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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.25 no.3 Lisboa set. 2018

https://doi.org/10.24950/rspmi/original/327/3/2018 

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

Viatura Médica de Emergência e Reanimação: Experiência do Hospital Distrital da Figueira da Foz

Emergency Medical Service Vehicle: Data From the Hospital Distrital da Figueira da Foz

Nadine Silva1, Marta Brás1, Ana Pastor1, Rui Coutinho2, Natércia Santos3, Sónia Campelo Pereira1, Abílio Gonçalves1, Amélia Pereira1

1Serviço de Medicina Interna, Hospital Distrital Da Figueira da Foz, Figueira da Foz, Portugal
2Serviço de Urgência, Hospital Distrital Da Figueira da Foz, Figueira da Foz, Portugal
3Bloco Operatório, Hospital Distrital Da Figueira da Foz, Figueira da Foz, Portugal

Correspondência

 

RESUMO

Introdução: A emergência médica pré-hospitalar tem como objetivo garantir à população a prestação de cuidados de saúde em situações de doença súbita e/ou trauma, estabilizando a vítima no local da ocorrência e garantindo o seu transporte em segurança até uma unidade de saúde adequada, se necessário.

Material e Métodos: Apresenta-se a atividade da viatura médica de emergência e reanimação do Hospital Distrital da Figueira da Foz, Empresa Pública Empresarial (HDFF) por análise retrospetiva de dados de todas as ativações da viatura num período de 2 anos, entre 1 de janeiro 2015 a 31 de dezembro 2016.

Resultados: Os parâmetros avaliados foram o número médio de ocorrências por dia e por turno, tipologia de ativação, tempo de resposta da equipa pré-hospitalar (EPH), número de ocorrências monovítimas versus multivítimas, local de ocorrência, características das vítimas e o total de vítimas transportadas com e sem médico até uma unidade de saúde. Para os doentes transportados ao HDFF, o diagnóstico presuntivo da EPH foi analisado. Avaliou-se a relação entre a necessidade de transporte pré-hospitalar com acompanhamento médico e a prioridade atribuída pela triagem de Manchester no Serviço de Urgência, o destino do doente após observação médica, as características das saídas por paragem cardiorespiratória e a ativação das vias verdes pela EPH.

Conclusão: Várias foram as conclusões deste estudo, sendo a mais relevante a contribuição da equipa na diminuição da morbimortalidade dos doentes com suspeita de síndrome coronária aguda e acidente vascular cerebral agudo ao integrar as vias verdes no pré-hospitalar.

Palavras-chave:Ambulâncias; Serviços Médicos de Emergência; Triagem.

 


ABSTRACT

 

Introduction:Introduction: Pre-hospital emergency care is aimed to provide adequate treatment to the population in occurrences of sudden disease or trauma, on-site stabilization of the patient and, if necessary, ensuring the safe transport to the health unit.

Material and Methods: Here, we describe the activity of viatura médica de emergência e reanimação, an emergency medical service vehicle, from the Hospital Distrital da Figueira da Foz, (HDFF) by performing a retrospective analysis of data collected in a period of two years - from January 1st, 2015 to December 31st, 2016.

Results: Collected data included average number of occurrences per day and shift, type of activation, delay in response of the pre-hospital emergency team, number of victims and place of each occurrence, characteristics of the victims and number of transportations with and without a doctor to the health unit. For patients transported to HDFF, the presumptive diagnosis made by the pre-hospital emergency team was analyzed. We also looked at the relationship between transportation with a doctor and the priority given in triage by the Manchester triage system. In addition, we assessed the destination of the patient following medical examination, the main characteristics of cardio-respiratory arrests and the activation of stroke and myocardial infarction code performed by the team.

Conclusion: There are various conclusions to be taken from this detailed analysis. Perhaps the most relevant is the invaluable role of the team in diminishing the morbimortality of patients with suspected myocardial infarction and stroke, when these codes were activated.

Keywords: Ambulances; Emergency Medical Services; Triage.

 


 

Introdução

A intervenção clínica pré-hospitalar tem como objetivo garantir à população a prestação de cuidados de saúde em situações de doença súbita e/ou trauma, estabilizando a vítima no local da ocorrência e garantindo o seu transporte em segurança até uma unidade de saúde adequada, se necessário.1-7

A emergência médica pré-hospitalar (EMPH) foi estabelecida historicamente em países europeus no início de 1980.8 A organização dos sistemas de EMPH na Europa têm muitas similaridades, mas não existe um padrão europeu comum.8 Provavelmente por esse motivo, a investigação na área da EMPH com intuito de demonstrar a importância crítica da sua existência e o seu desempenho tem sido difícil.8 A nível nacional, existem raros documentos publicados sobre a EMPH, provavelmente por dificuldade na colheita de dados. Existe, no entanto, interesse médico e político em analisar a atividade e evolução da EMPH.

Este trabalho teve como objectivos: 1) caracterizar a atividade assistencial da viatura médica de emergência e reanimação (VMER) Hospital Distrital da Figueira da Foz (HDFF), desde o atendimento no Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) à admissão hospitalar dos doentes transportados; 2) determinar a relação entre o diagnóstico presuntivo da equipa pré-hospitalar (EPH), a prioridade atribuída pela triagem de Manchester e a idade das vítimas transportadas para o HDFF.

Material e Métodos

A VMER HDFF comemorou, em 2018, vinte anos de atividade. Representa uma viatura médica associada a um hospital distrital com um serviço de urgência (SU) médico-cirúrgico, cuja área de atuação, segundo os Censos 2011 do Instituto Nacional de Estatística (INE), contabiliza uma população residente de aproximadamente 200 000 habitantes, uma zona do país que dista cerca de 50 km de um hospital central. Os Censos 2011 demonstram que a população residente da Figueira da Foz é essencialmente idosa, mas existem várias grandes empresas, indústrias e atividades no rio e no mar que conferem fatores de riscos adicionais. Acresce a localização geográfica em zona litoral, com aumento da população consoante a sazonalidade. Os recursos humanos da VMER, médicos, enfermeiros e tripulantes, têm variado muito, verificando-se uma constante renovação da equipa. A EPH é atualmente constituída por 24 médicos e 15 enfermeiros. Há médicos, especialistas e internos, de várias especialidades, nomeadamente, medicina interna, ortopedia, medicina geral e familiar, cirurgia geral, anestesiologia e gastroenterologia. A equipa de enfermagem conta com dois enfermeiros especialistas (enfermagem de saúde infantil e pediátrica e enfermagem de reabilitação) e um enfermeiro especializado em enfermagem médico-cirúrgica. Os restantes doze elementos de enfermagem exercem funções no SU e no bloco operatório.

Efetuou-se um estudo observacional retrospetivo num período de 2 anos, compreendido entre 1 de janeiro 2015 a 31 de dezembro 2016, através da colheita dos dados provenientes de diversas fontes relativas a cada uma das ocorrências: CODU Coimbra (tipologia de ativação fornecida); VMER HDFF (consulta das fichas de observação médica: género e idade das vítimas, local de ocorrência, tempo decorrido desde a ativação da EPH à chegada ao local, impressão diagnóstica da EPH, necessidade ou não de transporte da vítima com ou sem médico a uma unidade de saúde e qual); registos informatizados nos programas hospitalares, SClínico e Interface, das vítimas transportadas ao HDFF (cor atribuída pela triagem de Manchester e consulta da evolução intra-hospitalar, nomeadamente o destino do doente após observação médica e os motivos de internamento, quando aplicável).

Os dados estatísticos populacionais foram consultados a partir do INE, Censos 2011.

A análise estatística foi realizada através do programa SPSS, 23.0. Utilizamos o teste qui-quadrado para a comparação das variáveis categóricas. Foram aplicados testes não paramétricos de diferenças entre médias na avaliação das variáveis numéricas nos vários grupos de doentes (teste U de Mann-Whitney para comparação entre dois grupos e teste de Kruskall-Wallis para comparação de 3 ou mais grupos). Calculou-se ainda o coeficente de correlação de Spearman. Em todos os testes usados foram considerados significativos os valores de p inferiores a 0,05.

Resultados

A) DADOS PRÉ-HOSPITALARES

No período considerado, a VMER HDFF contabilizou um total de 2404 ativações, das quais 97,2% efetivadas, 2,5% desativadas e 0,3% falsas. A média diária foi de 3,32 ± 1,84 ocorrências.

O tempo médio de resposta (tempo decorrido desde a ativação até à chegada ao local) foi de 9 minutos e 45 segundos ± 6 minutos e 17 segundos (tempo máximo de resposta 37 minutos; moda 10 minutos).

A VMER percorreu um total de 85 078 km, uma média de 35,4 km por saída. Analisando a área de ativação, os três principais concelhos abrangidos foram, por ordem decrescente de frequência, Figueira da Foz, Montemor-o-Velho e Pombal (Fig 1). Em 7,87% das ativações não foi possível averiguar a localização por falta de dados. Analisando apenas o concelho da Figueira da Foz, que conta com catorze freguesias, as cinco principais freguesias de ocorrências foram, por ordem decrescente de frequência, Buarcos e São Julião (31,75%), Tavarede (10,10%), São Pedro (8,04%), Paião (7,23%) e Alhadas (6,49%).

Funcionando de forma permanente em três turnos de 8 horas, verificou-se que o maior número de ativações foi no turno da manhã entre as 8 e as 16 horas (45,8% manhã versus 38% tarde versus 16,2% noite). É representada na Fig 2 a média de ocorrências diária por turno em dias de fim-de-semana (sábado e domingo) e dias de semana (segunda-feira a sexta-feira) nos dois anos considerados.

 

 

Existiram 96,5% ocorrências monovítimas versus 3,5% ocorrências multivítimas, totalizando 2427 vítimas assistidas. A idade média das vítimas foi de 66,72 ± 22,11 anos com uma de mediana de 74 anos, e quanto ao género, 46,4% homens versus 53,6% mulheres, com idades superiores nas mulheres (69,82 ± 21,47 versus 63,48 ± 22,33, p = 0,000, teste U de Mann-Whitney). Verificou-se que a idade dos doentes das ocorrências do turno da manhã foi significativamente superior quando comparado com os turnos da tarde e noite (68,75 ± 21,56 versus 64,53 ± 22,87 versus 65,81 ± 21,39 anos, p = 0,000, (df =2), teste de Kruskall Wallis). As seguintes figuras apresentam a distribuição das ocorrências por tipologia de ativação fornecida pelo CODU Coimbra Fig 3.

 

 

No ano 2015, as urgências/emergências obstétricas, complicações do foro pediátrico, intercorrência alérgica, dor abdominal/hemorragia digestiva e outros problemas não classificáveis foram categorizados como outros na tipologia de ativação. No ano 2016, esta subcategoria foi limitada às ativações cujos problemas não foram classificáveis em outra parte pelo CODU. No ano 2016, as ocorrências para situações de doença súbita incluíram a dispneia, dor torácica, situações de alteração do estado consciência, alergia/anafilaxia e dor abdominal/hemorragia digestiva aguda.

Os diagnósticos presuntivos da EPH foram agrupados e encontram-se descritos na Fig 4 Verificou-se que a idade foi inferior nas vítimas de trauma e superior nas vítimas de dispneia e paragem cardiorespiratória (p = 0,000, (df = 6), teste de Kruskall-Wallis).

 

 

A paragem cardiorespiratória (PCR) foi declarada pela EPH em 17,80% das ocorrências (n = 427), apesar de ter sido motivo de ativação em 12,34% das saídas. A idade média destas vítimas foi de 74,99 ± 16,96 anos, mediana de 80 anos. As situações de PCR com ritmo desfibrilhável representaram 3,75% da amostra (n = 16) versus 96,25% de situações de PCR com ritmo não desfibrilhável (411). O suporte avançado de vida foi praticado em 29,04% dos casos (n = 124). Existiu recuperação da circulação espontânea em 15 vítimas (3,5%). Seis doentes foram encaminhados do local de ocorrência para os cuidados intensivos do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) e nove doentes foram transportados para o HDFF. Destes últimos, após estabilização hemodinâmica na sala de emergência do HDFF, cinco doentes foram transferidos para Coimbra. Os restantes quatro doentes faleceram.

A EPH referiu a dor torácica de causa cardíaca como principal hipótese de diagnóstico em 16,05% das ocorrências (n = 386). A idade média dos doentes foi de 68,73 ± 14,96 anos, mediana de 74 anos. A via verde coronária (VVC) foi ativada no local de ocorrência em 3,63% das situações (n = 14) e os doentes transferidos para o CHUC. Nas restantes, o encaminhamento hospitalar para o HDFF foi decidido em 89,64% (n = 346) e o não transporte da vítima em 4,40% (n = 17). Para os 2,33% faltantes (n = 9) não existiram dados. Após observação médica no SU do HDFF, a transferência inter-hospitalar (TIH) ao cuidado da Cardiologia do CHUC foi necessária para 25 doentes (7,22%). O motivo da TIH foi SCA em 21 doentes e arritmia cardíaca com instabilidade hemodinâmica em 4 doentes.

O acidente vascular cerebral (AVC) foi diagnóstico presuntivo da EPH em 1,25% das ativações (n = 30). A idade média dos doentes foi de 74,45 ± 13,63 anos, mediana de 76 anos. A via verde AVC (VVAVC) foi ativada em 36,7% dos casos (n = 11).

Quanto ao transporte dos doentes a partir do local de ocorrência, 22% não foram transportados pela EPH (n = 536). O motivo do não transporte foi óbito no local em 73,70%, por decisão médica em 20,30%, por recusa da vítima em 5,60% e por outras causas em 0,40% dos casos. Das vítimas transportadas (n = 1872), 86,1% foram acompanhadas com médico. Em 0,78% dos doentes (n = 19) não existiram dados quanto ao transporte.

B) DADOS HOSPITALARES

Do total de vítimas assistidas, 65,7% foram encaminhadas para o HDFF (n = 1594).

Para as vítimas transportadas ao SU do HDFF, a relação entre o diagnóstico presuntivo da EPH e a cor da triagem de Manchester atribuída, e a relação entre a idade das vítimas e a cor da triagem, ilustram-se na Fig 5.

O acompanhamento médico das vítimas no pré-hospitalar justificou-se em 84,94% dos casos. Na triagem por prioridades, as cores laranja e vermelha foram atribuídas a 54,43% destas vítimas (Fig 6). O internamento foi necessário em 48,08% destes doentes e 3,55% destas vítimas acabaram por falecer no SU. O principal motivo de internamento foi a insuficiência respiratória com necessidade de oxigenoterapia (31,8%). A causa da insuficiência respiratória foi atribuída, por ordem decrescente de frequência, a patologia respiratória, cardíaca e mista. O choque séptico, arritmias cardíacas, AVC e descompensações agudas da diabetes mellitus representaram outras patologias que levaram à necessidade de manutenção de observação médica no SU.

As cores verde e amarela foram atribuídas na triagem em 80,83% das vítimas transportadas ao HDFF sem acompanhamento médico. Três quartos destes doentes tiveram alta clínica após observação médica no SU. Apenas 16,25% ficaram internados. A sepsis constituiu o principal motivo de internamento, com a patologia respiratória a predominar, seguida da urinária e abdominal. Outros diagnósticos menos frequentes foram o enfarte agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST, status pós-ictal e hemorragia digestiva aguda sem instabilidade hemodinâmica. A cor vermelha foi atribuída a um doente transportado ao HDFF sem acompanhamento médico. Correspondeu a uma vítima politraumatizada após acidente de viação, acidente este que originou múltiplas vítimas. Após estabilização primária no local de ocorrência, a vítima foi transportada ao HDFF em ambulância suporte imediato de vida (SIV).

Discussão

Um estudo recente na Turquia afirma que a ativação do meio de EMPH é dependente da altura do dia e do dia da semana.1 No nosso estudo, existiu um maior número de ocorrências no período da manhã (8 – 16 horas), no entanto, não existiu uma diferença significativa quanto ao número médio de ocorrências diárias quando comparados dias da semana com dias de fim-de-semana. Além disso, as ativações no turno da manhã ocorreram em doentes mais idosos, o que poderá reflectir por um lado, a maior vigilância dos utentes das numerosas instituições de saúde da Figueira da Foz, e por outro, a maior prevalência do wake-up stroke, definido como o AVC isquémico que se manifesta clinicamente ao acordar, correspondendo a aproximadamente 20% a 25% dos casos.9 O mesmo estudo turco concluiu que a necessidade do meio de EMPH foi maior para freguesias com maior densidade populacional,1 o que se verificou no concelho da Figueira da Foz. As cinco freguesias com maior número de ocorrências corresponderam às freguesias mais populosas do concelho (60,44%), de acordo com os Censos 2011.

O tempo médio de resposta da EPH representa um indicador de qualidade. O AVC, a síndrome coronária aguda (SCA) e o choque, representam três entidades nosológicas frequentes com uma relação tempo-efeito importante, onde o tempo constitui o maior fator prognóstico.2 Não existem na literatura dados que sustentem qual o tempo médio óptimo de resposta de uma EPH, no entanto, ao analisar a média e moda, considera-se que este parâmetro é satisfatório para a nossa VMER. O tempo máximo de resposta foi de 37 minutos, justificando-se pela ativação da EPH para a freguesia de Buarcos e São Julião, no regresso do acompanhamento de uma vítima ao CHUC.

As ativações para situações de doença súbita são mais frequentes quando comparadas com situações de trauma.3,4 Analisou-se a tipologia de ativação fornecida pelo CODU Coimbra e verificou-se que esta foi classificada de forma diferente nos dois anos em estudo. No ano de 2015 a VMER foi mais frequentemente ativada para as alterações do estado de consciência (hipoglicémia sintomática, convulsão, síncope, estado de ansiedade/pânico, défices neurológicos focais agudos e prostração iatrogénica), enquanto, no ano 2016, as mais comuns foram as situações de doença súbita (situações de alteração do estado consciência, dispneia, dor torácica, alergia/anafilaxia e dor abdominal/hemorragia digestiva aguda). No ano 2015, o grupo Outros, representando 23,39% das ativações, contou com tipologias de ativação como, as urgências/emergências obstétricas, complicações do foro pediátrico, intercorrência alérgica, dor abdominal/ hemorragia digestiva e outros problemas não classificáveis em outra parte. O número elevado de saídas da viatura por pedido de apoio diferenciado no ano 2015 justificou-se na sua maioria pelos TIH. Com a aprovação do despacho nº 5058-D/2016, de 13 de abril 2016, o TIH de doentes críticos é assegurado pelas VMER’s apenas em situações excepcionais, devidamente fundamentadas, e quando não é comprometida a assistência pré-hospitalar diferenciada por existirem alternativas na área. Por este motivo, os pedidos de apoio diferenciado diminuíram significativamente após essa data (17,49% vs 10,28%), correspondendo no restante ano 2016 a rendez-vous com outros meios de socorro.

Uma grande percentagem de doentes não é transportada com acompanhamento médico do local à unidade de saúde.5,6 Um estudo finlandês demonstrou que num total de 13 354 ativações, 41,7% das vítimas não foram transportadas com médico em ambulância até uma unidade de saúde. Destas, 48,2% foram encaminhadas para postos médicos em Centros de Saúde ao invés de unidades hospitalares após observação médica por EPH,5 o que não se faz habitualmente em Portugal. A decisão de transportar um doente em estado crítico é um ato médico.7 A situação clínica do doente (severidade clínica e necessidade de tratamento diferenciado) e as condições do local de ocorrência (distância à unidade de saúde adequada, duração do transporte e condições climatéricas) são as principais condicionantes para tal decisão.7 A VMER HDFF decidiu pelo transporte em cerca de três quartos das vítimas assistidas (77,13%) e na maior parte dos casos veio a acompanhar a vítima.

Foi analisada a triagem de Manchester efectuada às vítimas transportadas ao HDFF. A prioridade laranja ou vermelha foi atribuída à maioria dos doentes transportados com acompanhamento médico. No nosso estudo verificou-se que os doentes triados laranja tinham a idade média mais elevada, o que se explica pela demografia da população da Figueira da Foz. É de salientar a idade inferior e o grande intervalo de idades (5 a 96 anos) das vítimas triadas vermelhas. Estes dados refletem a maior severidade clínica destes doentes, com patologias ab initio com mau prognóstico que beneficiaram da abordagem imediata da EPH. Cruzando os dados do pré-hospitalar com os dados hospitalares, reforça-se a noção de maior gravidade clínica dos transportados com médico, metade deles apresentaram critérios para internamento. Em contrapartida, três quartos dos doentes transportados sem médico tiveram alta clínica após observação no SU. Apenas a um doente transportado ao HDFF sem acompanhamento médico foi atribuída a cor vermelha. Correspondeu a uma das vítimas de uma ativação multivítima. Pela gravidade e número de vítimas que originou o acidente, o CODU acionou vários meios de socorro, dentro dos quais, a VMER e ambulância SIV. Existindo duas vítimas críticas no local, a EPH decidiu a transferência desta vítima para o HDFF com meio SIV, pois não apresentava necessidade de suporte ventilatório mecânico invasivo. A segunda vítima foi acompanhada com médico até ao CHUC por se tratar de uma vítima politraumatizada com traumatismo craneoencefálico associado, carecendo de cuidados médicos intensivos.

A implementação de protocolos clínicos direcionados a um problema de saúde permite o seu reconhecimento rápido, a minimização de atrasos na sua abordagem e a agilização dos cuidados de saúde a oferecer.10 A nível pré-hospitalar, a EPH ativou mais frequentemente a VVC em detrimento da VVAVC. Este facto justifica-se pela pouca sensibilização da população quanto à escala de Cincinnati. Não se apresentam dados sobre a via verde de sepsis no nosso estudo por não existir um protocolo formal no HDFF.

A baixa percentagem de vítimas em PCR que recuperaram circulação espontânea deve-se ao mau prognóstico associado ao status funcional prévio, mas também, ao tempo decorrido entre o primeiro pedido de ajuda e o tempo de resposta da EPH.3 Verificou-se que a VMER percorre em média 35 km por ocorrência (ida e volta). No entanto, algumas saídas esgotam os 35 km apenas na ida ao local de ocorrência, aumentando consideravelmente o tempo médio de resposta. Além do mais, é comum os meios de EMPH chegarem à vítima em PCR sem suporte básico de vida iniciado, o que em muito diminui a taxa de recuperação. Conclui-se desta afirmação, que também neste campo existe insuficiente sensibilização da população.

O nosso estudo tem como limitações o facto de ser retrospectivo com ausência de alguns dados. A diferente tipologia de activação fornecida pelo CODU nos dois anos em estudo também constitui um viés. Ao analisar os diagnósticos presuntivos da EPH agrupados em grandes grupos (PCR, AEC, DPN, DTC, TRA e outros) enviesa a gravidade das patologias observadas, como por exemplo, incluir crise de ansiedade e défices neurológicos agudos no grupo da alteração do estado de consciência.

Conclusão

A VMER desempenha um papel crucial na assistência a vítimas críticas, tendo a oportunidade única de melhorar o seu prognóstico vital e funcional. A sua intervenção na “hora de ouro” da reanimação permite uma abordagem inicial e um transporte diferenciado que pode condicionar toda a evolução. Ao integrar as vias verdes no pré-hospitalar, a EPH contribuiu para diminuir a morbimortalidade.

Continua a ser importante a sensibilização da população para certas entidades clínicas ameaçadoras de vida, como o AVC e a PCR, existindo necessidade em continuar a organizar sessões de sensibilização junto da população.

A idade elevada das vítimas que recorrem ao meio de EMPH acompanha a tendência de envelhecimento da população. Soluções como hospitalização domiciliária, aumento do apoio domiciliário do médico de família ou implementação de redes de interligação direta entre os meios de socorro pré-hospitalar e os cuidados de saúde primários podem diminuir tanto a necessidade de recorrência à EMPH como ao SU.

 

Referencias

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Correspondência: Nadine Silva nadine.silva1985@gmail.com
Serviço de Medicina Interna, Hospital Distrital da Figueira da Foz, Figueira da Foz, Portugal
Gala, 3094-001 Figueira da Foz

 

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship.

Direito à Privacidade e Consentimento Informado: Os autores declaram que nenhum dado que permita a identificação do doente aparece neste artigo.

Confidentiality of data: The authors declare that they have followed the protocols of their work center on the publication of data from patients.

Proteção de Seres Humanos e Animais: Os autores declaram que não foram realizadas experiências em seres humanos ou animais.

Protection of human and animal subjects: The authors declare that the procedures followed were in accordance with the regulations of the relevant clinical research ethics committee and with those of the Code of Ethics of the World Medical Association (Declaration of Helsinki).

 

Recebido: 08/01/2018

Aceite: 28/03/2018

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