SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.16 número3Colonografia por Tomografia ComputorizadaO Cianoacrilato na Terapêutica Endoscópica de Úlceras Pépticas em Doentes de Alto Risco: a propósito de 8 casos índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Jornal Português de Gastrenterologia

versão impressa ISSN 0872-8178

J Port Gastrenterol. v.16 n.3 Lisboa jun. 2009

 

Hemorragia digestiva alta por úlcera péptica em doentes de alto risco: O que há de novo?

 

M. Isabelle Cremers1

 

 A hemorragia digestiva alta (HDA) é um dos problemas clínicos mais importantes na gastrenterologia, tendo-se verificado alterações significativas nos aspectos epidemiológicos, na terapêutica médica e endoscópica e no prognóstico.

No que diz respeito aos aspectos epidemiológicos, um dos aspectos mais relevantes consiste no nvelhecimento na população com HDA (1, 2). Vários autores têm sublinhado a relação entre este envelhecimento e a mortalidade por HDA, que se mantém inalterada, articularmente no grupo que sangra por úlcera péptica, apesar dos desenvolvimentos da endoscopia diagnóstica e terapêutica (1, 2).

Outra alteração epidemiológica importante está relacionada com a etiologia daHDA. Embora a úlcera péptica (gástrica e  duodenal) permaneça a causa principal da HDA, verifica-se um declínio na sua incidência (1, 3, 4), tendo sido proposto por alguns autores que a erradicação agressiva do H. pylori constitua um factor importante para esse declínio. Observa-se, por outro lado, um aumento da incidência da síndroma de Mallory-Weiss e da esofagite péptica (1, 5). A prevalência da esofagite como causa de HDA é particularmente importante no grupo etário mais elevado, acima dos 75 anos, tendo-se registado uma prevalência de 17,2% nestes doentes vs 11,5% nos doentes mais jovens, num registo nacional francês que decorreu durante o ano de 2005 (6).

Um terceiro aspecto epidemiológico que merece ser destacado consiste na ingestão de AINEs e de ácido acetil-salicílico (AAS), que permanecem inalterados ou com tendência para aumentar nas últimas 2 décadas, apesar dos conhecimentos mais generalizados dos seus potenciais efeitos deletérios ao nível das mucosas gástrica e duodenal (1,3,7,8).

Mais importante do que os aspectos epidemiológicos tem sido a alteração da abordagem terapêutica dos doentes com HDA. Estes doentes têm sido alvo de um esforço organizado para serem internados em unidades de hemorragias digestivas, sobretudo quando apresentam índices de Rockall elevados, afim de serem submetidos a terapêuticas intensivas e a uma vigilância apertada, como é recomendado por várias sociedades científicas (9, 10). Nestas medidas está incluída a realização de endoscopia digestiva alta precoce, nas primeiras 24h e, nalguns casos, nas primeiras 12h (1). A associação de inibidores das bombas de protões (IBP), em bolus ou em perfusão, à endoscopia terapêutica, veio reduzir significativamente o número de recidivas hemorrágicas (11) e constitui, actualmente, o estado da arte no tratamento dos doentes com HDA por UP.

A introdução da endoscopia terapêutica veio a constituir o maior progresso no tratamento dos doentes internados por HDA. Actualmente o estado da arte obriga a intervenção endoscópica num grupo de doentes bem definido – doentes com hemorragia activa ou com vaso visível, conseguindo-se uma hemostase em perto de 100% dos doentes e uma diminuição de recidiva hemorrágica, assim como do número de unidades de sangue transfundidas e de intervenções cirúrgicas (12). Contudo, a mortalidade dos doentes com HDA por úlcera péptica mantém-se estável, à volta dos 10%, o que é atribuído à idade avançada e comorbilidades graves deste grupo de doentes (4, 13). Apenas os estudos multicêntricos canadiano e italiano recentemente publicados no American Journal of Gastroenterology, respectivamente em 2004 e em 2008, referem uma taxa de mortalidade de 5,4 e 4,5% (14, 15).

O tipo de técnica endoscópica utilizada nos doentes que sangram por úlcera péptica tem sido objecto de muitos estudos e meta-análises (16-25), sendo que está actualmente recomendada a associação de 2 métodos endoscópicos – injecção, método térmico ou aplicação de clips (16- 18). Quando há persistência ou recidiva da hemorragia, as recomendações sugerem a repetição da endoscopia e a utilização de uma das técnicas endoscópicas (as mesmas da 1ª endoscopia ou outra), sendo recomendado que as decisões sejam tomadas tendo em consideração a idade e comorbilidades do doente, assim como as características da úlcera (9).

A utilização de cianoacrilato, como é descrita na série publicada neste número do GE pelo Serviço de Gastrenterologia do Hospital de São Teutónio, em Viseu, constitui um último recurso a utilizar num grupo de doentes com HDA por úlcera péptica, que apresentem persistência ou recidiva hemorrágica e que constituem um risco elevado para cirurgia. De facto, a utilização do cianoacrilato não é tecnicamente difícil, desde que sejam seguidas as normas correctas de utilização, mas pode complicar-se de embolização, perfuração e septicemias graves, como os autores sublinham na discussão. O estudo de Lee KJ e col, em que foi feita a comparação randomizada de injecção de soro loretado hipertónico, mostra que os resultados são semelhantes no que concerne a hemostase, com menos recidivas no grupo do cianoacrilato em doentes com hemorragia activa. Os autores sublinham que neste último grupo ocorreu embolização arterial em 2 doentes, um dos quais veio a falecer, enquanto que no outro grupo não houve complicações (26). Kok sublinha mesmo que a utilização de cianoacrilato nestes doentes só deve ser feita como último recurso antes da cirurgia (27).

A taxa de complicações (25%) e a mortalidade (12,5%), verificadas nesta pequena série publicada pelo Serviço de Gastrenterologia do Hospital de Viseu, reforça a noção de que o cianoacrilato é uma alternativa à falência endoscópica das técnicas actualmente disponíveis que só deve ser usada como último recurso, em doentes de alto risco cirúrgico.

Considerando que o estudo de Lee KJ e col (26) mostrou que a injecção de adrenalina associada ao soro cloretado hipertónico não foi seguida de complicações, obtendo resultados semelhantes ao cianoacrilato no que concerne à hemostase, embora com uma taxa de recidiva maior, parece razoável tentar a injecção de adrenalina/soro cloretado hipertónico antes de, como último recurso, usar o cianoacrilato.

 

 

Bibliografia

 

1. Henrion J, Schapira M, Ghilain J-M, Maisin J-M, De maeght SM, Deltenre P et al. Upper gastrointestinal bleeding: what hás changed during the last 20 years? Gastroenterol Clin Biol 2008; 32: 830-47

2. Henrion J, Colin J, de Neve A, Heller F. Épidémiologie et mortalité de l’hémorragie digestive haute, étude prospective de 100 cas. Acta Gastroenterol Belg 1986 ; 49 : 314-23

3. Thomopoulos KC, Vagenas KA, Vagianos CE, Margaritis VG, Blikas AP, Katsakoutis EC et al. Changes in aetiology and clinical outcome of acute upper gastrointestinal bleeding during the last 15 years. Eur j Gastroenterol Hepatol 2004; 16: 177-82

4. Aabakken L. Nonvariceal upper gastrointestinal bleeding. Endoscopy 2005; 37: 195-200        [ Links ]

5. Hagège H, Faroux R, Rosa Hezode I,Bour B, Latrive JP, Remy AJ et al. Résultats définitifs de l’étude de l’ANGH incluant plus de 3000 patients ayant une hémorragie digestive haute communautaire (abstract). Gastroenterol Clin Biol 2007 ; 31 : A78

6. Nahon S, Nouel O, Hagège H, Cassan P, Pariente A, Combes R et al. Favourable prognosis of upper GI bleeding in 1041 older patients: results of a prospective multicenter study. Clin Gastroenterol Hepat 2008

7. Higham J, Kang JY, Majeed A. Recent trends in admissions and mortality due to peptic ulcer in England: increasing frequency of haemorrhage among older subjects. Gut 2002; 50: 460-4

8. Van Leerdam ME. Vreeburg EM, Rauws EA, Geraedts AA, Tijssen JG, Reitsma JB et al. Acute upper GI bleeding: did anything change? Time trend analysis and outcome of acute upper GI bleeding between 1993/1994 and 2000. Am J Gastroenterol 2003; 98: 1494-9

9. British Society of Gastroenterology Endoscopy Committee. Non-variceal upper gastrointestinal haemorrhage: guidelines. Gut 2002; 51 (Suppl IV); iv1-iv6

10. Barkun A, Bardou M, Marshall JK. Consensus recommendations for managing patients with nonvariceal upper gastrointestinal bleeding. Ann Intern Med 2003; 139: 843-59

11. Sung JJY, Chan FKL, Lau JYW et al. The effect of Endoscopic therapy in patients receiving omeprazole for bleeding ulcers with nonbleeding visible vessels or adherent clots. Ann Intern Med 2003; 139: 237-43

12. McCormick PA, O’Keefe C. Improving prognosis following a first variceal haemorrhage over four decades. Gut 2001; 49: 682-5

13. Rollhauser C, Fleischer DE. Nonvariceal upper gastrointestinal bleeding. Endoscopy 2004; 36: 52-8

14. Barkin A, Sabbah S, Ens R et al. The Canadian Registry on Nonvariceal Upper Gastrointestinal Bleeding and Endosciopy (RUGBE): endoscopic hemostasis and proton pump inhibition are associated with improved outcomes in a real-life setting. Am J Gastroenteol 2004; 99: 1238-46

15. Marmo R, Koch M, Cipolletta L, Capurso L, Pera A, Bianco MA, et al. Predictive factors of mortality from nonvariceal upper gastrointestinal hemorrhage: a multicenter study. Am J Gastroenterol. 2008;103:1639-47

16. Calvet X, Vergara M, Brullet E, Gisbert JP. Addition of a second endoscopic treatment following epinephrine injection improves outcome in high-risk bleeding ulcers. Gastroenterology 2004; 126:441-450

17. Marmo R, Rotondano G, Piscopo R, Bianco MA, D’Angella R, Cipolletta L. Dual therapy versus monotherapy in the endoscopic treatment of high-risk bleeding ulcers: a meta-analysis of controlled trial. Am J Gastroenterol 2007;102: 279-289

18. Laine L, McQuad KR. Endoscopic therapy for bleeding ulcers: an evidence-based approach based on meta-analyses of randomized controlled trials. Clin Gastroenterol Hepatol 2009;7: 33-47

19. Chung SS, Lau JY, Sung JJ, Chan AC, Lai CW, Ng EK, et al. Randomised comparison between adrenaline injection alone and adrenaline injection plus heat probe treatment for actively bleeding ulcers. BMJ 1997;314: 1307-1311

20. Church NJ, Dallal HJ, Masson J, Mowat NA, Johnston DA, Radin E, et al. A randomized trial comparing heater probe plus thrombin with heater probe plus placebo for bleeding peptic ulcer. Gastroenterology 2003;125: 396-403

21. Park CH, Joo YE, Kim HS, Choi SK, Rew JS, Kim SJ. A prospective, randomized trial comparing mechanical methods of haemostasis plus epinephrine injection to epinephrine injection alone for bleeding peptic ulcer. Gastrointest Endosc 2004; 69:173-179

22. Lo CC, Hsu PI, Lo GH, Lin CK, Chan HH, Tsai WL, et al. Comparison of hemostatic efficacy for epinephrine injection alone and injection combined with hemoclip therapy in treating high-risk bleeding ulcers. Gastrointest Endosc 2006; 63:767-773

23. Lin HJ, Tseng GY, Perng CL, Lee FY, Chang FY, Lee SD. Comparison of adrenaline injection and bipolar electrocoagulation for the arrest of peptic ulcer bleeding. Gut 1999;44:715-719

24. Garrido Serrano A, Guerrero Igea FJ, Perianes Hernández C, Arenas Posadas FJ, Palomo Gil S. Local therapeutic injection in bleeding peptic ulcer: A comparison of adrenaline to adrenaline plus a sclerosing agent. Rev Exp Enferm Dig 2002; 94:395-405

25. Kubba AK, Murphy W, Palmer RR. Endoscopic injection for bleeding peptic ulcer: A comparison of adrenaline alone with adrenaline plus human thrombin. Gastroenterology 1996;111:623-628

26. Lee KJ, Kim JH, Hahm KB, Cho SW, Park YS. Randomized trial of N-butyl-2-cyanoacrylate compared with injectionof hypertonic saline-epinephrine in the endoscopic treatment of bleeding peptic ulcers. Endoscopy 2000; 32: 505-11

27. Kok KYY, Kum CK, Goh PM. Endoscopic hemostasis of upper gastrointestinal bleeding with histoacryl: last resort before surgery. Endoscopy 1996; 28: 256-8

 

1Chefe de Serviço de Gastrenterologia - Hospital de São Bernardo, Setúbal