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Revista Portuguesa de Pneumologia

Print version ISSN 0873-2159

Rev Port Pneumol vol.16 no.1 Lisboa Jan. 2010

 

Silicose – Breve revisão e experiência de um serviço de pneumologia

 

Cláudia Santos1, Ana Norte1, Fátima Fradinho2, Alexandra Catarino2, António Jorge Ferreira2, Mário Loureiro3, M Fontes Baganha4

 

1 Interna Complementar de Pneumologia/Pulmonology Resident

2 Assistente Hospitalar de Pneumologia/Pulmonology Consultant

3 Director do Serviço de Pneumologia dos HUC/Director, Pulmonology Ward, HUC

4 Director do Departamento de Ciências Pneumológicas e Alergológicas dos HUC/Director, Pulmonology and Allergology Sciences Department, HUC

 

Correspondência

 

Resumo

A silicose é uma doença pulmonar, fibronodular intersticial difusa, causada pela inalação de sílica cristalina.

A propósito desta patologia procedeu-se a uma breve revisão do tema, focando os aspectos mais importantes e, posteriormente, à análise retrospectiva dos processos de 84 doentes internados no Serviço de Pneumologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), num período de 10 anos, cujo diagnósticoprincipal ou secundário foi silicose. Apresentam-se os aspectos clínicos mais relevantes, bem como as conclusões retiradas desta revisão.

Os autores destacam a história ocupacional dos doentes, as alterações do estudo funcional ventilatório, os achados imagiológicos e as complicações associadas.

Palavra-chave: Silicose.

 

Abstract

Silicosis is a diffuse interstitial fibronodular lung disease, caused by the inhalation of crystalline silica. We undertook a brief review of the topic, focusing on the most important aspects and performed a retrospective analysis of 84 patients admitted to the Pulmonology Ward of the Coimbra University Hospital over a 10-year period whose main or secondary diagnosis was silicosis. We also present the most relevant clinical features and the conclusions drawn from this review.

The authors assess patients’ occupational history, changes in respiratory function study, the imaging findings and the associated complications.

Key-word: Silicosis.

 

Introdução

A silicose é uma doença ocupacional do pulmão, fibronodular intersticial difusa, causada pela inalação de sílica cristalina (nas formas de quartzo – a mais frequente – mas também cristobalite, tridimite, stishovite e coesite)1.

A silicose é talvez a pneumoconiose mais antiga. Foi Visconti, em 1870, que utilizou o termo silicose pela primeira vez, mas esta já tinha sido descrita em múmias do antigo Egipto e Grécia2. Também Hipócrates a descreveu ao observar dificuldade respiratória nos escavadores de metal e foi descrita no século XVI nos mineiros da Boémia e nos cortadores de pedra no século XVIII.

É a principal causa de invalidez entre as doenças respiratórias ocupacionais. Em 2001, o European Occupational Disease Statistics (EODS) classificou-a como a sexta doença respiratória ocupacional mais frequente3.

Em Portugal é a patologia respiratória mais notificada.

É uma patologia rara antes dos 50 anos de idade e é mais comum no sexo masculino devido ao tipo de profissão exercida4.

A sílica é um componente major da crosta terrestre, pelo que qualquer ocupação que perturbe a crosta terrestre ou exponha o trabalhador ao uso ou processamento de rochas ou areia que contenham sílica tem riscos potenciais5.

São actividades de risco a extracção e o trabalho em rochas, como granito e pedras em geral, mineração (ouro, arsénio, estanho, pedras preciosas, carvão), pedreiras e túneis, perfuração de poços, indústrias de cerâmica, materiais de construção, borracha, fabrico de vidro e fertilizantes (rocha fosfática), fundições e produção de talco, decapagem com jacto de areia, rebarbação, polimento de metais e minerais com abrasivos que contêm sílica, actividades de manutenção e limpeza de fornos, moinhos e filtros, entre outras6. Entre 1994 e 2000 foram descritos nove casos de silicose em técnicos de laboratório dentário nos EUA7, porque alguns dos materiais e métodos utilizados podem gerar pó com cristais de sílica.

A apresentação clínica desta patologia depende essencialmente da intensidade e da duração da exposição8. Assim, a silicose pode tomar as formas de silicose aguda ou silicoproteinose, silicose acelerada e silicose crónica – simples ou complicada, de acordo com os achados radiológicos.

A silicose aguda ou silicoproteinose, assim designada devido à semelhança histológica com a proteinose alveolar, desenvolve-se entre alguns meses a 5 anos após exposição maciça a sílica livre – sobretudo nos trabalhadores de decapagem com jacto de areia9.

A evolução é habitualmente fulminante, com tosse, dispneia rapidamente progressiva, perda ponderal, insuficiência respiratória e morte precoce (a sobrevida é de cerca de 10 anos10). A sintomatologia pode mesmo preceder os achados radiográficos. Do ponto de vista histopatológico, encontra-se habitualmente lesão de pneumócitos tipo I, alveolite linfocítica (com predomínio de linfócitos CD8)11, exsudato no lúmen alveolar constituído por material lipoproteináceo PAS+ (semelhante à proteinose alveolar), pneumócitos tipo II hipertróficos e aumento da produção de fosfolípidos, nomeadamente o dipalmitol lecitina12. A telerradiografia torácica evidencia um padrão de infiltrado alveolar bilateral, com distribuição difusa e, na tomografia computorizada de alta resolução (TCAR) do tórax, opacidades em vidro despolido, espessamento septal e imagens de condensação com distribuição geográfica ou regional12.

A silicose acelerada é clinicamente aparente 5 a 10 anos após a primeira exposição a concentrações pesadas de sílica. É clínica, histológica e imagiologicamente semelhante à forma de silicose crónica, diferenciando-se apenas pelo desenvolvimento mais rápido.

A silicose crónica é a forma de apresentação mais comum12 e é clinicamente aparente cerca de 15 anos após a primeira exposição à sílica livre, com doses baixas de partículas.

Tem uma evolução insidiosa, sendo inicialmente assintomática, tendo os doentes uma sobrevida média de 40 anos10. A silicose crónica simples cursa habitualmente com dispneia de esforço progressiva e tosse crónica, inicialmente seca e posteriormente com expectoração.

A silicose crónica complicada está associada a sintomatologia mais grave.

Do ponto de vista histológico, a silicose crónica simples exprime-se por nódulos silicóticos, constituídos por camadas concêntricas de tecido conjuntivo, apresentando uma zona central acelular, com partículas de sílica livre e colagénio maduro de evolução hialina (esta zona central pode necrosar ou calcificar), uma zona intermédia com fibroblastos e colagénio, e uma zona periférica, local de alargamento activo do nódulo e de inflamação, constituída por macrófagos, fibroblastos e sílica livre. Os nódulos localizam-se habitualmente no interstício, sobretudo nas regiões posteriores dos lobos superiores, em redor dos bronquíolos respiratórios e vasos, nas regiões subpleurais, na pleura visceral e nos gânglios linfáticos12.

Radiologicamente, caracteriza-se por infiltrado micronodular (nódulos de 1 a 10 mm – classificação International Labor Office p, q ou r) b pulmonares superiores, com adenopatias hichronic lares e mediastínicas (calcificação em casca de ovo em 5% dos casos4).

A silicose crónica complicada caracteriza-se pela coalescência dos nódulos com formação de grandes massas conglomeradas, designando-se então por fibrose maciça progressiva (FMP). Pode haver calcificação amorfa, os nódulos podem cavitar ou complicar com pneumotórax. Quando as massas são unilaterais é muito difícil o diagnóstico diferencial com lesões neoplásicas13.

Os doentes podem, numa fase inicial, não apresentar alterações funcionais ventilatórias.

À medida que a doença progride, as alterações podem ser obstrutivas, restritivas ou mistas10. Nas formas agudas verifica–se um predomínio do padrão ventilatório restritivo e nas formas crónicas o padrão obstrutivo.

O padrão obstrutivo é muito mais frequente entre indivíduos com exposição à sílica e, concomitantemente, ao tabaco14.

Nas formas evoluídas salienta-se ainda diminuição da difusão alveolocapilar pelo CO e diminuição da compliance pulmonar.

O diagnóstico de silicose é baseado na história de exposição à sílica, implicando uma cuidadosa anamnese profissional, e nas alterações radiográficas já referidas, excluindo outras patologias que a podem mimetizar15.

Raramente é necessário recorrer à biópsia pulmonar para o diagnóstico.

As complicações mais habituais da silicose são a infecção por micobactérias tuberculosas e não tuberculosas, doenças do tecido conjuntivo (esclerose sistémica progressiva, artrite reumatóide e lúpus eritematoso sistémico), insuficiência renal crónica, neoplasia pulmonar, DPOC, cor pulmonale, bolhas e pneumotórax espontâneo.

Não existe terapêutica específica para a silicose, devendo apostar-se na prevenção das complicações, na eliminação da exposição continuada à poeira de sílica – salientando-se no entanto que, uma vez instaurada a silicose, o afastamento dos locais de trabalho não impede a evolução do processo pneumoconiótico10 – e no controlo da insuficiência respiratória crónica. Têm sido propostos vários fármacos e procedimentos, como a lavagem pulmonar total, que, apesar de promissores, necessitam de mais investigação.

A transplantação pulmonar constitui uma opção potencial para o estádio final desta patologia e deverá ser seriamente considerada em contexto clínico apropriado.

A prevenção é fundamental e abrange não só o controlo da fonte de poluição, com modificação do processo de produção de modo a gerar menos poeira e eventual alteração da forma do produto que contém sílica (substituir pó por suspensão líquida), passando pela melhor ventilação do local de trabalho, a modificação da conduta de trabalho e as medidas pessoais. De realçar que todas as tentativas deverão ser feitas para evitar ou minimizar a exposição por outros meios antes de recorrer ao equipamento de protecção respiratória individual, uma vez que uma máscara, por exemplo, pode ser desconfortável para o trabalhador, sobretudo em ambientes muito quentes, e este tende a removê-la.

 

Objectivo

Com este estudo pretendeu-se caracterizar os casos de silicose internados no Serviço de Pneumologia dos HUC durante 10 anos.

 

Material e métodos

Procedeu-se à análise retrospectiva de processos de doentes internados entre 1996 e 2006, cujo diagnóstico principal ou secundário foi de silicose.

Avaliou-se o sexo, a idade, o motivo de internamento, os hábitos tabágicos, a história ocupacional, o tipo de silicose, o estudo funcional ventilatório, as alterações imagiológicas, os métodos diagnósticos invasivos utilizados e o grau de incapacidade profissional.

 

Resultados

Neste período de 10 anos foram internados, no Serviço de Pneumologia dos HUC 84 doentes com diagnóstico principal ou secundário de silicose. A população de doentes, com idades compreendidas entre os 26 e os 90 anos (média de 69,1 anos), era constituída por 82 indivíduos do sexo masculino e 2 do sexo feminino (Quadro I).

 

Quadro I – Caracterização da amostra

 

Quanto ao motivo de internamento, 48 doentes foram internados por infecção respiratória, 7 por insuficiência respiratória crónica agudizada e 6 por pneumotórax espontâneo.

Dos restantes, 6 foram internados para realização de biópsia transtorácica, 5 para estudo de nódulo pulmonar, 4 admitidos para reavaliação da doença, 3 por silicotuberculose, 3 por hemoptises e 2 por derrame pleural (Fig. 1). No que respeita aos hábitos tabágicos, 32 doentes eram ex -fumadores e 15 fumadores.

 

Fig. 1 – Motivo de internamento

 

A carga tabágica média era de 37,6 UMA. Vinte e cinco doentes eram não fumadores e em 12 não eram referidos os hábitos tabágicos (Fig. 2).

 

Fig. 2 – Hábitos tabágicos

 

A história ocupacional dos doentes era variada: mineiros (22 doentes – 13 dos quais nas minas da Panasqueira), trabalhadores da indústria cerâmica (18), de pedreiras de granito (9), abertura de poços (9), construção civil (7), decapagem com jacto de areia (3), fábrica de moagem (2) e outras menos relevantes (14). A duração de exposição foi, em média, de 26 anos (Fig. 3).

 

Fig. 3 – História ocupacional

 

A forma de silicose mais frequente foi a silicose crónica simples (55 doentes); 25 doentes apresentavam silicose crónica complicada e em 4 o diagnóstico de silicose foi um achado histológico (Fig. 4).

 

Fig. 4 – Forma de silicose

 

O estudo funcional ventilatório, realizado em 58 doentes, mostrou alterações em 56 deles, com padrão do tipo obstrutivo em 36, restritivo em 8 e misto em 12 (Fig. 5).

 

Fig. 5 – Estudo funcional ventilatório

 

A telerradiografia torácica evidenciou várias alterações: micronodulação (48), padrão intersticial (10), fibrose (10), fibrose maciça progressiva (8), alterações parenquimatosas inespecíficas (6), gânglios calcificados (6), pneumotórax (6), nódulo pulmonar (4) e sequelas de tuberculose (3) (Fig. 6).

 

Fig. 6 – Alterações da telerradiografia do tórax

 

A tomografia computorizada (TC) do tórax, realizada em 58 doentes, evidenciou micronodulação (26 doentes), gânglios calcificados (23), FMP (18), enfisema (10), bolhas (9) e nódulo pulmonar (7) (Fig. 7).

 

Fig. 7 – Alterações da TC do tórax

 

Foi efectuada biópsia pulmonar em 16 doentes, 4 dos quais já com diagnóstico conhecido de silicose, apresentando no entanto alterações imagiológicas de novo que necessitavam de esclarecimento. Desses 4 doentes, apenas em um foi demonstrada uma lesão cicatricial, sendo que nos restantes as alterações imagiológicas eram devidas à silicose. Nos restantes 12, o resultado histológico foi de nódulo silicótico em 4, que apresentavam nódulo pulmonar para esclarecimento e de silicose com partículas birrefringentes, e antracose nos restantes 8 (Fig. 8).

 

Fig. 8 – Resultados da biópsia pulmonar

 

Os doentes apresentavam à data do internamento várias comorbilidades, como: insuficiência respiratória crónica agudizada (29 doentes), tuberculose pulmonar prévia ou presentemente em actividade (28), DPOC (27), neoplasia pulmonar (7), pneumotórax (6), cor pulmonale (6), infecção pulmonar por Aspergillus (2), insuficiência renal crónica (1), esclerose sistémica (1) e Mycobacterium avium (1) (Fig. 9).

 

Fig. 9 – Comorbilidades

 

Durante o internamento, 28 doentes vieram a falecer.

A incapacidade profissional era referida em 25 doentes: 4 com 100% de incapacidade para a actividade profissional, 4 com 80%, 3 com 60%, 2 com 70% e em 12 o grau de incapacidade atribuído era inferior a 50% (Fig. 10).

 

Fig. 10 – Grau de incapacidade profissional

 

Discussão

Nesta série, tal como na literatura revista4, verificou-se um predomínio de doentes do sexo masculino (82), sendo a idade média de 69,1 anos, o que também está de acordo com o descrito, isto é, a silicose é uma patologia rara antes dos 50 anos4.

Verificou-se que a maioria dos doentes era constituída por fumadores e ex–fumadores (47 doentes no total). Apesar de na literatura não ser descrita relação directa entre silicose e tabagismo, é referida uma diferença na resposta de fumadores e ex-fumadores à exposição a mineração de rochas duras.

Relativamente à história ocupacional, verificou-se correspondência entre as exposições e ocupações referidas e as ocupações mais frequentemente associadas à silicose, nomeadamente a mineração, a indústria cerâmica, as pedreiras e a abertura de poços. De realçar o elevado número de doentes que trabalharam nas minas da Panasqueira, localizadas na serra do Açor, concelho da Covilhã. Destas minas são extraídos cacitrite, de onde provém o estanho, calcopirite, que dá o cobre, e a volframite, que tem múltiplas aplicações.

A silicose crónica simples foi a forma mais frequentemente encontrada, o que está de acordo com os dados da literatura. Curiosamente, nenhum dos trabalhadores de decapagem com jacto de areia (3) desenvolveram silicose aguda, forma frequentemente associada a esta exposição, o que poderá eventualmente ser explicado pela susceptibilidade individual.

As alterações da função ventilatória foram variadas, padrões ventilatórios obstrutivos, restritivos e mistos. É conhecido e está descrito este leque de padrões associados à silicose.

Dos doentes com síndroma ventilatória obstrutiva, a maioria apresentava uma silicose crónica simples. Dos 8 doentes com síndroma restritiva, 4 apresentavam silicose crónica simples e os outros 4 FMP.

Verificou-se um predomínio imagiológico do padrão de micronodulação (descrito na radiografia do tórax em 48 doentes e na TC do tórax em 26). É também de valorizar a fibrose maciça progressiva, encontrada na radiografia em 8 doentes e na TC do tórax em 18. Estas diferenças explicam-se pelo facto de a TC do tórax ser mais sensível do que a radiografia simples do tórax na detecção de silicose, melhorando a detecção de nódulos iniciais, coalescência de nódulos e enfisema induzido pela sílica16,17.

A biópsia pulmonar no diagnóstico da silicose só tem interesse quando este não pode ser feito clinicamente, sendo necessária para excluir outros diagnósticos. Nos 16 doentes que a realizaram, a biópsia mostrou nódulos silicóticos em 4. A biópsia pulmonar foi efectuada sobretudo nos casos de existência de nódulos pulmonares, sendo maioritariamente efectuada biópsia transtorácica. Deve ter-se em conta o facto de que alguns doentes internados tinham o diagnóstico de silicose já estabelecido.

A associação entre silicose e tuberculose pulmonar há muito que foi reconhecida, sendo que o risco de um doente com silicose desenvolver tuberculose é 2,8 a 39 vezes mais elevado do que na população em geral18.

Tem sido atribuída, pelo menos em parte, ao compromisso da função macrofágica alveolar pela sílica cristalina inalada9. A quimioprofilaxia da tuberculose nos doentes com silicose é muito importante, estando recomendada quando a prova de Mantoux tem uma induração igual ou superior a 10 mm, após exclusão de tuberculose activa.

Nesta série, 28 doentes tinham antecedentes de tuberculose pulmonar, sendo que 3 deles ainda se encontravam a fazer tratamento antibacilar à data do internamento.

A associação entre exposição à sílica, silicose e neoplasia pulmonar tem sido uma área de controvérsia. Em 1997 a Agência Internacional para Pesquisa contra o Cancro classificou a sílica cristalina como carcinogénio (Grupo 1), baseada na evidência “suficiente” da carcinogenicidade em animais de laboratório e na evidência “limitada” da carcinogenicidade em humanos9. Em 2000, o Programa Toxicológico Nacional dos EUA classificou a sílica como carcinogénio pulmonar, estando ainda por esclarecer os mecanismos patogénicos desta associação e se é necessário existir silicose ou apenas exposição à sílica para o aumento do risco de neoplasia pulmonar19. Na série analisada, 7 doentes apresentaram neoplasia pulmonar, sendo que 4 deles eram carcinomas epidermóides e 3 adenocarcinomas. Na literatura revista, parece existir uma correlação entre FMP, adenopatias hilares e profusão dos pequenos nódulos pneumoconióticos relativamente ao tamanho do tumor à data da sua detecção20. Dos 7 doentes referidos, apenas 2 tinham silicose crónica complicada (FMP).

Dados epidemiológicos das últimas décadas são relativamente conclusivos de que a sílica também está implicada no desenvolvimento de doença renal e de doenças auto-imunes, como artrite reumatóide, lúpus eritematoso sistémico e esclerodermia. O dano renal pode resultar de toxicidade directa das partículas de sílica, deposição no rim de complexos imunes (IgA) ou de mecanismos auto-imunes21.

Uma revisão de 2005 estimou em 8800 o número de mortes por silicose em todo o mundo21.

Os 28 doentes deste estudo que faleceram apresentavam sobretudo falência cardiorrespiratória, insuficiência respiratória global com acidose respiratória e acidemia, estádios terminais de neoplasia pulmonar ou infecção respiratória em idade avançada.

A silicose, como doença ocupacional respiratória, associa-se à atribuição de um grau de incapacidade profissional para efeitos de reforma, sendo o exame da função respiratória factor essencial na determinação da invalidez respiratória10. Na série analisada, a incapacidade era referida em 25 doentes, apresentando a maioria (12) incapacidade inferior a 50%.

Em Portugal, no distrito do Porto, foi efectuado um estudo em 2005, respeitante às doenças profissionais, sendo a silicose a patologia mais notificada, correspondendo a 85% das doenças do aparelho respiratório declaradas. Resta saber se a elevada proporção de casos de silicose declarados é devida a falta de adopção de medidas preventivas nos locais de trabalho silicogénicos ou devida a maior notificação desta patologia por parte dos profissionais de saúde.

 

Conclusão

A silicose é a principal causa de invalidez entre as doenças respiratórias ocupacionais. O seu diagnóstico requer uma anamnese ocupacional cuidadosa, associada a alterações radiológicas características. Qualquer ocupação que implique contacto com a crosta terrestre ou que exponha o trabalhador a poeiras de sílica pode estar implicada. É necessário alto índice de suspeição, sobretudo em locais de trabalho poluídos. Esta doença associa-se a complicações importantes que podem conduzir à morte e não tem tratamento específico. A aposta deve ser feita na prevenção, sobretudo nos locais de trabalho, monitorizando a qualidade do ar e a concentração de poeira.

 

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Correspondência

Departamento de Ciências Pneumológicas e Alergológicas dos Hospitais da Universidade de Coimbra

Av. Bissaya Barreto e Praceta Prof. Mota Pinto

3000-075 Coimbra

email: claudiaraimundo80@gmail.com

 

Recebido para publicação/received for publication: 09.05.04

Aceite para publicação/accepted for publication: 09.07.08