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Revista Portuguesa de Pneumologia

Print version ISSN 0873-2159

Rev Port Pneumol vol.16 no.4 Lisboa Aug. 2010

 

Colonização por Staphylococcus aureus resistente à meticilina: Que impacto na morbilidade de doentes pediátricos com fibrose quística?

 

Joana Fermeiro 1, Patrícia Reis 1, Susana Castanhinha 1, Luísa Pereira 2, Celeste Barreto 3

1 Interna do Internato Complementar de Pediatria

2 Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria

3 Chefe de Serviço de Pediatria

Centro Especializado de Fibrose Quística, Departamento da Criança e da Família do Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE

Director: Professor Doutor João Gomes-Pedro

Correspondência

 

Resumo

Introdução: Ao Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) é lassicamente reconhecido um papel patogénico no âmbito da fibrose quística (FQ). Objectivos: Avaliação da evolução da prevalência e incidência da colonização por MRSA, impacto clínico no ano após o primeiro isolamento, factores de risco e padrão de resistência antimicrobiana.

Métodos: Estudo retrospectivo dos doentes pediátricos colonizados por MRSA seguidos no centro de FQ do Hospital de Santa Maria de 2003 a 2007.

Resultados: O MRSA foi isolado em secreções respiratórias de 12 dos 60 doentes seguidos durante este período (colonização crónica em 3 doentes). A idade média à data do primeiro isolamento foi de 9 anos e 10 meses e o tempo médio entre o diagnóstico de FQ e a aquisição de MRSA de 5 anos e 7 meses. Verificou-se um aumento da prevalência e incidência de colonização por MRSA, com um máximo atingido em 2007 (prevalência 14,3% e incidência 8,9%). Quatro doentes cumpriram antibioticoterapia profiláctica antiestafilocócica com flucloxacilina. No ano após o primeiro isolamento de MRSA, constatou -se um aumento do número de dias de internamento em 4 doentes (2 com colonização crónica) e deterioração da função pulmonar em 5, incluindo a totalidade dos doentes com colonização crónica. Apenas um doente apresentou diminuição de percentil de índice de massa corporal. As resistências mais frequentemente encontradas foram à rifampicina e à clindamicina.Conclusões: Este estudo revelou ocorrência de deterioração clínica relevante em doentes com colonização crónica por MRSA, reforçando a importância da implementação de estratégias eficazes e precoces de erradicação.

Palavras-chave: Fibrose quística, MRSA, erradicação.

 

The impact of methicillin-resistant Staphylococcus aureus colonisation on paediatric cystic fibrosis patients’morbidity

Abstract

Background: Methicillin-resistant Staphylococcus aureus (MRSA) plays a well-recognised pathogenic role in cystic fibrosis (CF).

Aims: To evaluate the prevalence and incidence of colonisation by MRSA, clinical impact of MRSA colonisation (year after first MRSA isolation), risk factors and pattern of antimicrobial resistance.

Methods: Retrospective review of paediatric CF patients colonised with MRSA followed-up at the CF Unit of Hospital de Santa Maria 2003-2007.

Results: Twelve of the 60 patients followed-up during this period were MRSA-positive at some time (chronic colonisation in 3 patients). Mean age at acquisition was 9 years 10 months and mean time interval between CF diagnosis and MRSA acquisition 5 years 7 months. An important rise in MRSA colonisation prevalence and incidence was observed, with the highest rate seen in 2007 (prevalence 14.3% and incidence 8.9%). Four patients had received anti-staphylococcal prophylaxis with flucloxacillin. An increase in the total number of in-patient days was observed in four patients (two with chronic colonisation). Deterioration in lung function was seen in five patients (including the three patients with chronic colonisation). Only one patient had a decrease in body mass index percentile. Resistance to clindamycin and rifampin was the most frequently seen.

Conclusions: This study revealed significant clinical deterioration in patients with chronic colonisation by MRSA, reinforcing the importance of effective and timely decolonisation strategies.

Key-words: Cystic fibrosis, MRSA, decolonisation.

 

Introdução

A fibrose quística (FQ) é uma doença genética com atingimento multissistémico, cuja morbilidade e mortalidade é predominantemente condicionada pela deterioração da função pulmonar no contexto de infecção e inflamação crónicas1.

A erradicação de potenciais patogénios do aparelho respiratório e o tratamento precoce e eficaz de exacerbações pulmonares constituem então objectivos basilares da estratégia terapêutica destes doentes1,2.

Nos últimos anos, assistiu-se a uma alteração significativa do padrão epidemiológico das infecções bacterianas do aparelho respiratório dos doentes com FQ, com emergência de vários patogénios multirresistentes, nomeadamente o Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA)1,3,4.

Esta evolução atribui-se provavelmente à maior sobrevida dos doentes e à pressão selectiva da antibioticoterapia usada 1,3. O MRSA foi isolado pela primeira vez em 19615, a resistência antimicrobiana sendo conferida pelo gene mec A que codifica uma proteína de ligação à penicilina adicional única (PBP2a) com afinidade diminuída para os â-lactâmicos6.

A prevalência de infecção por MRSA na população geral e em particular nos doentes com FQ tem aumentado significativamente nas últimas décadas4,7-10. Difere consideravelmente entre países e poderá correlacionar-se com a prevalência nosocomial de MRSA em cada país3. Estudos recentes documentam uma prevalência de colonização por MRSA em doentes com FQ de 5 a 18% em alguns países europeus3,11,12.

Apesar de a infecção por MRSA ser  classicamente perspectivada como uma infecção de origem nosocomial, vários estudos evidenciam um aumento da incidência de MRSA adquirido na comunidade (CA -MRSA) na população geral13-15. A epidemiologia molecular das estirpes de MRSA que colonizam o aparelho respiratório dos doentes com FQ é complexa e tem sido alvo de múltiplos estudos16-18. Glikman et al. identificaram estirpes de CA-MRSA em 26,5% dos isolamentos de MRSA em secreções respiratórias de doentes pediátricos com FQ16. Constatou-se ainda que as estirpes da comunidade foram isoladas com maior frequência nos doentes com colonização inicial16.

Considera-se que os factores de risco identificados para aquisição de MRSA na população geral, nomeadamente antibioticoterapia e hospitalização prévias, admissão em unidade de cuidados intensivos, exposição a doentes colonizados por MRSA e presença de cateter venoso central aplicam-se frequentemente aos doentes com FQ19. No que diz respeito à identificação de factores de risco especificamente em doentes com FQ, um estudo retrospectivo verificou que a aquisição de MRSA se associa a internamentos hospitalares mais prolongados e à administração de alguns antibióticos, particularmente ciprofloxacina e/ou cefalosporinas19. A profilaxia antibiótica antiestafilocócica com flucloxacilina não parece associar-se a um risco acrescido de aquisição de MRSA19.

Embora seja classicamente reconhecido um papel patogénico do MRSA no âmbito da FQ, a sua repercussão clínica a longo prazo não se encontra ainda completamente esclarecida2. Nalguns estudos não houve evidência de deterioração clínica significativa associada à colonização por MRSA20,21. Contudo, um estudo retrospectivo, incluindo apenas doentes em idade pediátrica, demonstrou que os doentes com FQ colonizados por MRSA necessitaram de mais ciclos de antibioticoterapia e apresentaram também scores radiológicos mais baixos e compromisso significativo da estatura22. Vários estudos (populações pediátrica e adulta) evidenciaram ainda declínio de VEMS significativamente mais acentuado no contexto de infecção por MRSA23-25.

Por outro lado, a colonização por MRSA condiciona consideravelmente a abordagem terapêutica do doente com FQ e obriga a um isolamento criterioso de contactos, constituindo um possível factor de estigmatização e isolamento social. É ainda considerada um factor de risco para o transplante pulmonar26. Apesar de não ser consensual que a colonização por MRSA se associe a uma maior morbilidade na FQ, têm sido desenvolvidos e implementados múltiplos protocolos de tratamento e erradicação de MRSA2,27,28.

Os autores procederam a um estudo retrospectivo com o objectivo de avaliar a evolução da prevalência e incidência da colonização por MRSA, o impacto clínico dessa colonização (crónica vs intermitente) no ano após o primeiro isolamento, o padrão de resistência antimicrobiana e identificação de factores de risco para aquisição de MRSA no grupo pediátrico seguido no centro especializado de FQ do Hospital de Santa Maria (HSM), durante um período de 5 anos.

Este trabalho tem como objectivo final caracterizar a morbilidade e a abordagem terapêutica deste grupo de doentes e, de acordo com os resultados obtidos, avaliar a necessidade de estabelecer um novo protocolo de tratamento e erradicação de MRSA.

 

Material e métodos

Foi realizado um estudo retrospectivo dos doentes pediátricos colonizados por MRSA seguidos no centro especializado de FQ do HSM durante um período de 5 anos (Janeiro de 2003 a Dezembro de 2007).

A análise dos processos clínicos de consulta e internamento englobou a colheita dos seguintes dados anamnésicos: sexo, genótipo, idade de diagnóstico de FQ, idade de aquisição de MRSA, idade no final do período do estudo, colonização por outros patogénios respiratórios e identificação da realização prévia de antibioticoterapia profiláctica anti estafilocócica. No nosso centro é instituída sistematicamente terapêutica profiláctica contínua com flucloxacilina durante os dois primeiros anos de vida após um primeiro isolamento de  taphylococcus aureus sensível à meticilina (MSSA).

Procedeu-se à análise dos resultados de exames bacteriológicos de secreções respiratórias com isolamento de MRSA durante o período do estudo e respectivo padrão de sensibilidade antimicrobiana. As amostras de secreções respiratórias foram predominantemente obtidas por expectoração. Nos doentes incapazes de expectorar, as secreções respiratórias foram obtidas por aspiração profunda com sonda nasofaríngea e induzindo a tosse. A colonização crónica foi definida como a ocorrência de três ou mais isolamentos consecutivos de MRSA durante um período de 6 meses com pelo menos um mês de intervalo entre eles29. A colonização intermitente foi definida como o isolamento de MRSA em pelo menos uma amostra de secreções respiratórias e inexistência de critérios de colonização crónica.

Foram também avaliados o número de dias de internamento, os resultados do estudo funcional respiratório (VEMS, VEMS/CVF e DEM75/DEM25) e o percentil de índice de massa corporal (IMC) um ano antes do isolamento inicial de MRSA e um ano depois.

 

Resultados

Foi isolado MRSA em secreções respiratórias de 12 dos 60 doentes pediátricos em seguimento durante este período, tendo-se constatado um predomínio do sexo feminino (67%). A idade média no final do estudo foi de 12 anos e de 4 meses (2 anos e 7 meses – 18 anos e 4 meses). O diagnóstico de FQ foi feito durante o primeiro ano de vida em 6 doentes (50%). O genótipo mais prevalente foi a homozigotia para a mutação F508del (42% dos doentes). Verificou -se ocorrência de colonização crónica por MRSA em três doentes. No subgrupo de doentes com colonização intermitente, destaca-se uma elevada percentagem de isolamento único de MRSA (89%). A idade média à data do primeiro isolamento foi de 9 anos e 10 meses (11 meses – 18 anos e 1 mês) e, nesta altura, vários doentes apresentavam já colonização crónica por outros patogénios respiratórios, nomeadamente MSSA e Pseudomonas aeruginosa (6 e 5 doentes, respectivamente). O tempo que mediou entre o diagnóstico de FQ e a aquisição de MRSA foi de 5 anos e 7 meses. Os intervalos mais curtos foram observados nos três doentes com idade de diagnóstico de FQ mais tardia. Num desses doentes o diagnóstico de FQ e o isolamento de MRSA foram temporalmente coincidentes.

No que diz respeito à evolução da prevalência de colonização por MRSA durante o período do estudo, destaca-se a ocorrência de um pico de prevalência em 2007 (14,3%) após um período de oscilações pouco amplas nos quatro anos precedentes (7,3% em 2003, 6,8% em 2004, 8,3% em 2005 e 7,8% em 2006). Relativamente à incidência da colonização por MRSA, registou-se igualmente um pico de incidência no último ano do estudo (8,9%), que corresponde a uma quase duplicação do observado na maioria dos anos anteriores (4,9% em 2003, 4,5% em 2004, 4,2% em 2005 e 1,9% em 2006).

O número total de doentes em seguimento aumentou progressivamente ao longo dos anos estudados: 41 em 2003, 44 em 2004, 48 em 2005, 51 em 2006 e 56 em 2007. Este facto corrobora que o aumento de prevalência e incidência observados no último ano do estudo traduz um aumento efectivo do número absoluto de doentes pediátricos colonizados com MRSA. No que concerne à colonização crónica, verificou-se um aumento progressivo da mesma durante os anos do estudo: 2% em 2003 e 2004, 4% em 2005 e 2006 e 5% em 2007. Assim, para o aumento da prevalência e de incidência de colonização por MRSA verificado contribuiu simultaneamente o aumento do número de doentes com colonização crónica e colonização intermitente.

Durante o período abrangido pelo estudo, constatou-se uma tendência de aumento da prevalência de isolamentos de MRSA na totalidade dos doentes com infecção por Staphylococcus aureus em seguimento no HSM (doentes com e sem FQ), tendo o valor máximo (39%) sido atingido em 2007 (Quadro 1). Relativamente à evolução da percentagem de isolamentos de MRSA em doentes pediátricos com infecção por Staphylococcus aureus no referido período, verificou -se uma oscilação das mesmas nos diferentes anos, sem uma clara tendência de aumento (Quadro I). Durante o período do estudo foi instituída antibioticoterapia profiláctica anti–estafilocócica com flucloxacilina a 16 doentes. No que diz respeito ao grupo de doentes sobre o qual incidiu o presente estudo (doentes colonizados por MRSA), foi realizada antibioticoterapia profiláctica em 4. Assim, a proporção de doentes que cumpriu antibioticoterapia profiláctica com flucloxacilina e que não adquiriu MRSA foi de 75%.

 

Quadro I – Percentagem de isolamento de MRSA por doente com infecção por Staphylococcus aureus

 

No ano após o primeiro isolamento de MRSA, constatou-se um aumento do número de dias de internamento em 4 doentes (2 com colonização crónica) e deterioração da função pulmonar em 5 (incluindo a totalidade dos doentes com colonização crónica). Apenas um doente (colonização intermitente) apresentou diminuição de percentil de IMC.

Todas as estirpes isoladas eram sensíveis à vancomicina. As resistências mais frequentemente encontradas foram à rifampicina e à clindamicina, em 53% e 45% de todos os isolamentos, respectivamente. Verificou-se sensibilidade ao ácido fusídico em 76% dos isolamentos.

 

Discussão

Durante o período do estudo, verificou-se um aumento da prevalência e incidência da colonização por MRSA na população de doentes pediátricos com FQ. Esta evolução é concordante com a que tem sido observada em vários centros de FQ nos últimos anos4,7-10. Contudo, a prevalência observada no nosso centro em 2007 (14,3%) constitui já uma prevalência elevada e que implica uma série de considerações sobre os eventuais factores implicados. Como foi descrito anteriormente, constatou-se um aumento de prevalência de isolamentos de MRSA na totalidade dos doentes com infecção por Staphylococcus aureus em seguimento no HSM durante o período do estudo.

Poder-se-á então equacionar a possibilidade de o aumento da proporção de isolamentos de MRSA no próprio hospital durante o período do estudo ter constituído um factor determinante para o aumento de prevalência de colonização por MRSA objectivado na população pediátrica com FQ.

No mesmo período, a prevalência de colonização crónica por MSSA manteve-se relativamente estável (39-44%), tendo sofrido um decréscimo pontual em 2004 (27%)30.

O MSSA foi também o agente colonizador crónico mais frequente neste período30.

Durante os anos relativos a este estudo não houve qualquer alteração no esquema já descrito de profilaxia antiestafilocócica instituída aos doentes.

A antibioticoterapia profiláctica anti–estafilocócica ainda permanece controversa, nomeadamente no que diz respeito ao balanço entre benefício e risco da sua realização, escolha de antibiótico e duração da terapêutica.

Alguns centros de FQ advogam que a terapêutica profiláctica poderá favorecer o desenvolvimento de resistências antimicrobianas e que esse risco se sobrepõe ao benefício da diminuição da colonização crónica por MSSA, pelo que optam por não a instituir31.

Outros centros consideram que o aumento da prevalência de colonização crónica por MSSA, condicionado pela não instituição de terapêutica profiláctica, poderá ser o factor determinante para a selecção de estirpes resistentes, ao obrigar a administrações mais frequentes de antibioticoterapia no contexto de agudizações respiratórias por MSSA31. Quatro doentes com posterior isolamento de MRSA cumpriram profilaxia antibiótica antiestafilocócica com flucloxacilina, o que corresponde a 25% do total em seguimento durante o período do estudo que realizaram antibioticoterapia profiláctica. Deste modo, não se verificou que a profilaxia com flucloxacilina se associasse a um risco aumentado de aquisição de MRSA.

Num estudo retrospectivo desenhado para avaliar especificamente factores de risco associados à colonização por MRSA em doentes com FQ, verificou-se igualmente que a profilaxia com flucloxacilina não se associou a um risco aumentado de  aquisição de MRSA19.

É consensualmente aceite e preconizada pelos vários centros de FQ a importância fulcral da prevenção da infecção cruzada, e em particular do contágio por MRSA, mediante a implementação de medidas de controlo de infecção eficazes7,32,33. Dever-se-á, no entanto, ter sempre como premissa fundamental a minimização do isolamento e estigmatização destes doentes. No nosso centro de FQ encontram-se implementadas medidas de controlo de infecção cruzada por MRSA, mediante o isolamento de doentes colonizados por MRSA durante o período de internamento, bem como nas observações em regime ambulatório realizadas em dias diferentes dos de outros doentes sem colonização por este patogénio. Procura-se ainda incentivar a permanência tão curta quanto possível na sala de espera.

O MRSA é perspectivado como um patogénio essencialmente hospitalar. Todavia, alguns estudos documentaram aquisição de estirpes de MRSA da comunidade por doentes com FQ, com maior expressão na população pediátrica16,17.

No presente estudo, os intervalos de tempo mais curtos que mediaram entre o diagnóstico de FQ e a aquisição de MRSA ocorreram nos três doentes com idade de diagnóstico mais tardia. Este facto poderá sugerir a possível implicação de estirpes de MRSA adquiridas na comunidade e a provável contribuição adicional de factores de risco para a aquisição de MRSA ainda por identificar. A realização futura de um estudo de carácter epidemiológico permitiria a identificação da origem da estirpe de MRSA (nosocomial vs comunitária) e de eventual concordância molecular entre as diferentes estirpes isoladas, esta última, a verificar -se, altamente sugestiva da ocorrência de infecção cruzada.

No que concerne às resistências antimicrobianas encontradas neste estudo, salienta-se a inexistência de resistência à vancomicina e a ocorrência de resistência à rifampicina e clindamicina em 53% e 45% de todos os isolamentos, respectivamente. Estas constituíram as resistências antimicrobianas mais frequentemente encontradas, distinguindo-se dos resultados encontrados por um estudo realizado por Valenza et al. num centro de FQ na Alemanha, em que a resistência à clindamicina foi a mais prevalente (75%), não tendo contudo sido identificada nenhuma estirpe resistente à rifampicina no período abrangido pelo estudo (ano de 2006)3. A elevada taxa de resistência à clindamicina constatada no presente estudo pode sugerir a predominância de estirpes nosocomiais de MRSA.

No nosso centro de FQ preconiza-se a instituição sistemática de antibioticoterapia aquando do isolamento inaugural de MRSA, mesmo que o doente não cumpra critérios de exacerbação pulmonar em período temporalmente coincidente. Em isolamentos subsequentes é instituída antibioticoterapia apenas quando existe repercussão clínica concomitante. A escolha da antibioticoterapia é inicialmente orientada pelo antibiograma do isolamento precedente (em casos de colonização prévia) e, posteriormente, ajustada de acordo com o antibiograma do isolamento em questão. No nosso centro não é ainda efectuada de modo sistemático a pesquisa de colonização mucocutânea por MRSA, mediante a realização de zaragatoas nasal, da orofaringe, axilar e da região inguinal. Em situações da isolamento de MRSA a nível mucocutâneo, é fundamental a instituição de antibioticoterapia tópica (ex: mupirocina nasal, vancomicina oral) e realização de banho com clorexidina2.

As estratégias implementadas para erradicação de MRSA não apresentam uniformidade entre os diferentes centros de FQ. De facto, a literatura actual é ainda limitada no que diz respeito à realização de estudos sobre a erradicação deste patogénio em doentes com FQ, nomeadamente em idade pediátrica2,28. Até à data não foi realizado nenhum estudo comparativo da eficácia de diferentes protocolos de erradicação. Um estudo prospectivo realizado por Macfarlane et al. (Centro de FQ Pediátrico da Irlanda do Norte) durante um período de 5 anos (1999 a 2004), incluindo apenas doentes com colonização intermitente por MRSA, documentou a erradicação de MRSA em 94% dos doentes (16 em 17), mediante a aplicação de um protocolo de erradicação trietápico: terapêutica com ácido fusídico e rifampicina oral durante 5 dias, seguida de repetição do esquema de antibioticoterapia oral já descrito nos doentes sem erradicação sucedida e antibioticoterapia ndovenosa adicional com teicoplanina durante 10 a 14 dias nos doentes sem erradicação prévia2.

O impacto clínico a longo prazo da colonização por MRSA em doentes pediátricos com FQ não se encontra ainda completamente esclarecido, permanecendo alvo de inúmeros estudos.

Estudos recentes, englobando populações pediátrica e adulta, documentaram declínio significativo do VEMS no contexto de colonização por MRSA23-25. No presente estudo, verificou -se aumento da morbilidade no ano subsequente ao isolamento inaugural de MRSA, nomeadamente no grupo de doentes com colonização crónica. Verificou-se a deterioração da função pulmonar na totalidade dos doentes com colonização crónica e aumento do número de dias de hospitalização em 2 dos 3 doentes com colonização crónica por MRSA.

A instituição precoce de medidas de erradicação de MRSA, antes da colonização crónica estabelecida, parece assumir importância fulcral.

 

Conclusões

Este estudo revelou ocorrência de deterioração clínica importante em doentes com colonização crónica por MRSA, reforçando a importância da implementação de estratégias eficazes e precoces de erradicação deste patogénio. Contudo, não foi possível estabelecer uma correlação consistente entre a colonização intermitente por MRSA e a ocorrência de maior morbilidade nesses doentes. Não se verificou que a profilaxia com flucloxacilina se associasse a um risco aumentado de aquisição de MRSA. Consideramos ser obrigatório intensificar as medidas de prevenção primária de contágio por MRSA, nomeadamente através de isolamento de contactos, e ainda promover a erradicação precoce deste agente mediante a implementação de novo protocolo.

 

Agradecimentos

Ao Professor Doutor Melo Cristino (laboratório de Bacteriologia), pela cedência dos dados relativos à prevalência de isolamento de MRSA nos doentes com infecção por Staphylococcus aureus seguidos no HSM durante os anos referentes ao estudo.

 

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Correspondência/Correspondence to:

Departamento da Criança e da Família do Hospital de Santa Maria

Avenida Professor Egas Moniz

1649-035 Lisboa

e-mail: jsnfermeiro@hotmail.com

 

Recebido para publicação/received for publication: 09.07.13

Aceite para publicação/accepted for publication: 10.01.07