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Medicina Interna

Print version ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.26 no.1 Lisboa Mar. 2019

https://doi.org/10.24950/rspmi/opiniao/SA/1/2019 

ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES

Ensaio Sobre a Solução para o SNS: Em Apenas 5 Pontos!

National Health Service Solution Essay: In Only 5 Points!

 

Sofia Amálio
https://orcid.org/0000-0002-4336-9161

 

Serviço de Medicina Interna 1, Centro Hospitalar Universitário do Algarve, Faro, Portugal

Correspondência

 

Palavras-chave:Medicina Interna; Pessoal de Saúde; Prestação de Cuidados de Saúde; Programas Nacionais de Saúde

 


 

Keywords:Delivery of Health Care; Health Personnel; Internal Medicine; National Health Programs

 


 

O rascunho que vos apresento do que me vai na alma não pretende ser tecnicista ou político. Também não vou inventar a roda ou dizer algo de extraordinariamente novo. Os pontos que se seguem são apenas o escrevinhar de alguém que, estando no terreno, se sente no deserto e vê lá ao fundo uma miragem, trémula e enevoada, como qualquer miragem, do que podia ser o oásis do problema.

1. Fora do Hospital

Este esboço de plano para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) inicia-se pelo ponto que, podendo parecer de pormenor, é talvez o mais importante. Grande parte da solução poderá estar fora dos muros dos hospitais.

Hospitais de dia abertos para a rua e de acesso fácil, retirariam doentes dos internamentos e serviços de urgência economizando demoras médias.

Num país envelhecido, os muito idosos, com múltiplas comorbilidades, representam uma importante sobrecarga para os serviços de saúde. Muitos permanecem nos hospitais semanas, meses, por situações sociais, ocupando camas e gastando recursos. Estes doentes, assim como outros doentes crónicos e terminais, podem necessitar de cuidados de enfermagem e ou cuidadores 24 horas por dia, mas não necessitam de um hospital. Reforçar as redes de cuidados continuados, as equipas de apoio domiciliário e os centros de dia libertaria camas de hospital. Por outro lado, os cuidados médicos têm de transpor barreiras. Equipas de seguimento e internamento domiciliário, levando o médico até aos doentes em suas casas, nos lares de idosos, prestando, entre outras coisas, cuidados paliativos e de fim-de-vida, também pode ser um caminho de poupança de recursos.

O estatuto do cuidador informal, tão mediatizado recentemente, é essencial. Como pode uma família com todos os membros ativos no mercado de trabalho cuidar dos seus familiares? Só abdicando do seu emprego. E não fará sentido remunerar um cuidador de um doente dependente, quando uma diária num hospital se aproxima do salário mínimo? “É só fazer contas”!

2. As Carreiras dos Profissionais de Saúde

Numa altura em que a greve dos técnicos de diagnóstico e enfermeiros interferem diariamente com o nosso dia-a-dia nos hospitais, são tema de telejornais e debates, não dá para ficar indiferente e fechar os olhos às nossas condições de trabalho. Temos de ter a competência de entender que isso faz parte do problema. Durante anos o SNS foi sustentado pela boa vontade, pelo espírito de missão, pelo sacrífico pessoal dos seus profissionais. Foram anos de horas extraordinárias mal pagas ou não pagas. Foram anos de bolsas de horas acumuladas e folgas por gozar. Foram anos a desenrascar, a colar a cuspo, a tapar buracos. Mas agora essa diligência individual já não chega para manter tudo funcionar. Não há carreiras, progressão ou perspetivas. Estamos todos exauridos, zangados e sem motivação.

No caso específico dos médicos é preciso refrescar as carreiras médicas, dando aos mais novos uma perspetiva de futuro dentro do SNS. A retoma da exclusividade nunca fez tanto sentido. Temos de ter um corpo clínico que pertence ao SNS, que o vê como “seu”, que desenvolve no seu seio os seus projetos, valorizando-o.

3. A Valorização das Especialidades Generalistas

A Medicina Geral e Familiar, a Cirurgia Geral e a Medicina Interna, são as raízes, o tronco e os ramos do SNS. A saída sustentável para o SNS passa por conferir a estas especialidades o seu verdadeiro valor. Prometi a uma colega que não usaria o estrangeirismo “empowerment”, mas, não o usando, é exatamente isso que quero dizer. Um médico de família para todos os utentes do SNS e uma estrutura hospitalar sustentada na multidisciplinaridade, tendo como elemento comum as especialidades generalistas, particularmente a Medicina Interna, seriam o suporte vertical desta solução. Nestas especialidades, e quem sabe, talvez só nestas especialidades, a exclusividade faz todo o sentido.

Se o hospital for uma árvore de pomar, aos conselhos de administração, ao ministério, apenas lhes importa colher os frutos, o mais doces e numerosos possível. Acontece que o tronco dessa árvore está doente e esburacado. É preciso reanimar as especialidades generalistas, valorizando-as e motivando-as. É preciso fortalecer as raízes, os troncos, para que, os seus ramos fortalecidos cheguem a todos recantos do hospital. Assim bastam apenas poucas folhinhas viçosas e verdes (outras especialidades) germinando lindas flores e numerosos e deliciosos frutos para serem colhidos. Para isso temos de ser mais internistas, possivelmente em dedicação exclusiva e com um papel de destaque dentro das instituições.

Vão acusar-me de “puxar a brasa a minha sardinha”. Mas não é isso. É uma visão de fundo, na qual acredito piamente. A minha ideologia para a Medicina Interna encaixa num projeto de funcionamento para todas as estruturas hospitalares. Imaginem um hospital em que, cumprindo-se o ponto 1, os idosos e doentes crónicos com problemas sociais não estão. Imaginem um hospital em que só lá estão os doentes que precisam de lá estar. Agora imaginem esse hospital com internistas suficientes para chegar a todos os cantinhos do hospital, nunca perdendo a sua capacidade basal de ser internista, na enfermaria, no serviço de urgência, na consulta, nos cuidados intensivos. Imaginem que há internistas disponíveis para dar apoio a todos os serviços cirúrgicos e às maternidades. Que há internistas em todas as unidades diferenciadas como unidades de acidente vascular cerebral (AVC) ou de cuidados intermédios trabalhando em conjunto com colegas de outras especialidades. Imaginem que há unidades diferenciadas/ hospitais de dia de diabetes, insuficiência cardíaca, imunodeficiência, de doenças auto-imunes, hepatologia, compostas por internistas em conjunto com os outros especialistas destas áreas específicas. Em conjunto, e digo literalmente em conjunto, faríamos melhor. A medicina interna não é o parente pobre da família, a medicina interna é o patriarca e a matriarca da estrutura hospitalar, e nós internistas estaremos sempre lá para o que der e vier! Imaginem que há internistas suficientes para chegar a casa das pessoas nos internamentos domiciliários e cuidados continuados integrados. Imaginem que se aposta na Medicina Interna valorizando-a e conferindo-lhe o seu verdadeiro papel de hospitalista versão “upgrade”. Os donos da decisão têm de compreender que, confiar nas especialidades generalistas, pode ser parte da solução.

4. Algum Investimento

Sem hipocrisia ou ingenuidade temos de admitir que qualquer restruturação vai implicar custos a curto prazo. Mas no SNS, como em tudo, temos de ter alcance para lá da ponta do nosso nariz. Temos de ter uma visão de futuro. Por outro lado, há equipamentos obsoletos e insuficientes. Há todos os dias material em falta por não haver cabimentação. É preciso dinheiro e ponto final.

Mas se pensarmos em décadas, e não apenas no amanhã, seremos capazes de fazer nascer uma solução sustentável.

5. Vontade

Se creio que de todos os pontos o primeiro é o mais importante, o último é sem dúvida o que mais tem faltado. Não sei onde ela está, a vontade de salvar o SNS que todos apregoam! Ou se calhar até sei…

 

 

Correspondência:Sofia Amálio – sofia.amalio@gmail.com
Serviço de Medicina Interna 1, Centro Hospitalar Universitário do Algarve, Faro, Portugal
R. Leão Penedo, 8000-386 Faro

 

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship.

 

Recebido: 18/12/2018

Aceite: 04/01/2019

 

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