregação racial".

O último e quarto nível, finalmente, é aquele em que o próprio estado se organiza a partir de orientações racistas, em que os que o dirigem tudo submetem a essas orientações: "a ciência, a técnica, as instituições, mas também a economia, os valores morais e religiosos, o passado histórico, a expansão militar", desenvolvendo "políticas e programas de exclusão, destruição ou discriminação maciça". O nazismo na Alemanha ou o apartheid sul-africano são exemplos históricos desse racismo estatal, que é, portanto, um "racismo total". (op cit.: 85)

É justamente nesse salto de um plano não-político, o dos dois primeiros níveis, para um plano político, o dos dois últimos, que o racismo assume formas institucionalizadas, não se reduzindo apenas a acções de indivíduos, grupos ou instituições isoladas, mas configurando-se como um fenómeno de proporções mais graves, por via da intervenção de "agentes de institucionalização activa". O mais inquietante numa sociedade, diz então Wieviorka, não é a existência de um racismo difuso, mesmo que solidamente constituído, mas a existência de actores políticos susceptíveis de fazer o racismo passar a linha que faz dele "uma força de mobilização colectiva, capaz, por ela própria, eventualmente, de ir até ao poder de estado" (idem: 89).

Além de estabelecer com rigor as condições em que ele pode tornar-se objecto de institucionalização, este modelo analítico permite também especificar o problema da articulação entre as dimensões representacionais do racismo e o racismo como prática. Só quando o racismo se torna político, pela acção desses agentes de institucionalização activa, é que ideologia, preconceito e discriminação racial tendem a convergir num padrão articulado, que pode encontrar protagonistas nos mais variados sectores da sociedade.

Noutras circunstâncias, as que correspondem aos dois primeiros níveis identificados por Wieviorka, o infra-racismo e o racismo fragmentado, há, no entanto, solução de continuidade entre aquelas três dimensões, algo que as definições inflacionadas discutidas atrás não concebem. Para estas, ou há sempre estreita articulação e alimentação recíproca entre ideologia, preconceito e prática, ou, então, o racismo está tão profundamente inscrito na sociedade que esse problema nem sequer é equacionado, sendo certo que toda a gente, excepto as minorias em questão, é protagonista do racismo.

Resta dizer que o modelo proposto por Wieviorka, embora visivelmente marcado pela experiência da sociedade francesa e, particularmente, pela expressão política que aí atingiu um partido como a Frente Nacional, tem uma validade mais geral como quadro de referência para o estudo sociológico do racismo nas sociedades contemporâneas. Sendo este um fenómeno indesejado e condenável a todos os títulos, não há, contudo, nenhuma razão para lhe dar um tratamento diferente do que deve ter qualquer outro que a sociologia tome como objecto. Mais do que de ideologização e inflação de conceitos, em suma, a compreensão sociológica do racismo precisa de especificação teórica e investigação empírica rigorosas.

 

 

Notas

1 Ver Taguieff (1987: 130-138) e Miles (1993b: 160-161).

2 Sínteses das ideias e elementos biográficos sobre estes e outros autores na mesma linha de pensamento podem ser encontrados em Fontette (1981: 43-72) e Taguieff (1987: 299-307; 338-347).

3 Alguns elementos de síntese sobre o pensamento racialista europeu em diferentes domínios do saber, nos séculos XVIII e XIX, podem encontrar-se em Marques (1995) e Dias (1995); sobre o mesmo processo, nos domínios particulares da biologia e da antropologia física, ver Vieira (1995).

4 Sobre Francis Galton e o eugenismo ver Shipman (1994: 100-109). Em termos mais globais, o trabalho de Shipman faz uma apresentação e discussão detalhadas sobre o caminho percorrido pelo conceito de raça no domínio das ciências naturais. Para uma identificação genérica de alguns dos termos dessa discussão, em particular na biologia e na antropologia, ver AA.VV. (1997), O que é a Raça? Um Debate entre a Antropologia e a Biologia, Lisboa, Espaço Oikos, .

5 elaboração dessas declarações, particularmente a primeira, de 1950, não esteve isenta de polémica científica. A crítica de biólogos e antropólogos físicos, de que ela confundia raça enquanto facto biológico e raça enquanto fenómeno sociológico, levou à mobilização de uma segunda comissão de peritos, que produziu outra declaração, logo em 1951. Ver sobre isto P. van den Berghe (1996) e Shipman (1994: 141-153), esta última relatando também episódios de conflitualidade pessoal e de reputação profissional em torno do trabalho dessas comissões. Os textos integrais das declarações, a composição das comissões, bem como artigos individuais de alguns dos cientistas que participaram directamente na sua elaboração, ou que para isso foram consultados, encontram-se em AA.VV. (1970), Raça e Ciência, São Paulo, Editora Perspectiva, 2 volumes.

6 Para inventariação e comentários a esses conceitos, e respectivas referências bibliográficas, ver Pettigrew e Meertens (1993), Wieviorka (1991: 90-91), Miles (1989: 62-66), Ponterotto et al. (1993: 16-19). Pierre Bourdieu assinala também essa mutação ideológica, dizendo que actualmente "a pulsão racista não pode mais exprimir-se senão sob formas altamente eufemizadas" (1980: 265).

7 Claude Lévi-Strauss é um dos poucos cientistas sociais que foi convidado, por mais de uma vez, a dar o seu contributo especializado nas já referidas iniciativas da UNESCO de luta contra o racismo. O ensaio "Raça e História" (Lévi-Strauss, 1980), publicado pela primeira vez em 1952, por solicitação daquela instituição, foi seguido, duas décadas depois, por um outro texto, "Raça e Cultura" (Lévi-Strauss, 1983: 21-48) apresentado na conferência inaugural do Ano Internacional de Luta contra o Racismo, em 1971. Além de criticar o já mencionado "abuso de linguagem" na definição de racismo, nesse segundo trabalho o autor chamava a atenção que, para lutar contra o racismo, não chegava repetir sempre os "mesmos argumentos contra a velha antropologia física, as suas medições de esqueletos, as suas aferições de cores de pele, olhos ou cabelo", e que essa luta pressupunha um "diálogo largamente aberto com a genética das populações", argumentação que lhe valeu, como conta o próprio, fortes críticas e antipatias (op. cit., 1983: 13-16). Algumas dessas críticas, e respectivas referências bibliográficas, podem ser encontradas em Taguieff (1987: 81-82, 246-248).

8 Sobre os termos "etnismo" e "etismo" ver Taguieff (1991: 46).

9 Importa assinalar que, no plano metodológico, o trabalho de Dijk não está também isento de vulnerabilidades. A sua evidência empírica não é constituída pelas múltiplas formas de comunicação interpessoal quotidiana propriamente ditas, mas sim por entrevistas, feitas na Califórnia e na Holanda, "tão naturais e informais quanto possível, mas que nos permitiam controlar parcialmente os ‘tópicos étnicos’ que queríamos analisar". Apesar do carácter indirecto e muito mediado da sua operacionalização empírica, Dijk afirma que essas entrevistas "são suficientemente semelhantes às conversas espontâneas para permitir conclusões acerca da natureza da conversação do dia-a-dia sobre grupos étnicos minoritários" (idem: 18).

10 A estratégia argumentativa que consiste em descartar a investigação feita por colegas por não ser suficientemente crítica ou radical não tem, como é evidente, nada de científico, além de que é muito pouco ética e deontológica. Trata-se, no entanto, de um expediente relativamente comum neste domínio de trabalho, sobretudo nos EUA. Stanfield II e Dennis (1993), por exemplo, na introdução a um volume onde reúnem diferentes contributos tendo em vista a "inovação metodológica" no estudo das questões de raça e etnicidade, não hesitam em desqualificar alguns trabalhos marcantes de sociólogos norte-americanos, clássicos e contemporâneos, com o argumento de que o reconhecimento profissional e público que obtiveram se deve "mais à sua conformidade com as ideologias dominantes do que a qualquer pertinência metodológica". Se as metodologias tradicionais forem devidamente repensadas e revistas, e se se desenharem e aplicarem outras novas, acrescentam, "começaremos a ver as questões étnicas e raciais tal como elas são na realidade". Os resultados podem não ser agradáveis, dizem ainda, "mas ao menos estaremos a dizer a verdade" (1993: 6-7). É contra este tipo de ambiente académico que Pierre van den Berghe (1993), um dos autores incluídos num volume de testemunhos biográficos sobre a pesquisa clássica em relações raciais nos EUA, organizado pelo mesmo Stanfield II (1993), reage vivamente: "a psicopatologia da culpa racial americana tem consequências devastadoras para o discurso intelectual, bem como para as relações sociais em geral. O facto, por exemplo, de a interpretação do que cada um diz estar contaminada pela pigmentação de quem o diz impede a liberdade de discurso, ou seja, afecta o próprio fundamento daquilo que é a universidade" (237).

11 Sobre a temática do anti-racismo numa "perspectiva mundial" ver Bowser (1995). Vários estudos sobre o tema no contexto inglês podem ser encontrados em Braham, Rattansi e Skellington (1992). Para uma desenvolvida análise crítica dos discursos anti-racistas, nomeadamente sobre os seus pontos de convergência com as novas formas de racismo cultural, ver Taguieff (1987).

12 A Holanda é justamente um dos países que, de acordo com os estudos de Pettigrew e Meertens, tem uma norma anti-racismo flagrante "mais forte e mais profundamente estabelecida" (op. cit., 1993: 125).

13 Vala, Brito e Lopes concluem, no estudo já citado, que há uma correlação negativa entre grau de escolaridade e racismo flagrante, mas que essa correlação não se verifica no caso do racismo subtil (op. cit., 189). Esse resultado, a que se junta um outro, segundo o qual uma escolaridade alta, combinada com conservadorismo político, facilita a adesão ao racismo mais tradicional, leva os autores a dizer que se deve matizar essa correlação negativa entre as duas variáveis comprovada por vários outros estudos (idem: 150). Deve notar-se, no entanto, relativamente ao primeiro dos dois resultados citados, que ele não poderá deixar de reflectir, pelo menos em parte, o problema da inadequação de vários dos indicadores usados na "escala de racismo subtil", como foi dito anteriormente. Para um estudo recente, na região de Lisboa, em que mais uma vez se confirma a relação inversamente proporcional entre informação e preconceito racial, no seio de uma população estudantil, ver Dias, Ferrer e Rigla (1997).

14 Robert Miles, que atribui o primeiro uso do conceito a Frantz Fanon, embora com um significado diferente do actual, diz que ele é usado por alguns autores, como Michael Banton, para designar o modo como as teorias de classificação das raças do século XIX foram utilizadas para categorizar populações. Na medida em que o conteúdo ideológico da noção coincide com esse "racismo científico", racialização é sinónimo de racismo. Num sentido mais lato de categorização social corrente, racialização não significa, no entanto, necessariamente racismo (1989: 73-74; 1996: 307-308).

15 Vale a pena fazer também aqui menção ao tipo particular de discurso racializante, simultaneamente intelectual, literário e político, que foi, especialmente no mundo francófono, o do movimento da Negritude, liderado, a partir do final dos anos 30, pelo poeta Aimé Césaire, oriundo da Martinica, e pelo também poeta, político e, mais tarde, presidente do Senegal, Leopold Senghor. O objectivo era a redescoberta e valorização dos "valores africanos", como forma de contrariar a imagem negativa que o racismo dava dos negros. A principal crítica dirigida a esse movimento foi, justamente, a de que ele se limitava apenas a inverter os termos desse racismo branco. Jean-Paul Sartre, em particular, no ensaio que serviu de prefácio à Anthologie de la Nouvelle Poésie Nègre et Malgache, publicada por Senghor em 1948, questionou expressamente o "racismo anti-racista" da Negritude, o que causou grande consternação junto dos líderes do movimento. Sobre estas e outras referências ao tema ver Carrilho (1975, especialmente pp. 170-176).

16 Para uma apresentação e discussão dos argumentos a favor e contra o uso de estatísticas raciais ver Gordon (1992).

17 A crítica que Miles faz ao paradigma das "relações raciais" e aos seus efeitos perversos de alimentação do racismo, outros fazem-na a propósito da utilização pelas ciências sociais de conceitos como etnia e grupo étnico, vistos como meros substitutos eufemizados da noção de raça. Assim, seria no quadro da generalização desses conceitos nos discursos científicos, mas também noutros discursos institucionais, que o pensamento racista se deslocaria progressivamente de "ideias sobre a ‘raça’ para ideias sobre as diferenças culturais e étnicas" (Vala, Brito e Lopes, 1999: 137-141).

18 A passagem para os preconceitos comuns das elaborações ideológicas racistas mais subtis não é algo que se possa dar por adquirido. Como nota Pierre Bourdieu, no texto já citado, as formas altamente eufemizadas do novo racismo tornam-no quase "irreconhecível" e deixam os "novos racistas" com um problema de comunicação da sua mensagem (op. cit.: 265).

19 O livro de Carmichael e Hamilton intitula-se justamente Black Power: The Politics of Liberation in America, e foi publicado em 1967.

20 Miles reserva o conceito de racismo institucional, num sentido mais estrito, para designar dois tipos de circunstâncias. Por um lado, aquelas em que certas práticas de exclusão, anteriormente justificadas por discursos racistas, deixam de o ser, de forma explícita; por outro lado, aquelas em que "discursos explicitamente racistas são modificados, de forma a eliminar o conteúdo racista explícito, mas em que outras palavras transportam o sentido originário" (1989: 84-85). Em qualquer dos casos, Miles toma como exemplo a legislação britânica sobre estrangeiros e a sua evolução ao longo do século XX. Trata-se, contudo, de uma definição que não é clara, que não é ilustrada por outros exemplos, e sobre a qual, além disso, Miles não aprofunda muito a argumentação.

21 Um exemplo paradigmático de inflação conceptual é tomar-se como ilustração inequívoca de racismo institucional (Cashmore, 1996b) o caso das oito associações ambientalistas norte-americanas acusadas, em 1990, por um grupo de activistas de direitos civis, de serem racistas nas suas práticas de recrutamento, uma vez que, entre os seus responsáveis e técnicos, havia um número muito baixo de negros, latinos e membros de outros grupos minoritários.

22 O texto em questão intitula-se "Discrimination and the american creed" e foi publicado, em 1948, numa colectânea organizada por R. M. MacIver, Discrimination and National Welfare, Nova Iorque, Harper and Brothers, pp. 66-126. Uma rápida síntese do conteúdo deste trabalho pode ser encontrada em Crothers (1994: 97-98).

23 Outros autores, como Allport ou Klineberg, retomaram, mais tarde, a tipologia mertoniana (cf. Taguieff, 1987: 252-253).

24 Os trabalhos referidos são os seguintes: Robert E. Park (1982), "The basis of race prejudice", The American Negro, The Annals of the American Academy of Political and Social Sciences, vol. 140; W. Lloyd Warner (1936), "American caste and class", American Journal of Sociology, vol. 42, n.º2.

25 Vale a pena dizer que essas não foram, no entanto, as primeiras críticas de que a noção de melting pot foi alvo. Os primeiros a atacá-la, e sobretudo o processo que ela designava, foram, nas primeiras décadas do século XX, figuras proeminentes dos meios racistas e eugenistas norte-americanos. Preocupava-os a chegada de cada vez mais imigrantes europeus, já não exclusivamente membros da "raça nórdica", mas sim italianos "predispostos a crimes de violência pessoal" ou gregos e sérvios "desmazelados", que ameaçavam de degeneração racial e cultural a sociedade norte-americana (cf. Shipman, 1994: 111-114). Se a crítica posterior da ideia de melting pot tem como argumento um défice de integração (o da população negra), a crítica inicial, como se vê, toma como argumento o excesso de integração. Se o tristemente célebre genocídio dos judeus pelos nazis alemães não bastasse, este exemplo serve também para mostrar que, ao contrário do que as definições e os estudos sobre o tema foram estabelecendo especialmente na sociologia de língua inglesa, o racismo não é um fenómeno apenas de brancos contra negros. Robert Miles, chamando justamente a atenção para a forma como a inflação conceptual do racismo foi acompanhada por este "estreitamento do seu campo de aplicação", refere, na mesma linha, que os migrantes irlandeses em Inglaterra, no século XIX, eram também definidos como uma "raça inferior"(1989: 52, 60).

26 O livro de E. Franklin Frazier, The Black Bourgeoisie: the Rise of the New Middle Class, publicado em 1957, em Nova Iorque, pela editora Free Press, é o primeiro trabalho exclusivamente dedicado à análise da diferenciação classista interna da população negra norte-americana.

27 Vale a pena acrescentar aqui que, nos anos 80, o conceito foi objecto de grande politização, em particular com a sua apropriação pelos discursos da direita mais liberal, que passou a tomá-lo como sinónimo de dependência crónica e usufruto indevido das prestações sociais do estado-providência. Por essa razão, "alguns autores de esquerda recusam-se agora a usar o conceito, não com base no facto de não descrever uma realidade, mas devido à associação que é feita com críticas de direita à previdência social" (cf. Giddens, 1997: 126-129).

28 Para críticas adicionais e circunstanciadas a Wilson, nomeadamente ao seu alegado papel de justificação do fim das medidas de discriminação positiva dos negros, ver Steinberg (1997). Numa fase posterior, Wilson parece, no entanto, ter visto a sua reputação mudar, mesmo nos círculos que antes o condenavam. Depois de ter sido violentamente criticado pela Associação dos Sociólogos Negros Norte-Americanos, nos finais dos anos 70, esta outorgou-lhe, no princípio dos anos 90, a sua mais alta distinção (cf. Wieviorka, op. cit.: 116).

29 O "Imposto Negro" ("Black Tax"), segundo as próprias palavras de Small, "refere-se à ideia de que os negros com sucesso deviam contribuir em dinheiro ou em espécie para ajudar pessoas negras menos bem sucedidas; que deviam pagar um ‘imposto’ que beneficiasse directamente os negros pobres" (op. cit.: 218).

30 (1948), Caste, Class and Race: A Study in Social Dynamics, Nova Iorque, Doubleday.

31 Se tem o mérito de identificar um fundo comum a vários tipos de dominação, a posição de Bourdieu não deixa, no entanto, de representar uma forma de inflação e, ao mesmo tempo, de diluição conceptual. O racismo propriamente dito deixaria de se distinguir de um "racismo" de classe ou de um "racismo" de género, por exemplo. José Madureira Pinto considera-a "uma posição extremada" (1994: 137) e Pierre-André Taguieff, referindo-se especificamente ao contexto francês da década de 70 e citando Bourdieu, entre outros autores, critica, mais genericamente, a tendência de racização de múltiplas categorias sociais nos discursos correntes: "jovens, idosos, desempregados, homossexuais, mulheres, patrões, judeus, polícias, seriam categorizáveis ‘como raças’ ou ‘como’ equivalentes de ‘raças’" (1987: 54-55).

32 Importa ainda não esquecer que as explicações do racismo como produto do capitalismo, e como justificação ideológica para a sobreexploração económica de determinadas minorias étnicas ou raciais, deixam de fora todos aqueles casos em que racismo coincide com extermínio dos que dele são alvo, como aconteceu com o genocídio dos judeus pelos nazis alemães.

33 É de referir que também para o conceito de violência não faltam exemplos de definições inflacionadas. Assim, a definição corrente, que designa acções de ataque físico aberto a indivíduos, grupos e/ou aos seus bens, é contestada por alguns autores por ser, ao mesmo tempo, demasiado restrita e demasiado lata. Tomando como referência a sociedade inglesa, Barry Troyna (1996: 154-156) acha essa definição demasiado restrita por não considerar outras formas de violência, mais subtis mas "não menos intimidatórias", como "o graffiti ou outros insultos escritos, o abuso verbal, o desrespeito face a diferenças em termos de música, alimentação, vestuário ou costumes, a má pronunciação deliberada de nomes ou a imitação do sotaque". Considera-a, por outro lado, demasiado lata porque trata por igual os ataques raciais, independentemente da cor das vítimas e dos agressores. Troyna entende que os ataques de brancos a negros não se podem equiparar aos que têm sentido contrário, ou aos que ocorrem entre membros de minorias diferentes, porque os primeiros fazem parte de uma "ideologia coerente de opressão", e designar todos por igual significa não reconhecer a "assimetria de relações" entre brancos e negros.

 

 

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*Fernando Luís Machado. Sociólogo. Investigador do CIES/docente do departamento de Sociologia do ISCTE. Qualquer correspondência pode ser enviada para o ISCTE: Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, ou pelo e-mail fernando.machado@mail.iscte.pt

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