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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.27 no.3 Lisboa jul. 2020

https://doi.org/10.24950/PV/53/20/3/2020 

PONTOS DE VISTA / POINTS OF VIEW

 

Biossimilares: Serão Assim Tão Semelhantes?

Biossimilars: Are They So Similar?

 

Renato Maia Nogueira, Joana Cordeiro Cunha, Ana Lima, Diana Fernandes, Celeste Guedes, Augusto Duarte

Serviço de Medicina, Centro Hospitalar do Médio Ave, Vila Nova de Famalicão, Portugal

 

Resumo:

Os biossimilares consistem em complexas proteínas de elevado peso molecular, produzidas e purificadas a partir de produtos biológicos, comparando com a habitual definição de medicamento genérico pode-se afirmar que biossimilares são medicamentos biologicamente semelhantes ao produto de referência enquanto um genérico é quimicamente idêntico ao produto original. Neste trabalho debruçamo-nos sobre os biossimilares das várias heparinas de baixo peso molecular e pretende-se demonstrar quais as medidas a tomar para assegurar a eficácia e segurança dos mesmos aquando da sua autorização de introdução no mercado, comparando as recomendações elaboradas por várias sociedades científicas com as guidelines elaboradas pela Agência Europeia do medicamento e os critérios utilizados por esta para assegurar estes objetivos. Verificou-se que a avaliação destes medicamentos se baseou em análises laboratoriais da atividade biológica e de estudos de imunogenicidade com valor estatístico insignificante, sendo que os vários riscos a eles inerentes foram extrapolados a partir de uma comparação com o medicamento de referência. Por este motivo, a sua utilização pode acarretar um risco humano que não é aceitável e um risco económico elevado, uma vez que o custo que pode advir das complicações rapidamente suplanta o benefício de um preço de aquisição relativamente mais baixo.

Palavras-chave: Genéricos; Heparina de Baixo Peso Molecular; Medicamentos Biossimilares.

 

Abstract:

Biosimilars are complex proteins of high molecular weight, produced and purified from biologic products, in comparison to generic drugs, biosimilars are biologically similar to the reference drug while a generic is molecularly identical. We focus on the various biosimilar low weight heparins pretending to demonstrate which criteria were chosen to assure the efficacy and safety of these drugs when they were introduced in the market, comparing the recommendations written by various international societies in comparison with the European Medicine Agency guidelines and the criteria used the ensure these goals. It was verified that the evaluation of these drugs was based on laboratory assessment of its biological activity and underpowered studies of immunogenicity, being that the risks were extrapolated from the reference drug. For this reason, using these drugs carries an unacceptable human risk and a high economic risk since the cost of managing adverse complications can easily overwhelm its relative lower cost.

Keywords: Biosimilar Pharmaceuticals; Drugs, Generic; Heparin, Low-Molecular-Weight.

 

Quando as patentes das medicações de referência terminam, surge a possibilidade de cópia, o que permite uma redução importante dos custos de tratamento.1 No entanto, ao contrário dos medicamentos ditos genéricos, que consistem em moléculas relativamente simples que são produzidas a partir de reações químicas controladas e cujo processo de aprovação consiste na demonstração que o genérico e a substância de referência possuem estrutura química semelhante, os biossimilares consistem em complexas proteínas de elevado peso molecular. Alguns produtos são produzidos e purificados a partir de produtos biológicos, estes possuem um conjunto de funções essenciais à sua atividade, no entanto diferenças subtis na sua estrutura podem alterar a sua eficácia e imunogenicidade. Desta forma os biossimilares são biologicamente semelhantes ao produto de referência, enquanto um genérico é quimicamente idêntico ao produto original.

A dúvida que se coloca é até que ponto as heparinas de baixo peso molecular biossimilares asseguram eficácia suficiente de modo a garantir que o doente não fica desprotegido de eventos trombóticos e que existe segurança na sua utilização.

A International Society on Thrombosis and Haemostasis (ISTH) reconhece que as diferenças bioquímicas e biológicas podem afetar a eficácia e a segurança desses produtos. Com o objetivo de definir características do produto original que devem ser demonstradas nos biossimilares, a ISTH estabeleceu um consenso para assegurar a qualidade de biossimilares de HBPM,2 recomendando a realização de estudos clínicos, prospectivos, randomizados, duplo-cegos para mostrar a não inferioridade do biossimilar em relação ao produto original. Também a South Asian Society on Atherosclerosis & Thrombosis (SASAT)3 recomenda a realização de estudos duplo-cegos e randomizados antes da aprovação de novo biossimilar. No entanto, as diretrizes publicadas pela Agência de Medicamentos Europeia (AME), através do Comité de Medicamentos de Uso Humano,4 exigem uma fraca correlação entre os marcadores farmacodinâmicos e a eficácia clínica. Segundo a AME: “Os dados clínicos e não clínicos necessários para a aprovação de um medicamento biossimilar são diferentes dos necessários para uma nova substância ativa, porque demonstrando a biossimilaridade, o biossimilar pode-se basear nos dados de segurança e eficácia obtidos com o medicamento de referência.”

Analisando os relatórios de aprovação de entrada no mercado de HBPM biossimilares5,6 identificam-se vários pontos suscetíveis de discussão.

Relativamente aos aspetos não clínicos, verificaram-se diferenças na cadeia proteica das moléculas entre os biossimilares e o medicamento de referência, tendo sido aceite como justificação o facto dessas diferenças se encontrarem numa região da estrutura molecular em que não era reconhecida atividade biológica e, como tal, não iriam provocar alterações diretas ou indiretas na atividade da heparina. O reconhecimento de que ambas as proteínas são similares baseia-se na demonstração da semelhança entre a origem da matéria-prima e no modo de despolimerização, nas propriedade físico-químicas, na comparação estrutural (semelhanças na sequência de fragmentos de oligossacarídeos, de blocos de dissacarídeos e semelhança na afinidade dos componentes), na atividade biológica in vitro (aPTT e HEPTEST) e atividade bioquímica (inibição dos fatores Xa e IIa).

Não foram realizados estudos válidos de segurança clínica, nos dois medicamentos aprovados foi apresentado um estudo de segurança baseado na administração de uma dose única do  medicamento  biossimilar  em  vinte  doentes  saudáveis, sendo que na ausência de efeitos adversos nestes participantes concluem pela não existência de efeitos adversos ou reações de imunogenicidade. A EMA aponta a insignificância do estudo, no entanto conclui que, dadas as semelhanças farmacodinâmicas e farmacocinéticas, os efeitos adversos seriam também estes semelhantes, apesar de assumir as limitações dos dados provenientes dos estudos in vitro.

Quando comparadas, as guidelines da EMA relativamente à introdução de HBPM biossimilares de 20097  referia explicitamente que “uma vez que não se pode estabelecer uma correlação entre os parâmetros farmacodinâmicos (atividade anti FXa or anti FIIa), esta equivalência terapêutica apenas pode ser demonstrada com pelo menos um estudo randomizado, duplo cego e com adequado poder estatístico”. Nas guidelines de 20164 verifica-se que este estudo se torna desnecessário uma vez que “um estudo comparativo não teria sensibilidade suficiente para demonstrar pequenas diferenças entre as duas HBPM com perfil farmacodinâmico semelhante”.

Esta avaliação por parte da EMA parece não considerar o facto de que a não rejeição da hipótese nula não implica a sua sustentação como verdadeira. Provar que dois tratamentos são equivalentes é, na realidade, muito mais difícil do que demonstrar diferença entre eles.8

Nesta altura temos que nos questionar até que ponto conhecemos as atividades biológicas associadas às HBPM e se estamos confortáveis e prescrever aos nossos doentes medicamentos que foram aprovados com base na semelhança entre o seu perfil farmacodinâmico e não em estudos clínicos validados. Será que a utilização de medicamentos relativamente mais baratos compensa os custos humanos e económicos que advêm dos efeitos adversos que podem ser atribuíveis a estes medicamentos?

A EMA enfatiza a necessidade de uma farmacovigilância apertada após a introdução dos novos medicamentos, no entanto, seria mais prudente a avaliação de todas as variáveis antes da sua autorização de entrada no mercado.

 

REFERÊNCIAS

1.      Curtis JR, Schabert VF, Harrison DJ, Yeaw J, Korn, JR, Quach C, Yun H,Joseph GJ, Collier DH. Estimating effectiveness and cost of biologics for rheumatoid arthritis: application of a validated algorithm to commercial insurance claims. Clin Ther.2014;36:996-1004.         [ Links ]

2.      Harenberg J, Walenga J, Torri G, Dahl OE, Drouet L, Fareed J; Subcommittee on Control of Anticoagulation, Scientific and Standardization Committee of the International Society on Thrombosis and Haemostasis. Update of the recommendations on biosimilar low molecularweight heparins from the Scientific Subcommittee on Control of Anticoagulation of the International Society on Thrombosis and Haemostasis. J Thromb Haemost. 2013; 11: 1421–5

3.      Kalodiki E, Leong W; SASAT and Task Force on Generic LMWHs. SASAT (South Asian Society on Atherosclerosis & Thrombosis) proposal for regulatory guidelines for generic low-molecular weight heparins (LMWHs). . Clin Appl Thromb Hemost. 2009;15:8-11. doi: 10.1177/1076029608329113.         [ Links ]

4.      Guideline on similar biological medicinal products. European Medical Agency. CHMP/437/04 Rev 1. [consultado Jan 2020] disponível em: http://www.ema.europa.eu/docs/en_GB/document_library/Scientific_guideline/2014/10/WC500176768.pdf. Acessado a 10 Jan 2020.         [ Links ]

5.      Assessment report. Thorinane. International non-proprietary name: enoxaparin sodium. Procedure No. EMEA/H/C/003795/0000. EMA/536972/2016. Committee for Medicinal Products for Human Use (CHMP). [consultado Jan 2020] disponível em http://www.ema.europa.eu/docs/en_GB/document_library/EPAR_-_Public_assessment_report/human/003795/WC500215281.pdf. Acesso em: 22 jan. 2020.         [ Links ]

6.      Assessment report. Inhixa. International non-proprietary name: enoxaparin sodium. Procedure No. EMEA/H/C/004264/0000. EMA/536977/2016. Committee for Medicinal Products for Human Use (CHMP). [consultado Jan 2020] disponível em  http://www.ema.europa.eu/docs/en_GB/document_library/EPAR_-_Public_assessment_report/human/004264/WC500215211.pdf. Acesso em: 22 jan. 2020.         [ Links ]

7.      European Medicines Agency, Committee for Medicinal Products for Human Use. Guideline on non-clinical and clinical development of similar biological medicinal products containing low-molecular-weight heparins. 2009. [consultado Jan 2020] disponível em http://www.ema.europa.eu/docs/en_GB/document_library/Scientific_guideline/2009/09/WC500003927.pdf Acessado em 10 Jan 2020        [ Links ]

8.      Sampaio RF, Mancini MC. Estudos de revisão sistemática: um guia para síntese criteriosa da evidência científica. Rev Bras Fisio. 2007;11:83-9.         [ Links ]

 

Responsabilidades Éticas

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Proveniência e Revisão por Pares: Comissionado; sem revisão externa por pares.

 

Ethical Disclosures

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship.

Provenance and Peer Review: Commissioned; without externally peer reviewed.

 

© Autor (es) (ou seu (s) empregador (es)) e Revista SPMI 2020. Reutilização permitida de acordo com CC BY-NC. Nenhuma reutilização comercial.

© Author(s) (or their employer(s)) and SPMI Journal 2020. Re-use permitted under CC BY-NC. No commercial re-use.

 

Correspondence / Correspondência:

Renato Nogueira – renatonogueira@live.com.pt

Serviço de Medicina, Centro Hospitalar do Médio Ave, Vila Nova de Famalicão, Portugal

Rua Cupertino de Miranda s/n - 4761-917 V.N. de Famalicão

 

Received / Recebido: 26/03/2020

Accepted / Aceite: 15/05/2020

 

Publicado /Published: 28 de Setembro de 2020

 

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