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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.28 no.1 Lisboa mar. 2021  Epub 15-Mar-2021

https://doi.org/10.24950/r/190/20/1/2021 

Artigos de Revisão/ Review Articles

Evidência dos Modificadores do Sistema Renina-Angiotensina na Prevenção da Enxaqueca Episódica

Evidence of Renin-Angiotensin System Modifiers in the Prevention of Episodic Migraine

1Unidade de Saúde Familiar Corino de Andrade, Agrupamento de Centros de Saúde Póvoa de Varzim/Vila do Conde, Portugal

2Unidade de Saúde Familiar Navegantes, Agrupamento de Centros de Saúde Póvoa de Varzim/Vila do Conde, Portugal

3Unidade de Saúde Familiar Eça de Queirós, Agrupamento de Centros de Saúde Póvoa de Varzim/Vila do Conde, Portugal

4Unidade de Saúde Familiar Casa dos Pescadores, Agrupamento de Centros de Saúde Póvoa de Varzim/Vila do Conde, Portugal


Resumo:

:

A enxaqueca é uma doença frequente e incapacitante. Modelos experimentais sugerem uma relação entre o sistema renina-angiotensina e o desenvolvimento de enxaqueca. Este artigo tem como objetivo rever a evidência dos inibidores deste sistema na redução da frequência dos episódios de enxaqueca.

Métodos:

Foi efetuada a pesquisa de normas de orientação clínica (NOC), de revisões sistemáticas (RS) e meta-análises (MA), bem como de ensaios clínicos aleatorizados (ECA). O nível de evidência e forças de recomendação foram atribuídos recorrendo à escala Strength of Recommendation Taxonomy (SORT).

Resultados:

Foram identificados 63 artigos, tendo sido selecionados oito: quatro NOC, duas RS/MA e duas RS.

O tratamento preventivo da enxaqueca episódica pode ser efetuado com candesartan 16 mg/dia (FR B), embora ainda não seja recomendado como fármaco de primeira linha. O lisinopril também mostrou potencial na prevenção da enxaqueca episódica (FR B).

Palavras-chave: Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina; Perturbações de Enxaqueca/prevenção e controlo

Abstract:

:

Migraine is a common and disabling disease. Experimental models suggest an association between renin-angiotensin system and migraine development. This paper aims to review the evidence of angiotensin inhibitors in reducing migraine episodes.

Methods:

We searched for guidelines, systematic reviews, meta-analysis and randomized controlled trials. Level of evidence and strength of recommendation (SOR) attribution were based on Strength of Recommendation Taxonomy (SORT).

Results:

We identified 63 articles, from which we selected eight: four guidelines, two meta-analysis and two systematic review.

Discussion/Conclusion:

Candesartan 16 mg/day may be used as a preventive treatment of episodic migraine (SOR B), in spite of not being recommended as the first line of treatment. Lisinopril also showed some potential. (SOR B)

Keywords: Angiotensin-Converting Enzyme Inhibitors; Migraine Disorders/prevention & control

Introdução

De acordo com oGlobal Burden of Disease Study2016, a enxaqueca foi estimada como a 6ª doença mais frequente no mundo, com uma prevalência de 14,4% (18,9% nas mulheres e 9,8% nos homens).1Nesse ano, terá sido responsável por 45 milhões de anos perdidos por doença ou incapacidade a nível global.1Esta patologia representa, ainda, uma causa frequente de recurso aos serviços de saúde.2

O diagnóstico baseia-se na história clínica e na exclusão de outros tipos de cefaleia.3A enxaqueca carateriza-se por cefaleia recorrente, com episódios de dor com duração entre 4 a 72 horas, geralmente de localização unilateral, de tipo pulsátil, de intensidade moderada a grave, que agrava com a atividade física do dia-a-dia associada a náuseas e/ou fotofobia e fonofobia, podendo registar-se, ou não, sintomas de aura.4

Embora esta definição não esteja explícita na terceira edição daInternational Classification of Headache Disorders(ICHD-3) é consensual, na literatura, que a enxaqueca episódica se defina pela ocorrência de até 14 dias de dor por mês.2,3,5,6Distingue-se, assim, da enxaqueca crónica que se carateriza pela presença de cefaleia em 15 ou mais dias por mês, durante mais de 3 meses, sendo necessária a ocorrência de dor com caraterística de enxaqueca em pelo menos 8 dias por mês.4

A orientação do doente com enxaqueca inicia-se pela promoção da literacia e pela tranquilização do doente, seguindo-se a avaliação do impacto da doença e o estabelecimento de metas realistas para o tratamento.7A correta identificação de fatores desencadeantes pode ser relevante, mas não deve ser sobrevalorizada dado que nem sempre podem ser identificados ou passíveis de serem evitados.7A elaboração de calendários pode possibilitar a deteção de eventuaistriggers, a monitorização do uso de medicação de alívio, a promoção da adesão e o registo do efeito terapêutico.7Relativamente ao tratamento não farmacológico, recomenda-se uma dieta equilibrada, não havendo benefício com dietas específicas.7Uma meta-análise recente mostrou evidência, embora de baixa a moderada qualidade, da prática de exercício aeróbio na diminuição da intensidade da dor, da frequência e da duração da enxaqueca, com impacto na melhoria da qualidade de vida.8Dada a ausência de efeitos adversos, deve ser uma estratégia a considerar.8As terapias de relaxamento e a terapia cognitivo-comportamental podem ajudar os doentes a gerir os sintomas, mas não existe evidência de qualidade a sugerir benefício.7

O tratamento farmacológico da enxaqueca pode consistir no alívio dos sintomas de forma aguda, ou ser profilático, quando apresenta como objetivo a redução da frequência dos episódios ou da intensidade da dor ao longo do tempo.6

O primeiro passo da medicação de alívio consiste no uso de anti-inflamatórios não esteróides, de paracetamol (no caso de contraindicação para os primeiros) ou ambos, bem como de anti-eméticos.7No caso de falência dos anteriores, o tratamento específico deve ser considerado.7No entanto, a resposta aos triptanos apenas é obtida em 50% a 60% dos doentes, sendo o alívio, muitas vezes, apenas parcial.9Além disso, estão contraindicados na hipertensão arterial não controlada e nas doenças cardio e cerebrovasculares e não foram estudados em adultos com idade superior a 65 anos, pelo que deve haver precaução na sua utilização nesta faixa etária, sobretudo na presença de fatores de risco vascular.10

Deste modo, o tratamento profilático apresenta vantagens em ser instituído sempre que a doença acarrete um grau significativo de incapacidade, se os episódios forem frequentes ou de longa duração, se a terapêutica de fase aguda não for eficaz ou estiver contraindicada ou perante risco de efeitos da medicação de fase aguda, incluindo a cefaleia por abuso medicamentoso.5,11Este tipo de tratamento tem demonstrado impacto na melhoria da qualidade de vida e na diminuição da progressão para enxaqueca crónica.2A profilaxia deve ser mantida pelo menos três meses na dose máxima tolerada antes da avaliação da sua eficácia.10Os fármacos classicamente usados com esta indicação (antiepiléticos, antidepressivos e betabloqueadores) apresentam eficácia incompleta5,9,12e risco de interações medicamentosas.10Além disso, pela sua reduzida especificidade,9provocam frequentemente efeitos adversos,5o que condiciona a adesão terapêutica e o seu uso prolongado.9,12Assim, mantém-se a procura de agentes profiláticos eficazes e com melhor perfil de tolerância.9

Modelos experimentais sugerem que possa existir uma relação entre o desenvolvimento de enxaqueca e o sistema renina-angiotensina, embora o mecanismo exato ainda não seja claro.13Atualmente, assume-se a presença de sistemas renina-angiotensina locais que funcionam de forma independente do sistémico, incluindo a nível cerebral, com ação na regulação da biodisponibilidade do óxido nítrico, da expressão de citocinas pró-inflamatórias, da desgranulação de mastócitos, da proliferação de músculo liso vascular e da modulação nociceptiva, o que pode contribuir para a patogénese da enxaqueca.13Além disso, em doentes com enxaqueca, foram detetados níveis superiores de atividade da enzima conversora da angiotensina.14

Num estudo observacional, a enxaqueca associou-se a aumento do risco de enfarte do miocárdio, de acidente vascular cerebral isquémico e hemorrágico, de tromboembolismo venoso e defluttere fibrilhação auriculares, sobretudo na presença de aura e em mulheres.15Pelo contrário, os modificadores do sistema renina-angiotensina têm demostrado benefícios cardiovasculares assentes não apenas no controlo da pressão arterial, mas também em efeitos não hemodinâmicos.16Neste sentido, torna-se apelativa a avaliação da sua eficácia num grupo de doentes que parece apresentar um risco cardiovascular superior ao da população em geral. Além disso, dado que alguns estudos apontam para um maior risco de hipertensão em doentes com enxaqueca, estes fármacos podem assumir um papel relevante na sua orientação.17,18Outra vantagem que apresentam é o facto de possuírem menos contraindicações do que os betabloqueadores, podendo ser prescritos com maior segurança no caso de asma, de bloqueios de condução cardíaca ou na presença de diabetes ou fatores de risco para o seu desenvolvimento.19

Assim, tendo em conta o aparente envolvimento do sistema-renina angiotensina na fisiopatologia da enxaqueca e o facto dos modificadores deste sistema serem fármacos geralmente bem tolerados, de baixo custo e com vantagens na modulação dos fatores de risco vascular, este artigo tem como objetivo rever a evidência dos inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA) e dos antagonistas dos recetores da angiotensina (ARA) na redução da frequência dos sintomas na enxaqueca episódica.

Métodos

Este artigo assenta na metodologia de uma revisão baseada na evidência. De acordo com a pergunta PICO, definiu-se como população os doentes adultos com enxaqueca episódica, sendo a intervenção proposta a terapêutica com IECA ou ARA, em comparação com o placebo. Ooutcomeavaliado foi a redução do número de episódios de enxaqueca. Assim, em maio de 2020, foi efetuada a pesquisa de normas de orientação clínica (NOC), revisões sistemáticas (RS) e meta-análises (MA) publicadas nos últimos 10 anos, bem como de ensaios clínicos aleatorizados (ECA) publicados nos últimos 3 anos nas seguintes bases de dados: GuidelineCentral, NICE, Cochrane, CPG infobase, BMJ, Bandolier, CRD Database e PubMed. Aqueryutilizada foi a seguinte: (migraine) AND (prevention OR preventive OR prophylaxis) AND (angiotensin ii type 2 receptor blocker OR candesartan OR irbesartan OR losartan OR azilsartan OR olmesartan OR valsartan OR telmisartan OR eprosartan OR angiotensin converting enzyme inhibitors OR lisinopril OR enalaprilat OR perindopril OR ramipril OR captopril OR benazepril OR fosinopril OR quinapril). Foram incluídos os estudos com população humana, em idade adulta, cuja intervenção se baseou em IECA ou ARA. Foram excluídos os estudos ainda não concluídos, os que incluíram população pediátrica e os que compararam a terapêutica com IECA ou ARA com outros fármacos. O nível de evidência e as forças de recomendação dos estudos encontrados foram atribuídos recorrendo à escalaStrength of Recommendation Taxonomy (SORT).20

Resultados

A pesquisa resultou em 63 estudos, que foram avaliados de forma independente pelos autores, inicialmente através da leitura do título e do resumo. As situações discordantes foram discutidas entre todos os autores, de forma a obter consenso relativamente à inclusão ou à exclusão do estudo em questão. Foram excluídos 6 resultados duplicados, 12 artigos de tipologia diferente da pretendida, 16 estudos com população diferente da pretendida e 13 estudos com intervenção divergente da definida no PICO. Deste processo de avaliação foram selecionados 16 estudos, tendo estes sido alvo de leitura do texto integral. Destes, foram excluídos 8 artigos que já se encontravam contemplados em trabalhos selecionados para esta revisão com maior nível de evidência ou data de publicação mais recente, no caso de igual evidência. Assim, foram incluídos 8 estudos: 4 NOC, 2 RS/MA e 2 RS (Fig.1).

Figura 1: Fluxograma relativo ao processo de seleção dos artigos  

A informação relativa à sua caraterização e conclusões é apresentada nas tabelas 2 e 3.

  1. Normas de orientação clínica (Tabela 1)

  2. Revisões sistemáticas com meta-análise (Tabela 2)

  3. Revisões sistemáticas (Tabela 3)

De forma a simplificar a leitura da informação e evitar a duplicação de dados, apesar de serem mencionados todos os estudos primários incluídos em cada fonte secundária, apenas são descritos no artigo com maior nível de evidência ou data mais recente de publicação, no caso de igual evidência. Relativamente à MA da autoria de Jackson,6a informação relativa ao candesartan foi avaliada na Tabela 1 mas optou-se por manter a inclusão desta MA de forma a analisar os efeitos das outras substâncias estudadas (Tabela 2)

Tabela 1: Normas de orientação clínica 

Legenda: ECAC: ensaio clínico aleatorizado controlado; FR: força de recomendação; MA: meta-análise; NOC: norma de orientação clínica; sem: semanas; vs: versus

Tabela 2: Revisões sistemáticas com meta-análise 

Legenda: ARA: antagonista dos recetores da angiotensina; ECAC: ensaio clínico aleatorizado e controlado; IC: intervalo de confiança; IECA: inibidor da enzima de con- versão da angiotensina; HTA: hipertensão arterial; MA: meta-análise; NE: nível de evidência; OR: odds ratio; RS: revisão sistemática; vs: versus

Tabela 3: Revisões sistemáticas 

Legenda: ARA: antagonista dos recetores da angiotensina; ECAC: ensaio clínico aleatorizado e controlado; FR: força de recomendação; HTA: hipertensão arterial; IECA: inibidor da enzima de conversão da angiotensina; NE: nível de evidência; RS: revisão sistemática

Discussão

A enxaqueca associa-se a um impacto importante na funcionalidade e na qualidade de vida.10Por este motivo, a redução da frequência ou da intensidade dos episódios, ainda que modesta, pode significar ganhos consideráveis para os doentes.10A decisão do início de tratamento profilático deve ser ponderada, sobretudo, com base no impacto que a doença acarreta para cada indivíduo, em vez de se apoiar apenas no número absoluto de episódios.10A abordagem não farmacológica, com modificação do estilo de vida, gestão de fatores desencadeantes e intervenção comportamental, é essencial.22A escolha do fármaco a prescrever deve fundamentar-se na evidência de eficácia da substância, nas suas interações, contraindicações e perfil de efeitos adversos, nas comorbilidades e fatores de risco do doente e na sua preferência.10,22

Nos ensaios clínicos, habitualmente, considera-se que existe sucesso terapêutico quando se atinge uma redução de 30% a 50% da frequência e/ou intensidade dos episódios de enxaqueca,10com a ausência de efeitos adversos intoleráveis.30

Os resultados dos IECA e ARA na prevenção da enxaqueca episódica, ainda pouco compreendidos, parecem relacionar-se com a melhoria da capacidade de ajuste da perfusão cerebral em resposta à atividade neuronal, a alteração do tónus simpático, a inibição da vasoconstrição e a degradação de marcadores pró-inflamatórios como a substância P, a bradicinina e as encefalinas.12Além disso, aparentam possuir um papel na modulação dos mecanismos da dor,12baseado na desfosforilação da proteína cinase ativada pelo mitogénio e na ação sobre canais iónicos que participam no controlo da nocicepção.36

O captopril, o lisinopril, o ramipril, o enalapril, o candesartan, o telmisartan e o olmesartan foram os fármacos estudados para este efeito. O candesartan é o que apresenta resultados mais consistentes na redução dos episódios de enxaqueca, apresentados em dois ensaios clinicos aleatorizados e controlados19,21sendo recomendado nas várias guidelines.5,7,10,11,22,27O lisinopril também atingiu resultados significativos, embora em estudos menos recentes e com dosagens diversas,23,25,33apresentando um perfil de efeitos adversos diferente.22O captopril foi também responsável por melhorias significativas.28,31No entanto, a sua curta semivida torna-o um fármaco pouco cómodo, o que poderá explicar o facto dos estudos mais recentes optarem por não avaliar esta substância. O enalapril foi estudado num único ensaio controlado, com resultados significativos.29O telmisartan, pelo contrário, embora tenha diminuído a frequência dos episódios relativamente ao início do tratamento, não foi capaz de se mostrar substancialmente superior ao placebo.9O olmesartan34e o ramipril35são os fármacos com menor nível de evidência dado não terem sido avaliados em ensaios controlados, pelo que serão necessários mais estudos, com desenho mais adequado, para assegurar a sua eficácia.

Todos os ensaios mostraram uma redução dos episódios de enxaqueca em comparação com o número basal. No entanto, em comparação com o placebo, as diferenças nem sempre foram estatisticamente significativas.12Os estudos que usam placebo na enxaqueca identificaram um decréscimo do número de episódios entre as 4 e as 12 semanas e um aumento a partir das 16 semanas, sendo que às 24 semanas registaram-se valores semelhantes aos basais. Assim, conclui-se que existe um importante efeito do placebo nesta patologia, o que reforça a necessidade e importância da realização de ensaios controlados.6

Relativamente aos efeitos adversos, os principais foram a tosse, as tonturas23e as parestesias.21O aparecimento de tonturas revelou-se transitório.25,34Em alguns estudos, não foram relatadas diferenças significativas comparativamente ao placebo.9,21As desistências por efeitos adversos deveram-se sobretudo a tosse25,28ou a fadiga,19,23enquanto outros estudos não apresentaram perdas de seguimento por intolerância aos fármacos.29,35No geral, não foram reportados efeitos adversos graves.

Neste momento, não existem estudos suficientes para compreender se os benefícios ocorrem apenas com determinadas substâncias ou se será efeito de classe. O candesartan e o telmisartan poderão ser os fármacos mais promissores, dado que são os ARA mais lipofílicos e, portanto, com maior capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica.12,32No entanto, os resultados obtidos com substâncias que não atravessam essa barreira, tais como o olmesartan, sugerem que pelo menos parte da sua ação ocorra a nível periférico.32

As principais limitações desta revisão prendem-se com a inclusão de dados provenientes de estudos com amostras pequenas e com períodos curtos defollow-up. Além disso, as populações são heterogéneas no que diz respeito às comorbilidades associadas, o que impede uma generalização dos dados. Devido ao reduzido número de doentes incluídos, as comparações entre hipertensos e não hipertensos também não foram exequíveis.25

Os IECA e ARA não são ainda recomendados como terapêutica profilática de primeira linha, tendo em conta a evidência algo limitada, devido ao número reduzido de ensaios realizados, com amostras de pequena dimensão.12No entanto, nos doentes com falência terapêutica ou contraindicação para os fármacos aprovados, podem constituir uma alternativa válida.13No caso de doentes com hipertensão arterial e enxaqueca, será de ponderar o seu uso como primeira linha, bem como de considerar a alteração para um IECA ou ARA com maior nível de evidência demonstrado, de modo a maximizar o efeito e a simplificar o regime terapêutico.12

Relativamente ao eventual risco de hipotensão, a sua monitorização não foi abordada em todos os estudos. No caso do telmisartan, registou-se um decréscimo de pressão arterial sistólica de 4,6 mmHg, mas a média de pressão arterial registada no final do estudo não diferiu do placebo.9Os autores que avaliaram o efeito do ramipril 5 mg/dia não encontraram redução significativa na pressão arterial.35No caso do candesartan, a pressão arterial foi significativamente inferior no grupo do ARA em comparação com o placebo (115/70 ± 16/10 mmHg vs 126/77 ± 20/11 mmHg), mas os efeitos adversos referidos pelos doentes nos dois grupos, nomeadamente as tonturas, não diferiram. Os estudos com lisinopril optaram por uma intervenção com dosagem gradualmente crescente,23,33o que poderá ser importante na prática para avaliação da sua tolerabilidade. Os doentes com patologia renal crónica foram excluídos da avaliação, mas a monitorização da função renal após a intervenção não foi relatada em nenhum estudo. Considera-se que este é um aspeto que deverá ser tido em conta na prática, sobretudo nos doentes com fatores de risco para hipercaliémia como, por exemplo, medicados com diuréticos poupadores de potássio.

Uma vantagem destes fármacos centra-se na experiência adquirida por médicos de várias especialidades ao longo do tempo, dada a sua vasta utiliz ação no tratamento da hipertensão arterial, no que diz respeito ao seu manuseamento, monitorização, interações medicamentosas e gestão de efeitos secundários, o que pode não acontecer com os antiepiléticos atualmente aprovados. Outro benefício consiste na ausência de efeitos cognitivos, que são comuns com o topiramato.10

Em relação às mulheres em idade fértil, mantém-se a necessidade de uma contraceção eficaz dado o seu potencial teratogénico.2

Conclusão

A evidência disponível indica que o tratamento preventivo da enxaqueca episódica pode ser efetuado com candesartan 16 mg/dia (FR B), embora ainda não seja recomendado como fármaco de primeira linha. O lisinopril também mostrou potencial na prevenção da enxaqueca episódica (FR B). São necessários mais estudos, com um maior número de utentes e tempo de seguimento mais prolongado para avaliar com maior precisão o papel destes agentes na prevenção da enxaqueca episódica.

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Responsabilidades ÉticasEthical Disclosures3

Recebido: 28 de Setembro de 2020; Aceito: 02 de Novembro de 2020

Correspondence / Correspondência: Sara Carneiro Alves - sara.c.alves@gmail.com Morada: Unidade de Saúde Familiar Corino de Andrade, Agrupamento de Centros de Saúde Póvoa de Varzim/Vila do Conde Rua Dr. Alberto Pimentel, S/N, 4490-602 Póvoa de Varzim

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