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Comportamento Organizacional e Gestão

Print version ISSN 0872-9662

Comport. Organ. Gest. vol.14 no.1 Lisboa Apr. 2008

 

Conectando as conexões Luso-Brasileiras

 

 

Introdução a um Quadro de Amnésia

Os últimos quinhentos anos de história são a maior evidência de existência de conexões lusobrasileiras no âmbito das organizações e da gestão, mais obviamente no Brasil e em Portugal. Assim como conexões costumam ser definidas em sociologia (e.g., Cook & Emerson, 1978), as conexões luso-brasileiras são tão frágeis quanto poderosas. Elas compõem um tecido histórico-geográfico importante; porém, não são necessariamente visíveis, positivas, ou facilmente codificáveis e decifráveis. Muitas dessas conexões são conhecidas, muitas outras estão por serem descobertas. Algumas nos aproximam, portugueses e brasileiros, outras afastam-nos.

No final das contas, sendo mais ou menos visíveis, codificáveis ou decifráveis, não há dúvidas que tais conexões existem. Principalmente no Brasil, grande parte daquilo que experimentamos ou entendemos como organização ou gestão está relacionado a conexões luso-brasileiras que vêm sendo construídas, reconstruídas e também destruídas ao longo de séculos. Em Portugal, o cenário não é muito diferente. Estas conexões vão ainda mais longe, alcançando Moçambique, Angola e Cabo Verde. Também nas subsidiárias de grandes corporações dos Estados Unidos da América (EUA), Japão, Alemanha, China, México, Suécia ou Índia, por exemplo, no Brasil e em Portugal, as conexões lusobrasileiras fazem parte da realidade das organizações e da gestão.

Apesar disso, vivemos um inquietante e intrigante quadro de amnésia no Brasil e em Portugal no que diz respeito às conexões luso-brasileiras. Existe um claro descasamento entre a realidade das organizações e da gestão e o conhecimento académico produzido nos dois países. Esse descasamento parece afectar ainda mais os académicos e suas organizações do que os gestores. É muito provável, por exemplo, que se algumas instituições não estivessem celebrando, especialmente no Brasil, os duzentos anos da chegada da família real de Portugal ao país em 2008, a chamada de trabalhos que antecedeu a publicação deste número especial e esse número especial da Revista Comportamento Organizacional e Gestão não teriam ocorrido. Isto ilustra o poder deste quadro de amnésia entre os acadêmicos de Portugal e Brasil.

Este tipo de amnésia tem-se vindo a ampliar nos últimos anos em diversos países e regiões devido ao elevado poder alcançado pela tese do fim da história (Fukuyama, 1992) e pela tese da convergência do capitalismo (Hall & Soskice, 2001). Essas teses, amplamente difundidas pelos defensores dos discursos do neoliberalismo ao longo das duas últimas décadas, ofuscam a importância de abordagens plurais e multiculturais que vêm sendo defendidas por aqueles que o nos lembram que história e geografia fazem parte da realidade (Guillén, 2001; Caldas, 1997; Cabral Cardoso, 2006; Ibarra-Colado, 2006, Kelley et al., 2006).

Devido ao extraordinário poder alcançado por essas teses em quase todos os cantos do mundo, em especial no âmbito das organizações e da gestão, estamos certos de que o inquietante quadro de amnésia no contexto luso-brasileiro não será superado apenas por algumas iniciativas que venham a ser casualmente catalizadas por instituições que venham a celebrar algum outro evento histórico lusobrasileiro importante. Muitas outras iniciativas são necessárias para alterarmos esse quadro de amnésia. Nossa iniciativa deve então ser vista apenas como uma animada gota num oceano de possibilidades e responsabilidades.

Muitos outros esforços individuais e colectivos devem ser empreendidos para reconhecermos e lembrarmos que, tendo em vista a extensão e a intensidade da história luso-brasileira, é difícil agirmos nas organizações ou teorizarmos sobre organizações e gestão nos dois países sem sermos influenciados por conexões luso-brasileiras. Devemos ir um pouco além e reconhecer que as nossas práticas contemporâneas não são apenas influenciadas por essas conexões históricas; essas práticas também têm o poder de modificá-las, criá-las ou mesmo destruí-las.

Não importa muito se somos capazes de lembrar, reconhecer ou compreender essas conexões e as instituições correspondentes que as sustentam no tempo e no espaço. De uma forma ou de outra, pela porta dos fundos ou pela porta da frente, tais conexões e instituições – assim como história e geografia o fazem na era da globalização, apesar do poder alcançado pelas teses do fim da história e da convergência de capitalismos –se manifestam na realidade e ajudam a moldar essa realidade (Chang & Clegg, 2002).

O poder latente dessas conexões – a maioria das quais menosprezadas, esquecidas, ou desconhecidas – ajuda a explicar por que tanto decidimos voluntariamente (pela força da História) quanto fomos levados a produzir a chamada de trabalhos que resultou na publicação deste número especial da Revista Comportamento Organizacional e Gestão. É correcto então afirmar que instituições luso-brasileiras

– tais como aquelas que destacam a importância dos duzentos anos desde a chegada da família real portuguesa ao Brasil – são tão ou mais importantes do que nós, como agentes académicos individuais, para converter o poder latente das conexões em realidade visível.

A nossa preocupação com as instituições, um traço tipicamente luso-brasileiro, é explicada pelo entendimento de que conhecimento académico requer o apoio e o reconhecimento de diferentes tipos de instituição. Uma das razões mais importantes é o amplo domínio institucional anglo-americano no campo das organizações e gestão. Esse domínio anglo-americano é sustentado por organizações académicas, organizações internacionais (como Banco Mundial e Nações Unidas, por exemplo), pela indústria editorial, pela mídia especializada, por grandes firmas de consultoria e poderosos think tanks. Uma outra razão é a posição institucional frágil deste importante campo em relação a outros campos do conhecimento académico tais como economia, matemática, engenharia ou sociologia –, especialmente no Brasil e em Portugal (Faria, 2008).

 

Um Impulso Institucional para Superar a Amnésia

Diferentes autores argumentam que somos influenciados pelas instituições, em nossas práticas nas organizações. Somos influenciados também por instituições que inexistem. A inexistência de instituições académicas luso-brasileiras efectivas, ou a fragilidade das poucas instituições académicas luso-brasileiras existentes, em relação ao grande poder e alcance de instituições académicas que envolvem Brasil e Portugal com outros países – em especial a Inglaterra e os EUA – ajudam a explicar, por exemplo, por que as conexões luso-brasileiras ainda não receberam a devida atenção por académicos de gestão desses dois países. É difícil concorrer com as poderosas conexões anglo-americanas.

Também devemos reconhecer que as instituições académicas não existem (ou inexistem) no vácuo. O quadro académico de amnésia a respeito das conexões luso-brasileiras reflecte, em traços gerais, o panorama das ligações e conexões económicas e políticas entre Brasil e Portugal e o quadro institucional mais amplo correspondente. Com efeito, os intercâmbios económicos e políticos ficaram, durante grande parte do último século, muito aquém do que os laços históricos poderiam sugerir. O mesmo pode ser dito a respeito das instituições que sustentam, permitem e promovem tais intercâmbios. Na realidade, “tão próximos e tão distantes”, seria uma boa descrição das relações entre os dois países durante este período, não apenas no que diz respeito às vertentes económica e política, mas também à vertente cultural (no sentido mais amplo). Uma retórica de proximidade entre “países irmãos” revela-se afinal em grande parte ilusória, quando é confrontada com a realidade de distanciamento entre organizações e entre culturas. Trata-se de uma cultura “irmã”, mas afinal uma irmã tão distante em tantos aspectos, como reconhecido até mesmo por Geert Hofstede (holandês de nascimento).

É possível afirmar então que o quadro académico de amnésia no contexto luso-brasileiro está relacionado com um quadro institucional complexo, multifacetado e poderoso. Apenas os esforços feitos por instituições académicas não serão suficientes para alterar esse quadro de forma substancial. Obviamente, entretanto, o Encontro Anual da ANPAD poderia introduzir uma área especial focada nas conexões lusobrasileiras; o mesmo pode ser feito no âmbito do LAEMOS, ou mesmo da Academy of International Business, do EGOS, ou da Academy of Management.

Também é possível que periódicos académicos no Brasil sigam o exemplo da Revista Comportamento Organizacional e Gestão e produzam chamadas de trabalhos especiais, focadas em tipos específicos de conexão luso-brasileira. Por exemplo, o esforço pioneiro da Revista Portuguesa e Brasileira de Gestão, editada conjuntamente pelo ISCTE e pela Fundação Getulio Vargas há mais de cinco anos, pode passar a ser reconhecido como de central importância pelas instituições nacionais que classificam os periódicos em rankings específicos. Também é possível que o intercâmbio entre pesquisadores portugueses e brasileiros no campo da gestão seja efectivamente valorizado pelas principais instituições de pesquisa académica nos dois países, tais como o CNPq, a Capes e a FTC.

Entretanto, não devemos esperar que um movimento académico que defenda o resgate e reconhecimento das conexões luso-brasileiras nos âmbitos das organizações e da gestão – tendo em vista o contexto institucional mais amplo que ajuda a explicar o quadro de amnésia corrente – seja efectivo em sua total potencialidade se não considerarmos a necessidade de que outras instituições sejam mobilizadas. Na prática, a (re)conexão das conexões luso-brasileiras exige que, primeiramente, as mesmas sejam valorizadas.

 

Em Busca da Valorização das Conexões

No Brasil e em Portugal as conexões luso-brasileiras estão associadas a três conceitos fundamentais: paradoxo, ambivalência e ambiguidade. Reconhecer estes conceitos e decifrar os seus significados específicos são actos ou movimentos necessários não somente para compreendermos a importância de produção, publicação e difusão de conhecimento académico focado nessas conexões, mas também para sermos capazes de mobilizar outras instituições no sentido de reconhecerem a importância e o valor das mesmas.

De facto, substituir o quadro de amnésia por um quadro de valorização das conexões luso-brasileiras é importante não somente para académicos e instituições académicas no âmbito dos estudos organizacionais e da gestão em Portugal e no Brasil. É fundamental ressaltarmos que tais conexões são importantes também para um grande número de analistas e profissionais – de organizações privadas, públicas e não-governamentais – e diversos outros actores e instituições dos países que constituem (ou podem constituir) a complexa geografia luso-brasileira de organizações e gestão.

Além disso, as conexões luso-brasileiras não são importantes somente no Brasil e em Portugal para organizações brasileiras e portuguesas, respectivamente. As conexões luso-brasileiras são de crescente importância para organizações portuguesas no Brasil e de organizações brasileiras em Portugal, tendo em vista o crescente volume de investimentos directos estrangeiros feitos por empresas portuguesas no Brasil e por empresas brasileiras em Portugal nos últimos dez anos. Além do mais, essas conexões são muito importantes para a compreensão e desempenho de subsidiárias num crescente número de países e regiões em que empresas de Portugal e do Brasil passaram a operar na era da globalização. Correspondentemente, tais conexões são muito importantes para a compreensão e gestão de subsidiárias de empresas de todos os cantos do mundo que operam no Brasil e em Portugal.

Em termos menos directos, a construção de um quadro de valorização das conexões luso-brasileiras é importante também para explicar por que razão as teses de fim de história e de convergência difundidas por poderosas conexões anglo-americanas não são capazes, em termos gerais, de moldar as organizações e as instituições na era da globalização, e, em termos específicos, de moldar o campo do conhecimento académico em gestão.

Voltemos então aos três conceitos fundamentais. Paradoxo é o primeiro conceito que emerge quando pensamos nas conexões luso-brasileiras. Tanto no Brasil como em Portugal sabemos da importância do histórico intercâmbio entre os dois países para a constituição, para o desempenho e para a gestão das suas organizações. Paradoxalmente, entretanto, refletindo o estranho quadro de amnésia mencionado anteriormente, não existe literatura correspondente no campo da gestão. Contribui de forma decisiva para esse quadro paradoxal a inexistência de disciplinas de história e de geografia no currículo dos cursos de gestão nos dois países. Além disso, as disciplinas de gestão internacional ou negócios internacionais, as quais poderiam reconhecer e explorar as conexões luso-brasileiras, tornam esse quadro ainda mais problemático pelo facto de a grande maioria dos livros-texto ser produzida nos EUA (Guedes & Faria, 2007). Ademais, temos que lidar com a crescente influência das conexões anglo-americanas na definição dos curricula das escolas de gestão e nos sistemas de avaliação e acreditação. Finalmente, não podemos esquecer a fragilidade ou a inexistência de intercâmbios luso-brasileiros e instituições correspondentes que poderiam ser esperados em função da extensão e da intensidade da história luso-brasileira.

Ambivalência é o segundo conceito. Uma teoria do âmbito das redes sociais argumenta que o relacionamento entre dois actores não pode ser compreendido apenas por meio da análise desse relacionamento específico. É fundamental o reconhecimento das redes de relacionamentos para a compreensão de determinado relacionamento, o relacionamento entre dois actores é afectado pelos relacionamentos de cada um desses actores com outros actores. No final de contas, relacionamentos são complicados porque os mesmos estão positiva ou negativamente conectados entre si. Por meio dessa bagagem teórica podemos afirmar que o relacionamento académico entre portugueses e brasileiros está negativamente conectado aos fortes relacionamentos entre brasileiros e americanos e entre portugueses e anglo-saxónicos. De facto, a extensão e a intensidade desses outros relacionamentos ajudam a explicar a extensão e a intensidade do relacionamento entre portugueses e brasileiros no âmbito dos estudos organizacionais e da gestão.

Ambiguidade é o terceiro conceito. As conexões luso-brasileiras são tratadas de forma ambígua, de acordo com a conveniência dos utilizadores. Por exemplo, no Brasil a má gestão é pejorativamente chamada de ‘gestão lusitana’. Por outro lado, organizações e modelos de gestão mais ‘humanos’ são explicados como sendo resultado das virtuosas influências culturais dos portugueses. Corrupção na administração pública, por exemplo, sempre é associada no Brasil à influência histórica dos portugueses. Ao mesmo tempo em que as virtudes do procjeto de colonização portuguesa no Brasil são tidas como responsáveis pela capacidade das organizações e instituições brasileiras de lidar com paradoxos e multiculturalidade, é usual argumentarmos que o Brasil teria sido um país muito mais desenvolvido se tivéssemos sido colonizados por holandeses ou franceses.

Em termos mais recentes, o extraordinário êxito de alguns ‘produtos culturais’ brasileiros em Portugal (incluindo, por exemplo, a telenovela, a música e o futebol) é tido por muitos tanto como um claro exemplo do êxito de determinado projecto de lusofonia bem como um inaceitável processo de colonização da metrópole por uma ex-colónia. Isso é ainda mais grave porque a posição ‘arcaica’ de Portugal no cenário contemporâneo de globalização e pós-modernidade (Carioca, Diniz & Pietracci, 2004) costuma ser atribuída ao passado de colonização por alguns analistas portugueses (Gil, 2004). No final das contas, o maior problema é que, em termos líquidos, a faceta ou atribuição negativa predomina amplamente. As conexões concorrentes, notadamente a anglo-americana, se beneficia desse quadro.

No entanto, a globalização, a imaterialização da economia e a integração das economias portuguesa e brasileira em grandes blocos económicos – tais como a União Europeia e o Mercosul – sugerem novos desafios e oportunidades. Em termos de novos desafios há a crescente internacionalização das organizações (ditada pela globalização da economia – iniciada pelos portugueses a partir do século XV), que obriga a criação e o uso de modelos contextualizados para diferentes circunstâncias geográficas e culturais. Correspondentemente, podemos destacar a crescente internacionalização dos académicos e da academia de gestão.

Em termos específicos de novas oportunidades, podemos destacar os programas de intercâmbio universitário e académico, onde a experiência e o contacto entre países como Portugal e Brasil, com experiências e contactos simultaneamente tão semelhantes e tão díspares podem lançar as sementes para identificação e resolução de problemas comuns, como seja a falta de identidade, a procura de um role model da gestão, ou os desafios das forças de neocolonização. Tais intercâmbios podem não apenas levar-nos ao reconhecimento das conexões luso-brasileiras, como também promover novas conexões. Enfim, podem permitir a abertura de “novos mundos ao mundo”.

“A visão de Portugal como passado do Brasil e do Brasil como futuro de Portugal, condensada em expressões como ‘Portugal, meu avozinho’ de Manuel Bandeira ou num destino anunciado em ‘Fado Tropical’ de Chico Buarque e Ruy Guerra cede com o tempo ao simbolismo horizontal da irmandade… deveríamos nos perguntar quais os interesses, os valores ou objetivos comuns de que podem se valer Portugal e Brasil em um posicionamento conjunto?” (Caetano da Silva, 2006)

Este pano de fundo ajuda a explicar porquê e como construímos a chamada de trabalhos sobre ‘conexões luso-brasileiras em organizações e gestão’. A chamada foi norteada pelas seguintes questões: (a) O que são conexões luso-brasileiras de organizações e gestão e como elas devem ser investigadas? (b) Quais são as principais influências das conexões luso-brasileiras em organizações públicas e privadas no Brasil, em Portugal e em outros países em que operam organizações desses países? (c) Como a investigação dessas conexões pode ajudar os dois países a promover a construção de organizações e modelos de gestão mais adequados? (d) Até que ponto e como tais descobertas podem ser úteis para desafiarmos a hegemonia do conhecimento alcançado pelas conexões anglo-americanas? (e) Como a valorização das conexões luso-brasileiras em um mundo globalizado pode ser útil para a promoção de conexões mais sólidas com outros países e regiões?

Ao longo dos últimos meses recebemos um número surpreendente de consultas a respeito da chamada, o que reflete em grande parte a natureza central do nosso movimento: construir e legitimar um campo inovador de estudos no âmbito da Gestão. Recebemos, por outro lado, um grande número de trabalhos interessantes que não se enquadravam bem nos objectivos da chamada, apesar de serem trabalhos que podem ser publicados por periódicos importantes nos dois países (incluindo a própria Revista Comportamento Organizacional e Gestão!). Felizmente, um razoável número de trabalhos igualmente interessantes alinhou com os objectivos centrais da chamada.

A importância do movimento foi habilmente reconhecida pelo Director da Revista, Prof. Jorge F. S. Gomes. Ao invés de publicar trabalhos que não correspondessem bem aos objectivos centrais do número especial, fomos incentivados pelo Director a adicionar aos trabalhos selecionados artigos da nossa autoria. Por outras palavras, enquanto Editores, fomos conduzidos à responsabilidade de impulsionar o campo em constituição ‘pela porta da frente’ enquanto autores. Por essa razão, antes de apresentarmos os trabalhos que compõem este número especial, e evitando algum efeito injustificado de amnésia, registramos aqui nosso especial agradecimento à extrema paciência e competência do Director da Revista, Prof. Jorge F. S. Gomes, para lidar com desafios institucionais que este tipo de movimento ou projecto tem de enfrentar.

Os dois primeiros artigos desafiam a hegemonia do conhecimento académico em estratégia de marketing e em negócios internacionais alcançado por conexões anglo-americanas, para sustentar que a valorização das conexões luso-brasileiras num mundo globalizado pode promover conexões mais sólidas com outros países e regiões.

Assim, no primeiro artigo, Alexandre Faria, desafia investigadores do contexto luso-brasileiro, em especial em Portugal e no Brasil, a promover a construção de uma perspectiva luso-brasileira no âmbito da estratégia de marketing tanto em termos domésticos quanto em termos internacionais, contra o argumento que o âmbito da estratégia de marketing está obsoleto.

No segundo artigo, Ana Lucia Guedes descreve e analisa novas oportunidades no âmbito dos negócios internacionais no contexto luso-brasileiro, sustentando que a intensificação das conexões luso-brasileiras em termos de fluxos de investimentos requer estudos interdisciplinares entre os âmbitos de economia política internacional, negócios internacionais e gestão internacional.

Os dois artigos seguintes têm como preocupação dominante aprofundar compreensão de semelhanças e diferenças entre gestores/empreendedores em Portugal e no Brasil, comparação justificada pela intrincada história comum, na tentativa de compreender um pouco melhor o poder latente dessas conexões luso-brasileiras. Desta forma, no terceiro artigo, Maria Luisa Teixeira e Silvia De Domenico, comparam a estrutura de valores relativos a sentido de vida de gestores brasileiros e portugueses. No quarto artigo, Marco Monteiro da Silva, Manuela Faia Correia, Marc Scholten e Luiz Autran, comparam as orientações empreendedoras de empreendedores-proprietários de empresas em incubadoras no Brasil e em Portugal.

Ambos os artigos mostram que somos influenciados pelas conexões históricas, mas as nossas práticas também têm o poder de modificá-las, criá-las ou destruí-las.

Como um aperitivo para o leitor, o quinto artigo, por Caio Miralles, Luis Neto e Valentina Schmitt, tem como objectivo analisar características inerentes à gestão da marca “Vinho do Porto”, destacando a perspectiva da “marca-país” e relevância da gestão desta como vantagem competitiva. Os autores estabelecem paralelismo entre a “marca-país” de Portugal e as que poderiam ser “marca-país” do Brasil. Salientando a importância da gestão de marcas carregar as características reais do produto e de toda a realidade que o cerca, buscando uma identidade única e o do papel dos arranjos produtivos enquanto provedores de desenvolvimento numa economia local. Será este um primeiro passo para a construção de uma perspectiva luso-brasileira no âmbito da Gestão, tanto em termos domésticos quanto em termos internacionais?

Porque é nossa crença ser importante dar a conhecer neste tipo de plataformas o que se vai produzindo na academia em Portugal e no Brasil, o sexto e o sétimo artigos, apesar de fugirem ao escopo da chamada, foram incluídos. Assim, Rafael Alcadipani apresenta um ensaio sobre a noção de governametalidade nas obras de Michel Foucault e discute as possíveis contribuições dessa noção para a compreensão das dinâmicas de poder em contexto organizacional. No sétimo artigo, José Luís Nascimento, Albino Lopes e Maria de Fátima Salgueiro, propõem-se a validar no contexto português o “Modelo das Três-Componentes” de comprometimento organizacional de Meyer e Allen (1991, 1997).

 

Alexandre Faria1

Manuela Faia Correia2

Ana Guedes1

Clovis L. Machado-da-Silva3

Carlos Cabral-Cardoso4

 

1EBAPE-FGV

2 Universidade Lusíada Lisboa

3 UnicenP-CEPPAD/UFPR

4 Universidade do Minho

 

 

 

Referências

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Caetano da Silva, E. (2008). Brasil-Portugal: depois dos “500” e além da irmandade. ComCiência. Disponível em http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=12&id=104

Caldas, M. (1997). Santo de casa não faz milagre: condicionamentos nacionais e implicações organizacionais pela figura do ‘estrangeiro’. In F. Motta, & M. Caldas (Eds), Cultura organizacional e cultura brasileira. São Paulo: Atlas.

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Fukuyama, F. (1992). The end of history and the last man. New York: Free Press.

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