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Jornal Português de Gastrenterologia

Print version ISSN 0872-8178

J Port Gastrenterol. vol.19 no.2 Lisboa Feb. 2012

 

Perfuração esofágica de causa rara

Rare cause of esophageal perforation

 

Ana Catarina Rego, Nuno Nunes, José Renato Pereira, Nuno Paz e Maria Antónia Duarte

Serviço de Gastrenterologia, Hospital do Divino Espírito Santo EPE de Ponta Delgada, Ponta Delgada, Portugal

*Autor para correspondência

 

 

Doente do sexo feminino, de 46 anos de idade, submetida em 1999 a artrodese cervical por fractura com luxação de C4‑C5 com compromisso neurológico. Tratava‑se de uma doente acamada e totalmente dependente, com atraso de desenvolvimento psicomotor grave.

Em Fevereiro de 2009 recorreu ao Serviço de Urgência por dispneia, odinofagia e sialorreia com alguns dias de evolução. Ao exame objectivo encontrava‑se hemodinamicamente estável, polipneica, com sialorreia e com cicatriz cervical lateral esquerda. A observação por Otorrinolaringologia detectou corpo estranho no crico‑faringeo. A endoscopia digestiva alta (EDA) realizada confirmou a existência, ao nível do crico‑faringeo, de um corpo estranho de características metálicas, sugestivo de parafuso, não sendo possível a sua remoção por via endoscópica (fig. 1).

 

Figura 1 EDA: corpo estranho, metálico, ancorado no crico‑faringeo.

 

Uma radiografia cervical revelou migração anterior de placa e parafusos de artrodese cervical (fig. 2).

 

Figura 2 Radiografia cervical (perfil) que mostrou migração anterior de placa e parafusos.

 

Três horas após ser admitida no Serviço de Urgência, a doente foi submetida a intervenção cirúrgica com extracção da placa e parafusos, rafia do esófago cervical, reforço com retalho pediculado dos músculos pre‑tiroideus e exclusão esofágica. A figura 3 refere‑se a EDA intraoperatória, que evidencia a perfuração esofágica após remoção da placa e parafusos. Faleceu ao 4º dia de pos‑operatorio por sépsis secundária a mediastinite e infecção respiratória a Estafiloccocos Aureus Meticilino Resistente.

 

Figura 3 EDA intraoperatória, após remoção da placa e parafusos de artrodese, que evidencia a perfuração esofágica.

 

A perfuração esofágica tardia provocada pela migração de material de osteossíntese é uma complicação rara (incidência de 0 a 3,4%), com uma elevada mortalidade. Na revisão da literatura que efectuamos, encontramos 21 casos descritos. Em cinco destes, verificou‑se migração espontânea de parafuso (dois casos com eliminação oral e três com eliminação natural pelo tracto digestivo)1,2. A apresentação clínica, embora diversa, manifesta‑se geralmente por um ou mais dos seguintes sinais ou sintomas: disfagia, odinofagia, disfonia, sialorreia, dispneia, febre, dor retroesternal e enfisema subcutâneo. As complicações da perfuração esofágica por material de osteossíntese podem cursar desde resolução espontânea, a infecções graves com mediastinite e morte3.

O manejo destas situações depende do tamanho da perfuração, do intervalo de tempo decorrente entre a perfuração e o diagnóstico, do estado clínico do doente (existência ou não de infecção disseminada) e das co‑morbilidades associadas. O tratamento conservador está indicado se a perfuração tiver menos que 1 cm, o doente estiver assintomático e sem evidência de infecção. Na revisão efectuada, encontramos um caso tratado conservadoramente. Em todos os outros casos o tratamento foi cirúrgico, com remoção do material de osteossíntese e encerramento com ou sem retalho muscular2.

O sucesso do tratamento reside essencialmente num alto índice de suspeição e diagnóstico precoce. Se o tratamento for instituído nas primeiras 24 h, a taxa de mortalidade é de 20%, se tardio é superior a 50%4,5.

As co‑morbilidades que a nossa doente apresentava tornam provável uma admissão tardia no Serviço de Urgência o que poderá ter contribuído decisivamente para o desfecho desfavorável.

 

Bibliografia

1. Gaudinez RF, English GM, Gebhard JS, et al. Esophageal perforation after anterior cervical surgery. J Spinal Disord. 2000;13:77‑84.         [ Links ]

2. Cagli S, Isik HS, Zileli M. Cervical screw missing secondary to delayed esophageal fistula: case report. Turk Neurosurg. 2009; 19:437‑40.         [ Links ]

3. Brandt LJ. Esophageal perforation from a metal screw and plate. Gastrointest Endosc. 2009;69:948‑9.         [ Links ]

4. Solerio D, Riffini E, Gargiulo G, et al. Successful surgical management of a delayed pharyngo‑esophageal perforation after anterior cervical spine plating. Eur Spine J. 2008;17: S280‑S284.         [ Links ]

5. Orlando ER, Caroli E, Ferranti L. Management of the cervical esophagus and hypofarinx perforations complicating anterior cervical spne surgery. Spine. 2003;28:E290‑E295.         [ Links ]

 

*Autor para correspondência

Correio electrónico: ana.rego81@gmail.com (A.C. Rego).

 

Recebido a 11 de dezembro de 2010; aceite a 19 de fevereiro de 2011