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Jornal Português de Gastrenterologia

versão impressa ISSN 0872-8178

J Port Gastrenterol. vol.19 no.3 Lisboa maio 2012

 

Uso do infliximab na consulta de gastrenterologia pediátrica

 

The use of infliximaby in a pediatric gastroenterolgy consultation

 

 

Ana Isabel Gouveia Lopesa,b

aUnidade de Gastrenterologia Pediátrica, Departamento de Pediatria, Hospital de Santa Maria-CHLN, Lisboa, Portugal

bFaculdade de Medicina de Lisboa, Lisboa, Portugal

Correio eletrónico: anaisalopes@sapo.pt

 

 

A doença inflamatória intestinal (DII) pode ter apresentação em idade pediátrica em 20 a 30% dos doentes, parecendo existir uma tendência mundial para o aumento de incidência neste grupo etário. A apresentação pediátrica tem especificidades, como o impacto no crescimento e o atraso pubertário, exibindo, tal como no adulto, um espectro fenotípico muito variável.

A emergência das terapêuticas biológicas (Infliximab, Adalimumab, e Certolizumab) veio modificar extraordinariamente o paradigma de intervenção terapêutica da DII tanto na criança como no adulto, atendendo à evidência da sua eficácia, segurança e tolerância, quando comparadas com a terapêutica convencional.

Presentente, o Infliximab (IFX) é o único fármaco anti- TNFα aprovado (FDA em 2006, INFARMED em 2010) para utilização na doença de Crohn (DC) pediátrica moderada a grave refractária (6-17 A), embora Adalimumab e Certolizumab tenham já sido utilizados off-label no mesmo contexto1-4.

Apesar de a evidência derivada de ensaios clínicos pediátricos na DII ser ainda escassa e as decisões terapêuticas frequentemente extrapoladas da experiência no adulto, os estudos REACH e SONIC1,2 constituiram dois contributos determinantes para a recomendação da utilização da terapêutica do IFX na DC em idade pediátrica. De facto, o IFX demonstrou eficácia na indução e manutenção de remissão clínica e histológica, encerramento de fissuras perianais, redução da exposição à corticoterapia, promoção do crescimento prepubertário e no início da puberdade, bem como no tratamento das manifestações extraintestinais1-3,5,6 Mais recentemente, foi adicionalmente demonstrada a eficácia e segurança da sua utilização na Colite Ulcerosa (CU) moderada a grave em idade pediátrica, determinando redução da taxa de colectomia e sem efeitos adversos major reportados7,8.

A prática corrente consiste na administração de infusões de IFX (5 mg/kg) às 0, 2, and 6 semanas (terapêutica de indução), seguida de esquema de manutenção cada 8 semanas, podendo ser necessário temporariamente um escalonamento da dose ou redução no intervalo de administração.

Apesar da experiência crescente com a sua utilização em idade pediátrica, as melhores estratégias terapêuticas ainda não foram estabelecidas. De facto, a fim de melhorar o perfil de risco/benefício da utilização do IFX é essencial o estabelecimento de critérios de seleção individualizada dos doentes, bem como do timing ideal para a sua introdução, não existindo ainda indicadores preditivos de resposta fiáveis (polimorfismos genéticos, marcadores serológicos, perfis de citocinas, entre outros).

Na grande maioria dos estudos pediátricos envolvendo IFX ou Adalimumab, foi adotada uma estratégia step-up, indicando que o tratamento convencional havia falhado previamente ao início da terapêutica biológica (por corticodependência, corticoresistência, intolerância ou resposta insuficiente à terapêutica imunossupressora). Contudo, tem vindo a ser admitida a hipótese de que a utilização de terapêutica anti-TNFα poderia ser mais eficaz num estadio precoce da doença, mais suscetível a imunomodulação e com potencial para modificação da história natural (inclusivé prevenção da necessidade de cirurgia)9,10. A experiência pediátrica atual com a abordagem top-down é ainda muito limitada e requer confirmação em ensaios clínicos prospetivos, atendendo aos potenciais riscos a longo termo (duração da exposição a IFX, particularidades do grupo etário em desenvolvimento, risco de dependência, ausência de alternativas subsequentes,...)3,10.

Presentemente considera-se que a introdução precoce de imunossupressores no tratamento de manutenção reduz a taxa de recaída e poderá ter um efeito de menor exposição à corticoterapia, sendo o IFX reservado para os doentes refratários à terapêutica de indução inicial3,4. Embora após indução com IFX esteja indicada a terapêutica de manutenção, a cirurgia poderá igualmente constituir uma opção na doença localizada3,4.

Um outro problema associado à utilização de IFX e Adalimumab é a perda de resposta secundária, que poderá ocorrer numa percentagem não negligenciável de doentes1,2,10,11. Embora o uso concomitante de imunomoduladores possa melhorar a eficácia terapêutica (redução da imunogenicidade do IFX e aumento as suas concentrações séricas), tal beneficio potencial deverá ser cautelosamente equacionado relativamente ao risco acrescido de infeções oportunistas e de neoplasias, em particular do raro linfoma hepatoesplénico de células T. Esta constituiu certamente uma importante área de investigação futura, mediante a realização de ensaios clínicos controlados avaliando a eficácia e segurança das terapêuticas anti-TNFα em monoterapia versus terapêutica combinada em doentes pediátricos.

Questões adicionais permanecem ainda em aberto: qual o esquema terapêutico ideal e respetivas doses, quando suspender a terapêutica no doente com resposta sustentada, qual o benefício da monitorização dos níveis séricos do IFX e dos anticorpos específicos, qual a relevância da obtenção da remissão histológica. Finalmente, será importante a realização de estudos pediátricos comparativos entre IFX e Adalimumab em doentes naives, quanto à eficácia, segurança e custo efetividade.

Em artigo publicado neste número da revista, R. Marques e col. apresentam a experiência preliminar (avaliação retrospetiva) de uma consulta de Gastrenterologia Pediátrica relativamente à utilização de terapêutica com IFX na DII moderada a grave, numa pequena série de 6 doentes (5 DC, 1 CU), com idade média 15,7 anos12. Tendo constituído objetivos principais a avaliação da resposta clínica e dos efeitos adversos associados, os autores salientam a boa tolerância e eficácia desta modalidade terapêutica no controlo da doença no período reportado.

Os autores não deixam de reconhecer as limitações do estudo, designadamente o reduzido número de casos e o curto período de seguimento. Neste contexto, teria sido interessante a inclusão de uma descrição mais detalhada dos fenótipos clínicos, comorbilidades, particularidades da resposta à terapêutica (por exemplo, descrição detalhada do caso com envolvimento duodenal estenosante, pela sua raridade na criança), bem como uma breve menção à experiência pediátrica do centro nesta área (que percentagem do número total de doentes com DII representa o grupo de doentes tratados com IFX neste período?).

Por outro lado, conviria terem sido melhor explicitados os critérios de inclusão e designadamente os critérios de refractoriedade da DII previamente à instituição de terapêutica com IFX (corticoresistência, corticodependência, duração do tratamento prévio com mesalazina, corticoides e com azatioprina; qual a dose máxima de azatioprina utilizada, qual a adesão ao tratamento), pois como os autores muito bem salientam, por vezes é necessária uma decisão judiciosa, nem sempre fácil, pesando o risco /benefício da opção terapêutica com IFX. De facto, embora seja mencionada uma duração média do tratamento pré-IFX de 3,5 anos (mínima? máxima?), nalguns casos parece ter sido muito curta, com base na apreciação dos dados do quadro 1.

Na metodologia poderia ter figurado separadamente o protocolo terapêutico de indução de remissão do protocolo de terapêutica de manutenção, este último não evidente a partir da apreciação do artigo (IFX de 8/8 semanas em regime de terapêuca combinada com azatioprina? Com que duração?).

A duração média do tratamento foi de 15.7 meses (qual a duração mínima e a máxima?) e o intervalo temporal médio entre a data do diagnóstico e instituição da terapêutica foi de 3,5 anos, em concordância com outras séries pediátricas e refletindo a estratégia step up predominantemente utilizada em pediatria; reconhece-se no entanto grande variabilidade, de acordo com os critérios de seleção dos doentes e o espectro de gravidade (teria sido interessante a discriminação dos casos que requereram maior duração do tratamento em função do respetivo fenótipo clínico).

Reconhecendo-se que um número significativo de doentes se torna dependente de infusões repetidas, aparentemente apenas num doente foi necessária a diminuição do intervalo para 6/6 semanas, não tendo sido necessário um escalonamento terapêutico (que evolução subsequente deste caso?); estes bons resultados poderão refletir a menor gravidade da doença subjacente (PCDAI médio e PUCAI) e/ ou a menor duração de follow-up. Quanto a este aspeto, teria sido adicionalmente elucidativa a menção ao número total de infusões (e número médio por doente).

De acordo com o quadro I, 3 doentes mantêm tratamento com IFX e azatioprina, 1 apenas com IFX e 1 com Adalimumab, presumindo-se que o doente sob budesonide e azatioprina seja o doente submetido a cirurgia pós-IFX. A decisão de substituição de IFX por adalimumab apenas por ‘‘comodidade de administração’’, será questionável (o critério da comodidade da administração subcutânea seria generalizável a todos os doentes) e deverá merecer alguma reflexão, dado que os critérios preconizados para switch de terapêutica biológica deverão ser exigentes e restritivos.

A eficácia terapêutica foi avaliada com base na apreciação dos scores de atividade (basal e após 6 meses de tratamento). Embora a resposta tenha sido globalmente favorável neste período, será talvez prematuro considerar-se ‘‘remissão prolongada’’, atendendo à brevidade da duração do follow-up e tanto mais quanto num doente ocorreu necessidade de ressecção ileal um ano após cessação da terapêutica com IFX. Conviria detalhar que complicação ocorreu (Estenose preexistente? Abcesso após utilização de IFX? Outra?) e respetiva interpretação, em função do status prévio do doente. De facto, a cirurgia eletiva poderá ter um papel relevante na DC em idade pediátrica, tanto na doença fistulizante como na estenosante, tendo sido preconizada como alternativa ao IFX nas formas localizadas3.

Por outro lado, teria interesse a menção a eventual intervenção nutricional, dado constituir reconhecidamente uma componente fundamental da abordagem terapêutica neste grupo etário3,4. De facto, na DC pediátrica, a nutrição entérica exclusiva e a corticoterapia são igualmente eficazes na indução da remissão, independentemente da atividade ou localização da doença, embora com significativas vantagens da nutrição entérica devido ao impacto positivo no crescimento e menor frequência de efeitos adversos3,4.

Os autores tiveram o cuidado de avaliar o impacto do tratamento no IMC (variabilidade na resposta); apesar do curto período de seguimento, teria sido igualmente interessante a inclusão do Z score da velocidade de crescimento (importante end point terapêutico) e do estadio pubertário (Tanner), quando aplicáveis.

A anemia é uma complicação frequente no decurso da evolução da DII em idade pediátrica e que justifica uma abordagem eletiva, tendo merecido a atenção dos autores. É mencionada melhoria dos valores médios de hemoglobina aos 6 meses pós-tratamento em 5/6 casos em concordância com outras séries (sendo no entanto omissa a referência a eventual instituição concomitante de terapêutica marcial, nomeadamente por via parentérica).

Constituindo um dos objetivos do estudo a avaliação dos efeitos adversos, teria sido interessante mencionar como foi efetuada a sua monitorização ao longo do período de seguimento (registo sistemático - checklist ou apenas os constatados / reportados ?). A reduzida duração do período de seguimento, poderá ter contribuído parcialmente para a baixa frequência de efeitos adversos observados neste grupo etário (adolescência). Em estudos futuros desta natureza, será também relevante a menção ao impacto da doença e da intervenção terapêutica na qualidade de vida.

De acordo com as recomendações da ECCO3, preconiza-se que o seguimento e tratamento da DII em idade pediátrica (≤18 anos) sejam da responsabilidade de Unidades de Gastrenterologia Pediátrica, numa perspetiva interdisciplinar, incluindo idealmente consultas de transição para a Gastrenterologia de Adultos. Neste contexto e atendendo à idade dos doentes do presente estudo (2 com 16 anos, 2 com 17 anos, no início do tratamento com IFX), seria interessante conhecer o modelo específico de organização e articulação adotado com o Serviço de Gastrenterologia de Adultos.

Em conclusão, o presente estudo representa uma contribuição adicional para o conhecimento da experiência pediátrica nacional com a utilização de terapêutica biológica (IFX) na DII. Salienta-se a importância da integração das casuísticas das equipas pediátricas nacionais dotadas de recursos humanos/ técnicos e de experiência no seguimento destes doentes, em adequada articulação com os Serviços de Gastrenterologia de Adultos. Só assim será possível um verdadeiro conhecimento da expressão clínica e do impacto epidemiológico da DII neste grupo etário, potenciando-se adicionalmente as sinergias para a realização de estudos multicêntricos, quer por iniciativa dos próprios centros, quer mediada por Sociedades Científicas e Grupos de Trabalho, como a Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia Pediátrica e o Grupo de Estudos da Doença Inflamatória (GEDI), entre outros.

 

 

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