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Sociologia, Problemas e Práticas

versión impresa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  n.32 Oeiras abr. 2000

 

TELEVISÃO DO PÚBLICO: UM ESTUDO SOBRE A REALIDADE PORTUGUESA

Ana Paula Fernandes*

 

 

Resumo Programar em televisão, na actualidade, significa uma técnica e um discurso que visa "produzir públicos" para os anunciantes. No presente artigo procura-se reflectir sobre a lógica de funcionamento da televisão portuguesa, no período entre 1993 e 1997, a partir dos conceitos: "estratégia de programação" e "audiência televisiva" — modelos distintos ou similares na TV pública e privada? Estes conceitos são operacionalizados mediante a análise da grelha de programas, entrevistas realizadas a pessoas afectas à área da programação, na RTP, SIC e TVI, bem como a observação dos dados fornecidos pela audimetria. Pretende-se estudar as relações entre estratégias de programação, publicidade e audiências.

Palavras-chaveProgramação, publicidade, audiências.

 

 

Introdução

No âmbito do monopólio da televisão pública, os programas eram definidos em função de três objectivos comunicacionais: educar, informar e distrair; os géneros televisivos eram bem definidos e a audiência era vista como um colectivo passivo. A proliferação das estações de televisão e das grelhas de programas transformou o conteúdo da televisão, em termos de oferta, e a própria relação com o público passando a distrair, informar e educar. Esta transformação marca então a passagem da "velha" televisão (paleotelevisão) à "neotelevisão" (Missika, J., Wolton, D., 1983). A relação entre emissor e receptor assume um carácter bidireccional em que a programação representa uma grelha muito precisa de encontro, uma agenda que visa distribuir momentos de interesse. Assim, o telespectador pode ter acesso a qualquer momento do dia a programas diferentes.

A recessão económica, que usualmente se considera ter sido vivida durante os anos de liberalização da televisão em Portugal, teve repercussões no campo da comunicação social, resultando que os patrocínios e a publicidade se tornem vitais para a viabilidade económica das empresas de comunicação, estabelecendo-se um jogo de forças em termos de audiências televisivas que passa a ser mediado pelo investimentopublicitário. O poder económico impõe uma nova lógica à programação televisiva, a qual assenta em programas que permitem gerar maiores níveis de audiência e, por conseguinte, mais receitas. Esta situação de dependência relativamente à publicidade tende a ser associada à concorrência directa entre os canais, conduzindo a que, apesar dos elevados custos da publicidade televisiva em Portugal, o número de anunciantes tenha sobrevivido à crise económica.

Neste âmbito, a grelha de programas simboliza um meio de "acção estratégica" das estações de televisão e constitui um instrumento de fidelização do público, na medida em que procura articular o tempo social dos telespectadores (lazer) e o tempo televisivo (programas difundidos), apoiando-se nos dados da audiência e nos estudos sociológicos (associados à utilização do tempo de lazer, disponibilidade dos indivíduos, etc.).

Através da medição das audiências a noção de "grande público" emerge como uma representação, uma orientação, uma conquista, um conceito quantitativo. Assim, a audiência constitui uma reacção à oferta de programas e não à procura do público, reflectindo a representação de todos os públicos.

Uma estação de televisão não só procura apresentar uma boa oferta de produtos/programas, para assegurar uma audiência, mas, igualmente integrar no seu projecto editorial, de uma forma harmoniosa, a sua grelha de programas. Esta, além de ser uma técnica comercial, é também, uma forma de fixar um "macro" discurso, ou seja, ela representa a identidade da estação de televisão. É precisamente este discurso, enquanto cultura (transmissão de valores) que se procura captar através de uma análise dos produtos (géneros televisivos) oferecidos. Trata-se de indagar as grandes tendências da televisão portuguesa no seu conjunto e do percurso de evolução de cada canal,1 no período que compreende 1993 e 1997.

O género televisivo representa uma nomenclatura, utilizada pelas estações de televisão, que apresenta uma definição extensiva, ou seja, tem um estatuto de reconhecimento e apela a certos conteúdos. Uma das suas características é a de comportar mudanças constantes na sua agregação de conteúdos. A função comunicativa do género televisivo está associada a quatro indicadores: os sistemas de atenção dos espectadores, os hábitos de recepção, a importância atribuída ao programa e os critérios de programação (nomeadamente o horário fixo da maior parte dos programas).

Conhecendo a audiência da sua estação de televisão, o programador planeia e organiza a distribuição dos programas, nos quatro períodos do dia (day time, acess to prime time, prime time, late night).2

As mudanças ocorridas no cenário televisivo da Europa ocidental, de desregulamentação e de políticas de privatização, estão correlacionadas com a crise do paradigma da "audiência como público" do serviço público de televisão. Maximizar a audiência tornou-se um interesse explícito para as televisões, públicas e privadas, resultado do sistema comercial competitivo que se instaurou entre as estações de televisão. Deste modo, a "audiência como público" transformou-se na "audiência como mercado". Todavia, há que referir que este processo de mutação paradigmático não foi pacífico, ou seja, fez-se acompanhar de muitas tensões e dificuldades, nas organizações de serviço público, em termos de uma nova relação com a audiência.

Mas afinal o que é a "audiência"? Ang define-a como "(…) um conjunto de espectadores, um grupo de indivíduos reunidos para receberem mensagens enviadas por outros. A audiência será então sinónimo do somatório total das pessoas que fazem parte desse grupo. Por outras palavras, representa um colectivo taxonómico, ou seja, uma entidade que reúne indivíduos não relacionados entre si, mas que formam um grupo em função de uma característica comum — serem espectadores" (Ang, 1996: 33). A autora defende que uma imagem fotográfica da audiência total é impossível. Os dados das audiências proporcionam apenas uma construção de uma representação unificada da "audiência televisiva", tomando como ponto de partida, um conceito taxonómico colectivo. Qualquer representação da audiência televisiva"dá-nos uma imagem fictícia não no sentido de ser falsa, mas fabricada (…)" (idem, p. 35). A questão agora reside em saber que vantagens esta definição proporciona às instituições na conquista da audiência. A autora salienta o facto de que o mais importante não é definir a "audiência televisiva" como um colectivo taxonómico, mas, analisar o que esta definição significa em termos de produção de conhecimento útil e estratégico. Há que ter em conta que na "audiência televisiva" algumas pessoas são consideradas, outras não.

Por conseguinte, dois conceitos são fundamentais na lógica da televisão comercial: a audiência como "mercadoria" e a programação como uma estratégia que visa captar a máxima audiência possível. Partindo do discurso dos programadores, analisa-se o funcionamento estrutural da realidade da televisão comercial portuguesa para posteriormente evidenciar as fragilidades do sistema televisivo, comparar alguns indicadores e compreender o seu significado sociológico.

 

Metodologia

Com o objectivo de analisar se a televisão actual transmite uma "nova" cultura e uma "nova" imagem do público, esta investigação operacionalizou os conceitos de "programar" e de "audiência televisiva" mediante a utilização do método de estudosde caso ou análise intensiva e a aplicação de duas técnicas de análise (documental e entrevistas).

Na esfera da análise documental, observa-se, com base numa amostra de dez semanas, a grelha de programas extraída da revista TV Guia em que se analisa qual o género televisivo dominante em cada período do dia, considerando, a divisão das 24 horas sugeridas pela autora, Dominique Mehl (op. cit): Day time, access to prime time, prime time e late night.

Assim, o quadro temporal considerado no estudo situa-se entre 1993 e 1997 (anual), tendo-se entrevistados responsáveis dos principais canais televisivos: RTP, SIC e TVI.

Na análise de conteúdo/temática, a codificação teve em conta a unidade de registo (género televisivo)que corresponde a uma categorização (segundo duas classificações) e contagem frequencial (número de vezes que os géneros televisivos surgem nos quatro períodos do dia definidos). Assim, procedeu-se a uma primeira classificação dos programas em género televisivo, começando por utilizar uma classificação do Nelson Traquina (Traquina, 1997) e posteriormente da AGB Portugal (respectivamente, a primeira e a segunda classificação do quadro 1), com algumas adaptações e tendo em conta a aporia de classificar um programa só pelo título.

 

Quadro 1 Unidades de registo segundo o género televisivo

 

As tendências televisivas entre 1993 e 1997

A Europa configurou historicamente um modelo televisivo orientado para o ideal de serviço público. A filosofia deste serviço assenta em informar, formar e distrair. Todavia, no decurso da década de 80, este panorama do sistema televisivo europeu, sofreu profundas transformações motivadas pelas novas tecnologias que atribuem à informação um papel central e de "mercadoria". Ora o público de televisão passa a ser visto como consumidor e "mercadoria" que é "vendida" aos anunciantes em troca de receitas. Neste cenário, estabelece-se um sistema misto de modelos de televisão público e privado, alicerçados na lei do mercado. Por conseguinte, o advento da televisão privada implementou uma nova filosofia de programação e forma de conceber os programas, com vista a obtenção de mais audiências e receitas publicitárias.

Segundo os dados da Sabatina, referentes ao período entre 1986 e 1997, o investimento da publicidade nos meios de comunicação social tem vindo a aumentar, sobretudo na televisão. No que diz respeito ao crescimento real do investimento publicitário (valores brutos investidos a preços correntes verifica-se uma variação média de 21,3% entre 1987 e 1997, que tem vindo a diminuir significativamente, ou seja, a variação em 1987 era de 58,3% e a partir de 1994 até 1997 apresenta valores na ordem dos 6,0%. Todavia, em termos de crescimento real registou-se um valor negativo em 1995 (-2,9%). Em 1996, há uma melhoria significativa (relativamente ao valor negativo) do crescimento real do investimento de 5, 1% e, em 1997, de 5,8%. Entre 1994 e 1997, o ano de 1995 foi o que obteve um investimento inferior (55, 0%). Ao comparar a evolução do investimento publicitário entre 1996 e 1997 conclui-se que há uma superação evidente. O ano de 1997 é o que regista mais inserções, com destaque para o mês que antecede o Natal, Novembro.

Ao longo de 1997, a SIC foi o canal televisivo que conseguiu captar mais anunciantes em regime de "exclusividade" (tendo em conta que a estação de Carnaxide liderou as audiências todo o ano, sendo Abril o mês em que obteve o share mais elevado, 51,5%), ainda que, em menor escala a RTP, (com um share que não ultrapassou os 34,5%) e a TVI (14% de share), que optam, contrariamente à SIC (diversidade), por anunciantes com campanhas institucionais. Trata-se de uma estratégia de marketing alicerçada numa questão orçamental. Nem sempre as fracas audiências de um canal determinam a escolha dos anunciantes, ou seja, as audiências regionais parecem aliciar os investidores. A saturação do espaço publicitário, na televisão, peculiarmente, no horário nobre, acarreta dois tipos de fenómenos: por um lado, o reduzido nível de penetração da publicidade; por outro, o aparecimento de formas alternativas de difundir a publicidade, que são menos agressivas. As soluções encontradas geram um fenómeno publicitário mais agressivo, que se pauta por excessivos blocos publicitários, patrocínios, programas com sorteios, produtos dentro dos programas, o teleshopping, entre outras (Cádima, 1997: 38).

A saturação publicitária da televisão ficou acima dos 20,0% em 1997, sendo a TVI, o único canal que aumentou os seus valores entre Novembro de 96 e Novembro de 97. No ano de 1998, Janeiro e Agosto representaram dois períodos de abrandamento publicitário em que a SIC obteve grande parte desse investimento (cerca de 49, 0%). A RTP1 mantém os valores de investimento ao longo do ano, a TVI em terceiro lugar. De Abril para Maio, a SIC passa de 50,0% para 49, 0%, a RTP1 mantém os 33, 0% e a TVI sobe de 17, 0% para 18, 0%. No que diz respeito ao preço médio por minuto (em escudos) a SIC mostra ser o canal em Maio de 98 com maior preço por minuto (804.000$00), seguindo-se a RTP1 (600.000$00) e a TVI sobe de 17, 0% para 18, 0%. Numa análise de segunda a domingo numa divisão do dia em seis períodos (manhã, almoço, tarde, pré-prime-time, prime-time e noite), verifica-se em termos de duração do espaço publicitário (em minutos) segundo quatro intervalos (menos de 7,5 minutos; de 7,5 a 12 minutos; de 12 a 20 minutos e mais de 20 minutos), que no mês de Maio de 1998 (do dia 8 ao dia 25) a SIC foi o canal com menos tempo. A RTP1 nos dias 18 e 19 evidencia mais saturação publicitária no pré-prime-time.

Sem dúvida que, com a televisão privada, a publicidade assume um papel primordial, uma vez que ela constitui o motor da economia dos grupos de comunicação (que são empresas associadas). Deste modo, captar o investimento publicitário torna-se uma prioridade da televisão comercial, pelo que os programas que cativam a audiência, no horário de maior índice, são escolhidos segundo o perfil do público disponível neste horário e de acordo com o facto de a família estar reunida: "(…) são estes programas de grande consumo, dirigidos quase em exclusivo aos estratos sociais de menor poder aquisitivo e de nível cultural reduzido — o grande público —, que, de um modo geral, preenchem os espaços nobres das diferentes grelhas de programas, públicas e privadas, constituindo a quase totalidade da oferta televisiva dos diferentes canais" (Cádima, 1997: 38).

Em termos comparativos da curva de consumo televisivo entre os dias de semana e o fim-de-semana, verifica-se que existem dois grandes períodos: a hora de almoço (13,2%) e pré-prime-time (12,3% mais 27,2%). Durante a manhã, a RTP1 e a SIC disputam a liderança, com a RTP1 a emitir "Um-Dó-Li-Tá", "Banqueira do Povo", "Praça da Alegria", "Culinária" e o "Jornal da Tarde". A SIC, nesta faixa horária, emite o "Bueréré", "Receitas do Dia", "Botica", "Baila Comigo" e o "Primeiro Jornal". A partir da hora do almoço, o "Juiz Decide", "Fátima Lopes" e "Bueréré" dão a liderança à SIC. O período da tarde é repartido entre a SIC e a RTP1, com a programação neste mês a verificar-se diversificada. Do pré-prime-time até ao final da noite, pertence à SIC, com as novelas Vidas Cruzadas e Por Amor a terem um forte contributo. Quanto à TVI manteve-se mais constante neste mês (Maio 98), sendo o período da noite o ponto onde as suas audiências são mais elevadas (com o "Directo XXI", os filmes e as séries de ficção). Ao fim-de-semana, a SIC tem um índice de audiência mais elevado no período da manhã, com os programas infantis ("Bueréré", "Hulk", "Power Rangers", "Dragon Ball Z"). A hora de almoço é dividida entre a SIC e a RTP1 com o Primeiro Jornal e o Jornal da Tarde, respectivamente. Após a hora do almoço, a RTP apresenta séries mais fortes ("Top +", "Made in Portugal"). A partir deste período, a SIC coloca-se à frente até ao final da emissão, só se aproximando as curvas no "Telejornal" (RTP1) e "Jornal da Noite" (SIC). No período da tarde, a SIC apresenta "Walker", "Os Imortais", "Sessão Aventura" e "Chiado Terrasse". À noite, a liderança é da SIC.

No que concerne ao share de audiência por partes do dia, verifica-se que a SIC lidera em todos os períodos horários, disputando essa liderança com a RTP1 à hora do almoço. Em Março de 1998, a SIC regista o seu share mais elevado no período prime-time. Relativamente a Março de 1997, o canal de Carnaxide sobe o seu share nos períodos da "tarde" e prime-time, descendo nas restantes faixas horárias. A RTP1 apresenta o seu valor mais alto na hora do almoço, descendo em relação a período homólogo em pré-prime-time, prime-time e "madrugada", e nas restantes partes do dia. A RTP1 volta neste mês (Maio de 98) a recuperar a liderança à hora de almoço. A TVI apresenta o seu maior valor em pós-prime-time. Comparando com Março de 97, sobe em todas as faixas horárias, à excepção da "tarde". É durante a "madrugada" que a RTP2 atinge o seu melhor valor de share (12,3%), ultrapassando mesmo a TVI (11,5%). Relativamente a Março de 97, desce nos períodos da "manhã", "almoço" e "tarde", subindo em pré-prime-time, prime-time, pós-prime-time e "madrugada", onde verifica uma subida de oito pontos percentuais.3

O tipo de publicidade emitida no segundo trimestre de 1998 evidencia na RTP1 47,8% de publicidade normal, 26,5% de publicidade especial (peças de divulgação, telecompra ou audiotexto), 20,1% de spots de autopromoção do canal e 5,6% de patrocínios. A SIC surge com valores inferiores no que diz respeito aos patrocinadores (4,2%), 33,4% nas autopromoções (número bastante superior ao da RTP1), 21,2% de publicidade especial e 41,3% de publicidade normal. Na TVI destaca-se a publicidade especial, com valores superiores aos da SIC e RTP1 (29, 1%) e para as autopromoções (29,4%). A RTP2, onde a publicidade comercial não é permitida, os blocos de anúncios de divulgação (publicidade especial) representam 40,1% do total dos spots, enquanto as autopromoções abrangem 59,8%.

Os dados relativos ao share comercial anual (audiências da publicidade), por canal, expressam o domínio da RTP1, nos anos de 1993 e 1994, sendo que a SIC, assegura a liderança a partir de Maio de 1995. A RTP2 mitigou progressivamente o seu share comercial de 1993 para 1997. A TVI não apresenta subidas nem descidas significativas do seu share. Isto significa que a publicidade transmitida pela SIC tem mais audiência do que aquela que é veiculada através da RTP1. Todavia, apesar de estar à frente da sua principal concorrente, desde Fevereiro de 1998 tem vindo a perder (30,0%) para a RTP1 (em Junho de 98 apresentava valores que ultrapassam os 40,0%, segundo dados da Carat, no Media Regular Analysis). A TVI, que em Junho de 1997 tinha valores de 12,4%, após algumas oscilações no sentido descendente chega a Junho de 1998 com 10,4%.

Em função dos dados das audiências, os programadores definem as suas políticas/filosofias de programação, tomando em consideração os dois tipos de variáveis (ligadas aos eventos/programas e às audiências) e um leque de possibilidades estratégicas de distribuição dos programas ao longo do dia e da semana, num determinado horário.

 

Organização estratégica da grelha de programas

A partir da análise semanal da grelha de programas dos quatro canais da televisão generalista portuguesa verifica-se que a RTP1, a SIC e a TVI têm uma "grelha federativa" e a RTP2 uma "grelha compósita". Este tipo de programação federativa apresenta as seguintes características: cada faixa horária tem a sua missão — durante o dia destina-se às pessoas inactivas, nomeadamente mulheres e estudantes; a partir das 18 horas, a programação destina-se a todos elementos da família, apresentando emissões para distrair e atenuar o fadiga de um dia de trabalho; entre as 20. 30 e as 21 horas, as emissões destinam-se aos pais e procuram satisfazer todas as pessoas; o fim da noite apresenta programas mais instrutivos/culturais, mas que nem as crianças nem as pessoas que trabalham podem assistir; estandardização dos formatos que varia segundo a época e o género; e a diminuição de alguns géneros televisivos, nomeadamente o documentário (é reagrupado nos magazines). A programação compósita cultiva todos os géneros.

A televisão comercial procura obter o máximo de audiência ao longo do dia, numa óptica de homogeneidade do "grande público". Neste sentido, cada emissão é preparada de modo a evitar a perda de qualquer fracção da sua audiência potencial. A programação federativa é o tipo de orientação seguida por este modelo de televisão. Por outro lado, a programação compósita estriba-se numa concepção de heterogeneidade do grande público. Assim, a finalidade não é satisfazer todos ao mesmo tempo, mas atender a todos os públicos, em temas diferentes, géneros diferentes e em momentos diferentes (substitui-se a hora de grande audiência pela hora de melhor audiência (Mehl, D., 1992). No entanto, este tipo de grelha não é completamente oposta à anterior, os calendários da semana e do fim-de-semana repetem-se, segundo o mesmo horário, e as noites seguem uma periodicidade semanal e mensal. O dia é dividido em quatro faixas horárias designadas da seguinte forma: day time, acess prime-time, prime-time e late night.

Nos três primeiros anos de televisão privada em Portugal, a tendência ao nível das estratégias de programação incidia na concorrência por mimetismo. Posteriormente, a contraprogramaçãoparecia ser o instrumento eleito para disputar as audiências, sobretudo entre os canais, RTP1 e SIC. Veja-se o exemplo do prime-time em que a RTP1 transmite um jogo de futebol (que tem uma ampla audiência masculina) e em contraprogramação a SIC defende-se com a telenovela (uma audiência feminina fiel a este tipo de género). A concorrência entre os canais contribuiu para o desenvolvimento de algumas estratégias de programação alicerçadas nas audiências dos programas.

Neste sentido, Webster e Litchy destacam as mais conhecidas: lead-in, hammocking e block programming. O designado lead-in "estipula que as audiências de um programa têm um grande impacte no programa seguinte". (idem, p. 38). Isto significa que, se o primeiro programa tiver uma grande audiência, o segundo beneficiará disso. Se, pelo contrário, o primeiro programa tiver pouca audiência o programa seguinte terá o mesmo resultado. Novamente, estamos diante do "efeito de herança", que também se manifesta nas outras duas estratégias, o hammocking, tent-poling e o block programming.

Na estratégia hammocking, o segundo programa beneficia do primeiro e do terceiro, ou seja, coloca-se um programa com fraco índice de audiência entre dois programas com boas audiências, para que os telespectadores que esperam o terceiro programa assistam ao segundo. Este tipo de estratégia verifica-se na SIC, no horário nobre, quando coloca a seguir ao "Jornal da Noite", uma sitcom portuguesa, como os "Malucos do Riso" ou o "Bom Baião", etc. antes da telenovela brasileira.

A estratégia do tent-poling é menos poderosa e baseia-se no seguinte: um programa com grande audiência é colocado entre dois com menos receptividade junto ao público, com vista a que o primeiro beneficie dos telespectadores que esperam o segundo, que, por sua vez, conduz (lead-in) ao terceiro.

No block programming emite-se uma sequência de programas do mesmo género televisivo, o que significa que, se os telespectadores gostam de um determinado género televisivo, talvez vejam outros programas do mesmo género. Este tipo de estratégia varia em função da composição e das mudanças da audiência disponível. Pode dar-se o exemplo da semana de 2 a 8 de Julho de 1994, o caso da TVI, que, durante a semana, emite três novelas sul-americanas seguidas: às 17.35 Topázio, às 17. 55 Morena Clara e às 18. 20 Estrela. Outro exemplo, encontra-se na semana de 1 a 7 de Outubro de 1994, na RTP1, durante a semana, às 17.20 a novela A História de Ana Raio e Zé Trovão e às 18. 20 Na Paz dos Anjos. As séries são também géneros emitidos sequencialmente, sobretudo no período da tarde (entre as 14 e as 20 horas). Por exemplo, actualmente, a SIC apresenta das 17 às 20 horas três novelas brasileiras.

Como refere um responsável da TVI:

Até à entrada da televisão privada, a televisão pública concebia a programação em função do gosto das pessoas que estavam à frente da estação de televisão (…) não havia a preocupação de saber se correspondia ao gosto generalizado dos Portugueses. A preocupação da televisão pública era a de ter as melhores séries do mercado, que marcaram uma época (americanas e europeias). O surgimento das televisões privadas veio preencher o que faltava no mercado, dependendo muito as suas opções de programas dos seus orçamentos.

Para um representante da RTP:

O conceito de programação define-se por um trabalho equilibrado que visa atingir o máximo de público possível, quer para a televisão pública, quer para a televisão privada. Com o fim do monopólio, o que mudou foi a mentalidade subjacente ao conceito de programação, ou seja, como não havia concorrência, alguns critérios não eram tão valorizados.

E clarificando esta ideia de mudança de mentalidade, acrescenta:

O conceito de programação no período do monopólio era a definição de uma actividade tranquila com um timing completamente diferente, não existindo determinados tipos de pressões que nos obrigam a correr atrás de fenómenos que em regime de monopólio não existiam (a qualidade da oferta era de nível superior), citando os concursos que apelavam à cultura geral, como "A Filha da Cornélia", "Retrato de Família"). O programador tinha um papel formativo, paternalista. A diversificação conduziu a uma especialização: A SIC tem uma programação claramente especializada em programas populares, a lei deles é a lei do mercado (…) Existe um factor predominante nesse canal, que os atira para uma natureza de programação, é a ligação à Globo.

Na SIC, como reconhece um dos elementos da direcção deste canal:

O programador tem uma grande responsabilidade na medida em que tem de atrair audiências, que significam mais investimento publicitário e, por consequência, receitas para a televisão.

Por conseguinte, os representantes das três televisões admitem que o programador assume um papel diferente com a entrada dos operadores privados e que acompanha as mudanças ocorridas no cenário televisivo impostas essencialmente pelo factor tempo, ou seja, planear e organizar o que vai ser emitido é uma tarefa anual (relativa à verba a disponibilizar na compra de programas), semanal (fidelização do público ao longo da semana) e diária (varia consoante as exigências dos anunciantes e dos estudos de audiência que dão conta do visionamento minuto a minuto).

Neste contexto, a grelha de programas surge como uma interacção de múltiplos factores que agem sobre o conjunto com perspectivas diferentes, compostas de elementos rígidos e flexíveis. A audiência, o custo e a imagem são três critérios de selecção dos programas tidos em conta pela RTP, SIC e TVI. Dos três factores, a imagem é o mais importante na medida em que coloca em causa critérios de mercado, de optimização do stock, de equilíbrio comercial, para as estações de televisão. Outros critérios são igualmente relevantes: o critério económico (o orçamento estabelecido por ano, em cada televisão, limita as escolhas dos programas); a variedade do quadro temporal (a especificidade do Verão e os cinco primeiros dias da semana e o fim-de-semana), a procura do ajustamento entre o género do programa e o horário da sua difusão (este parâmetro é fundamental na medida em que o género implica custos e selecciona um certo público, colocando, por isso, problemas específicos de disponibilidade ou de produção, o horário corresponde a um dado uso do tempo social, pressupõe certas modalidades de consumo, hábitos, individuais ou colectivos); a especificidade da linha editorial (vontade de distinção de uma televisão relativamente às restantes); o formato da "exaustividade" (normalmente existente no prime-time, uma vez que este período de grande audiência não tem um público específico, devendo a noite ser composta por um pouco de tudo, desde o filme, a informação, a ficção, entre outros); diferenças entre a programação durante o dia e a noite (fora do prime-time a programação é destinada a públicos específicos, disponíveis a determinadas horas); oferta de uma programação de conjunto (organização da sequência das emissões em função do princípio da "não ruptura com o público"); a oferta das outras televisões (uma estratégia de programação de competição ou de diversificação).

A grelha de programas, nos quatro canais, principalmente, a RTP1, a SIC e a TVI, obedece a dois critérios fundamentais: o económico e os estudos de audiência. Estes últimos condicionam a própria estrutura da grelha (distribuição dos programas pelo período do dia), que assume um carácter flexível, ou seja, o horário em que os programas são emitidos pode alterar-se no próprio dia, bem como um programa que tem poucas audiências pode ser suspensa a sua emissão, ou muda-se o horário ou o dia. Nas outras duas estações de televisão passa-se o mesmo, mas com algumas diferenças. Assim, por exemplo, no caso da TVI, que quis ser uma televisão generalista, elaborando "uma grelha tão completa quanto possível (saúde, viagens, telenovela portuguesa, programa sobre fados, etc.), em que a programação nacional tinha um grande peso e era muito cara". Todavia, ao longo destes cinco anos as suas estratégias de programação foram-se modificando em função do orçamento disponível, ou seja, independentemente das audiências houve que repensar as estratégias de programação, tendo em conta a sobrevivência desta estação. Passaram-se a emitir menos programas em língua nacional e um acréscimo das séries e filmes americanos.

Na RTP, o contrato de concessão de serviço público e a necessidade de obter receitas através da publicidade determinam a elaboração da grelha, ou seja, a televisão pública "tem uma personalidade dupla", como refere o responsável deste canal, e "tem de gerir estes dois eixos, o que não é uma tarefa fácil e por vezes ingrata, pois as pessoas não estão dispostas a ver programas educativos, culturais, preferem programas populares". Como foca outro entrevistado, quadro superior desta empresa, "apesar de ter dois canais, a RTP tem de pensar em todos os públicos. Além do mais, a RTP2 não é um canal comercial e a sua programação destina-se a uma minoria (que não anda atrás de audiências, mas pretende-se o máximo das minorias".

Na perspectiva de Guy Lochard e Henri Boyer, compreender o funcionamento da televisão, torna relevante perceber a dupla função estratégica da actividade de programação: método de exposição de materiais simbólicos (mensagens) e enquanto actividade publicitária construir um discurso global composto por diferentes componentes. Assim, do ponto de vista profissional, a programação é definida por estes autores como uma planificação quer para a televisão comercial (dependente do investimento publicitário), quer para a televisão pública (que beneficia de outros recursos). Neste contexto, "(…) o papel de um programador é organizar os programas de forma a que coincidam com os interesses dos indivíduos. O seu trabalho assemelha-se ao de um media-planner numa agência de publicidade" (Lochard e Boyer, 1995: 95). O programador deve ter em conta os parâmetros temporais, assegurar a adequação entre as emissões e os telespectadores no sentido de cativar audiências que permitam à estação de televisão estabelecer uma operação de transacção comercial com os anunciantes. Francisco Rui Cádima escrevia em 1990: "A função do programador é, por isso, essencial. Mas, caso não haja garantias legais e de financiamento para a manutenção de um verdadeiro serviço público de televisão, é óbvio que rapidamente se constatará a contaminação do sistema" (Cádima, 1990a). Na realidade, o que se verifica é que é esta "contaminação do sistema" que gera a concorrência entre os canais. Isto leva à discussão de duas questões essenciais acerca do conceito do que é o serviço público e de como é que deve ser financiado (pelo estado ou pelos telespectadores mediante a taxa de pagamento do visionamento de televisão).

 

Com a televisão privada: uma "nova" cultura televisiva

Na relação da televisão com o público, a dimensão do quotidiano na oferta televisiva, designada por "pacto comunicativo", torna o acontecimento mais próximo do telespectador. Deste modo, a grelha de programas acompanha os ritmos quotidianos do espectador. Esta articulação do quotidiano na "neotelevisão" tem no centro quatro tipos de modelos comunicativos entre a televisão e o público: o espectáculo (televisão das novidades), a aprendizagem (televisão de aprendizagem), o comercial (televisão comercial) e a hospitalidade (televisão de animação/emoção e de serviço público). A televisão privada, como a SIC e a TVI, caracteriza-se fundamentalmente pelas suas vertentes do espectáculo e da comercialização. A RTP tem de articular a componente cultural/pedagógica com a comercial. A perda da audiência da televisão estatal para os operadores privados, sobretudo a SIC, conduz a que a componente comercial se evidencie em relação à cultural, suscitando alguma polémica acerca da sua prestação enquanto serviço público.

Os géneros televisivos representam o conteúdo a que se refere um determinado programa. Assim, por exemplo, a ficção inclui a telenovela, o filme, a série, ou seja, uma representação da realidade. Este tipo de género identifica situações reais (como a droga, a sida, a pobreza e a riqueza, etc.), sob a forma de simulacro, bem como valores culturais da sociedade (os filmes americanos representam a violência desta sociedade).

A principal aporia encontrada, numa primeira classificação dos programas por género, foi o da fronteira (limite) e da hibridez do conteúdo dos programas, que se procurou solucionar através dos pequenos textos que acompanham a grelha de programas da revista TV Guia por outro lado, com a utilização da categoria "outros".4 Partindo de uma classificação desagregada, chegou-se a um conjunto de programas associados pelos conteúdos da tipologia da empresa AGB Portugal.

Numa leitura anual e semanal da oferta televisiva entre 1993-97, pode afirmar-se que as duas grandes áreas, ao nível dos conteúdos televisivos, têm sido a ficção (sobretudo as séries e as telenovelas) e a informação (noticiários diários, meteorologia, informação económica, debates, etc.). Nas entrevistas realizadas com as pessoas afectas à área da programação, em cada uma das estações de televisão, foi possível perceber que o orçamento disponível para os investimentos ao nível da programação suscitam uma maior aposta neste tipo de géneros. Todavia, a produção nacional tem vindo a ser incentivada pela RTP (tal como prevê o Contrato de Serviço Público) e pela SIC, ambas na defesa da língua nacional (com sitcoms, como "Malucos do Riso", "O Bom Baião", "Os Trapalhões em Portugal", "A Mulher do Senhor Ministro"; com recreativos/concursos, como "Assalto à Televisão", "Furor", etc.). Actualmente, no prime-time, a seguir às notícias, a RTP1 apresenta a telenovela portuguesa, a SIC a telenovela brasileira e a TVI (o noticiário, "Directo XXI", "vai para o ar", às 21 horas), a ficção (primeiro o episódio de uma série e depois um filme).

Numa análise do perfil de cada canal, em termos de grandes géneros (géneros televisivos agregados), verifica-se que na RTP1 a ficção teve o seu auge como género mais emitido em 1994, tendo vindo a diminuir (mas, com a nova direcção de programas, desde Março de 1998, com Maria Elisa, a ficção volta a ser a grande aposta na grelha de Outono-Inverno de 98). Em 1997, a RTP2 deixa de emitir publicidade e passa a incidir a sua programação na ficção e cultura/conhecimento. A publicidade e os programas juvenis têm vindo a aumentar e a TVI é o canal que opta claramente pela ficção (americana). Entre a grelha de Verão e de Outono, a diversidade de géneros televisivos marca a programação dos três canais comerciais a partir de 1995, isto é, além da ficção e da informação, as variedades/divertimento, a cultura/conhecimento e o desporto surgem no fim da noite. O prime-time caracteriza-se pela sequência informação, ficção e variedades/divertimento (a partir de Outubro de 1994). Este período da noite (de grande audiência) e o fim-de-semana apresentam programas com géneros televisivos diferentes, com vista a agradar toda a família.

A noção de cultura enquanto transmissão de valores e promoção de uma ideologia conduz a uma reflexão sobre o conteúdo da ficção e da informação que representam áreas de destaque na programação e evidenciam as mudanças ocorridas no cenário televisivo. Ao nível da ficção destacam-se as telenovelas, as séries e as sitcoms, que representam situações vividas na realidade ou que poderiam vir a acontecer. A tendência da "nova" televisão é a aproximação ao quotidiano e o estímulo da imaginação (séries como "Ficheiros Secretos", "Profiler", etc.).

Como se pode observar no quadro 2, na semana de 3 a 9 de Julho de 1993 destacam-se as séries nos quatro canais (sobretudo no fim-de-semana), como por exemplo: "Maktub, a Lei do Deserto" (RTP1), "Tequila & Bonetti" (RTP1), "Beverly Hills" (RTP1), "A Menina do Futuro" (RTP1), "Clínica Veterinária" (RTP2), "Hemingway" (RTP2), "De Pai para Filho" (RTP2), "O Livro da Selva" (SIC), "Os Meninos de Coro" (SIC), "Pássaros de Fogo" (SIC), "Passo a Passo" (SIC), "Um Planeta, uma Família" (SIC), "Tarzan" (SIC), "National Geographic" (SIC), "Falso Suspeito" (SIC), "Benny Hill" (SIC), "As Histórias mais Bonitas" (TVI), "Lassie" (TVI), "O Marido da Embaixadora" (TVI), etc. Em termos de telenovelas a RTP1 emitia Bebé a Bordo (à hora do almoço), A Banqueira do Povo (ao fim do dia), Pedra sobre Pedra (à noite, a seguir ao telejornal), durante a semana. Aos fins-de-semana a novela da RTP1 é a Despedida de Solteira. A RTP2 emitia à noite, O Sorriso do Lagarto. A SIC, no que diz respeito a telenovelas emitia ao fim do dia Roque Santeiro e Renascer. As telenovelas da TVI são: Telhados de Vidro e Lágrimas. Nos programas informativos (sobretudo talk shows) evidenciam-se "Internacional SIC" (SIC), "Terça à Noite" (SIC), "Carlos Cruz — Quarta-feira" (RTP2), "Praça Pública" (SIC) e "Sexualidades" (RTP2). A seguir à telenovela surgem os concursos (como a "Amiga Olga" da TVI, "Minas e Armadilhas" e "Labirinto" da SIC) ou sitcoms ("Isto… só Vídeo, na RTP1, "Marina, Marina, na RTP1, "Câmara Indiscreta", na RTP1).

 

Quadro 2 Oferta televisiva, 1993-1995

 

Na semana de 2 a 8 de Outubro de 1993, as séries permanecem em destaque, tal como acontecia em Julho, assim como os concursos ("Palavra Puxa Palavra", "Entre Famílias", "A Roda da Sorte", RTP1, "Chuva de Estrelas", da SIC), a informação ("Entrevista de Maria Elisa", "Repórteres", "Raios e Coriscos", da RTP1, "Conversas Curtas", "Tostões e Milhões", "Casos de Polícia", da SIC) e recreativos ("Parabéns", "Cuidado com as Imitações", "Sozinhos em Casa", RTP1).

Em 1994, na semana de 2 a 8 de Julho, como é típico na grelha de Verão, as séries e os filmes predominam na programação dos quatro canais, algumas delas já emitidas em anos anteriores na RTP, como, por exemplo: Uma Casa na Pradaria, Dempsey e Makepeace, Modelo e Detective e Alf. A TVI é o canal que passa mais estas séries já emitidas. Todavia, há que salientar que neste ano de forte concorrência entre os três canais comerciais (RTP1, SIC e TVI), os concursos e os programas recreativos se destacam em número. Assim, na RTP1 a aposta assenta nos recreativos como é o caso dos programas "Parabéns", "Eu Tenho Dois Amores com Marco Paulo", "Isto só…Vídeo! II" e "Jogos sem Fronteiras". Em termos de concursos existem o "Só…Riso" e "Com a Verdade m’Enganas". A SIC opta pelos concursos: "Labirinto", "Caça ao Tesouro", "Minas e Armadilhas" e "Mini-Chuva de Estrelas". Este canal introduz o género reality show, com programas como "Perdoa-me", "Cenas de um Casamento" e o "Juiz Decide". Além disso, encontram-se na grelha desta estação de televisão o género pornografia (Playboy), o talk show ("Praça Pública") e os "Casos de Polícia".

Neste ano, a RTP1 ainda emitia novelas brasileiras como por exemplo, Fera Ferida, A história de Ana Raio e Zé Trovão e Perigosas peruas e a RTP2, Amazónia e a A Dama de Rosa. A SIC apresentava as novelas Paraíso, Sassá Mutema e Mulheres de Areia. Na TVI, as novelas sul-americanas são a sua aposta, chegando a emitir três seguidas, durante a semana: Topázio, Morena Clara e Estrela. As séries juvenis são outra das apostas, deste canal: As Aventuras do Cavalo Preto, A Casa do Tio Carlos, Uma Casa na Pradaria, Alf e Marés Vivas. O único concurso que surge na sua grelha é o "Queridos Inimigos".

Na semana de 1 a 7 de Julho de 1995, a informação é o género que se destaca em conjunto com a ficção, nomeadamente na TVI; a semana de 30 de Setembro a 6 de Outubro, a RTP 1 e a SIC competem em termos de ficção (14), mas, na informação, a TVI aproxima-se da RTP 1.

Em 1996, na semana de 29 de Junho a 5 de Julho, de novo a ficção, na SIC (20 programas nesta área sobressaem no global dos quatro períodos do dia); a semana de 5 a 11 de Outubro permanece igual à de Julho, para a SIC (aposta na ficção), enquanto a RTP 1 opta pela informação como tendência dominante (cf. quadro 3).

 

Quadro 3 Oferta televisiva, 1996-1997

 

Em 1997, na semana de 5 a 11 de Julho, a informação assume relevo na RTP1 (25 programas de teor informativo) e a ficção, na TVI (23 programas) e SIC (20 programas); na semana de 4 a 10 de Outubro de 1997, a SIC opta pela ficção (23 programas) e a RTP 1 pela informação (20 programas).

Considerando como amostra os meses de Julho e Outubro de 1993 a 1997, em termos de caracterização de filmes emitidos nos quatro canais, verifica-se que o Verão é estação do ano que emite este género com mais frequência (sobretudo a RTP1).

A informação assume um lugar importante na grelha de programas da RTP1 (a partir de 1995). Os géneros televisivos integrados na categoria variedades/divertimento assumem relevância até 1996, no âmbito duma competição desenfreada entre a RTP1 e a SIC, que se aproximavam quanto à quantidade de programas neste domínio. Todavia, a partir de 1997 (já adquirida a estabilidade de audiências da SIC), há um decréscimo a favor da televisão de Carnaxide, ou seja, este canal "especializa-se" na vertente do entretenimento: " (…) o terreno do entretenimento é (…) o verdadeiro terreno onde se defrontam, na actualidade, os interesses que se desenvolvem em torno de negócios multimilionários" (Silva, 1998: 105). O melhor exemplo são os espectáculos desportivos, os montantes envolvidos no basquetebol americano da NBA ou no futebol. Em Portugal, pode dar-se o exemplo do programa "Os Donos da Bola", as "telenovelas" e os talk shows.

Segundo a crítica televisiva patente na imprensa portuguesa, no decurso deste período em análise a tendência da televisão nacional parece pactuar com o que é kitch (no sentido de um baixo nível cultural) para ganhar as audiências. A questão que se coloca é a de saber se estão a nivelar os gostos "por baixo" ou, pelo contrário, se está a corresponder às necessidades de divertimento (com programas como o "Big Show SIC" ou "Chuva de Estrelas"). Ora trata-se de uma estratégia comercial que tem resultado, talvez por ter deixado de se pautar por padrões culturais "elevados" para alcançar novos segmentos do público, que correspondem à maioria popular urbana e suburbana. Esta nova estratégia, que visa o "grande público", conduz a que não exista uma sincronização das audiências em relação às sequências de programação de um determinado canal, porque os programas são emitidos em diferentes horários, substituídos consoante o resultado do índice de audiências do dia anterior.

 

A audiência como "mercadoria"

O autor Michel Souchon defende que não há um público para o programador, mas públicos diversos, nos quais se destacam dois grupos: um de longa duração e um que vê pouca televisão. O primeiro vê televisão para se informar, distrair, saber notícias do que se passa no mundo, pois não dispõe de outros meios de lazer, de cultura e de informação. O público que vê pouca televisão atribui a esta, uma função acessória (como é o caso dos jovens que saem muito, principalmente nas cidades onde há alternativas culturais e desportivas).

De facto, nas entrevistas realizadas nas estações de televisão portuguesas, verificou-se que existe consenso no que concerne a este conceito de público de televisão: não existe um público, mas vários, nomeadamente segundo a faixa etária e a classe social. Como refere um entrevistado da RTP:

O retrato da televisão aponta para uma fragmentação que conduz a nichos de mercado. Contudo, não se pode deixar de falar de uma corrente maioritária, como acontece com o Mundial de Futebol, que se trata de um evento dirigido a um segmento específico do lar, mas acaba por haver uma imposição para todo o lar ver (…) cada vez mais os telespectadores têm opções diferentes em termos de oferta.

No que diz respeito à questão do público-alvo da RTP, um dos seus representantes da RTP refere:

O target da RTPsão os jovens pois extrapolam para as outras faixas etárias. Todavia, trata-se de um público difícil (no sentido de cativar).

Este entrevistado menciona o facto de o público "jovem" ser o mais instável, porque encontra outras alternativas de lazer além da televisão. O impacte das novas tecnologias representa uma dessas alternativas, mas outras poderão, ser por exemplo, a ida ao café com os amigos.

O público da RTP é rural e velho. O objectivo desta estação é reconquistar o público urbano, à volta dos 40 anos, homem ou mulher.

Na TVI, um representante deste canal afirma que existem vários públicos:

Os que vêm alguns programas de TV esporadicamente e o público mais jovem, que gosta de saber o que há de mais actual e que assiste a séries paranormais. Este último, representa uma nova geração que advém das mutações verificadas na sociedade da informação, com o advento das novas tecnologias. O público da TVI é constituído por pessoas entre os 15 e os 40 anos, que a acompanham com mais assiduidade e das classes altas (A, B, C1).

Quanto à SIC, mais uma vez os estudos de audiência (tal como na RTP e na TVI) revelam que público, desde Maio de 1995, tem visto mais programas deste canal. Por conseguinte, com base nesses dados, o responsável da SIC refere:

É um público diferente em três períodos do dia: de manhã, são as crianças dos quatro aos 14 anos; à tarde e ao fim da noite, as donas de casa, com excepção do horário nobre em que todos os segmentos etários, profissionais, etc, constituem a audiência desta estação. O interesse da designada "classe popular" pela SIC explica-se pela aposta que este canal faz em defesa da língua nacional, em programas de divertimento onde a componente espectáculo é importante.

Ao nível desta dimensão de construção do conceito de audiência, podem extrair-se duas ilações: a idade e a disponibilidade/predisposição representam indicadores que explicam a prática de visionamento da televisão ao longo do dia. Todavia, há que considerar que, na actualidade, o público é visto como audiência e que, segundo os estudos desenvolvidos nesta área, varia ao longo do dia, ou seja, há uma tendência para uma fragmentação do público de massas. Assim, consoante a audiência disponível em determinado período do dia, a programação incide numa determinada área.

Segundo Dominique Mehl, é possível distinguir sete modelos que caracterizam a atitude dos programadores relativamente à imagem que têm do público e que permite a operacionalização do conceito de "audiência televisiva" definido por Ien Ang (fictícia):

- modelo audimétrico: os programas visam o máximo de audiência e de uma forma intuitiva os programadores concebem uma imagem do grande público alicerçada na interpretação dos dados da audiência obtidos no dia anterior;
- modelo popular: os programas procuram ser acessíveis, em termos de nível de estudos e cultural, a um vasto público e os programadores concebem o grande público como uma personagem simbólica;
-modelo pela proximidade: o profissional da programação vê os seus programas e os dos outros canais, na companhia de uma fracção do seu público;
- modelo imaginário: os programadores reconhecem o facto de não terem uma imagem do seu público, mas uma representação;
- modelo profissional: a concepção da programação assenta no que os outros canais emitem;
- modelo pelos críticos: o universo de outros média constitui o alicerce da grelha de programação;
- modelo indiferença: apenas tem em conta a satisfação do programador, se coincidir com a do da público, melhor.

Esta representação da audiênciaassenta na hibridez de modelos, propostos por Dominique Mehl, que se distinguem segundo os canais. Assim, na RTP1 encontra-se um cruzamento entre o modelo audimétrico e imaginário, o que significa que os programas são concebidos com base nos estudos de audiência, mas tendo em conta a missão de serviço público. Ou seja, a audimetria serve de conhecimento do público disponível nos diferentes períodos do dia, o que representa uma imagem fictícia, construída com base nos dados estatísticos. A RTP2, sendo um canal não comercial, destina-se a um público específico, uma minoria, cujo o resultado em termos de audiências não contribui para a determinação da sua grelha de programas, conforme afirmam os entrevistados, quadros superiores da RTP.

No que diz respeito às televisões privadas, a SIC combina o modelo audimétrico com o modelo popular e imaginário, e a TVI assenta a sua programação nos modelos audimétrico e imaginário. Na realidade, "a audiência televisiva é uma categoria social e institucionalmente produzida" (Ang, 1991: 3) na medida em que as instituições de televisão produzem invisible fictions da audiência, ou seja, a partir do grau epistemológico (construção do conhecimento acerca da audiência), esta elaboração torna-se possível através da agregação de todas as pessoas que supostamente pertencem a uma categoria taxonomic collective. A medição das audiências, sobretudo na televisão comercial, serve de instrumento fundamental para tal construção do conceito.

O motivo económico está subjacente à maximização da audiência, representando o princípio basilar da televisão comercial. Deste modo, o dia-a-dia destas estações de televisão incide na tradução do objectivo de alcançar o rating mais elevado através da programação. Tanto na televisão pública, como na privada, as audiências surgem como mercado e não como público, salvo algumas excepções, como, por exemplo, a RTP2, que é um canal generalista, mas não comercial destinado a um público minoritário. Como refere Ien Ang, "nenhuma representação da audiência nos dá acesso directo à audiência actual" (idem, p. 34). Isto significa que a representação da audiência é ficcional, não correspondendo à actual audiência, isto porque esta construção implica uma categorização em que algumas pessoas são consideradas como parte integrante desse público que vê televisão e outras não. Esta situação verifica-se tanto na televisão privada como na pública. O discurso dos ratings enquanto objecto de conhecimento, da "audiência televisiva" não constitui uma representação transparente das audiências actuais, o que significa que as descrições do discurso dos ratings permitem "dar forma" a um certo perfil do público enquanto entidade fictícia (objectiva).

 

A audimetria: o "termómetro" do consumo televisivo

No desenvolvimento das estratégias de programação a implementar com o objectivo de fidelizar o público, torna-se relevante, antes de mais, conhecer esse mesmo público. Os estudos de audiência representam, como já foi referido, a fonte mais utilizada pelas estações de televisão. Neste contexto, as empresas que se dedicam a este tipo de recolha de informação ganham relevo no cenário do advento da televisão privada e, por conseguinte, na era da concorrência.

No âmbito do conceito de "neotelevisão", a dimensão ideológica da programação permite distinguir duas vertentes, como refere Michel Souchon: 1) o resultado da programação televisiva em termos de oferta e a pesquisa, de como os programadores procuram assegurar o seu público; 2) partindo do público, procurar o que deve ser a grelha de programação e quais as emissões a produzir (Souchon, 1990). Este autor define a programação como uma arte de encontro entre o público e as emissões. Para uma televisão centrada na oferta ou na procura, o conhecimento do público e das suas reacções é crucial. É nesta perspectiva que os estudos de audiência se apresentam como um elemento-chave para as televisões comerciais, constituem um indicador de quantas pessoas viram/tiveram contacto com um canal/programa.

O share é uma das técnicas da audimetria e mede a dimensão da audiência em termos percentuais, num determinado período. Assim, entre 1993 e 1997, o share médio anual nos quatro canais da televisão portuguesa expressam um decréscimo na RTP1 e na RTP2, como revelam os dados da AGB Portugal nas figuras em anexo.5 A SIC apresenta um processo inverso, ou seja, uma subida substancial de 1993 para 1997. No caso da TVI, manteve-se em crescimento desde o início da sua actividade até 1994, mas a partir deste ano verificou-se uma descida ligeira relativamente ao valor conseguido em 1994 (14,7%). Nos dois canais da RTP, a descida foi mais acentuada nos anos entre 1993, 1994 e 1995.

Os ratings expressam a dimensão da audiência como uma percentagem do total da população (medição em minutos). Assim, o seu cálculo assenta na divisão da audiência do canal/programa pela audiência potencial (que pode variar).

Segundo os dados da AGB Portugal, em termos de audiência média diária (rating), em 1993, a RTP1 detinha um valor mais elevado que os restantes canais, sendo os meses de Janeiro (8,4%), Fevereiro (8,5%), Março (8,5%) e Abril (8,5%) os que apresentam valores mais elevados. Na SIC e na TVI, os valores mais elevados encontram-se no mês de Dezembro. Em 1994, a RTP1 continua a liderar em termos de audiência diária, sobretudo no mês de Janeiro, e, em 1995, tem uma audiência média diária elevada nos meses de Fevereiro e Março, sendo que, em Maio, a SIC ultrapassa e permanece na liderança até 1997.

Estes dados relativos à audiência média diária complementam-se com os concernentes ao tempo despendido a ver televisão e a penetração média diária de cada canal. Só através da leitura conjunta destes indicadores é que se pode interpretar o share de cada canal.

O tempo médio despendido a ver televisão tem vindo a aumentar desde 1993 para 1997, como se verifica na figura 3 do anexo 1.

Procurando traçar o perfil do público de televisão, com base nos dados das audiências da AGB Portugal por sexo, exceptuando a RTP 2 devido ao desporto, são mais as mulheres que vêm televisão nas três estações de televisão.

Em termos etários, a RTP1 tem uma audiência com mais de 64 anos, a RTP2 um público entre os 55 e os 64 anos; a SIC, entre os 25 e 34 anos e dos 55 aos 64 anos; a TVI, dos quatro aos 14 anos e dos 55 aos 64 anos. Em termos globais, a televisão é vista pelas pessoas com mais de 55 anos.

Quanto à classe social, nos quatro canais predomina a C1 e C2. A classe social A/B (alta, média alta) prefere a RTP2, dada a sua programação cultural. A classe D (baixa) opta pela RTP1, essencialmente a partir de 1995. No contexto global, são as consideradas classes C1, C2 e D que vêem mais televisão, sem variações expressivas em termos de evolução anual.

O indicador região geográfica sugere que a RTP1 e RTP2 são vistas pelo Litoral e Interior; a SIC na Grande Lisboa e Interior; a TVI no Litoral Interior e Grande Lisboa (em termos globais de visionamento é o Litoral e o Interior).

O perfil das audiências é um conjunto de informação relevante na definição do espaço publicitário, uma vez que os anunciantes têm públicos-alvos para os seus produtos. Consoante o perfil das audiências de cada canal e o cruzamento destes indicadores (sexo, idade, classe social) com os diferentes períodos horários, localizam-se os diferentes públicos. Para alguns autores, o indicador "disponibilidade para ver televisão" é explicado pelo facto de a audiência disponível nem sempre poder ver televisão, isto porque há tarefas que não permitem conciliar, tais como: aspirar, conversar com os amigos, estudar, etc. Por outro lado, as audiências televisivas variam segundo os diferentes períodos do dia.

 

Conclusão

A evolução tecnológica e económica torna relevante reflectir sobre a economia do audiovisual, alicerçada sobretudo nas receitas publicitárias. Por conseguinte, o funcionamento estrutural da televisão comercial organiza-se em torno daquilo que assegura a sua viabilidade económica enquanto empresa de comunicação social: a publicidade. Nesta óptica, a programação constitui um instrumento que visa captar e fidelizar o público, o qual, enquanto consumidor de programas e de publicidade, é fundamentalmente encarado como "audiência/mercadoria". Quanto mais audiências tem um canal, mais constitui a preferência dos anunciantes. Isto significa que planear uma programação que suscite o interesse do público se torna uma tarefa nem sempre fácil, uma vez que muitas vezes se investe num determinado programa que acaba por captar poucas audiências e tem de ser retirado da grelha.

Assim, a questão que se coloca é de "como resolvem os programadores este ‘problema’ das suas ‘grelhas’? Simples: importando, nomeadamente dos Estados Unidos a preços cerca de 30 vezes inferiores aos custos de produção…, mas, para além disso, adoptando a estratégia da repetição frequente de programas e, sobretudo, produzindo o que falta a baixos custos e necessariamente com reduzida qualidade" (Cádima, 1990b: 185), cerca de 35% a 55% da programação de ficção é importada dos EUA, nomeadamente, séries e filmes.

No novo cenário televisivo opera-se uma reorganização da programação marcada por três tendências: 1) o telejornal tornou-se mais personalizado na apresentação e numa enfatização do directo; 2) evidencia-se a proliferação de programas especializados em cultura, política, economia, medicina, ciência, ecologia, etc.; 3) a espectacularização da informação. Por outro lado, procede-se a uma recuperação da grande reportagem, que se fica a dever aos canais privados, que apresentam um aspecto sensacionalista (temas de grande impacte junto do público, como, por exemplo, a sida, a droga, etc.); o "casamento" da informação com certas formas tradicionais de espectáculo, dando lugar ao nascimento de um novo género — infoshow (participação do público em estúdio, sondagens em directo, variedades, jogos, entrevistas, debate, etc.); o "casamento" com a ficção mediante a adopção de algumas características do género policial (procura de pessoas perdidas, desaparecidas, refugiadas, com ajuda dos telespectadores); e o conceito de novos programas — televerdade. Como é que surge este novo conceito?

O modelo de televisão mensageira (pedagógico) em que o público assumia uma postura de escuta, de aprendizagem, deu lugar a uma televisão relacional: "Compreensão, conivência cumplicidade, a comunhão entre emissores e receptores constituem o cerne deste modelo" (Mehl, 1996: 196). O talk show e o reality show são dois géneros que caracterizam a "nova" televisão em que coabitam os diferentes pactos comunicativos que asseguram o triunfo da "televisão dos animadores". Ao lado da televisão mensageira e da televisão relacional encontra-se a televisão actriz, ou seja, a sua capacidade de intervir no campo social, procurando solucionar problemas do cidadão anónimo (reconciliação conjugal, reencontro de pessoas, etc.), assente num dispositivo interactivo em que o apresentador tem um papel de conciliador e o público não se limita a ver e ouvir como reage (a afectividade, o lado emocional das pessoas representam os alicerces do reality show).

Neste novo cenário comunicativo da televisão, o espaço público, que se apoiava sobre os saberes, opiniões, crenças ou referências a sistemas de pensamento actualmente funda-se na experiência válida das emoções, valorizando a singularidade: "A televisão da intimidade promete uma nova forma de debate social. Longe de obedecer apenas aos caprichos dos scores da audimetria, apela a uma evolução mais geral. As sociedades complexas e de mudança rápida são (…) cada vez menos as sociedades de troca (…) (idem, p. 229). Por conseguinte, o espaço público transforma-se mediante a nova articulação entre privado e público. A televisão da intimidade privatiza o espaço público e torna público o espaço privado.

Neste contexto das novas tendências do audiovisual, pioneiras na América, a lógica de programação alicerça-se numa estratégia comercial em que a"ditadura damaioria" coarcta a diversidade de escolha de programas, observando-se uma concentração das audiências e uniformização dos conteúdos no sentido de conservar os telespectadores, a oferta dos canais públicos e privados é praticamente análoga, numa dependência das receitas publicitárias.

Os efeitos da televisão comercial suscitam novas políticas da comunicação, num apelo à reformulação do serviço público e uma efectiva actuação dos órgãos de regulação. Na perspectiva de Manuel José Lopes da Silva, os critérios de audimetria promovem um nível inferior na qualidade da programação televisiva, que dá origem à "cultura de lixo", a qual vem preencher o espaço pertencente aos antigos serviços públicos, com o objectivo de promover o lucro (Silva, 1995: 252). Assim, o que se a figura como uma situação delicada é que as políticas deste tipo de comunicação incidem em três áreas da actividade económica: a produção, a distribuição e o consumo. "A proposta cultural mais importante que o serviço público deve fazer é sem dúvida a de adopção duma atitude não consumista e consciente, como antídoto às propostas dos canais comerciais" (idem, p. 253).

No campo da programação, a televisão procura explorar novos horários, a utilização de estratégias de contraprogramação, a consideração das relações custo/audiência por género de programa. A grande diferença na actual estratégia de programação das televisões públicas consiste em obter uma óptima relação entre investimento financeiro e compra de programas.

Além do fenómeno político de desregulamentação, ou seja, de liberalização da actividade televisiva, que permitiu o fim do monopólio da televisão pública e, por conseguinte, o advento da televisão privada, o cenário da economia do audiovisual acompanhou este processo de mudança, que, como vimos, ocasionou alterações na relação da televisão com o público. Do ponto de vista do quadro económico, quatro características se indigitam ao serviço televisivo: a indivisibilidade da produção, ou seja, "a quantidade de serviço consumido por um indivíduo não exclui o consumo de outros"; a divisibilidade limitada do consumo, "quando aumenta o número de telespectadores os custos por utilizador são decrescentes, visto que os custos totais em determinadas condições, são constantes"; a deterioração da qualidade de serviço, que resulta da competição entre canais com o objectivo de obter o máximo de lucro através do aumento do custo dos programas e da minimização de custos, que se reflecte em duas estratégias, uma direccionada para o prime-time, com uma programação populista, outra para o resto do tempo, com uma programação residual e económica; os efeitos externos de consumo, "existe uma certa ditadura da maioria sobre a minoria, porque os programadores tendem a beneficiar as maiores audiências" (Braumann, 1995: 239).

Com o objectivo de "produzir públicos", a televisão comercial incita a procura do público em programas de ficção, de informação e de entretenimento. Como refere Pierre Bourdieu: "Sobre a televisão, os níveis de audiência exercem um efeito muito particular: retraduzem-se sob a forma da pressão de urgência. (…) A concorrência entre as televisões assume a forma de uma concorrência temporal pelo scoop, pelo primeiro lugar na linha de chegada" (Bourdieu, 1997: 25). A posição deste autor perante este sistema de medição é de que "podemos e devemos lutar contra os níveis de audiência em nome da democracia. É algo que parece bastante paradoxal, porque as pessoas que defendem o reinado dos níveis de audiência pretendem que nada pode ser mais democrático do que isso mesmo (…), que é preciso deixarmos às pessoas a liberdade de julgarem, de escolherem" (idem, p. 74). Por conseguinte, Bourdieu critica este sistema das audiências na medida em que contribui para coagir o consumidor segundo a lei do mercado, o que contraria o princípio democrático da liberdade de escolha.

Pierre Sorlin considera que "os dados recolhidos pelos média para "fotografar" o seu público não são relevantes para a investigação sociológica, não por serem incorrectos, mas porque a sua função é responder a questões comerciais e não sociológicas" (Sorlin, 1997: 41). Na perspectiva deste autor, o consumo é determinado pelo contexto em que ocorre, pelo que só se poderá compreender o comportamento das audiências através da análise das suas práticas. As audiências "pecam" por não darem mais informação do que a que está incluída nas suas premissas.

No entanto, recorrer apenas aos índices de audiência não permite prever as tendências que correspondem ao agrado dos telespectadores porque "tudo o que é possível recolher, eventualmente, são indicações sobre as preferências dos telespectadores relativamente aos programas que lhes são oferecidos. Esses números não nos dizem o que devemos ou podemos propor, e os programadores também não podem saber que escolhas fariam os telespectadores perante outras propostas" (Popper e Condry, 1995: 19). Os estudos de audiência expressam a ideia de que a única explicação para o visionamento da televisão é o princípio da disponibilidade, consoante os horários. Assim, parafraseando Lorenzo Vilches, "a coincidência entre a disponibilidade dos espectadores e a oferta do programa é a base de toda a estratégia de programação" (Vilches, 1996: 183).

Na mesma perspectiva crítica de uma "sociologia das audiências", Francisco Rui Cádima considera que à "audimetria (…) não interessa saber quais os interesses ou as expectativas do telespectador. Não interessa saber, em rigor quais os seus principais gostos, quais os programas preferidos por a, b ou c. A única coisa que os people-meters ‘sabem’ é ver ‘quem’ vê o ‘quê’ na programação. A partir daí, os programadores tiram conclusões em função dessa resposta à oferta televisiva — e não em função das expectativas do público. Uma espécie de autismo sociométrico" (Cádima, 1996: 58). Ainda, na opinião deste autor, está a chegar um momento em que é indiferença na escolha de um determinado canal é de tal maneira grande que os estudos de audiência representarão apenas mais um indicador. Ora esta indiferenciação já se verifica no plano da segmentação dos públicos. O que sucede, e que é importante salientar, é que não existem "públicos específicos", mas "grande público". Embora se considere (e as pessoas entrevistadas na televisão referiram esta questão da segmentação do público) que existem vários públicos, Cádima alerta que teorias recentes têm desmentido "esta quase verdade consagrada".

Na televisão, o público específico é "recrutado" na audiência do "grande público" ou heavy viewers (por exemplo, o público da telenovela, dos concursos, dos jogos de futebol, etc.). A diferenciação de públicos resulta do comportamento da audiência relativamente a partes da programação, diferenciação que, ao longo do dia, se realiza mediante o tempo disponível e a predisposição para ver televisão. Nesta perspectiva, Cádima reconhece cinco categorias na designada "audiência potencial": os que não vêem televisão (jovens activos com outros interesses para além da televisão), o público da manhã e da hora do almoço, o auditório de fim de tarde e os heavy viewers (vêem televisão apenas à noite). Estas categorias conferem uma contradição à televisão generalista, ou seja, mesmo nos programas destinados a um público minoritário é a maioria que os vê. Deste modo, o autor considera que a programação se caracteriza por módulos assentes nas emoções (produção de públicos) e numa estratégia de fragmentação em segmentos segundo o género televisivo. As audiências permanecem no erro de que o público quer ver os programas que lhe dão. "No fundo, trata-se de realizar o conceito: a televisão é sem dúvida, em primeiro lugar, uma máquina de produção de audiências, uma máquina de produção de públicos" (idem, p. 85). A ultrapassagem da SIC, em Maio de 95, segundo Cádima, "marcava assim um momento histórico na paisagem audiovisual portuguesa. Por um lado, porque tal veio fazer repensar o que é o serviço público de televisão em Portugal (…), por outro lado, porque o feito da SIC, em dois anos e meio de vida, não encontra paralelo em nenhum outro sistema audiovisual" (idem, p. 88). Quanto à RTP1, apesar do apoio estatal, registou em 1994, um défice de duas dezenas de milhões de contos e uma impotência perante a função de autolegitimação do campo político. À TVI depararam-se dificuldades na conquista e fidelização das novas audiências.

Pode concluir-se que o início da televisão privada teve repercussões negativas no que se refere à concorrência directa entre os canais, quanto à qualidade da oferta televisiva e à duração das emissões, que se traduziu numa conquista desenfreada pelo índice de audiências mais elevado, mas, por outro lado, houve uma melhoria significativa na diversificação da oferta, desde o aparecimento de novos géneros televisivos ao campo da informação. É precisamente no campo da informação preconizada pelos serviços públicos, nas décadas de monopólio do estado, que este novo-espaço-tempo tem reflexos acentuados, ou seja, há um claro distanciamento da informação relativamente à dependência da força política dominante ao nível de três vectores: a origem e a selecção da informação; o alinhamento e o formato do discurso informativo e as condições de enunciação e manifestação.

 

Anexo 1

 

Figura 1 - Share (percentagem)

Fonte: AGB Portugal

 

Figura 2 - Audiência média diária (rating %)

Fonte: AGB Portugal

 

Figura 3 - Tempo médio despendido a ver televisão (minutos)

Fonte: AGB Portugal

 

Figura 4 - Ver televisão por sexo (percentagem)

Fonte: AGB Portugal

 

Figura 5 - Ver televisão por faixas etárias (percentagem)

Fonte: AGB Portugal

 

Figura 6 - Ver televisão por classes sociais (percentagem)

Fonte: AGB Portugal

 

Figura 7 - Ver televisão por região geográfica (percentagem)

Fonte: AGB Portugal

 

 

Notas

1 Este artigo retoma, com algumas alterações, alguns capítulos da tese de mestrado intitulada "Tele...visão do Público - um estudo sobre a realidade portuguesa", realizada no âmbito do Mestrado em Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação do ISCTE (financiada por uma Bolsa de Mestrado do Programa PRAXIS XXI da Fundação Para a Ciência e Tecnologia).

2 "Horário diurno, acesso ao horário nobre, horário nobre, horário final da noite (depois das 22h.)

3 Dados extraídos da Revista do Jornal Briefing, Marketing e Publicidade, n.º 3, Julho/Agosto de 1998.

4 Na categoria "Outros" incluem-se programas difíceis de classificar apenas pelo título e que podem não pertencer à classificação de géneros propostas, ou seja, poderá haver um género que não foi mencionado.

5 Estes indicadores são calculados com base numa amostra estratificada desproporcional. Devido à heterogeneidade de comportamentos de consumo, e com o objectivo de reduzir o erro amostral global, em vez de se ampliar a amostra total, a Marktest opta pelo processo over-sampling aplicando um índice de ponderação aos grupos que apresentam maior heterogeneidade, de forma a que cada grupo contribua para os resultados globais segundo o seu peso real, e não segundo o seu peso amostral. A fórmula de obtenção dos ponderadores é a seguinte: Pond =% Ni  (corresponde a um segmento do Universo)/ %n2 (amostra desproporcional). Relativamente aos indicadores sexo, idade, classe social e região geográfica são calculados tomando a seguinte fórmula: adh%=rat% do programa na amostra x: "n.º de índivíduos do alvo / rat% do programa no universo x". Os resultados correspondentes dão-nos o "índice de adesão".

 

 

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*Ana Paula Menezes Fernandes. Licenciada em Sociologia (ISCTE). A correspondência pode ser enviada para o endereço ana.menezes@mail.IEFP.pt ou Direcção de Serviços de Estudos do IEFP, Rua de Xabregas n.º 52, 1949-003 Lisboa.

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