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Medicina Interna

Print version ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.27 no.2 Lisboa Apr. 2020

https://doi.org/10.24950/O/265/19/2/2020 

ARTIGOS ORIGINAIS/ ORIGINAL ARTICLES

 

Identificação de Doentes Internados num Serviço de Medicina Interna com Necessidade de Cuidados Paliativos

Identification of Patients Admitted in an Internal Medicine Ward with Palliative Care Needs

 

Olímpia Martins1
https://orcid.org0000-0003-1635-878X

1Serviço de Medicina, CHTS-Hospital de S. Gonçalo, Amarante, Portugal

 

Resumo:

Introdução: A Medicina Paliativa encontra-se em clara expansão em Portugal, mas até agora a existência deste tipo de cuidados não tem sido feita de forma estruturada. A hospitalização da população com doenças crónicas, em fase avançada, progressivas e debilitantes, implica aumento de gastos, se esses doentes não forem identificados como paliativos e devidamente referenciados. Este estudo quantifica e analisa os doentes com necessidade de Cuidados Paliativos (CP) internados num serviço de Medicina Interna (MI),comparando-os com um grupo que necessita de observação clínica e outro sem indicação para CP.

Métodos: Estudo retrospectivo, observacional, com análisede doentes com idade ≥ 60 anos, num período de três meses. Aplicada a escala Palliative Care Screening Tool (PCST), com o intuito de identificar os potenciais candidatos a CP (score ≥ 4).

Resultados: Dos 328 doentes admitidos, 288 (88%) apresentavam critérios de inclusão. Destes, 54% apresentaram score ≥ 4 pontos na escala PCST (enquadráveisem CP). Neste grupo, a média de idade foi de 82 anos; 54% do género feminino e 46%do masculino. A mediana de internamento foi de 11 dias. As principais comorbilidades foram quadros demenciais em 47%, acidente vascular cerebral em 45%, e doença renal crónica em 39%. O reconhecimento de problemas psicológicos ou espirituais não foi documentado. A taxa de mortalidade foi de 31%, e apenas um doente foi transferido para Unidade de CP.

Conclusão: Este estudo ilustra, de forma objectiva, a elevada taxa de doentes a requerer cuidados paliativos em hospital de agudos, a importância da formação específica dos internistas, da investigação nesta área e utilização de instrumentos que permitam identificar este grupo de doentes.

Palavras-chave: Cuidados Paliativos; Doentes Internados; Inquéritos e Questionários; Medicina Interna

 

Abstract:

Introduction: Palliative Medicine is a growing area in Portugal, but until now the existence of such care has not been done in a structured way. The ageing population and the increasing in chronic diseases prevalence in advanced stage, progressive and debilitating diseases, provides increasingly demand of health care services and hospitalization, implying increased spending if such patients are not identified as palliative. The present study aims to assess the need for Palliative Care (PC) in patients hospitalized in an internal medicine department.

Methodology: A retrospective and observational study is presented, including patients aged ≥ 60 years, for a period of three months. It was applied the Palliative Care Screening Tool scale (PCST) in order to identify the potential candidates for Palliate Care (score ≥ 4).

Results: Three hundred and twenty-eight patients were admitted, but only 288 (88%) were evaluated and 54% of them presented score ≥ 4 points at PCST scale, eligible for PC. In this group, the average age was 82 years; 54% women and 46% men. Admission median was 11 days. The main comorbidities were dementia in 47%, stroke in 45% and chronic kidney disease in 39%. The appreciation of psychological problems was not recognized. The mortality rate was 31% and only one patient was admitted in PC unit.

Conclusion: This study testifies that PC patients are hospitalized in Internal Medicine Services, and it also shows the importance of specific training of internists as well as research in this particular area and the use of specific scales with the potential to identify these patients.

Keywords: Internal Medicine; Palliative Care; Surveys and Questionnaires.

 

Introdução

A evolução tecnológica e das ciências médicas, a melhoria das condições sanitárias e socio económicas, a criação e implementação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que determinou a melhoria da assistência médica, conduziram ao aumento da longevidade.

Neste contexto progressivo de envelhecimento da população, a prevalência crescente de doentes com patologias crónicas, avançadas, progressivas e debilitantes, o aumento das comorbilidades e donúmero de casosde cancro, provocam o aumento da dependência e carência de cuidados. Este quadro cursa frequentemente com a necessidade de recursos médicos nomeadamente em ambiente hospitalar.1-3 Actualmente, os doentes são mais complexos, têm mais patologias crónicas não curáveis e vivem mais tempo,4 o que não significa que vivam e morram melhor. O prolongamento da vida em muitos destes doentes cursa com um aumento significativo do sofrimento. Pela limitação da capacidade familiar em cuidar dos doentes com elevado grau de dependência, os idosos passam a ser colocados em lares e, muitas vezes depositados no hospital, que passa a ser o lugar da morte.5 Este fenómeno de hospitalização da morte é uma realidade importante, além de preocupante, se analisarmos o aumento da taxa de mortalidade nos hospitais nas últimas décadas.2 A morte passou a ser vista, em muitas situações, como um fracasso, ou resultado de um erro médico. Contudo este paradigma encontra-se em mudança. Quando o objectivo deixa de ser a cura, ou o prolongamento da vida, deve-se continuar a tratar o doente com objectivo de obter a melhor qualidade de vida possível e, quando está muito próximoda morte, o objectivo passa a ser o conforto. Esta atitude é consistente com uma morte com dignidade, ou seja, sem sofrimento significativo e na posse de um controlo razoável das capacidades físicas e mentais.6 A fase final da vida requer uma abordagem multidisciplinar, além de exigir um cuidado holístico centrado no doente e sua família.7 A Medicina Interna (MI), por definição uma disciplina holística, é frequentemente responsável pelo acompanhamento de doentes com doença progressiva ou em estado terminal, dado o aumento notável da esperança de vida.8 A criação do Plano Nacional de Cuidados Paliativos (PNCP), integrado no Plano Nacional de Saúde 2004/20107 deu à Medicina Paliativa um incentivo e projecção importantes. Contudo, este tipo de cuidados ainda se encontra aquém das necessidades, e a formação dos médicos em CP é, de um modo geral, insuficiente. Uma das grandes dificuldades na referenciação dos doentes, principalmente os não oncológicos, para CP deve-se, em grande parte, à dificuldade em determinar a terminalidade da doença e fazer uma estimativa da sobrevida.9-12 Enquanto a fase final dos doentes oncológicos é geralmente curta, com um período de degradação progressiva, nos não oncológicos, dada a imprevisibilidade e maior duração da doença, essa degradação envolve exacerbações agudas episódicas, hospitalizações frequentes e um declínio mais lento.13-15 Este curso da doença torna problemática a determinação do início da fase paliativa. O estudo SUPPORT16,17 evidenciou, não só, o problema do tratamento em fim de vida nos hospitais de agudos, mas também a grande dificuldade da parte médica em decidir quando cessar os cuidados curativos e proporcionar cuidados paliativos. A falta de instrumentos de triagem com critérios bem definidos para a admissão dos doentes não oncológicos em CP leva a que a maior parte das tentativas de elaboração de critérios de terminalidade nas doenças não oncológicas se baseie nos critérios de doença avançada, como as insuficiências de órgão e doenças neurodegenerativas.18,19 A investigação científica a nível internacional evidencia uma elevada prevalência de doentes internados em hospitais de agudos, nomeadamente em enfermarias de MI, com necessidade de CP. Contudo, a nível nacional, essa investigação é escassa.20,21 Assim, o objectivo deste trabalho consiste na identificação e caracterização dos doentes internados num serviço de MI com necessidade de CP.

 

Material e Métodos

Estudo retrospectivo, observacional, quantitativo, com análise descritiva da população de doentes internados num serviço de Medicina Interna do CHTS - H. S. Gonçalo, Amarante por um período de três meses.

Os critérios de inclusão foram todos os doentes com idade ≥ a 60 anos.

A partir de dados dos processos clínicos foi aplicada a escala PCST,22 e identificados os doentes enquadráveis em CP (score ≥ 4).

No período referido, dos 328  doentes admitidos, 288(88%) apresentaram critérios de inclusão no estudo.

Foram analisados dados referentes a características sociodemográficas, motivo  de internamento, comorbilidades, cuidados especiais de enfermagem, estado funcional, proveniência dos doentes, histórico de recorrências ao SU e hospitalizações frequentes, mortalidade e destino após alta, assim como dados referentes à aplicação das escalas de Braden e de Morse.

As variáveis categóricas são descritas através de frequências absolutas (n) e relativas (%), as variáveis ontínuas são descritas através da média e do desvio padrão, mediana, míni- mos e máximos, em função da simetria da sua distribuição.

Foi usado o teste de independência do qui-quadrado para analisar a associação entre variáveis categóricas. Para variáveis contínuas com distribuição simétrica e assimétrica foram aplicados, respectivamente, os testes One-Way ANOVA e de Kruskal-Wallis, para comparar a distribuição entre os três grupos de estudo, obtidos através da escala PCST, nomeadamente, Grupo 1 - Sem Indicação de Cuidados (PCST≤2), Grupo 2 - Observação Clínica (PCST = 3) e Grupo 3 - Com Indicação Cuidados Paliativos (PCST≥4).

A análise foi efectuada utilizando o programa de análise estatística SPSS® v.21.0 (Statistical Package for the Social Sciences).

 

Resultados

No período em análise 288 doentes apresentaram critérios de inclusão no estudo.

A aplicação da escala PCST nos 288 doentes incluídos determinou três grupos, como demonstram as Fig. 1 e Tabela 1. Destes, 157 (54%) apresentavam necessidades paliativas de acordo com os critérios estabelecidos (score ≥ 4) neste estudo.

 

1 - DADOS CLÍNICOS E SOCIODEMOGRÁFICOS

As características gerais da população resumem-se na Tabela 2.

Da análise comparativa, aplicando os testes qui-quadrado, One-Way ANOVA e de Kruskal-Wallis, não se verificaram diferenças estatisticamente significativas relativamente ao género nos três grupos (p = 0,869). A média de idades do grupo 3 foi superior à dos outros dois grupos, sendo esta diferença estatisticamente significativa (p = 0,007). No que concerne aos dias de internamento verificou-se um aumento na mediana no grupo três relativamente aos outros dois.

Da análise da amostra correspondente aos doentes com indicação para Cuidados Paliativos, 157 doentes, pudemos verificar 46% (72 doentes) do género masculino e 54% (85 doentes) do género feminino. As idades variaram entre 60 e 98 anos com uma média de 82 ±7 anos, superior aos outros dois grupos. A mediana de internamento foi de 11 dias, variando de um período mínimo inferior a 24 horas e um máximo de 108 dias. Verificou-se que 21% dos doentes era proveniente de lar de idosos, 3% da rede nacional de cuidados continuados integrados e 1% doutro hospital. Relativamente à residência habitual, 75% vivia em casa própria, 21% em lar, 3% com cuidador e 1% em Unidade de Cuidados Continuados.

 

2 - MOTIVO PRINCIPAL DO INTERNAMENTO

Os motivos principais de internamento foram: Doenças infecciosas (58%), das quais, 73% envolvendo o tracto respiratório e 11% o urinário. Seguiu-se o grupo nosológico de doenças cardiovasculares (21%), das quais 67% como acidentes vasculares cerebrais (AVC) e 33% como insuficiência cardíaca. Doença pulmonar obstrutiva crónica(5%) e neoplasias (3%).

Porém, dadas as características de um Serviço de Medicina, com doentes não necessariamente oncológicos, destaca-se o padrão de heterogenia dos diagnósticos e, neste contexto os outros diagnósticos perfizeram 11%.

 

3 - DOENÇAS AGUDAS COEXISTENTES

Verificou-se a existência de problemas médicos agudos durante o internamento, destacando-se insuficiência renal

(31%), infecções (23%), doenças cardiovasculares(8%) - AVC e Insuficiência cardíaca em igual percentagem.

 

4 - COMORBILIDADES

As principais comorbilidades responsáveis pela inclusão dos doentes no grupo de CP foram síndromes demenciais em 47%, doença cerebrovascular em 45% e doença renal crónica em 39%. Verifica-se significância estatística para demência (p<0,001) e AVC (p < 0,001). (Tabela 3). No sentido de caracterizar melhor esta população, foi avaliado o número de comorbilidades por doente internado. Verificou-se que todos os doentes do grupo 3 apresentavam comorbilidades, com uma mediana de 4.

 

5 - ESTADO FUNCIONAL

Quanto ao estado funcional, avaliado de acordo com a escala Eastern Cooperative Oncology Group (ECOG), verificou-se que é no grupo alvo do estudo que há mais doentes com maior dependência e, quanto maior for o grau de dependência, maior é o número de doentes encontrado. Os resultados obtidos foram estatisticamente significativos (p <0,001) como se pode verificar na Tabela 4.

 

6 - CUIDADOS ESPECIAIS DE ENFERMAGEM

Verificou-se no grupo dos doentes com critérios de CP 57% de doentes acamados, 44% com algália, 30% cuidados especiais para a manutenção da integridade cutânea, 25% com SNG, 25% com úlceras de pressão, verificando-se nestes cinco parâmetros diferenças estatisticamente significativas, quando comparados com os outros dois grupos. Em 24% cuidados por confusão/agitação; 11% necessidade de aspiração de secreções; 1% portador de gastrostomia endoscópica percutânea (PEG). No sentido de avaliar o risco de desenvolver úlceras de pressão e o risco de queda foram retirados os dados resultantes da aplicação das escalas de Braden e de Morse. Os resultados avaliados revelaram um risco alto de desenvolvimento de úlceras e algum risco de queda.

 

7 - OUTROS CRITÉRIOS A CONSIDERAR

Os doentes do grupo alvo do estudo vieram em maior percentagem ao serviço de urgência(SU) mais de uma vez por mês para o mesmo diagnóstico. Hospitalizações frequentes por descompensação da doença de base ocorreram também em maior número de doentes neste grupo que nos dos outros dois.

Não há registo de abordagem de questões do foro psicológico ou pedidos de apoio.

 

8 - MORTALIDADE E DESTINO APÓS ALTA

A taxa de mortalidade foi de 31%, contrastando com as dos grupos 1 e 2, de 6% e 12% respectivamente, sendo estas diferenças estatisticamente significativas (p <0,001).

Quanto ao destino após a alta foi o seguinte: 63% foram para o domicílio; 25% para lar; 10% para RNCCI; 1% outro hospital; 1% Unidade de Cuidados Paliativos.

 

Discussão

Há vários estudos na literatura internacional que demonstram a elevada prevalência de doentes com necessidade de cuidados paliativos internados em hospitais de agudos, nomeadamente em enfermarias de Medicina Interna. Porém em Portugal estudos de avaliação da prevalência e necessidade de CP em serviços de Medicina Interna são escassos. Este estudo pretende contribuir para a consciencialização desta problemática no nosso país.

Definir quais os doentes que se enquadrem em CP torna-se um desafio na prática clínica. Os critérios de terminalidade nas doenças não oncológicas baseiam-se nos critérios de doença avançada, como as insuficiências de órgão e doenças neuro-degenerativas. Nos idosos, a deterioração funcional é o índice preditivo mais fiável da má evolução e mortalidade, independentemente  dos  diagnósticos  clínicos.23 Este pode ser avaliado através de vários instrumentos, nomeadamente pelo índice de Karnofsky e pelas escalas PPS (Palliative Performance Scale) e ECOG.20,24-26

No presente estudo, no período analisado, dos 288 doentes que apresentavam critérios de inclusão, verificou-se que 54% tinha necessidade de CP. Este resultado está em consonância com o Observatório Portuguêsde CP, segundo o qual 50% dos doentes internados em hospitais públicos nacionais têm necessidades paliativas.

Num estudo transversal realizado num só dia num hospital Universitário na Noruega identificou-se 36,5% de doentes com necessidade de CP.27 Num outro estudo no Reino Unido (Royal Hallamshire Hospital) 23% dos doentes necessitavam de CP.28 Um estudo nacional prospectivo, num serviço de MI de um hospital central, verificou a necessidade de receber CP em 102 doentes internados (54 oncológicos e 48 não oncológica).21

Outro estudo efectuado para determinar as necessidades paliativas em doentes sem perspectiva de cura em 150 doentes internados num Serviço de MI, concluiu que todos eles apresentavam descontrolo sintomático.29

Um estudo português com 64 doentes, com pluri-patologia, comorbilidades associadas, com critérios para cuidados paliativos, internados num serviço de MI de um hospital central concluiu que a falta de avaliação de sintomas nos registos clínicos era alarmante.15

Um estudo retrospectivo num serviço de MI de 125 óbitos durante 3 meses concluiu que 49,6% já apresentava na admissão, ou nas 24 horas subsequentes, necessidade de cuidados paliativos.30

Os doentes alvo do estudo apresentavam uma média de 82 anos de idade, o que reflecte o aumento da esperança de vida, afigurando-se superior à dos outros dois grupos, sendo esta diferença estatisticamente significativa. Da análise comparativa não se verificam diferenças com significado estatístico relativamente ao género nos três grupos. No que concerne aos dias de internamento, verificou-se um aumento na mediana no grupo alvo do estudo relativamente aos outros dois. Observou-se uma  pequena percentagem de doentes oncológicos, dado o hospital não ter serviço de Oncologia Médica. A heterogeneidade de diagnósticos, dado tratar-se de um serviço de Medicina, dificultou a análise, contudo as infecções, principalmente pneumonias e sépsis corresponderam a 58%, as doenças cardiovasculares a 21%, das quais 67% corresponderam a AVCs e 33% a insuficiência cardíaca. Estas patologias condicionam a qualidade de vida dos doentes, com diminuição progressiva das capacidades funcionais, principalmente na sua fase final, conduzindo a múltiplos internamentos, quer pela evolução da doença, quer pelas suas complicações. Embora não haja definição de critérios nem do tipo de cuidados paliativos a oferecer a estes doentes, o reconhecimento de que os princípios dos CP são importantes no seu cuidado, leva à sua inclusão no sentido do controlo dos problemas físicos, emocionais e apoio relativamente a problemas sociais.

A insuficiência renal aguda ou crónica agudizada foi o diagnóstico secundário mais prevalente (31%). Constataram-se problemas médicos de maior gravidade, múltiplas comorbilidades, destacando-se quadros demenciais em 47% e acidente vascular cerebral sequelar em 45%, o que se afigurou estatisticamente significativo, e doença renal crónica em 39%. Em 59% dos doentes o estado funcional ECOG foi 4, traduzindo uma população com um elevado grau de dependência. Verificou-se necessidades complexas de enfermagem (57% acamados, 44% algaliados, 30% cuidados para integridade cutânea, 25% com SNG, 25% com úlceras, 11% necessidade de aspiração); 24% dos doentes apresentavam confusão/ agitação. Apenas 1 era portador de PEG. A avaliação do risco de queda e do desenvolvimento de úlceras de pressão é fundamental para o planeamento e implementação de medidas ou intervenções de prevenção e tratamento. Verificou-se maior número de recorrências ao SU e mais de uma hospitalização pelo mesmo diagnóstico nos últimos 30 dias, assim como também se verificou prolongamento dos internamentos, o que reflecte a vulnerabilidade, debilidade, cronicidade da doença e necessidade de recursos médicos e consequentes gastos em saúde. Não há registo de abordagem de questões do foro psicológico ou pedidos de apoio quer para problemas emocionais quer espirituais. Este facto convida à reflexão, traduzindo a deficiente sensibilização da classe médica para sofrimento psicológico e espiritual. Dos doentes que tiveram alta, apenas 1 foi para uma Unidade de CP.

Urge que os hospitais de agudos garantam que as necessidades dos doentes paliativos sejam identificadas e asseguradas e os Internistas recebam formação no sentido de mudar o paradigma do tratamento focado na cura da doença para a intervenção no sofrimento focada no doente. O grande número de doentes internados num serviço de MI identificados com necessidades paliativos destaca a dimensão de doentes não oncológicos portadores de doenças crónicas degenerativas em estádio avançado com alto grau de dependência física, mental e/ou social. Perante estas doenças irreversíveis, o objectivo dos cuidados deixa de ser a cura e passa a ser a qualidade de vida ou conforto.

 

Anexo - Escala Palliative Care Screening Tool8 (PCST) - Escala adaptada por Luchetti G.

 

Conclusão

O presente estudo demonstrou de forma objectiva a existência de um elevado número de doentes enquadráveis em cuidados paliativos internados num serviço de Medicina Interna - hospital de agudos (54%). Trata-se de uma população complexa e com necessidades assistenciais particulares. Reconhecer estes doentes torna-se fundamental de modo a evitar consumos desnecessários de recursos em saúde, internamentos prolongados e reinternamentos, proporcionando uma melhor qualidade de vida ou privilegiando o conforto.

Apesar dos Internistas serem os médicos mais adequados para assumirem o tratamento dos doentes idosos, com multimorbilidades e maior complexidade, torna-se fundamental a formação específica em Medicina Paliativa

Sendo reconhecida a dificuldade em objectivar critérios de admissão de doentes não oncológicos em CP, é importante a criação ou adaptação de instrumentos de triagem específicos para doentes não oncológicos na população portuguesa.

De igual modo, pelo presente estudo, se reconhece a importância e pertinência do investimento nesta área específica de investigação em Portugal.

 

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Responsabilidades Éticas

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Confidencialidade dos Dados: Os autores declaram ter seguido os protocolos da sua instituição acerca da publicação dos dados de doentes.

Proteção de Pessoas e Animais: Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com a Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial.

Proveniência e Revisão por Pares: Não comissionado; revisão externa por pares.

 

Ethical Disclosures

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare. Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship.

Confidentiality of Data: The authors declare that they have followed the protocols of their work center on the publication of data from patients.

Protection of Human and Animal Subjects: The authors declare that the procedures followed were in accordance with the regulations of the relevant clinical research ethics committee and with those of the Code of Ethics of the World Medical Association (Declaration of Helsinki). Provenance and Peer Review: Not  commissioned; externally peer reviewed.

 

© Autor (es) (ou seu(s) empregador (es)) 2019. Reutilização permitida de acordo com CC BY-NC. Nenhuma reutilização comercial.

© Author(s) (or their employer(s)) 2019. Re-use permitted under CC BY-NC. No commercial re-use.

 

Correspondence / Correspondência:

Olimpia Martins – olimpiagmartins@hotmail.com

Serviço de Medicina, CHTS-Hospital de S. Gonçalo, Amarante, Portugal

Rua da Lama, Nº 76, 4600-758, Telões - Amarante

 

Received / Recebido: 12/12/2019

Accepted / Aceite: 20/02/2020

 

Publicado / Published: 27 de Junho de 2020

 

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