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Comportamento Organizacional e Gestão

versão impressa ISSN 0872-9662

Comport. Organ. Gest. v.12 n.1 Lisboa  2006

 

Empreender na primeira pessoa

Uma entrevista com Artur Nunes

 

Dado que este número especial da COeG é dedicado ao tema do empreendedorismo, considerámos enriquecedor apresentar o testemunho de um empreendedor. Segue-se uma breve Entrevista que retrata, por um lado, os desafios que um empreendedor tem enfrentado desde a criação da sua empresa, e, por outro, a sua perspectiva sobre o empreendedorismo em Portugal.

 

Empreendedor: Artur Nunes

-É licenciado em Psicologia Social e das Organizações

-Tem uma experiência de cerca de 15 anos em consultoria de gestão de recursos humanos, enquanto consultor e director de áreas como formação, recrutamento e selecção e desenvolvimento organizacional

-Foi docente de Psicologia das Organizações na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa

-Actualmente: Managing Partner da HUMANPERSI

 

Empresa criada: HUMANPERSI

-Designação: HUMANPERSI (Human Performance System)

-Fundada em 2002

-Número total de colaboradores: 5

-Objecto social: prestação de serviços de consultoria em gestão estratégica de recursos humanos

-Missão: ser capaz de gerar valor nos clientes

-Modelo de actuação: foco na performance, através de uma intervenção sistémica e integrada

 

Pergunta (P)Como surgiu a ideia de criar a HUMANPERSI?

Resposta (R) – Foi um percurso quase natural. De há 8 anos para cá que comecei a sentir que gostaria de ter o meu próprio negócio. No entanto, esta minha vontade em ter um negócio próprio não era assim tão clara no início da minha carreira. Mas à medida que fui adquirindo experiência e ocupando cargos de gestão, essa necessidade foi-se desenvolvendo.

Explorando um pouco o meu percurso profissional, eu ocupei, fundamentalmente, cargos de técnico durante os meus primeiros sete anos de actividade profissional, como consultor de recrutamento e selecção, de formação e, posteriormente, de desenvolvimento organizacional. Após estes sete anos, comecei a ocupar cargos de direcção, onde desenvolvi muitas competências de gestão. Durante a última fase da minha carreira profissional estive integrado num grupo de consultoria em recursos humanos e, antes de sair apara abrir a HUMANPERSI, eu para além de ocupar o cargo de Director, já era também sócio do grupo. Portanto, entendo que este percurso evolutivo na minha carreira foi quase natural, foi um progresso gradual, em que eu passei de uma área técnica para uma área de gestão, e depois, desta área de gestão para uma situação de participação na própria sociedade. Posteriormente, a passagem desta situação de sócio para empreendedor envolveu outras variáveis, como a “oportunidade”, por um lado, e a discordância em termos estratégicos, em relação ao grupo onde seu estava inserido, por outro. Antes de sair do grupo, entrei em discordância em relação à estratégia que o grupo pretendia adoptar. Como a minha participação no grupo não me permitia mudar o rumo que o grupo pretendia seguir, entendi que devia seguir o meu caminho.

Curiosamente, lembro-me que, ainda bastante novo, preenchi o “Questionário das Âncoras da Carreira” de Schein, e na altura, duas âncoras emergiram como mais fortes: a criatividade empreendedora, que é justamente o empreendedorismo, e a técnico-funcional. Portanto, que eu iria ter um negócio próprio era muito evidente para mim a certa altura da minha carreira, só faltava definir o momento.

PQue motivos levaram à implementação da empresa?

R – Bom, foram vários os motivos. Mas, eu posso assegurar que o que é verdadeiramente estimulante para mim é a ideia de poder desenvolver o meu próprio projecto, isto é, a possibilidade de poder criar o projecto desde o início, e de puder formatá-lo e moldá-lo, mesmo que seja pequeno. Eu comparo esta sensação à de um escritor que escreve um livro ou a um engenheiro que constrói um prédio, o que é verdadeiramente fantástico é ver a obra a nascer, quase do zero… De facto, a função da gestão global não é para mim tão apelativa. Sintetizando, o que me estimula verdadeiramente não é a gestão pela gestão, mas sim a criação de um projecto. E nesse sentido, na última fase da minha carreira, fui-me sempre afastando das oportunidades de ocupar funções de gestão numa grande empresa. Inclusivamente, rejeitei ofertas que me foram feitas nesse sentido, e fui delineando este percurso, que culminou na criação do meu próprio projecto.

Um outro factor prendeu-se com a definição da visão norteadora deste projecto. Eu fiz algumas formações nos EUA, e entretanto apercebi-me da necessidade de intervir nas organizações de uma forma sistémica e integrada. Quando tal aconteceu, eu apercebi-me que a estrutura do grupo onde eu estava inserido deveria sofrer mudanças profundas na sua estrutura. Na altura, o grupo era constituído por uma empresa de selecção, outra de formação, outra de consultoria e uma outra de outsourcing. Ora, esta estrutura apresentava-se de uma forma muito espartilhada e dividida, o que dificultava muito a possibilidade de intervir nas organizações de forma sistémica e integrada. No entanto, eu não estava na posição de conseguir alterar profundamente a estrutura do grupo. Portanto, esta forma de intervenção sistémica e integrada é o objectivo de actuação da HUMANPERSI, e nesse sentido, esta empresa foi desenhada, desde o início, para permitir essa intervenção, apresentando uma estrutura perfeitamente integrada.

PO que é que entendes por intervenção sistémica e integrada?

R – Sermos capazes de intervir a todos os níveis nas organizações. Por exemplo, até podemos contratar a pessoa mais adequada para uma determinada posição, mas, se a organização apresentar problemas de liderança, que se podem traduzir numa gestão desadequada dessa pessoa, essa pessoa pode sair da empresa passados alguns meses… Pegando neste exemplo, podemos afirmar que esta intervenção gerou muito pouco valor para o cliente. De outro modo, a intervenção num determinado sub-sistema deve ser complementada com ajustamentos no sistema como um todo.

PQuais as principais dificuldades sentidas no momento de criação da HUMANPERSI?

R – A meu ver, podemos identificar dois tipos de dificuldades. Uma prende-se com o factor psicológico, com o medo que qualquer pessoa tem de ficar totalmente entregue a si próprio. Eu partilho da opinião que o maior desafio que qualquer empreendedor passa é precisamente o risco. E este risco assume proporções ainda maiores quando o empreendedor se encontra numa situação familiar em que os encargos com a casa, com os filhos, se revelam consideráveis. Nessa situação, colocamos tudo em causa: ou temos sucesso e conseguimos sobreviver, ou, então, não temos sucesso e não conseguimos sobreviver. No meu caso, esta situação agravou-se, uma vez que eu enveredei na criação da empresa em conjunto com a minha mulher…

A outra dificuldade esteve relacionada com a componente financeira. Nós temos um sistema financeiro que é muito adverso ao risco. O objectivo da banca é minimizar o risco, não é funcionar como uma empresa de capital de risco. Portanto, o acesso ao crédito depende das garantias que eu dou em relação a esse mesmo crédito. Durante a criação de uma empresa, nós temos um período que é particularmente crítico, que é o período do break-even. Portanto, se não tivermos uma almofada financeira, e, se pelo contrário, estivermos dependentes do dinheiro que a própria actividade vai gerar, então temos que definir “quanto tempo aguentamos”, financeiramente, sem que a empresa esteja ainda a gerar dinheiro. Sistematizando, posso assegurar que, na fase inicial da criação de uma empresa, é essencial ter alguma almofada financeira. E nesse sentido, eu considero que o verdadeiro empreendedor não é aquele que herda um negócio de família, mas sim aquele que funda, ele próprio, um negócio. Eu vejo este primeiro período até ao break-even, como o mais crítico, na medida em que, se os empreendedores não possuírem a tal almofada financeira, correm um grande risco de não se aguentam financeiramente e de serem obrigados a encerrar a empresa. Portanto, quando o empreendedor consegue gerar receitas suficientes para assegurar a sobrevivência da sua empresa, bom então podemos afirmar que está ultrapassado o primeiro grande obstáculo.

Depois, colocam-se outros grandes obstáculos que é o ser capaz de crescer. Eu, de facto, comparo a empresa a um bebé. No início, a empresa é muito frágil e qualquer acontecimento a pode deitar abaixo. E nós, aqui em Portugal, vivemos numa cultura profundamente adversa ao risco. As pessoas tendem a procurar o emprego estável, em que o ordenado chega sempre ao fim do mês. A maioria das pessoas não consegue compreender o que leva alguns a aventurarem-se, sem possuírem as garantias suficientes de que o negócio irá ter êxito.

O outro desafio prende-se com o crescimento da empresa de uma forma sustentada, isto é, conseguir que a empresa não se volte a desequilibrar. E temos aqui um paradoxo: para fazer crescer o negócio temos que investir, mas ao investir, vamos aumentar o risco. Tomemos, como exemplo, que eu decido aumentar a minha estrutura, contratando uma nova pessoa. Esta pessoa representa um activo para a minha empresa, mas representa, também, um custo. E portanto, é preciso ponderar o valor dos encargos fixos, porque eu depois tenho que conseguir gerar mensalmente, receitas que ultrapassem esses custos fixos… Agora, a decisão de não investimento no aumento da estrutura também tem riscos. Perante esta decisão, a empresa fica demasiado frágil, pois não consegue desenvolver competências críticas suficientes. Portanto, esta decisão entre crescer ou manter é uma questão paradoxal. E risco, bom, esse está sempre presente…

PE os clientes, também desempenharam um papel importante na criação da empresa?

R – Esse é um factor que pesa em muito no êxito de uma empresa! Eu na altura levei comigo uma carteira de clientes, que já me conheciam e apreciavam o meu trabalho. Na minha perspectiva, na área da consultoria, o êxito de uma nova empresa está dependente de uma rede de contactos, de clientes que valorizem o trabalho dos empreendedores. Mas, também considero que o factor sorte aqui também intervém. De facto, na altura eu tive alguma sorte em apostar em alguns clientes que eu sentia que tinham confiança em mim para continuar a apostar, porque também já conheciam o meu trabalho, e não tinham demasiado receio em apostar numa empresa nova. Esta situação facilitou em muito o processo de crescimento inicial da HUMANPERSI.

Na minha óptica, aquela ideia de que uma pessoa, num determinado período da sua vida, decide ser empresário assim, de uma forma repentina, é pura ficção. Com excepção, claro, dos casos em que as pessoas assumem um negócio de família, mas essas pessoas, na minha perspectiva, não são, verdadeiramente, empreendedoras. Eu digo isto porque, entre tomar a decisão de abrir um negócio e conseguir reunir as condições para a materializar, minimizando, também, os riscos pessoais, há todo um conjunto de factores que têm que ser conseguidos. E aqui, entra, claramente, a componente comercial, que não se constrói de um momento para o outro, na medida em que envolve não apenas o estabelecimento de contactos, mas também o ter tempo para demonstrar o nosso trabalho. Eu posso afirmar que o único capital que eu possuía verdadeiramente quando decidi abrir a empresa era a minha experiência, quer em termos comerciais, quer em termos técnicos. Atenção, estou a falar de mim, mas também da minha equipa. Esse é outro mito que se criou em torno do empreendedorismo. A meu ver, poucos empreendedores arrancaram totalmente sozinhos para um negócio. Na altura em que nós arrancámos, éramos quatro pessoas, éramos uma excelente equipa! E é importante que a equipa que arranca com uma nova empresa partilhe uma cultura de risco. Na verdade, toda a equipa está no mesmo barco e está a partilhar risco.

A HUMANPERSI foi criada em 2002, na altura em que Portugal estava a entrar na crise. E lembro-me que, nessa mesma altura, fui confrontado com essa situação, ou seja as pessoas questionaram-me como é que eu era capaz de abrir uma empresa num momento de crise… E de facto, embora a criação da empresa possa ser entendida como um momento de ruptura com o passado, eu entendo que o processo que deu origem a esta empresa não foi, de forma alguma, abrupto. Porque, na realidade, eu tinha um grande background em termos de experiência técnica, de gestão e tinha, igualmente, uma rede de contactos relativamente sólida. E estas condições aumentavam a probabilidade de êxito da HUMANPERSI.

PEntão, a teu ver, o empreendedorismo jovem enfrenta algumas dificuldades?

R – A questão dos jovens empreendedores é uma questão complexa. Claro que depende do sector de actividade onde se abre o negócio, porque há sectores protegidos e sectores que não são assim tão protegidos. Por exemplo, se eu tiver capacidade de investimento, eu posso abrir uma farmácia, e, sei que à partida não terei outras farmácias nas imediações da minha. Estamos a falar de um negócio relativamente protegido. Agora, o sector da consultoria já não é assim, funciona em mercado aberto, onde a concorrência é, de facto, muito considerável. O mercado da consultoria é muito exigente, porque muitas empresas pura e simplesmente não sobrevivem. Portanto, para entrar neste mercado, é necessária uma grande preparação, que exige muito tempo. Ora os jovens empreendedores não têm, ainda, o capital de experiência que lhes permita minimizar o próprio risco. Porque não chega ter uma boa ideia. Eu sou cada vez mais céptico em relação às boas ideias. Eu até posso ter uma boa ideia, mas se esta não tiver associados factores de diferenciação e de competição bem sustentados, a ideia só é boa durante uns meses. Portanto, é importante ter boas ideias, mas assegurarmo-nos que, quando aplicamos as ideias no mercado, temos uma base de sustentação e uma boa capacidade de crescimento em termos de empresa. Até porque, esta questão da originalidade tem muito que se lhe diga. Não me interessa apostar em ser o único no mercado a fazer uma determinada actividade. A nossa aposta deve ser em trabalhar para sermos os melhores! Aliás, as boas ideias são facilmente copiáveis. Portanto, se eu for o único no mercado a fazer uma actividade, tal só é indicativo de que a minha ideia não é uma boa ideia. Sintetizando, a meu ver, é perigoso basear as minhas capacidades para abrir um negócio, na minha capacidade para gerar uma boa ideia de negócio.

PQuais as mais-valias da HUMANPERSI que têm assegurado o seu desenvolvimento sustentado ao longo do tempo?

R – As mais-valias da HUMANPERSI situam-se fundamentalmente na nossa visão integrada da intervenção. É por exemplo, sermos capazes de delinear um modelo de competências que vai ter impacto ao nível da selecção, da formação, dos incentivos, das carreiras. Isto não é nada de novo. Há muito que se fala no âmbito da gestão de recursos humanos da importância de conceber os modelos de competências segundo uma lógica integrada. A verdade é que nós não vemos nada disto na prática. E portanto, se a gestão de recursos humanos não é encarada segundo esta lógica integrada, então a gestão de recursos humanos não é vista como estratégia para o alcance dos resultados organizacionais. E, para dar um exemplo, a formação deixa de ser encarada como estratégia, porque não se consegue perceber o seu valor-acrescentado, passando, antes, a ser perspectivada como um custo. Sistematizando, esta visão integrada da gestão de recursos humanos é, claramente, uma mais-valia da HUMANPERSI. Outro ponto forte da nossa empresa é o conceito de parceria. De grosso modo, nós pretendemos ser parceiros dos nossos clientes, e não tanto fornecedores. Neste sentido, procuramos estabelecer relações muito próximas com o cliente, baseadas na confiança, no à-vontade, indo ao encontro das suas reais necessidades.

PQuais os grandes desafios que a HUMANPERSI enfrenta nos próximos anos?

R – São, certamente, o crescimento e a consolidação da empresa. Nós temos pouco mais de três anos de existência e temos tido taxas de crescimento na ordem dos 35% ao ano. Portanto, agora temos que ter capacidade para fazer crescer a estrutura na justa medida em que somos capazes de gerar mais negócio. E aqui temos um dilema: por um lado, temos que fazer crescer a estrutura em função do crescimento do negócio, mas por outro lado, a expansão do próprio negócio está dependente do crescimento da estrutura. Atendendo a estas duas valências, posso assegurar que, na prática, tenho procurado crescer de forma relativamente flexível, isto é, às vezes dou dois passos para a frente e um para trás…

Há, em minha opinião, um outro desafio que eu considero muito importante e que tem que ver com a robustez da equipa. Nesta área da consultoria há poucas pessoas com um perfil mais sénior e há muitas pessoas com um perfil mais júnior, e neste sentido, estas pessoas mais juniores têm que passar por um período de aprendizagem muito rápido, para que possam ganhar autonomia e empowerment, para estarem preparadas para funcionar como uma espécie de linha intermédia, capaz de suportar a estrutura da empresa. Portanto, o grande desafio que se coloca à HUMANPERSI é deixar progressivamente de se apoiar exclusivamente nos consultores seniores, passando a depender, também, de outros pilares, para que possa crescer de forma sustentada.

Um outro desafio que se coloca à nossa empresa é a internacionalização. Hoje em dia é muito complicado para qualquer empresa portuguesa pensar apenas no mercado português. Agora, para tal é preciso definir uma estratégia muito clara. Neste momento nós já estamos em Moçambique, o que constitui um primeiro passo na concretização desta estratégia. Mas nós não pretendemos ficar por aqui.

Agora, internacionalizar implica, em primeiro lugar, conhecer quais são as nossas mais-valias e que interesses é que nós poderemos ter para o nosso mercado-alvo. Por exemplo, para mercados como Moçambique, Angola ou Brasil, podemos ter como interesse o facto de falarmos português. Agora, atenção que todos estes desafios se vão colocando de forma progressiva, para crescermos de forma sustentada. Até porque, neste momento, conhecemos bastante melhor o mercado em Portugal, e precisamos de consolidar o nosso know-how e a sua actividade no mercado português. Agora, se pretendemos crescer, temos que olhar à volta, para os mercados emergentes, por exemplo.

PQuais foram as tuas características pessoais mais determinantes para o arranque e o desenvolvimento da empresa?

R – Em primeiro lugar, e agora vou-me recorrer de um termo da psicologia, o facto de eu valorizar muito o locus de controlo interno. Esta característica faz-nos acreditar que somos nós que conduzimos os acontecimentos e faz-nos rejeitar a ideia de que são os acontecimentos que nos conduzem a nós…

Outro aspecto prende-se com o facto de eu não ter muito medo do risco. Acho que me fui habituando a correr riscos ao longo da minha vida. Esta característica tem sido muito importante, na medida em que me faz contar muito comigo próprio e, por outro lado, tem-me ajudado a ultrapassar muitos entraves, porque tendo a não os encarar assim tanto como entraves. E para ilustrar esta ideia, poderíamos falar, novamente, do sistema financeiro, ou da burocracia do estado. Qualquer empreendedor depara-se, sem dúvida, com uma enorme quantidade de burocracia. Ora, quando temos uma empresa pequena, dificilmente poderemos ter alguém a tratar da papelada, e temos que ser nós. E demora, de facto, tudo muito tempo. Agora, também confesso que neste momento me apetece começar a reduzir o risco e tenho estado a trabalhar para isso. Esta ideia de começar do zero é cansativa e esgotante.

Um outro ponto forte é o gosto que eu tenho pela vertente comercial. Gosto muito de contactar com o cliente e de, passo a expressão, “vender ideias”. Atrai-me muito o estar com o cliente, o detectar as suas necessidades e procurar ir de encontro a essas mesmas necessidades, por forma a fazer o cliente satisfeito. No fundo, o que eu estou a fazer é a ajudar a organização a solucionar um problema, e eu gosto de ajudar. E para isso, eu tenho que vender as minhas ideias… o que eu também acho, verdadeiramente, estimulante!

PRemetendo, agora, para o empreendedorismo, em sentido mais lato, quais os factores que consideras mais determinantes para a criação de empresas em Portugal?

R – Há factores que, inicialmente poderíamos pensar que ajudam na criação de empresas, mas que na realidade não ajudam tanto assim, como é o caso da banca. Mas, importa debruçarmo-nos mais sobre os factores positivos… Um aspecto que eu encaro como bastante positivo e que ajuda bastante na criação de novas empresas são as sociedades de garantia mútua. Estas sociedades, no fundo, ajudam os pequenos empresários a obter capacidade de negociação junto da banca, facilitando a obtenção de garantias. Eu posso dizer que tive apoio de uma dessas entidades.

Agora, encontramos grandes dificuldades em relação ao empreendedorismo bem enraizados na nossa cultura, por exemplo. Quando comparamos Portugal com outros países, como por exemplo os EUA, apercebemo-nos de como são grandes as diferenças. Nos EUA, poderíamos afirmar que é relativamente normal as pessoas fazerem mais do que uma tentativa para ter o seu próprio negócio, dado o elevado dinamismo da própria economia. Uma pessoa pode cair, que de uma forma relativamente rápida, se consegue levantar. Em Portugal, quem cai, dificilmente se consegue levantar, face ao acumular de dívidas que têm de pagar.

Pensando num outro aspecto positivo, podemos nomear o Centro de Formalidade de Empresas, que, de facto, veio facilitar em grande medida o processo de criação de empresas em Portugal.

PComo perspectivas o desenvolvimento do empreendedorismo em Portugal?

R – Eu, a curto-prazo, não sou muito optimista quanto ao desenvolvimento do empreendedorismo em Portugal, mas se pensarmos a longo-prazo, eu já sou bastante optimista. Julgo que vamos atravessar uma fase de mudanças profundas na sociedade portuguesa, fundamentalmente de natureza cultural. Estou convicto que vamos assistir ao nascimento de uma nova geração de empresários. Claro que este processo vai levar alguns anos. Um dos factores que pode vir a contribuir para esse aceleramento será o corte dos financiamentos comunitários. Isto porque, a meu ver, as empresas realmente boas, vão aproveitar o próximo quadro comunitário de apoio para se modernizarem e se tornarem mais competitivas. Depois do corte dos financiamentos, a economia vai ter que se regenerar, e portanto, as empresas que até agora viveram dos subsídios não vão conseguir sobreviver… Outras empresas serão criadas e serão, seguramente, mais competitivas. E, consequentemente, vamos assistir ao aumento da concorrência no nosso mercado, o que é muito positivo. A concorrência obriga-nos a actualizar os conhecimentos, a inovar, a procurarmos estar cada vez mais competitivos. Se nós somos bons, isso deve-se, em alguma medida, ao facto de termos concorrência. A meu ver, a falta de concorrência atrofia o desenvolvimento do negócio. Tomemos o exemplo da Banca, onde a concorrência é extremamente feroz, mas que tem progredido imenso em todos os sentidos, e que está bastante bem.

Obrigada, Artur, pela tua colaboração!

 

[ Entrevista conduzida por Patícia Jardim da Palma ]