SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.27 issue2Hospital Beds Are as Precious as they are Scarce author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Medicina Interna

Print version ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.27 no.2 Lisboa Apr. 2020

https://doi.org/10.24950/Editorial/2/2020 

EDITORIAL / EDITORIAL

 

Medicina Interna e Desafio Tecnológico em Saúde

Internal Medicine and Technological Challenge in Health

 

Mafalda Santos 1,2
https://orcid.org/0000-0001-8432-1968

 

1Membro do Conselho Editorial, Revista Portuguesa de Medicina Interna, Lisboa, Portugal

2Serviço de Medicina Interna, Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, Santa Maria da Feira, Portugal

 

Palavras-chave: COVID-19; Medicina Interna; Pandemia; Telemedicina.

Keywords: COVID-19; Internal Medicine; Pandemics; Telemedicine.

 

A Medicina, disciplina milenar, assenta na preciosa relação médico-doente, o encontro. A Medicina Interna, em particular, como especialidade mais de doentes do que de doenças,1 assenta o seu raciocínio no conhecimento fisiopatológico e colheita de dados semiológicos a partir da interação profunda com o doente, colocando os exames auxiliares de diagnóstico na sua dimensão literal, adjuvante. Ao longo dos últimos anos, tem-se vindo a assistir ao aumento da tecnologia na saúde, que compreende várias vertentes, dizendo uma respeito à interação diretacom o doentee outras como auxiliares em todos os processos médicos. Importa, pois, refletir um pouco sobre as inúmeras portas que se têm vindo a abrir.

A pandemia pelo systemic acute respiratory syndrome coronavírus 2 (SARS-CoV-2) marca, de certa forma, o fim de uma forma de estarcom tudo oque praticávamosdesde o século passado. A sensação que temos é de uma aceleração de modelos organizativos e expansão de soluções, que só timidamente conseguíamos conceber há alguns meses. A utilização da tecnologia digital foi transversal a todas as áreas, especialmente impulsionada pelos riscos de contágio com o SARS-CoV-2. Desde a interação com os nossos familiares, à manutenção de serviços públicos, à telescola, à investigação científica ou à partilha de dados.

Na interação clínica direta, por exemplo num contexto de teleconsulta, já tínhamos formas de estar com o doente sem ser em presença física, com a utilização do telefone, do correio eletrónico ou do vídeo. Na medicina pré-hospitalar, convivemos com um número telefónico de emergência, criado em 1965 em Portugal, com evoluções sucessivas, linha SNS24, criada em 2007. É certo que não se trata de uma consulta médica, mas depositamos neste sistema a confiança de uma triagem por um profissional de saúde. Nesta pandemia, foi crucial e amplificou-se muito esta solução. Na prestação de cuidados em ambulatório, foi desincentivada a consulta em presença. No entanto, é imperioso que os cuidados de saúde não sejam descurados e já antes da pandemia éramos confrontados com o desafio de encontrar respostas com menor custo, em grande escala e se possível mais personalizados, para uma população cadavezmais envelhecida e pluripatológica.

A solução da teleconsulta tornou-se, em certa medida, a ideal, pois permite manter ou aumentar a acessibilidade pela disponibilidade do médico, pela poupança de tempo ao doente e, neste contexto de pandemia, pela segurança. Descobrimos, muitos de nós, que tal é aplicável ao seguimentode várias doenças crónicas, fora do contexto de pandemia, em que a alternância de consultas presenciais e por meios tecnológicos, permite oferecer mais cuidados de saúde, com menos custos ao doente, com maior comodidade, sem perda de eficiência, podendo ser agendadas conversas por telefone, correio eletrónico ou vídeo, conforme a questão clínica a abordar. Estas temáticas, a relação médico-doente, as garantias de confidencialidade tanto para o doente como para o médico, de privacidade, de acompanhamento ao doente, de não gravação de dados, do consentimento, já foram estudadas, implementadas e parece serem vantajosas, especialmente na solução de vídeoconsulta na doença crónica em consultas subsequentes, conforme se discute em publicação recente no número especial COVID-19 desta revista.2 São ainda detalhadas as questões de regulamentação, aludindo às Normas da Direção Geral da Saúde para a sua prática3,4 e do Regulamento de Deontologia Médica,5 que nos importa não esquecer.

Mas, ainda na dimensão estritamente de interação médico-doente, para que todas estas soluções tenham sucesso, é necessário que o médico tenha o hardware e software apropriados, sempre em atualização, mas que o doente também os tenha. Em 22 de abril de 2020, foi publicado em Diário da República, o Plano de Ação para a Transição Digital. Foi apontado como primeiro pilar dessa estratégia, a capacitação e inclusão digital das pessoas, sendo o segundo pilar a transformação digital do tecido empresarial e o terceiro pilar, a digitalização do estado.6 A expansão da telemedicina nas dimensões de interação com o doente obriga a que o primeiro pilar esteja consolidado, que os cidadãos não sejam info- excluídos, havendo ainda um longo caminho a percorrer para a sua universalidade.

Há anos que fomos deixando de ler tratados médicos, consultamos online plataformas e revistas científicas, como a da nossa sociedade científica, cuja versão digital foi largamente a preferida pelos nossos leitores7; partilhamos informação por correio eletrónico ou usando aplicações. Nos últimos dois meses, vimos ainda a tecnologia em saúde sair da formação em meio universitário ou em cursos de e-learning ainda minoritários, para sermos convidados quase diariamente para videoconferências ou vermos os nossos congressos contemplarem estas soluções, com a possibilidade de os clínicos assistiremem diretoe participarempor chat, ou verem em diferido, aumentando certamente a oportunidade para a disseminação da formação e partilha de conhecimento.

No que diz respeito aos processos de trabalho e organizativos, a tecnologia em saúde tem sido incentivada e está em crescimento. Em 2018, a ComissãoEuropeia elaborou um relatório sobre o mercado da telemedicina, estimando que alcançaria 37 mil milhões de euros até 2021.8 Foi estudado o impacto da mesma em cada país e apontadas as limitações à sua implementação.8 Num retrato feito em 2013 era incipiente em Portugal a prescrição ou o registo eletrónico,9 mas o panorama mudou, com a progressiva digitalização dos serviços de saúde, a abolição do papel, e já muitos processos automatizados e simplificados, sendo o Serviço Nacional de Saúde(SNS) um exemplo. A partilha de dados nas várias plataformas tornou-se rotineira e o acesso ao processo médico no SNS, se consentido pelo doente, é uma mais-valia.

Cumpre-nos ainda traçar o caminho de centrar no doente toda a organização do trabalho e soluções, e esperamos que, como especialidade abrangente, integradora e versátil, consigamos ter o papel basilar na medicina hospitalar, conforme nos é interpelado em memorando publicado pelas duas Sociedades científicas de Medicina Interna,10 portuguesa e espanhola, em 2018. Almejamos que a tecnologia, seja em atendimento virtual em grande escala ou em todo o suporte à prática médica diária, nos liberte e dê tempo presencial na prática clínica, para ser usado com os doentes que mais beneficiem dele. Que o caminho para o chamado hospital inteligente, nos conduza a um maior e melhor cuidado ao doente e a médicos também mais felizes, que certamente trabalharão melhor.

 

REFERÊNCIAS

1.      Barreto JV. O que é a Medicina Interna? [acedido em 5/5/2020] Disponível em https://www.spmi.pt/o-que-e-a-medicina-interna/         [ Links ]

2.      Ferreira D. Papel da Telesaúde em Tempos de Pandemia COVID-19: Para Grandes Males, Grandes Remédios. Rev Soc Port Med Interna. 2020 (in press).DOI: 10.24950/rspmi/COVID19/D.Ferreira/LuzLisboa/S/2020.         [ Links ]

3.      Direção Geral da Saúde. Norma nº 010/2015 da DGS - Modelo de Funcionamento das Teleconsultas. [acedido em 8/5/2020] Disponível em: https://www.dgs.pt/directrizes-da-dgs/normas-e-circulares-normativas/norma-n0102015-de-15062015-pdf.aspx.

4.      Direção Geral da Saúde. Norma nº 015/2013 da DGS - Consentimento Informado, Esclarecido e Livre Dado por Escrito – actualizada em 04/11/2015.[acedido   8/5/2020]  Disponível em: https://www.dgs.pt/directrizes-da-dgs/normas-e-circulares-normativas/norma-n-0152013--de03102013-pdf.aspx.

5.      Ordem dos Médicos. Regulamento n.º 707/2016 - Regulamento de Deontologia Médica. [acedido 5/5/2020] Disponível em: http://ordemdosmedicos.pt/wp-content/uploads/2017/08/

6.      Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2020. Diário da República, 1.ªsérie, Nº 78, 21 de abril de 2020 [acedido em 5/5/2020]. Disponível em https://dre.pt/web/guest/home/-/dre/132133788/details/maximized

7.      Sá J. Medicina Interna 2020. Rev Soc Port Med Interna. 2019; 26: 270. doi: 10.24950/rspmi/Editorial/4/2019        [ Links ]

8.      Comissão Europeia. Market study on telemedicine [acedido em 5/5/2020] Disponível  https://ec.europa.eu/health/sites/health/files/ehealth/docs/2018_provision_marketstudy_telemedicine_en.pdf        [ Links ]

9.      Codagnone  C, Lupiañez-Villanueva F. Benchmarking Deployment of eHealth among General Practitioners. Comissão Europeia. [acedido em 5/5/2020] DOI: 10.2759/24556. Disponível em https://ec.europa.eu/digital-single-market/en/news/benchmarking-deployment-ehealth-among-general-practitioners-2013-smart-20110033        [ Links ]

10.   Campos L, Zapatero Gaviría A, Correia JA, Gómez Huelgas R, Díez-Manglano J, Barreto JV. Medicina Interna e o seu Futuro nos Sistemasde Saúde: Posicionamento da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna e da Sociedade Espanhola de Medicina Interna. Rev Soc Port Med Interna. 2018; 25: 262-3. doi: 10.24950/rspmi/SPMI/SEMI:4/2018.         [ Links ]

 

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License