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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.25 no.3 Lisboa set. 2018

https://doi.org/10.24950/rspmi/original/234/3/2018 

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

Estirpes Produtoras de Beta-Lactamases de Espectro Alargado: A Realidade num Hospital Central

Extended Spectrum ß-Lactamase Producing Bacteria: Reality in a Tertiary Hospital

Manuela V. Bertão1, Inês Furtado1, Ana Machado1, Ernestina Reis1,2

1Serviço de Medicina Interna, Centro Hospitalar Universitário do Porto, Porto, Portugal
2Comissão de Controlo de Infeção e Resistência aos Antimicrobianos, Centro Hospitalar do Porto, Porto, Portugal

Correspondência

 

RESUMO

Introdução: A resistência aos antibióticos é uma realidade cada vez mais preocupante na atualidade, nomeadamente pela prevalência crescente de microrganismos multirresistentes, como as bactérias produtoras de betalactamases de espectro alargado (ESBL) e de carbapenamases. Este estudo pretendeu caracterizar os doentes com isolamento de estirpes produtoras de ESBL num hospital central.

Material e Métodos: Foi realizado um estudo retrospetivo de 1 de janeiro a 30 de junho de 2014 que incluiu todos os casos de isolamento de bactérias produtoras ESBL ocorridos em adultos internados, em todos os serviços do Centro Hospitalar Universitário do Porto. Foram estudados os fatores de risco, as características clínicas e as opções terapêuticas.

Resultados: Foram incluídos 132 isolamentos de estirpes produtoras de ESBL. A maioria dos doentes com bactérias produtoras de ESBL apresentavam um dispositivo invasivo (58,3%, n = 77). O isolamento das bactérias produtoras de ESBL ocorreu, em média, ao 21º dia de internamento. Parte dos doentes (19,7%, n = 26) apresentava história pregressa de isolamento por estes microrganismos e 65,2% (n = 86) já tinham estado ou estavam sob curso de antibiótico na altura do isolamento do agente multirresistente. A Klebsiella pneumoniae foi o agente mais frequentemente isolado (71,2%, n = 94) e a urocultura foi o produto microbiológico com mais alta taxa de isolamentos (62,1%, n = 82). A taxa de mortalidade foi de 6,8% (n = 9).

Conclusão: A análise destes dados alerta para a importância da identificação dos doentes colonizados com estirpes produtoras de ESBL e do impacto da antibioterapia inadequada para a disseminação e persistências destes agentes.

Palavras-chave: Antibacterianos; Bactérias Gram-Negativas; beta-Lactamases; Farmacorresistência Bacteriana Múltipla; Infecção Hospitalar; Resistência beta-Lactâmica.

 


ABSTRACT

 

Introduction: Resistance to antibiotics is an increasingly worrying reality today, namely by the increasing prevalence of multiresistant microorganisms, such as broad spectrum beta-lactamase (ESBL) and carbapenamase producing bacteria. This study aimed to characterize patients with microbiologic isolation of ESBL-producing strains in a tertiary hospital.

Material and Methods:A retrospective study was carried out from the 1st of January to the 30th of June 2014 and included all cases of ESBL producing bacteria isolation in hospitalized adults, in all departments of the Centro Hospitalar Universitário do Porto. Risk factors, clinical characteristics and treatment options were evaluated.

Results: A total of 132 isolates of ESBL producing strains were included. Most patients with ESBL-producing bacteria had an invasive device (58.3%, n = 77). Isolation of the ESBL-producing bacteria occurred, on average, at the 21st day of hospitalization. Part of the patients (19.7%, n = 26) had previous history of ESBL producing strain isolation and 65.2% (n = 86) had been or were under antibiotics at the time of isolation. Klebsiella pneumoniae was the most frequently isolated agent (71.2%, n = 94) and uroculture was the microbiological product with the highest isolation rate (62.1%, n = 82). The mortality rate was 6.8% (n = 9).

Conclusion: The analysis of these data underlines the importance of identifying colonized patients with ESBL-producing strains and the impact of inadequate antibiotic therapy in the dissemination and persistence of these agents

Keywords:Anti-Bacterial Agents; beta-Lactamases; beta-Lactam Resistance; Cross Infection; Drug Resistance, Multiple, Bacterial; Gram-Negative Bacteria.

 


 

Introdução

A resistência aos antimicrobianos é um problema tão atual quanto preocupante. O uso indevido dos antimicrobianos tem sido apontado como o maior responsável pela disseminação de bactérias multirresistentes na Europa e no mundo, sendo já considerado um problema de saúde pública emergente.1 As infeções causadas por estes microrganismos são responsáveis por maior morbimortalidade e mais custos em saúde,2 e atualmente representam cerca de 18% das infeções nos hospitais americanos.3

Como classe de antibióticos mais utilizada, os betalactâmicos são alvo frequente de mecanismos de resistência aos microrganismos. O principal mecanismo de resistência consiste na produção de betalactamases de espectro alargado (ESBL, do Inglês extended-spectrum beta-lactamases) e foi identificado pela primeira vez em 1983, na Alemanha, numa bactéria da espécie Escherichia coli, tendo-se estendido facilmente a outras enterobacteriáceas. Através da hidrolisação dos betalactâmicos, as bactérias produtoras de EBSL são responsáveis pela ausência de efeito das cefalosporinas de terceira e quarta geração e co-resistência ao cotrimoxazol, aminoglicosídeos e fluoroquinolonas.4,5

No tratamento destas infeções, os carbapenemos são uma opção efectiva em doentes com bacteriemia documentada, devendo a sua utilização ser substituída por outros antibióticos não carbapenemos aos quais o agente é sensível nas infeções não invasivas/disseminadas. De facto, a utilização aquela classe de antibióticos tem proposto dilemas terapêuticos marcantes, incluindo a emergência de bactérias produtoras de carbapenamases e a ausência de alternativas para tratamento adequado.2,5

Apesar de a maioria dos casos de bactérias produtoras ESBL ter ponto de partida em contexto hospitalar, a aquisição na comunidade é já uma realidade, contribuindo para isso, por exemplo, a utilização de antibióticos em doses subterapêuticas no tratamento de doenças em animais na indústria alimentar6 e, mais ainda, a prescrição crescente e inadequada de antibióticos, como as cefalosporinas de terceira geração e as quinolonas, na comunidade (como, em lares e nas unidades de cuidados continuados).

O consumo hospitalar de antimicrobianos tem vindo a diminuir em Portugal, mas tem-se assistido à emergência crescente de bactérias produtoras de ESBL com percentagens superiores à média da União Europeia.7 Dada a necessidade de reflexão sobre alternativas e para aumentar a sensibilidade da comunidade nacional para a temática, este trabalho surge com o objetivo de conhecer alguns aspetos dos doentes infetados e colonizados por bactérias produtoras de ESBL num hospital central português.

Material e Métodos

Foi realizado um estudo retrospetivo de 1 de janeiro a 30 de junho de 2014 que incluiu todos os casos de isolamento de ESBL ocorridos em todos os serviços do Centro Hospitalar Universitário do Porto. Foram excluídos casos em doentes com idade inferior a 18 anos e aqueles identificados em regime de ambulatório (consulta externa), independentemente da decisão de internamento para tratamento (Fig 1).

 

 

Foram incluídos todos os doentes com isolamento de bactéria produtora de ESBL num dado produto biológico durante o período de tempo analisado. Para a seleção foi utilizada a base de dados de registo de casos construída pelo laboratório de Microbiologia do Centro Hospitalar Universitário do Porto. A identificação microbiana e o teste de sensibilidade de antibióticos das amostras foram realizados através do sistema teste VITEK®2. Após este teste de rastreio, os casos identificados foram submetidos a um teste confirmatório de sinergismo por difusão em ágar, de acordo com a EUCAST guidelines.

Após a seleção dos casos conforme os critérios supradescritos, foi realizada a colheita de vários dados através da consulta do registo clínico eletrónico, utilizando a aplicação SClínico. Foram incluídas como variáveis a idade, o género e as doenças crónicas (cardiovascular, renal, respiratória, hepática, diabetes mellitus, neoplasia ativa e o uso crónico de imunossupressores). Foi avaliada a frequência de algumas condutas ao longo do internamento que facilitam o aparecimento de bactérias multirresistentes (como a utilização de dispositivos invasivos e a exposição a antibioterapia prévia). Foram distinguidos os casos infetantes dos colonizantes de acordo com a decisão clínica definida nos registos clínicos (considerando como critério para caso colonizante, a ausência de antibiótico instituído e a ausência de parâmetros inflamatórios elevados). Foram analisadas as características dos doentes que faleceram diretamente por infeção secundária a bactérias produtoras de ESBL, tendo sido excluídos os casos atribuídos a outras causas de mortalidade não infeciosa. Durante o período analisado não se verificaram critérios de surto. A análise estatística foi realizada com recurso ao software IBM® SPSS® versão 21, utilizando o teste t-student para amostras independentes e o teste qui-quadrado para avaliar o significado estatístico das diferenças encontradas entre os doentes colonizados e infetados por bactérias produtoras EBSL para as variáveis estudadas. Foi assumido um nível de significância para p < 0,05.

Resultados

CARACTERIZAÇÃO GLOBAL DEMOGRÁFICA E CLÍNICA DA AMOSTRA

Durante os seis meses em análise, foram identificados 132 casos de isolamento de bactérias produtoras de ESBL, dos quais 53,0% (n = 70) ocorreram em mulheres, apresentando uma média de idade de 69 anos. Os serviços com maior taxa de isolamento de bactérias produtoras de ESBL foram o de Medicina Interna (16,7%, n = 22), Urologia (16,7%, n = 22) e Cirurgia Geral (13,6%, n = 18). Em média, esta amostra apresentava duas grandes comorbilidades associadas, sendo a doença cardiovascular (65,9%, n = 87) e a doença neurológica (37,1%, n = 49) as mais frequentes. O tempo médio de internamento foi de 40 ± 40,6 dias. Cerca de 37,9%, (n = 50) dos doentes apresentavam história de internamento hospitalar nos últimos 3 meses. (Tabela 1)

 

 

UTILIZAÇÃO DE DISPOSITIVOS INVASIVOS

A presença de um dispositivo médico invasivo ocorreu em 58,3% (n = 77) dos casos, sendo que 58,4% (n = 45) apresentavam cateter venoso central e/ou sonda vesical. A sonda vesical estava presente em 26,5% (n = 35) dos casos.

PERFIL MICROBIOLÓGICO

O isolamento das bactérias produtoras ESBL ocorreu, em média, ao 21º dia de internamento. Mais de metade (62,1%, n = 82) dos isolamentos microbiológicos ocorreu em urocultura e 13,6% (n = 18) em hemocultura. A Klebsiella pneumoniae foi isolada em 71,2% (n = 94) dos casos, a E.coli em 28,0% (n = 37) e o Proteus mirabilis em um caso único. (Tabela 2) A grande maioria (58,3%, n = 77) dos doentes com isolamento de ESBL já apresentava histórico de outro isolamento microbiológico durante o internamento em análise e 19,7% (n = 26) história pregressa de isolamentos de bactérias (não necessariamente da mesma espécie) produtoras de ESBL.

CASOS INFETANTES E CASOS COLONIZANTES

De acordo com o registo clínico, foi assumida infeção em 75,0% (n = 99) dos casos e nos restantes colonização. Os casos colonizados apresentaram demoras de internamento mais curtas (26 dias versus 45 dias, respetivamente), com diferença estatisticamente significativa (t=3,2 [IC95% 6,9-30,4]; p = 0,002). Foi encontrada uma associação marginalmente significativa (X2 = 3,6; p = 0,058) entre a história de antibioterapia prévia nesse internamento e o estado colonizante/infetante, sendo que os doentes colonizados apresentaram menos casos relativos de história de antibioterapia prévia que os infetantes (51,5%, n = 17 vs 69,7%, n = 69, respetivamente). Não se encontrou associação com significado estatístico entre o estado colonizante/infetante e a idade (correlação de Pearson = 0,061; p = 0,488), o género (X2 = 0,3; p = 0,546), o número de comorbilidades (correlação de Pearson = 0,073; p = 0,404), a história de isolamento prévio de bactérias produtoras de ESBL (X2 = 0,575; p = 0,448), a história de hospitalização prévia nos últimos 3 meses (X2 = 0,386; p = 0,534) ou a presença de sonda de vesical (X2 = 0,013; p = 0,909). A maioria dos doentes colonizados adquiriu as bactérias produtoras de ESBL em contexto hospitalar (75,8%, n = 25).

UTILIZAÇÃO DE ANTIBIOTERAPIA

A maioria dos doentes (65,2%, n = 86) já tinha sido submetido ou estava sob antibioterapia no internamento em análise. Analisando os casos de infeção, 54,5% (n = 54) motivaram alteração de antibiótico, após conhecimento do isolamento de bactéria produtora de ESBL. Doze por cento (n = 12) foram assumidas como infeções adquiridas na comunidade. Os antibióticos mais utilizados no tratamento das infeções foram os carbapenemos (Fig 2 e a duração média de tratamento foi de 10 dias. Foi encontrada uma associação significativa (X2= 12,0; p = 0,001) entre o antibiótico utilizado e o outcome observado, sendo que os sobreviventes foram tratados, na sua maior parte, com antibióticos do grupo dos carbapenemos.

 

 

CARACTERIZAÇÃO DOS ÓBITOS ATRIBUÍDOS DIRETAMENTE A SÉPSIS POR BACTÉRIA PRODUTORA DE ESBL

A taxa de mortalidade foi de 6,8% (n = 9). Os casos fatais aconteceram mais frequentemente em homens (66,7%, n = 6), com uma idade média de 75 anos, apresentando o doente mais velho 92 anos. Cinquenta e seis por cento (n = 5) eram portadores de algum dispositivo médico invasivo e 44,4% (n = 4) já apresentavam isolamento de agentes microbiológicos no mesmo internamento, embora nenhum tivesse história pregressa de infeção por bactéricas produtoras de ESBL. O agente microbiológico mais isolado neste grupo de doentes foi a Klebsiella pneumoniae (66,7%, n = 6). As infeções mais frequentes foram as urinárias (33,3%, n = 3), as bacteriemias (22,2%, n = 2) e as infeções respiratórias (22,2%, n = 2), sendo que 66,7% (n = 6) foram assumidas como associadas aos cuidados de saúde. Por outro lado, 88,9% (n = 8) tinham feito algum esquema de antibioterapia prévia à infeção por bactéria produtora de ESBL e 33,3% (n = 3) tinha história de internamento hospitalar nos três meses anteriores. O falecimento destes doentes aconteceu, em média, ao sétimo dia de tratamento com antibiótico dirigido. Em média, estes doentes estavam internados há 62 dias e o isolamento da bactéria produtora de ESBL aconteceu ao 40º dia de internamento. Os antibióticos utilizados no tratamento das infeções foram o imipenem (44,4%, n = 4), a piperaciclina/tazobactam (33,3%, n = 3) e a ciprofloxacina (11,1%, n = 1). Um caso considerado infetante não foi tratado por se ter assumido fim de vida em contexto de doença crónica terminal. (Tabela 3).

Discussão

A resistência aos antimicrobianos constitui um problema de qualidade e segurança a nível hospitalar e comunitário. No meio hospitalar, as bactérias produtoras de ESBL estão associadas a outcomes adversos, a excesso de mortalidade global, a elevada morbimortalidade relacionada e a custos elevados.7 Tal como na maioria dos estudos,8-11 o fenótipo produtor de EBSL foi mais frequentemente encontrado nesta amostra, independentemente do produto biológico, na espécie Klebsiella pneumoniae. A maior predisposição desta espécie bacteriana para o desenvolvimento deste mecanismo de resistência é desconhecida, mas possivelmente haverá razões moleculares.8

Há vários fatores de risco reconhecidos para as infeções por bactérias produtoras de ESBL: idade igual ou superior a 60 anos, o género masculino, a diabetes mellitus, a história de infeções prévias por Klebsiella pneumoniae, a história de hospitalização prévia nos três meses anteriores, a história de antibioterapia prévia nos três meses anteriores (particularmente, cefalosporinas e quinolonas), a demora média do internamento, a gravidade das comorbilidades, a demora média em unidade de cuidados intensivos, a ventilação mecânica, a utilização de sonda vesical e a institucionalização em unidades de cuidados continuados e lares.12-16 Na nossa amostra, observou-se uma associação marginalmente significativa entre os doentes infetados por bactérias produtoras de ESBL e história de antibioterapia prévia, reforçando novamente a importância da prescrição racional de antibióticos. É interessante sublinhar que, enquanto a história prévia de antibioterapia é o fator preditor mais importante para as infeções por ESBL,5,11 a demora média de internamento parece ser o principal fator de risco para a colonização por estes agentes.17

A taxa de mortalidade obtida nesta amostra foi inferior à observada noutros estudos, admitindo que na literatura a taxa de mortalidade relacionada por ESBL pode variar entre 15%-46%.16 Provavelmente, a baixa taxa de mortalidade encontrada reflete a elevada percentagem de isolamentos urinários. De facto, é relativamente consensual que o tratamento de infeções urinárias atribuídas a bactérias produtoras de ESBL apresentam maior taxa de sucesso do que aquelas com bacteriemia ou envolvimento do sistema respiratório.16 Por outro lado, embora o número de óbitos diretamente atribuído à sépsis por bactérias produtoras de ESBL seja muito pequeno na nossa amostra, observou-se uma tendência, com significado estatístico, entre os doentes infetados tratados com carbapenemos em detrimento dos que não foram tratados com este grupo de antibióticos. Este achado assume contornos ainda mais relevantes quando se sabe que o preditor mais significativo de mortalidade atribuída a infeções por bactérias produtoras de ESBL é o tratamento inadequado inicial,4 podendo levar ao triplicar da taxa de mortalidade quando comparado com o tratamento adequado18 e ao aumento do risco de recorrências a longo prazo.19 De facto, os carbapenemos são os fármacos de eleição baseado em achados in vitro e na experiência acumulada.5,11

Contudo, Watkins et al preconizam poupar o uso de carbepenemos contra as bactérias ESBL para atrasar a disseminação e o aparecimento de estirpes produtoras de carbapenamases. A fonte primária da bacteriemia parece ter impacte na mortalidade, uma vez que numa Infeção do trato urinário, a utilização da associação betalactâmico de largo espectro/inibidor de betalactamases (eg piperaciclina/tazobactam) atinge concentrações de antibiótico aparentemente adequadas, ao passo que na pneumonia há maior dificuldade em atingir o inóculo.3 Se existem vários estudos que encontram utilidade de antibióticos não carbapenemos para o tratamento destas infeções,19 existe igualmente a noção de que a associação betalactâmico de largo espectro/inibidor de betalactamases poderá ser inferior aos carbapenemos no tratamento de infeções por Klebsiella pneumoniae, agente produtor de EBSL ao qual foram associadas maiores taxas de mortalidade do que à E.coli.3 É importante também relembrar que se as bactérias Gram negativo produtoras de ESBL motivam a utilização de carbapenemos, levando ao consequente desenvolvimento de resistência a esta classe de antibióticos, o problema base é antecessor com a prescrição inadequada de cefalosporinas de terceira geração e quinolonas. Em todo o caso, é sempre boa prática a utilização racional dos antibióticos, designadamente a decisão de não tratar colonizações, de que as bacteriúrias assintomáticas são o exemplo paradigmático. A decisão do clínico fica, deste modo, ponderada entre oferecer o melhor para o seu doente de hoje, sem hipotecar o futuro do tratamento do seu doente de amanhã.

Este estudo apresenta algumas limitações. Embora o objetivo primário do estudo fosse conhecer as características clínicas deste grupo de doentes, a ausência de um desenho prévio caso-controlo limitou a inferência de determinadas conclusões. O tamanho da amostra precisava de ser maior para dar força estatística às associações encontradas. A presença de uma amostra heterogénea, com dados de vários serviços hospitalares, cirúrgicos e médicos, limitou o estudo dos diagnósticos principais de admissão hospitalar e dos antibióticos implicados previamente ao isolamento de bactérias produtoras de ESBL, sendo ideal para esse fim a realização de um estudo prospetivo. Embora este estudo incida sobretudo no contexto hospitalar, ter-lhe-ia acrescentado valor se tivesse sido estudada a proveniência dos doentes admitidos, discriminando os que provieram do domicílio, lar ou unidade de cuidados continuados aquando da admissão hospitalar. Seria igualmente interessante analisar vários anos após instituição de medidas de educação médica para o problema e estudar a conduta e especificidades nos vários serviços que compõe habitualmente um hospital.

Conclusão:

O estudo representa a realidade atual das bactérias produtoras de ESBL num hospital central nacional, concordante com a literatura internacional. O uso prévio de antibióticos e o internamento hospitalar prolongado parecem ser fatores de risco determinantes para o isolamento destas bactérias em doentes hospitalizados. Hoje, mais do que alguma vez na história da era dos antibióticos, é essencial educar para a mentalidade da prevenção (prescrição racional de antibióticos), pois nunca estivemos tão perto de não possuirmos armas terapêuticas para tratar infeções bacterianas por agentes multirresistentes.

 

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Correspondência: Manuela V. Bertão manuelavidigalbertao@gmail.com
Serviço de Medicina Interna, Centro Hospitalar do Porto
Largo Prof. Abel Salazar 4099-001 PORTO

 

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship.

Direito à Privacidade e Consentimento Informado: Os autores declaram que nenhum dado que permita a identificação do doente aparece neste artigo.

Confidentiality of data: The authors declare that they have followed the protocols of their work center on the publication of data from patients.

Proteção de Seres Humanos e Animais: Os autores declaram que não foram realizadas experiências em seres humanos ou animais.

Protection of human and animal subjects: The authors declare that the procedures followed were in accordance with the regulations of the relevant clinical research ethics committee and with those of the Code of Ethics of the World Medical Association (Declaration of Helsinki).

 

Recebido: 03/11/2017

Aceite: 30/01/2018

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