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Medicina Interna

Print version ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.25 no.4 Lisboa Dec. 2018

https://doi.org/10.24950/rspmi/original/224/4/2018 

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

Internamento em Medicina Interna: Evolução em 20 Anos num Hospital Universitário

Admissions to an Internal Medicine Department: 20 Year Evolution in A Referral Hospital

Helena Temido, Francisco Parente, Vânia Vieira Borba, Lèlita Santos, Armando Carvalho

Serviço de Medicina Interna - Pólo HUC; Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal

Correspondência

 

RESUMO

Introdução: O internamento nos serviços de Medicina Interna tem sofrido alterações ao longo dos anos, com consequente modificação na tipologia de doentes. O objetivo deste trabalho é avaliar a evolução dos internamentos de Medicina Interna num hospital central, com um intervalo de 20 anos.

Material e Métodos: Utilizando registos da base dos Grupos de Diagnósticos Homogéneos, avaliaram-se os internamentos nos serviços de Medicina Interna dum hospital universitário, em dois períodos de 3 anos, com intervalo de 20 anos (1/1/1992-31/12/1994 com 10 817 episódios e 1/1/2012-31/12/2014 com 17 535 episódios). Comparou-se idade, sexo, mortalidade, tempo de internamento, tipo de admissão (urgente e programada), diagnósticos principais e diagnósticos secundários. Numa segunda análise foram excluídos episódios com diagnóstico principal pertencente à categoria de código V.

Resultados: Destaca-se o aumento da faixa etária (mediana de idades de 61 para 79 anos, idade superior a 65 anos de 36,9% para 80,3% e superior a 85 anos de 3% para 26,3%), predomínio do sexo feminino (47,4% para 51,8%), diminuição da estadia (16,8 para 10,3 dias), aumento da mortalidade (8,3% para 15,4%), aumento de diagnósticos secundários (episódios com mais de 6 registos de 17,5% para 64,8%). Distingue-se também o aumento das doenças respiratórias (11,1% para 36,1%), doenças infeciosas (6,7 para 10,3%) e genitourinárias (3,9 para 11,3%), refletindo o crescimento dos diagnósticos principais de pneumonia, sépsis e infeção urinária.

Discussão: Discute-se o impacto do envelhecimento da população, a reorganização institucional e a pressão dos serviços de urgência como condicionantes das patologias do internamento, colocando limitações funcionais e na formação médica.

Palavras-chave: Departamentos Hospitalares; Envelhecimento; Hospitalização; Medicina Interna; Organização; Urgências

 


 

ABSTRACT

Introduction:The admissions to the Internal Medicine wards have changed over the years leading to a transformation in the type of admitted patients. The purpose of this paper is to assess the evolution of the admissions to the Internal Medicine wards of a referral hospital over 20 years.

Material and Methods: Using the Homogeneous Diagnosis Groups database, the admissions to the Internal Medicine wards of a referral hospital were evaluated for age, sex, mortality rate, length of hospital stay, type of admission (urgent or scheduled), main and secondary diagnosis. They were assessed in two 3-year periods with a 20-year hiatus (1/1/1992-31/12/1994: 10 817 episodes and 1/1/2012-31/12/2014: 17 535 episodes). In a subsequent analysis the episodes with a main diagnosis belonging to the V code category were excluded.

Results: There was an increase in the age of patients (median: 61 to 79 years-old, age over 65: 36.9% to 80.3% and over 85: 3% to 26.3%), a growing number of females (47.4% to 5.1.8%), a decrease in the length of hospital stay (16.8 to 10.3 days), a rise in the mortality rate (8.3% to 15.4%) and in the number of secondary diagnosis (episodes with more than 6 diagnosis from 17.5% to 64.8%). The increase in the prevalence of respiratory diseases (11.1% to 63.1%), infectious diseases (6.7% to 10.3%) and urinary diseases (3.9% to 11.3%) also stood out.

Discussion: We reason that the ageing population, the reorganization of hospital departments and the pressure of the emergency department over the wards is stirring a change causing functional limitations and restrictions to medical education.

Keywords: Aging; Hospitalization; Hospital Departments; Internal Medicine

 


 

Introdução

O internamento nos serviços de Medicina Interna tem sofrido alterações ao longo dos anos, sobretudo como resultado das transformações demográficas, sociais e económicas no país e da reorganização da rede de prestação de cuidados de saúde a nível nacional.

O aumento da esperança média de vida, com o envelhecimento da população, o aumento da incidência de doenças crónicas e maior grau de dependência dos doentes, para além das alterações sociais que dificultam o apoio familiar aos idosos, refletem-se no tipo de doentes que hoje em dia procuram os hospitais e são internados nos Serviços de Medicina Interna.1 Para além das alterações demográficas e sociais, a reorganização da rede hospitalar, com a criação de centros hospitalares e encerramento do atendimento de agudos em alguns hospitais de proximidade,2,3 obrigou os doentes a procurar cada vez mais os hospitais centrais, dos quais o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) é um exemplo. Paralelamente houve necessidade de reorganizar as próprias instituições, com alterações no internamento, progressiva ambulatorização de cuidados e criação de novas unidades clínicas.4 A necessidade de melhor gestão dos recursos também fez com que fosse exigido às instituições um elevado nível de eficiência na prestação de cuidados de saúde, influenciando o seu funcionamento.

Neste contexto, o objetivo deste trabalho é avaliar a evolução clínica e de indicadores ocorrida nos internamentos de Medicina Interna de um hospital central – Hospitais da Universidade de Coimbra do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra – com um intervalo de 20 anos.

Material e Métodos

Estudo retrospetivo em que foram incluídos os registos de todos os doentes internados nos serviços de Medicina Interna dos Hospitais da Universidade de Coimbra e inseridos na base de dados dos Grupos de Diagnósticos Homogéneos (GDH), em dois períodos de 3 anos separados por um intervalo de 20 anos. Delinearam-se, assim, dois grupos, o primeiro correspondente aos episódios de internamento compreendidos entre 1 de Janeiro de 1992 e 31 de Dezembro de 1994 (10 817 episódios) e o segundo correspondente aos episódios de internamento compreendidos entre 1 de Janeiro de 2012 a 31 de Dezembro de 2014 (17 535 episódios). Nesta fase não houve exclusão de episódios.

Em cada um dos grupos foram analisados dados relativos à idade, sexo, mortalidade, tempo de internamento (em dias), tipo de admissão (urgente versus programada, considerando-se programadas todas as admissões exceto aquelas provenientes do Serviço de Urgência mas incluindo as transferências internas a partir de outros serviços), diagnósticos principais (organizados por grandes grupos de diagnóstico) e diagnósticos secundários, com base na International Classification of Diseases, 9th edition, Clinical Modification (ICD-9-CM). Para a análise dos dados colhidos foram utilizadas fórmulas de estatística descritiva da folha de cálculo Excel do Office 365: média, mediana e desvio-padrão. Após esta primeira observação, considerando o excesso de episódios com diagnóstico principal pertencente à categoria de código V - Fatores com influência no estado de saúde e outros contactos – no grupo de episódios de 1992-1994 (3.292 episódios) comparativamente com os do grupo 2012-2014 (49 episódios), e atendendo ao viés a que tal poderia conduzir, optou-se por excluir a totalidade destes episódios (com diagnóstico principal pertencente à categoria de código V) quando se fez a distribuição por grupos de patologias, tornando os grupos mais homogéneos e permitindo, em segunda análise, uma melhor comparação de dados.

RESULTADOS

1. INDICADORES GERAIS DOS SERVIÇOS DE MEDICINA INTERNA:

Analisando os dados do grupo de 1992-1994 constatou-se que dos 10 817 episódios de internamento, 3 292 eram episódios com diagnóstico principal pertencente à categoria de código V, correspondendo maioritariamente a doentes admitidos para a realização de tratamentos, sobretudo sessões de quimioterapia (66,4%, n = 2 185) e transfusões de sangue (1,2%, n = 40). Os restantes eram referentes a internamentos para realização de procedimentos invasivos de diagnóstico, como por exemplo biópsias hepáticas (7,9%, n = 259), biópsias de pele (2,7%, n = 90), biópsias ósseas (1,5%, n = 49). Por outro lado, existiam apenas 49 (0,3%) internamentos de tipo semelhante no grupo de 2012-2014, de que se destacam somente 11 (22,4%) admissões para realização de sessões de quimioterapia, sendo as restantes para realização de diversos procedimentos invasivos de diagnóstico. Assim, foram excluídos todos os episódios com diagnóstico principal pertencente à categoria de código V, com o intuito de homogeneizar os grupos e permitir uma melhor análise comparativa dos dados (n = 49).

No primeiro grupo (1992-1994), excluindo os episódios com diagnóstico principal de código V (n = 3 292), existiram 7 525 episódios de internamento, com um tempo médio de internamento de 16,8 dias (desvio-padrão = 16,6), um mínimo de 1 dia de internamento e máximo de 307 dias de internamento. Os doentes eram maioritariamente do sexo masculino (52,6%, n = 3962) com uma média de idades de 58 anos (mediana = 61 anos, desvio-padrão = 19,3 anos, mínimo = 9 anos e máximo = 99 anos). Destes, 41,5% (n = 3 122), tinham mais de 65 anos 19,5% (n = 1 470) tinham mais de 75 anos, 3,7% (n = 278) tinham mais de 85 anos e 0,07% (n = 5) tinham mais de 95 anos. A admissão ao Serviço de Medicina Interna foi programada em 31,7% dos casos (n = 2 388). A taxa de mortalidade foi de 8,3% (n = 623).

No segundo grupo (2012-2014), excluindo os episódios com diagnóstico principal de código V (n = 49), existiram 17.486 episódios de internamento, com um tempo médio de internamento de 10,3 dias (desvio-padrão = 10,8 dias), um mínimo de 1 dia de internamento e máximo de 276 dias de internamento. Os doentes eram maioritariamente do sexo feminino (51,8%, n = 8.429) com média de idades de 75,6 anos (mediana = 79 anos, desvio-padrão = 14,9 anos, mínimo = 16 anos e máximo = 105 anos). Destes, 80,4% (n = 14 061) tinham mais de 65 anos, 62,4% (n = 10 913) tinham mais de 75 anos, 26,4% (n = 4 612) tinham mais de 85 anos e 1,8% (n = 321) tinham mais de 95 anos. A admissão ao Serviço de Medicina Interna foi programada em 7,7% dos casos (n = 1 342). A taxa de mortalidade foi de 15,4% (n = 2 691).

 

 

 

 

2. DIAGNÓSTICOS PRINCIPAIS NOS SERVIÇOS DE MEDICINA INTERNA:

Nos episódios entre 1992 e 1994, as patologias mais frequentes eram as doenças do sistema digestivo (26,5%, n = 1 991), seguidas das neoplasias (12,5%, n = 937), doenças do sistema respiratório (11,1%, n = 836), doenças do sistema circulatório (10,4%, n = 787), doenças musculoesqueléticas (8,0%, n = 605), doenças infecciosas (6,7%, n = 507) e doenças endócrinas (5,9%, n = 446) (cf. Fig 3. Nos episódios entre 2012-2014 as patologias mais frequentes eram as doenças do sistema respiratório (36,13%, n = 6 317), seguidas das doenças do sistema circulatório (12,5%, n = 2 186), doenças do sistema génito-urinário (11,3%, n = 1 970), doenças infecciosas (10,3%, n = 1 802), doenças do sistema digestivo (7,5%, n = 1 314), neoplasias (7,2%, n = 1.260) e doenças endócrinas (6,0%, n = 1 056) (cf. Fig 4).

 

 

 

 

O aumento da prevalência das doenças do sistema respiratório deveu-se sobretudo ao crescimento dos diagnósticos principais de pneumonia ou outras infeções do sistema respiratório (de 7% para 34,2%), das doenças infeciosas à expansão do diagnóstico de sépsis (de 0,5% para 6%) e das doenças do sistema génito-urinário ao crescimento do diagnóstico de infeção urinária (de 1% para 8,9%). A diminuição da prevalência das doenças do sistema digestivo correspondeu a um decréscimo nos diagnósticos principais de doença hepática alcoólica e suas complicações (de 9,2% para 2,1%), das neoplasias principalmente à diminuição no diagnóstico de neoplasia gastrointestinal (de 6% para 3,6%), das doenças do sangue e órgãos hematopoiéticos à diminuição nos diagnósticos de neoplasias hematológicas (de 2,1% para 0,8%) e das doenças musculoesquelética à diminuição na percentagem de doenças autoimunes sistémicas (de 6,4% para 0,9%).

3. DIAGNÓSTICOS SECUNDÁRIOS NOS SERVIÇOS DE MEDICINA INTERNA: Nos episódios de internamento entre 1992 e 1994, 17,5% dos episódios apresentavam mais de 6 diagnósticos registados, enquanto que entre 2012 e 2014 o mesmo acontecia em 64,8% dos episódios. O número médio de diagnósticos por episódio aumentou de 3,6% em 1992-1994 para 8,1% em 2012-2014.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

O desempenho dos serviços de Medicina Interna depende, em larga medida, do contexto em que estão inseridos e das necessidades da instituição de que fazem parte.

Ao longo dos últimos 20 anos várias mudanças a nível social, económico e nas políticas da saúde alteraram o tipo de doentes que procuram os hospitais e são internados nos serviços de Medicina Interna,2,4,5,6 como se evidencia no presente trabalho. Comparando os indicadores dos episódios de internamento neste intervalo de 20 anos (1992-1994 versus 2012-2014), constata-se um aumento na faixa etária dos doentes internados, com uma diferença de 18 anos na mediana de idades (61 para 79 anos) e com um aumento na média de idades de 58 para 75,6 anos. A percentagem de doentes com mais de 65 anos duplicou (de 41,5% para 80,4%) e a percentagem de doentes com mais de 95 anos, que antes era ínfima (0,07%) tornou-se mais expressiva (1,8%), refletindo as alterações demográficas na sociedade portuguesa, com uma população mais envelhecida.6,7

Constata-se que o número de episódios de internamento duplicou neste intervalo de tempo (de 7525 para 17 486 episódios) com um decréscimo em um quarto na percentagem de admissões programadas (31,7% para 7,7% dos episódios). Ressalva-se que foram consideradas admissões programadas todas exceto as provenientes diretamente do serviço de urgência, incluindo, portanto, transferências internas de outros serviços, assumindo-se que o número de verdadeiros internamentos eletivos seja ainda menor. O aumento verificado no número de episódios de internamento poderá explicar-se pelo tipo de doentes que atualmente procuram os hospitais, doentes mais idosos e com múltiplas comorbilidades que, quer por motivos médicos quer por ausência de alternativas, carecem mais frequentemente de internamento para tratamento, e também pela pressão dos serviços de urgência sobre o internamento dos serviços de Medicina Interna. A necessidade crescente de atribuição de vagas para internamentos de agudos a partir do serviço de urgência também dificulta a programação de internamentos para realização de estudos complementares para diagnóstico, justificando o marcado decréscimo das admissões eletivas. Por outro lado, a ambulatorização de cuidados com a criação, por exemplo, de hospitais de dia, permitiu que nem sempre seja necessário internar o doente para realizar determinados procedimentos invasivos mais simples.

Salienta-se ainda um decréscimo de 6 dias no tempo médio de internamento (16,8 para 10,3 dias) entre 1992-1994 e 2012-2014. Mais uma vez, a pressão de vagas que atualmente existe para fazer face ao aumento do número de doentes que recorre aos serviços de urgência e tem necessidade de hospitalização obriga a um aumento na rotatividade do internamento e, portanto, a uma diminuição na demora média. Para além dos constrangimentos provocados pelas imposições do serviço de urgência, contribuirá também de forma significativa a crescente preocupação com a melhor gestão dos serviços, incentivando-se cada vez mais o cumprimento de objetivos, como produtividade, com promoção de menores demoras médias.

Finalmente, também são relevantes as mudanças na organização dos serviços de Medicina Interna, com transferência de cuidados para ambulatório, por exemplo com a criação dos hospitais de dia, que permitem a realização de tratamentos curtos (como sessões de quimioterapia) ou procedimentos invasivos simples (como biópsias) aliviando o internamento e diminuindo a necessidade de admissões eletivas. Exemplo disso é a evolução que se verificou nos episódios com diagnóstico principal pertencente à categoria de código V respeitantes às sessões de quimioterapia. No grupo de 1992-1994 existiram 2.185 episódios de internamento para realização de sessões de quimioterapia (sobretudo de neoplasias gastrointestinais e hematológicas) enquanto que no grupo de 2012-2014 só foram registas 11 admissões com esse propósito.

Nestes 20 anos, os grupos de doenças que mais cresceram foram as doenças do sistema respiratório, as doenças infeciosas e as doenças do sistema genitourinário, refletindo o aumento dos diagnósticos principais de pneumonia ou outras infeções do sistema respiratório (de 7% para 34,2%), sépsis (de 0,5% para 6%) e infeção urinária (de 1 para 8,9%), respetivamente. Por outro lado, foi evidente uma diminuição na prevalência de doenças do sistema digestivo, neoplasias, doenças do sangue e órgãos hematopoiéticos e doenças musculoesqueléticas, correspondendo a uma redução nos diagnósticos principais de doença hepática alcoólica e suas complicações (de 9,2% para 2,1%), neoplasias gastrointestinais (de 6% para 3,6%), neoplasias hematológicas (de 2,1% para 0,8%) e doenças autoimunes sistémicas (de 6,4% para 0,9%), respetivamente.

Esta evolução sugere que o internamento nos serviços de Medicina Interna está hoje em dia vocacionado principalmente para a resolução de processos infeciosos agudos em doentes muito idosos com pluripatologia ou para estabilização de descompensações de doenças crónicas. Nos Hospitais da Universidade de Coimbra foi demonstrado que a maioria destes doentes idosos têm múltiplos internamentos e frequentes episódios de urgência8,9 o que justifica a maior prevalência de diagnósticos de infeção, sobretudo as infeções associadas aos cuidados de saúde, com microrganismos multirresistentes.

Também terá sido um fator importante para a mudança nos tipos de patologia no internamento, a alteração da organização do hospital, com a separação da especialidade de Oncologia e Hematologia, a abranger a maioria dos casos de neoplasias hematológicas, e a criação de uma unidade de internamento de Reumatologia.

O aumento do número médio de diagnósticos por episódio (de 3,6 para 8,1) e do número de episódios com mais de 6 diagnósticos é um reflexo do aumento da complexidade dos doentes internados, já que a maioria dos diagnósticos corresponde às co-morbilidades dos doentes, podendo também dever-se a uma maior preocupação das equipas médicas em fazer melhores registos clínicos assinalando cada vez mais não só as comorbilidades mas também as condições associadas ao diagnóstico principal. As preocupações com o desempenho dos serviços também podem ter um papel relevante nesta questão, uma vez que maior número de diagnósticos indicia doentes mais complexos, logo com necessidade de maior consumo de recursos, portanto com maior peso nos GDHs, aumentando assim o financiamento dos serviços.

Finalmente, sugere-se que as modificações nos indicadores e alteração do tipo de patologias no internamento dos serviços de Medicina Interna num hospital central e universitário colocam algumas limitações na formação dos internos do serviço e dos alunos de Medicina. No internamento terão cada vez mais um contacto limitado com algumas patologias e terapêuticas importantes no universo da Medicina Interna (neoplasias, doenças gastrointestinais ou reumatológicas) ficando a sua experiência clínica limitada à resolução de situações agudas, nomeadamente de processos infeciosos mais ou menos graves em doentes idosos e com múltiplas comorbilidades ou descompensações agudas de doenças crónicas. Assim, será importante desenvolver oportunidades de formação nas consultas externas, nos hospitais de dia ou com as equipas de hospitalização domiciliária, para além do internamento e serviço de urgência, de modo a diversificar o tipo de patologia com que têm contacto. Por outro lado, propõe-se também uma atualização na preparação curricular até agora exigida, nomeadamente com a necessidade de melhorar conhecimentos nas áreas de cuidados paliativos e geriatria.

Conclui-se que nos últimos 20 anos, as mudanças sociais e económicas no país, o envelhecimento da população, a reforma na rede hospitalar, a reorganização dos serviços e instituições e as alterações nas formas de financiamento dos hospitais modificaram o tipo de doentes internados nos serviços de Medicina Interna, com reflexo na alteração do tipo de cuidados prestados e também na capacidade de formação que o sector de internamento dos hospitais centrais pode oferecer. Hoje, o internamento dos serviços de Medicina Interna é algo muito diferente, o que deve conduzir a uma reflexão profunda colocando em causa o modelo clássico de organização dos serviços.

Referências

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Correspondência:Helena Temido mhelenatemidoof@gmail.com
Serviço de Medicina Interna - Pólo HUC; Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal
Praceta Prof. Mota Pinto, 3000-075 Coimbra

 

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Direito à Privacidade e Consentimento Informado: Os autores declaram que nenhum dado que permita a identificação do doente aparece neste artigo.

Proteção de Seres Humanos e Animais: Os autores declaram que não foram realizadas experiências em seres humanos ou animais.

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship.

Confidentiality of data: The authors declare that they have followed the protocols of their work center on the publication of data from patients.

Protection of human and animal subjects: The authors declare that the procedures followed were in accordance with the regulations of the relevant clinical research ethics committee and with those of the Code of Ethics of the World Medical Association (Declaration of Helsinki).

 

Recebido: 04/12/2017

Aceite: 22/08/2018

 

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