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Jornal Português de Gastrenterologia

Print version ISSN 0872-8178

J Port Gastrenterol. vol.19 no.1 Lisboa Jan. 2012

 

Úlcera do recto aguda hemorrágica (URAH): Causa rara de hemorragia digestiva baixa severa

 

Acute hemorrhagic rectal ulcer: A rare cause of severe lower gastrointestinal bleeding

 

Nuno Ladeira*, Rosa Silva, Mónica Velosa, Luís Jasmins, Carla Andrade, Ricardo Teixeira

Serviço de Gastrenterologia, Hospital Dr. Nélio Mendonça, Funchal

*Autor para correspondência

 

Mulher de 79 anos de idade, acamada por sequelas de AVC, internada por infecção urinária a Pseudomonas aeruginosa, iniciou, ao 6º dia de internamento, quadro súbito de hematoquézia severa, indolor, com rebate hemodinâmico e evolução para choque. Não havia história de consumo de AINEs, estando a doente medicada com Lisinopril 10 mg/Hidroclotiazida 12,5 mg id, Amlodipina 5 mg id e AAS 100 mg id.

Analiticamente apresentava anemia normocítica (Hb 6,9 g/dL) e leucocitose discreta (12000/mm³), sem outras alterações. Após estabilização hemodinâmica foi efectuada endoscopia digestiva alta que não revelou lesões e pansigmoidoscopia que revelou sangue vivo e coágulos na ampola rectal, tendo-se identificado, após cuidadosa lavagem e aspiração, uma úlcera a cerca de 2 cm da margem anal, com coágulo fresco aderente e vaso visível com hemorragia em toalha (Figura 1). Procedeu-se a hemostase endoscópica através da aplicação de 2 clips com eficácia (Figura 2).

 

Figura 1 Úlcera do recto distal com hemorragia activa.

 

Figura 2 Aspecto final após hemostase.

 

A doente permaneceu internada cerca de 7 dias, sendo transfundida com um total de 4 unidades de glóbulos vermelhos, não se verificando recidiva hemorrágica.

A primeira descrição na literatura em que foi utilizada a designação de URAH remonta a 1981 por Soeno et al1. Desde então a maioria das casuísticas relativas a esta entidade provêm essencialmente do Japão e Taiwan e só um escasso número de casos se encontram reportados no Ocidente. A justificação, em parte, para esta discrepância reside na falta de consenso no Ocidente em reconhecer a URAH como entidade nosológica própria, distinta de outras, em particular, da Úlcera Solitária do Recto (USR).

Os principais aspectos que diferenciam esta patologia, segundo os autores Japoneses, assentam em características clínicas e endoscópicas próprias e exclusão de outras etiologias.

Do ponto de vista clínico e endoscópico caracteriza-se por: 1) aparecimento súbito de hematoquézia indolor e severa em doentes idosos, maioritariamente acamados e com doença grave; 2) presença de ulceração no recto distal com hemorragia activa ou estigmas de hemorragia recente; 3) ausência de impactação fecal no recto; 4) inexistência de história de consumo de AINEs; 5) exclusão de história prévia de patologia inflamatória rectal, nomeadamente doença inflamatória intestinal, proctite rádica ou infecciosa, entre outras2.

Relativamente à histopatologia, apesar dos estudos com dados histológicos serem limitados, a evidência aponta para um conjunto de características distintas das da USR, nomeadamente a existência de necrose com desnudação epitelial, hemorragia e presença de múltiplos trombos nos vasos epiteliais e do estroma3, ao passo que a USR cursa com obliteração fibromuscular da lâmina própria, hipertrofia da muscularis mucosa e presença de glândulas e quistos na submucosa4.

Os achados histopatológicos da URAH assemelham-se muito aos presentes nas úlceras de “stress” do tracto gastrointestinal alto, pelo que alguns autores advogam que a patogénese da URAH tem origem em distúrbios da circulação dos pequenos vasos intra-murais induzidos pelo “stress” fisiológico3.

Apesar da sua raridade e da controvérsia existente no Ocidente em relação ao estabelecimento desta entidade nosológica, os autores concluem que o reconhecimento das características clínicas e endoscópicas da URAH poderá conduzir a uma melhor orientação diagnóstica e terapêutica dos doentes com hemorragia digestiva baixa severa.

 

 

REFERÊNCIAS

1. Soeno T, Shoji S, Sakuraba K, et al. Acute hemorrhagic rectal ulcer accompained with brain disease. Akita J Med 1981;8:207-213.         [ Links ]

2. Motomura Y, Akahoshi K, Matsui N, et al. Clinical and endoscopic characteristics of acute hemorrhagic rectal ulcer, and hemostatic treatment: a retrospective study of 95 patients. Colorectal Dis 2010;12:e320-e325.         [ Links ]

3. Tseng CA, Chen LT, Tsai KB, et al. Acute hemorrhagic rectal ulcer syndrome: a new clinical entity? Report of 19 cases and review of the literature. Dis Colon Rectum 2004;47:895-903.         [ Links ]

4. Tjandra JJ, Fazio VW, Church JM, et al. Clinical conundrum of solitary rectal ulcers. Dis Colon Rectum 1992;35:227-234.         [ Links ]

 

*Autor para correspondência

Morada: V. Vargem, C.H. Âmparo, bloco I, 2º CI, 9000-276 Funchal

E-mail: nunolad@sapo.pt

 

Recebido para publicação: 24/11/2009 e Aceite para publicação: 25/01/2011