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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.26 no.2 Lisboa jun. 2019

https://doi.org/10.24950/rspmi/RCE/SM//2/2019 

CARTAS AO EDITOR / LETTERS TO THE EDITOR

Respostas às Cartas do Editor: A Propósito de “Morrer Num Serviço De Medicina Interna: As Últimas Horas de Vida”, “Cuidar do Doente em Fim de Vida: Tempo Para Agir!” e “Cuidados Em Fim de Vida Num Serviço de Medicina Interna”.

Reply to the Letter to the Editor: Letter About “Dying in Internal Medicine Wards: The Last Hours of Life”, “End-of-Life Care: Time to Act!”, “End-Of-Life Care in an Internal Medicine War”

 

Sara Machado1
https://orcid.org/0000-0001-9258-8507

Paulo Reis-Pina2,3
https://orcid.org/0000-0002-4665585X

Ângela Mota1
https://orcid.org/0000-0003-19823325

Rui Marques1
https://orcid.org/0000-0001-7012-3928

 

1Serviço de Medicina Interna, Centro Hospitalar Tondela-Viseu, Viseu, Portugal
2Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
3Unidade de Cuidados Paliativos, Casa de Saúde da Idanha, Sintra, Portugal

Correspondência

 

 

Palavras- chave: Administração dos Cuidados ao Doente; Cuidados Paliativos; Cuidados Terminais; Hospitalização; Medicina Interna; Morte.

 


 

Keywords: Death; Patient Care Management; Hospitalization; Internal Medicine; Palliative Care; Terminal Care.

 


Os autores agradecem as três Cartas ao Diretor enviadas a propósito do nosso artigo recentemente publicado nesta revista.1 Todas foram lidas com grande interesse e reflexão. Tecem diversos comentários que revemos de seguida.

O nosso artigo caracteriza as atitudes e os cuidados prestados a doentes em fim de vida (FDV), concretamente nas últimas 48 horas de vida, com ordem para não reanimar (ONR), numa enfermaria de Medicina Interna.

Marote et al frisam que mais de 90% dos óbitos ocorre após um período de doença crónica e prolongada, sendo expetável que uma grande parte passe por uma fase de agonia, cuja duração é variável.2 Como as enfermarias de Medicina Interna são também locais de morte, é importante que o internista saiba reconhecer o doente agónico e adequar cuidados.2 Marote et al descrevem as condições distantes da “boa morte” no seu hospital e apresentam dados de prescrições medicamente inapropriadas.2 Que qualidade de morte é esta? Lembramos que Portugal é um dos piores países relativamente a este indicador num relatório recente.3

Rui Carneiro afirma que apesar da situação de últimas horas e dias de vida ser um diagnóstico eminentemente clínico, neste estudo não foi reconhecido o processo de morrer em doentes com elevada probabilidade de morte em internamento (todos com ONR).4 O internista tem uma excelente capacidade de acompanhar o estado da arte nas várias vertentes da Medicina, mas não o faz quando se trata do doente em FDV.4 O funcionamento foi irrefletido e automático, propondo-se medidas desajustadas para a condição.4 Houve um desempenho clínico muito aquém do standard para um momento particularmente sensível e vulnerável da vida de uma pessoa e de sua família.4

Tal como Carneiro lembra,4 o nosso artigo aborda a síndrome de morte iminente.5 No nosso estudo concluímos, perante os resultados demonstrados, que a síndrome de morte iminente não foi corretamente diagnosticada. Esta é a base da nossa discordância com os argumentos de Fernando Guimarães.6

Os autores consideram que um doente com patologia crónica, com ONR, nas últimas 48 horas antes da morte se encontra em pleno processo de morrer. Guimarães discorda. É fulcral que o médico faça um diagnóstico atempado deste processo de morrer, através de sinais e sintomas como prostração, delirium, disfagia, perda de via oral, estertor, má perfusão periférica, oligoanúria, respiração de Cheyne-Stokes, entre outras.5 Rui Carneiro fala disso na sua carta.4 É imperioso que o médico actue, adequando atitudes e medidas, de forma a que não se perca a oportunidade de oferecer o melhor ao doente e suas famílias, também no momento de FDV. No nosso estudo as medidas foram implementadas com uma visão eminentemente curativa, pouco paliativa, o que não se coaduna com os objetivos da medicina interna no FDV. Nas últimas 48 horas de vida, em doentes com ONR, obedece-se ao princípio do primum non nocere. No FDV, a beneficência é sempre subsidiária da não-maleficência. Por isso, os medicamentos e tratamentos medicamente inapropriados devem ser proscritos. Apelamos de novo à leitura do artigo 58.º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos (CDOM): “nas situações de doenças avançadas e progressivas cujos tratamentos não permitam reverter a sua evolução natural, o médico deve dirigir a sua acção para o bem-estar dos doentes”. Os doentes e os familiares, ao contrário do que afirma Guimarães, não forçam os médicos a agir. A Medicina, pelo menos a do Serviço Nacional de Saúde, não é um cardápio em que o doente e a família escolhem aleatoriamente fármacos e procedimentos. A família deve ser auscultada, apenas. O doente informado, escolhe, mas a tomada de decisão ético-clínica é sempre médica. A Medicina defensiva é a que protege o doente do excesso de medicalização. Por isso os médicos sapientes não devem lutar para que aos doentes “sejam prestados os tratamentos necessários para que sobrevivam, mesmo quando a esperança é limitada”, como escreve Guimarães. Tal é um afastamento da leges artis e a violação do artigo 58.º do CDOM. É a expressão da medicina obstinada, triunfalista, datada no tempo.

Os autores não pretendem que os doentes com ONR tenham “uma indicação de abstenção de tratamentos exceto medidas paliativas ou de conforto, porque se trata dum doente «não salvável»”, como Guimarães indica. Apenas achamos que deve haver proporcionalidade e bom-senso. O artigo 5.º do CDOM alerta que “são condenáveis todas as práticas não justificadas pelo interesse do doente ou que pressuponham ou criem falsas necessidades de consumo”.

Relativamente às doenças infeciosas, que constituem o diagnóstico principal neste estudo, como Guimarães salienta, relembramos que há investigações que demonstram que a prescrição de antimicrobianos a doentes em FDV não é suportada por sintomas clínicos que indicassem uma infeção bacteriana. Por outro lado, não devemos esquecer a emergência de resistências aos antibióticos como ameaça de saúde pública pelo uso abusivo de antibioterapia de largo espectro, a necessidade de ponderar riscos e benefícios do uso de antibioterapia, nomeadamente, no que diz respeito aos seus efeitos adversos, infeções por Clostridium difficile, sobrecarga de volume, interações medicamentosas e prolongamento do sofrimento, face a investir em cuidados paliativos adequados e de qualidade.7-9

Relativamente à referência da “não instituição de medidas potencialmente salvadoras” e a “prematura instituição de morfina”, mencionadas por Guimarães,6 o que os autores pretendem demonstrar neste estudo é precisamente o seu oposto. Donde, as medidas supostamente salvadoras foram usadas isoladamente e em detrimento daquelas que seriam as mais benéficas e adequadas ao doente em FDV. A instituição de morfina – usada em cuidados paliativos para alívio da dispneia, diarreia, tosse e dor, quando de intensidade moderada a severa – esteve muito aquém das boas práticas recomendadas. Os autores consideram que houve inércia terapêutica, protelamento ou racionamento, não se sabe. Certo é: parca prescrição de opióides.

Existe de facto uma necessidade urgente de mudarmos de paradigma e, nesse sentido os autores apelam para que, a par da ONR, se registe e se inclua no raciocínio da prática clínica diária, o diagnóstico de síndrome de morte iminente. Somente desta forma é possível sistematizar os cuidados e melhorar as intervenções junto dos doentes vulneráveis.

Urgem normas de boa prática clínica no FDV de doentes não salváveis, internados numa enfermaria de Medicina Interna. Normas essas que devem ter qualidade idêntica aquelas que foram desenhadas para doentes salváveis, cuja vida passa por uma enfermaria de Medicina Interna. Destarte, a excelência da qualidade é una: na trajectória da vida, no processo de morrer e na morte.

 

Referencias

1. Machado S, Reis-Pina P, Mota A, Marques R. Morrer num serviço de Medicina Interna: as últimas horas de vida. Rev Soc Port Med Interna. 2018:25:28692. doi http://dx.doi.org/10.24950/rspmi/original/90/4/2018          [ Links ]

2. Marote S, Ferrão JB, Barreira JV. Cuidados em fim de vida num Serviço de Med Interna. Rev Soc Port Med Interna. 2019; 1:159        [ Links ]

3. The Economist Intelligence Unit. The 2015 Quality of Death Index: ranking palliative care across the world. Commissioned by The Lien Foundation. The Economist Intelligence Unit; 2015. [acedido em 2019 March 30]. Disponível em https://perspectives.eiu.com/healthcare/2015-quality-death-index         [ Links ]

4. Carneiro R. Cuidar do doente e fim de vida: tempo para agir! Rev Soc Port Med Interna. 2109; 26:156-8        [ Links ]

5. Ellershaw J, Ward C. Care of the dying patient: the last hours or days of life. BMJ. 2003;326:30–4.

6. Guimarães F. A propósito de “Morrer num Serviço de Medicina Interna: as últimas horas de vida”. Rev Soc Port Med Interna. 2019; 26:160-1

7. Albrecht JS, McGregor JC, Fromme EK, Bearden DT, Furuno JP. 2013. A nationwide analysis of antibiotic use in hospice care in the final week of life. J Pain Symptom Manage. 46:483–90. doi: 10.1016/j.jpainsymman.2012.09.010

8. Mitchell SL, Shaffer ML, Loeb MB, Givens JL, Habtemariam D, Kiely DK, et al. Infection Management and Multidrug-Resistant Organisms in Nursing Home Residents With Advanced Dementia. JAMA Intern Med. 2014;174:1660-7. doi: 10.1001/jamainternmed.2014.3918.         [ Links ]

9. Juthani-Mehta M, Malani PN, Mitchell SL. Antimicrobials at the end of life an opportunity to improve palliative care and infection management. JAMA. 2015;314:2017-8. doi: 10.1001/jama.2015.13080.         [ Links ]

 

Correspondência:Sara Machado – sarabranmac@gmail.com

Serviço de Medicina Interna, Centro Hospitalar Tondela-Viseu, Viseu, Portugal Av. Rei D. Duarte, 3504-509 Viseu

 

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship.

 

Recebido: 01/04/2019

Aceite: 04/04/2019

 

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