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Jornal Português de Gastrenterologia

versão impressa ISSN 0872-8178

J Port Gastrenterol. vol.18 no.6 Lisboa nov. 2011

 

A Gastrostomia Endoscópica na Nutrição Entérica da Criança

 

Endoscopic Gastrostomy in Enteric Nutrition of Children

 

Fernando Pereira1

1Serviço de Gastrenterologia, Hospital Maria Pia, Porto – Portugal; E-mail:facpereira@sapo.pt

 

 

A nutrição entérica desempenha um papel fundamental no tratamento de crianças com doenças crónicas e incapacitantes, que mantêm o normal funcionamento do seu tubo digestivo mas que não conseguem uma adequada ingestão calórica por via oral. A sua concretização, exige um acesso artificial ao tubo digestivo que, para períodos curtos e transitórios, pode ser efectuado através do uso de sondas naso-gástricas, mas que quando é necessária por longos períodos de tempo ou de forma definitiva, obriga à utilização de uma gastrostomia ou de uma jejunostomia. A gastrostomia é indiscutivelmente a via de acesso mais adequada e mais vezes utilizada, reservando-se a jejunostomia para as situações de refluxo gastro-esofágico grave não tratável ou para os doentes que apresentam significativa perturbação do esvaziamento gástrico. A gastrostomia, efectuada inicialmente e durante muitos anos por via cirúrgica, passou a ser desde há cerca de 30 anos realizada preferencialmente por via endoscópica percutânea após a descrição inicial de Gauderer, cirurgião pediátrico responsável pela introdução da técnica e grande impulsionador da seu uso1. Mais recentemente, outras técnicas para colocação de sondas de gastrostomia têm sido usadas essencialmente utilizando o controlo radiológico2 para orientar a punção do estômago e a via laparoscópica isolada3. A primeira com mais complicações e sem vantagens aparentes sobre a via endoscópica e a segunda mais dispendiosa, devendo por isso, a nosso ver, ser utilizada apenas em situações especiais, como são os doentes com doenças neurológicas ou neuromusculares, que apresentam graves deformações esqueléticas, isoladamente ou associada à via endoscópica.

A gastrostomia endoscópica percutânea (GEP) é uma técnica de execução fácil e rápida, sem mortalidade e com morbilidade reduzida mas não desprezível, quando efectuada em centros experientes. A fístula gastrocólica, a migração precoce da sonda ou a infecção grave com peritonite ou sépsis, são alguns exemplos de complicações que podem ocorrer e que devem ser rapidamente diagnosticadas e tratadas4.

A sua realização em Pediatria pode ser efectuada em qualquer grupo etário, sob sedação profunda ou anestesia e monitorização adequada, em centro com conhecimento da técnica, com experiência em endoscopia pediátrica e que disponha de adequado apoio de Cirurgia Pediátrica e Cuidados Intensivos Pediátricos, como se exige para qualquer técnica terapêutica endoscópica invasiva.

Nos doentes que necessitam de uso permanente e prolongado da gastrostomia e sobretudo quando exigem frequentemente tratamento fisioterápico ou cinesioterapia respiratória, a substituição dos tubos por botões é vantajosa.

O sucesso da nutrição entérica por gastrostomia depende de diversos factores, mas a constituição de uma equipe multidisciplinar interessada e participativa e de famílias ou cuidadores devidamente informados e motivados é decisiva. Só desta forma é possível manter ao longo de muitos anos de forma adequada uma nutrição entérica exclusiva ou complementar.

A indicação aos pais e cuidadores da necessidade de alimentação por esta via é geralmente acompanhada de maior ou menor resistência à colocação da sonda, mas após algum tempo de utilização, a satisfação pela qualidade de vida ganha quer pelos doentes quer pelos pais é muito boa e quase todos reconhecem ter sido a melhor opção.

O artigo publicado neste número da revista com o título “Nutrição Entérica por Gastrostomia Endoscópica Em Doentes com Idade Pediátrica – Avaliação Rectrospectiva Em 40 Doentes Consecutivos”5 apresenta uma pequena experiência, de uma equipa organizada, de uma instituição hospitalar com bons resultados. A sua leitura levanta todavia algumas dúvidas. Na introdução afirma-se que um dos objectivos da nutrição entérica através de gastrostomia é reduzir o risco de infecção respiratória subsequente à aspiração do refluxo-gastroesofágico, o que não é verdade e convém esclarecer, já que a presença de refluxo significativo é uma contra-indicação para a colocação da gastrostomia sem a correcção prévia ou simultânea do refluxo. A colocação pura e simples de gastrostomia numa criança com refluxo significativo agrava o refluxo6. Não conhecemos o período de tempo ao qual se refere o estudo e também não é muito claro se foram incluídos os doentes que efectuaram nutrição entérica utilizando gastrostomia colocada por via endoscópica ou também colocada por outra metodologia nomeadamente cirúrgica. É estranho que não seja referida a impossibilidade de colocação de PEG por via endoscópica em qualquer caso candidato, uma vez que quase todos os centros têm doentes, especialmente neurológicos com acentuadas deformações esqueléticas, que não permitem a realização da técnica por via endoscópica exclusiva. Talvez estes doentes tenham sido excluídos, mas seria bom referir essa dificuldade e a sua dimensão na amostra global. Não foi realizada antibioterapia profiláctica, o que é um princípio controverso, já que a maioria das recomendações apontam no sentido de que deve ser efectuada e pelo menos nos doentes que apresentam maior risco de infecção, como são os doentes com infecção da boca ou do tracto respiratório superior, é em nossa opinião indiscutível o seu uso7,8. Só uma selecção muito criteriosa de doentes de baixo risco pode permitir estes resultados, sem qualquer complicação infecciosa na ausência de profilaxia antibiótica. Não é muito clara no texto a metodologia seguida pelos autores para substituição das sondas iniciais, em especial nos doentes que têm gastrostomias de longa duração, pois afirmam proceder à substitução em função da degradação dos tubos ou em função da conveniência dos doentes. Ficamos também sem saber qual é o critério que utilizam para colocação de botões, claramente mais adequados em nosso entender, para a nutrição entérica prolongada. Um aspecto não referido no estudo e que seria curioso conhecer, dado ser igualmente controverso na literatura, é ao fim de quanto tempo após a colocção da PEG iniciam a sua utilização para nutrição, 6,8,12 horas? Ficamos também sem saber como encerraram as gastrostomias dos doentes em que foi possível terminar a alimentação entérica; foram todas espontâneas ou houve necessidade de recorrer a procedimento técnico, cirúrgico ou endoscópico para o conseguir?

É referido como factor de bons resultados a utilização de material específico para crianças mas não sabemos qual é esse material, uma vez que apenas nos referem sondas de 14 e 20F e o respectivo fabricante, ora isto não é factor determinante de bons resultados.

Para finalizar, é importante fazer um comentário relativo ao preconceito referido como existente de que a PEG deve ser colocada em crianças apenas nas unidades de Gastroenterolgia Pediátrica, afirmando-se que isso é contrário às necessidades da realidade portuguesa. Não estamos naturalmente de acordo com a afirmação feita, uma vez que os doentes que necessitam de colocação de gastrostomia são, em regra, doentes com patologias graves e complexas, que exigem para o seu estudo e tratamento centros pediátricos especializados e as unidades de Gastroenterologia Pediátrica situam-se exactamente nesses centros e a sua capacidade para uma resposta em tempo útil à colocação de gastrostomias não está de forma alguma esgotada. O crescer da casuística irá mostrar aos autores que as complicações graves acabam por ocorrer e terão então de recorrer com urgência aos serviços ou unidades pediátricas especializadas.

A criação na última década da Sub-especialidade de Gastroenterologia Pediátrica e a organização de unidades ou serviços especializados nos diversos hospitais centrais do País, teve como um dos seus principais objectivos a concentração dos recursos técnicos e humanos especializados, de forma a dar resposta às necessidades existentes de forma organizada, nomeadamente no âmbito das técnicas endoscópicas, pelo que os doentes devem ser referenciados para esses centros, que têm capacidade instalada para responder em tempo útil às necessidades nacionais.

 

 

REFERÊNCIAS

1. Gauderer MW, Ponsky JL, Izant RJ. Gastrostomy without la­parotomy: a percutâneous endoscopic technique. J. Pedatric Surg. 1980; 15:872-875.         [ Links ]

2. Nah SA, Narayanaswamy B, Eaton S, et al. Gastrostomy in­sertion in children: percutaneous endoscopic or percutaneous image-guided?. J. Pediatric Surg. 2010 Jun45 (6):1153-8.         [ Links ]

3. Zamakhshary M, Jamal M, Blair GK, et al. Laparoscopic vs percutaneous endoscopic gastrostomy tube insertion: A new pediatric goldstandart? Journal of Pediatric Surgery Vol. 40, nº5, 859-862, 2005.         [ Links ]

4. Frohlich T, Richter M, Carbon R, et al. Review article: percu­taneous endoscopic gastrostomy in infants and children. Ali­ment Pharmacol Ther 31, 788-801, 2010.         [ Links ]

5. Carido J, Santos C, Ferreira MG, et al. Nutrição Entérica por Gastrostomia Endoscópica em Doentes com Idade Pediátrica – Avaliação Retrospectivo em 40 Doentes Consecutivos. GE – J Port Gastrenterol 2011,18:273-278.         [ Links ]

6. Thomson M, Rao P, Rawat D, et al. Percutaneous endoscopic gastrostomy and gastro-oesophageal reflux in neurologically impaired children. World Journal of Gastroenterology 2011; 14 17:191-196.         [ Links ]

7. Jafri NS, Mahid SS, Minor KS, et al. Metanalysis: antibiotic prophylaxis to prevent peristomal infection following per­cutâneous endoscopic gastrostomy. Aliment Pharmacol Ther 2007; 25:647-56.         [ Links ]

8. Michelle L, Wilson CEP, Hoole D, et al. Antibiotic prophilaxis significantly reduces infection rates at pediatric percutaneous endoscopic gastrostomy(PEG) tube insertion: results of an RCT. Gastroenterology 2008;134:A-81-2.         [ Links ]