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Medicina Interna

Print version ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.27  supl.1 Lisboa May 2020

https://doi.org/10.24950/rspmi/PP/COVID19/S/2020 

PÁGINA DO PRESIDENTE / PRESIDENT PAGE

Lições da Pandemia COVID-19

Lessons from the COVID-19 Pandemic

 

João Araújo Correia
https://orcid.org/0000-0002-6742-3900

Presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna

 

Estamos a viver uma experiência única das nossas vidas, da qual ainda estamos longe de conhecer todas as consequências. Sabemos que se trata de uma catástrofe económica e social, com uma perda brutal de vidas humanas. Esta pandemia, põe á prova os sistemas políticos dos Países, com a saúde em primeiro lugar, e é tão avassaladora, em poucos dias, que não há tempo para esconder nada. Agora, não são só os movimentos ecologistas que põem em causa o nosso modelo de desenvolvimento. A vertigem das viagens intercontinentais, do turismo desenfreado e do imenso consumismo inútil, talvez nunca mais voltem com a mesma força. Como diz Manuel Alegre, “não haverá recuperação, sem uma nova visão do mundo”.

Uma das caraterísticas dos grandes estadistas, é a capa-cidade que têm de prever os acontecimentos nefastos, procurando encontrar as melhores soluções, para lhes atenuar o impacto. É perturbador rever um discurso de Barack Obama, proferido em 2014, em que ele advertia: “É muito provável que chegue uma doença que se transmita pelo ar e seja mortal”. Por isso, advogava a absoluta necessidade de investir em grande escala num sistema de saúde público, em meios humanos e materiais, capaz de responder com prontidão a essa ameaça. Bill Gates, numa conferência TED TALKS em Março de 2015, também teve a aura de visionário, considerando que o maior risco num futuro próximo, não era o nuclear, mas sim um vírus, mais dissimulado que o Ébola, que permitiria ao in-fetado ir às compras ou ao cinema durante vários dias, até ao internamento hospitalar. Mas, a verdade é que ninguém os ouviu, nem foram percetíveis quaisquer consequências aqueles avisos. Quando a COVID-19 foi saltando os Países, com incidências cada vez mais berrantes, ninguém se tinha preparado.

Será que já podemos tirar algumas lições, da nossa dolo-rosa vivência com a pandemia COVID-19? Eu, acho que sim.

1 - Só um Sistema de Saúde público, forte e universal, é capaz de ter uma resposta concertada, com empenhamento absoluto de médicos, enfermeiros e auxiliares, que por isso deverão estar a trabalhar em regime de exclusividade. O pior exemplo, veio dos EUA, em que doentes com COVID-19, mas sem garantia de seguro suficiente, morreram á porta de hospitais nova-iorquinos, até os corpos serem levados para a vala comum daquela ilha inóspita.

 

2 - A comunicação é vital, mas ela só existe com a confiança das pessoas acerca da verdade daquilo que lhes é dito. Também é essencial, nunca confundir a ciência com a política. Devemos assumir que temos dificuldades no fornecimento de material de proteção individual para todos e, por isso, temos de o reservar para o pessoal de saúde, que trava a luta direta com a doença. É ridículo que as autoridades de saúde afirmem que está contraindicado o uso de máscaras pela população, para depois se desdizer quando elas aparecem no mercado.

 

3 - A pandemia COVID-19, deixou bem claro o conceito a preservar de uma saúde global, no qual a minha saúde individual depende da saúde do outro. Isto, é importante para as pessoas, mas também o é para os Países. Bill Gates, na sua conferência em 2015, dizia que a primeira medida para combater, em antecipação, uma pandemia, era a criação de Sistemas de Saúde fortes em Países pobres, para ser possível suster o surto logo no seu início.

 

4 - Embora já tenhamos visto doentes COVID-19 de todos os níveis sociais, não há dúvida que são os mais vulneráveis que são atingidos em maior número. Idosos, com múltiplas patologias, pobres, com graves carências sociais e, muitas vezes, sós. A pandemia escancarou esta janela que queríamos fechada. Mesmo os velhos que têm a sorte de ter lugar num Lar, ficam á mercê de instituições sem capacidade de isolamento, ou que recorrem a prestação de trabalho de múltiplos cuidadores, o que diminui os custos, mas aumenta muito o risco de infeção.

 

5 - Os números extraordinários de doentes infetados, tornou obrigatório os locais do seu tratamento de acordo com o grau de gravidade. Doentes COVID-19 positivos assintomáticos ou ligeiros, são seguidos pelos Centros de Saúde. Aqueles com sintomatologia moderada a grave, foram para internamento hospitalar. Tenho a esperança que esta prática, válida para qualquer patologia aguda, possa perdurar para além da pandemia.

 

6 - Assistimos a uma redução muito significativa dos recursos às urgências hospitalares dos doentes sem queixas sus-peitas de COVID-19. Preocupa-nos saber que haja uma redução na vinda á Urgência de patologias graves (cardiovasculares ou cerebrais), provavelmente induzida pelo medo de contrair a infeção. Mas, é importante que a população se convença que deve utilizar os Serviços de Urgência dos Hospitais com parcimónia, apenas nas doenças agudas de gravidade moderada a grave.

 

7 - A política de redução de camas hospitalares seguida nos últimos anos, levou a que Portugal tivesse hoje 339,3 camas por 100 000 habitantes, enquanto a média nos 27 Países da União Europeia é de 541,4, e na Alemanha é de 800,2. Nas enfermarias de Medicina Interna, as taxas de ocupação são superiores a 100%, com muitos doentes internados vários dias no Serviço de Urgência. Só a sorte de termos tido um crescimento muito gradual dos internamentos hospitalares por COVID-19, nos permitiu ocupar camas das áreas cirúrgicas com doentes médicos não COVID-19, sem entrar em rotura. Ficamos a pensar onde iremos encontrar o espaço físico para internar os doentes médicos não COVID-19, quando houver a retoma da atividade cirúrgica. A verdade é que temos de concluir pela necessidade de um aumento significativo das camas hospitalares, mesmo sem pandemia, porque a evolução demográfica e a polipatologia, aumentam significativamente a demora média do internamento.

 

Author(s) (or their employer(s)) 2019. Re-use permitted under CC BY-NC. No commercial re-use.

Autor (es) (ou seu (s) empregador (es)) 2019. Reutilização permitida de acordo com CC BY-NC. Nenhuma reutilização comercial.

 

Recebido/Received: 18/04/2020

Aceite/Accepted: 18/04/2020

 

Publicado / Published: 4 de Maio de 2020

 

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