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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.25 no.1 Lisboa mar. 2018

https://doi.org/10.24950/rspmi/Op/1/2018 

ARTIGO DE OPINIÃO / OPINION ARTICLE

Hospitalização Domiciliária mais um Desafio para a Medicina Interna

Home Hospitalization another Challenge for Internal Medicine

Francisca Delerue1, João Correia2

1Diretora do Serviço Medicina, Diretora da Unidade de Hospitalização Domiciliária, Coordenadora da EGA, Coordenadora do Gabinete de Codificação, Hospital Garcia de Orta, Almada, Portugal

2Assistente Hospitalar do Serviço Medicina do HGO, Coordenador da Unidade de Hospitalização Domiciliária, Hospital Garcia de Orta, Almada, Portugal

Correspondência

 

Palavras-chave: Hospitalização; Medicina Interna; Serviços de Assistência Domiciliar; Serviços Hospitalares.

 


 

Keywords: Home Care Services; Hospital Departments; Hospitalization; Internal Medicine.

 


 

A Hospitalização Domiciliária teve início em 1945 com a experiência Americana (Home Care) pelo Dr. Bluestone no Hospital Montefiore em Nova Iorque após a Segunda Guerra Mundial, para descongestionar o hospital, criar um ambiente psicológico mais favorável para o doente.

A primeira unidade na Europa, surge em França em 1957 no Assistance Publique - Hôpitaux de Paris (AP-HP), com o reconhecimento legal a verificar-se em Dezembro de 1970; durante a década de 60, juntaram-se a Suíça, a Alemanha, o Reino Unido e o Canada.

Em Espanha, a primeira experiência surge no Hospital Universitário Gregório Marañón em 1981. Em 1996, O Comité Regional da Europa da Organização Mundial da Saúde (OMS), coordena e promove o desenvolvimento de “Hospital para Cuidados de Saúde” também conhecido como “hospital em casa”, seguindo o modelo americano conhecido como “home care”.1

Actualmente as Unidades de Hospitalização Domiciliária (UHD) modernas configuram-se como unidades de cuidados de saúde, de ensino e investigação clínica. Em Espanha nomeadamente, segundo a Sociedade Espanhola de Hospitalização Domiciliaria (SEHAD) encontram-se registadas cerca 101 unidades. Em França, a Federação Nacional de Estabelecimentos de Hospitalização Domiciliaria (FNEHAD) tem 300 unidades registadas e realizou em 2010 cerca de 100 000 internamentos.

O hospital de agudos representa o paradigma actual e o gold standard dos cuidados de saúde para os doentes agudos ou gravemente doentes.

Devido às melhorias das condições higiene e sanitárias, e dos cuidados de saúde prestados no último século, assiste-se a um aumento da esperança média de vida. Consequentemente assiste-se igualmente ao envelhecimento da população, que se associa também a um acréscimo da prevalência das doenças crónicas, o que representa neste momento um problema transversal aos sistemas de saúde do mundo ocidental, conduzindo a uma sobrelotação dos serviços de urgência e a solicitação crescente do número de camas hospitalares.

Como resposta têm-se desenvolvido diversas alternativas ao internamento convencional. O Serviço de Medicina Interna do Hospital Garcia de Orta (HGO) propõe a Hospitalização Domiciliária como uma opção de qualidade, segura, eficaz e custo-efectivo.2,3

O HGO criou em 1998 a Unidade Funcional de Cuidados Continuados (UFCC), que tem prestado um elevado número de cuidados especiais de enfermagem com impacto significativo na qualidade de vida e saúde dos doentes. Com efeito, tem sido possível dar alta precocemente a alguns doentes, para o domicílio com segurança e mantendo a excelência de cuidados. De salientar o acompanhamento de pessoas com necessidade de tratamentos mais do que uma vez por dia, com hipertensão arterial pulmonar, ventilação invasiva/não invasiva, administração de medicamentos de uso exclusivamente hospitalar, alimentação parentérica entre outros.

Assim, o S. Medicina do HGO propôs associar à UFCC a Unidade de Hospitalização Domiciliária (UHD), numa perspectiva de Medicina Hospitalar de Ambulatório centrada nas necessidades reais do doente, mais humanizada e sem as complicações inerentes à hospitalização convencional. Mantendo como missão, contribuir para o melhor nível possível de saúde e bem-estar dos indivíduos que necessitem de cuidados hospitalares no domicílio, oferecendo-lhes um serviço de qualidade sempre que a permanência no hospital seja prescindível.2-6

Existem dois modelos possíveis que podem ser adoptados em separados. Um, que substitui completamente a admissão de doentes, referenciando os doentes directamente do serviço de urgência e/ou comunidade e outro, que facilita a redução da estadia hospitalar e recruta os doentes nas enfermarias após um período de estabilização clinica inicial.2,3,5

No entanto é frequente a adopção de um modelo misto, isto é, uma combinação em grau variado dos dois modelos referidos, dependente das necessidades do hospital. O modelo que o HGO adoptou foi misto, assente em programas de transferência das enfermarias médicas, cirúrgicas e admissão directamente do SU, consultas externas (CE), hospital de dia ou da comunidade através da Cuidados de Saúde Primários.

O Serviço de Medicina Interna do Hospital Garcia de Orta, implementou a primeira UHD de doentes agudos em Portugal. A hospitalização domiciliária é um conceito que poderá trazer respostas alternativas às necessidades dos doentes e do próprio sistema nacional de saúde.

Centrada no doente e nas famílias/cuidadores, trata-se de um modelo de assistência hospitalar que se caracteriza pela prestação de cuidados no domicílio a doentes agudos, cujas condições bio-psico-sociais o permitam. Assenta em 5 princípios fundamentais: voluntariedade na aceitação do modelo, igualdade de direitos e deveres do doente, equivalência de qualidade na prestação dos cuidados, rigor na admissão de doentes e no seu seguimento clínico, humanização de serviços e valorização do papel da família.2,3

A UHD tem por missão contribuir para o melhor nível possível de saúde e bem-estar dos indivíduos da área de abrangência do HGO, que necessitem transitoriamente (i. é, durante fase aguda ou agudizada da doença) de cuidados de nível hospitalar, oferecendo-lhes um serviço de qualidade com o rigor clinico e a visão holística e humanizada da Medicina Interna, sempre que a permanência no hospital seja prescindível. Sendo a população alvo maioritariamente idosa, com elevada prevalência de doenças crónicas e com diversas patologias, tendo em conta o custo efectividade, o médico deverá ter uma formação generalista e uma visão holística do doente, pelo que os Especialistas de Medicina Interna se afiguram com o perfil recomendado.

No geral, os procedimentos de enfermagem a realizar na UHD ajustam-se às necessidades e intensidade clinica.

Encontram-se bem estabelecidos na literatura, o tratamento agudo de um conjunto variado de doenças (DPOC, insuficiência cardíaca crónica, celulites/erisipela, infecções adquiridas na comunidade ou hospitalar, infecções por microrganismos MR), de modo seguro e custo efectivo.2,7

O fluxograma de referenciação exige um diagnóstico claro, a estabilidade clinica e a possibilidade de controlar as co-morbilidades no domicílio. Após referenciação, o doente é submetido a uma avaliação em três eixos: médico, enfermeiro e assistente social, numa multidisciplinariedade complementar.

Com início de actividade em meados de Novembro de 2015, a UHD conta já cerca de 650 doentes admitidos. A duração da estadia média na UHD é de 8,6 dias de internamento, equivalendo a cerca de 5542 dias de internamento adicionais no HGO.

Os diagnósticos principais não diferem daqueles que encontramos nas enfermarias de Medicina Interna (pneumonia, insuficiência cardíaca, DPOC agudizada, pielonefrite aguda, erisipela) contudo, assiste-se já a uma reduzida taxa de complicações relacionadas com a nosocomialidade, nomeadamente infecções.

A satisfação dos doentes e famílias é elevada. Na avaliação subsequente realizada em consulta externa, a grande maioria apresenta-se estável sem necessidade de reinternamento hospitalar.

A UHD privilegia uma estreita colaboração com os cuidados de saúde primários (CSP), na busca da melhor solução para o bem-estar e saúde do doente. Sempre que a intensidade e os procedimentos clínicos/terapêuticos e de cuidados se atenuem, e se percepciona poderem ser realizados pelos CSP, a UHD abreviará o tempo de internamento e discutirá a passagem da responsabilidade para a esfera dos CPS. De igual modo, em caso de necessidade de internamento com nível de cuidados hospitalar, os doentes com domicílios pelo CSP, podem ser admitidos, sem necessidade de sair da sua casa para o internamento convencional, desde que cumpram os critérios de admissão na UHD.

Esta unidade vai desenvolver e fortalecer a relação com os cuidados de saúde primários.

A UHD pretende desenvolver um trabalho interdisciplinar em equipa e em coordenação com os demais recursos sócio sanitários do SNS, nomeadamente, os cuidados primários e terciários, pelo que, contará com equipas integradas por outros profissionais, nomeadamente dietistas, fisioterapeutas, assistentes sociais e pessoal administrativo. Pode também contribuir para a pesquisa científica, o ensino e transmissão de conhecimentos, sendo já uma realidade a formação de alunos do 6º Ano da Faculdade de Medicina de Lisboa, internos de formação específica de Medicina Geral e Familiar, de Medicina Interna e alunos da Escola de Enfermagem.

Assim, procuramos contribuir para um hospital sem muros, garantir mais e melhores acessos aos cuidados de saúde, reduzir as complicações inerentes ao internamento convencional (como as quedas, as infecções nosocomiais e os quadros confusionais agudos), criar um entorno psicológico mais favorável ao doente durante o período de tratamento, e valorizar o papel da família / cuidador, prevenindo a rejeição, o abandono e a institucionalização.2,3,6,8

Referências

1. Cotta R, Suárez-Varela M,González A., Cotta J, Real E, Ricós J.La hospitalización domiciliaria:antecedentes, situación actual y perspectivas. Rev Panam Salud Publica/Pan Am J Public Health. 2001;10:45-55.         [ Links ]

2. Varney J, Weiland TJ, Jelinek G. Efficacy of hospital in the home services providing care for patients admitted from emergency departments: an integrative review. Int J Evid Based Healthc. 2014; 12:128-41.         [ Links ]

3. Caplan GA, Sulaiman NS, Mangin DA, Aimonino Ricauda N, Wilson AD, et al. A meta-analysis of “hospital in the home”. Med J Aust. 2012; 197: 512-9

4. Leff B, Burton L, Mader S. Hospital at home: feasibility and outcame of program to provide hospital-level care at home for acutely ill older patients. Ann Intern Med. 2005; 143: 798-808.         [ Links ]

5. Salazar A, Estrada C, Porta R, Lolo M, Tomas S, Alvarez M. Home hospitalization unit: an alternative to standard inpatient hospitalization form the emergency department. Eur J Emerg Med. 2009; 16: 121-3.         [ Links ]

6. Leff B, Burton L, Mader S, Naughton B, Burl J, Clark R, et al. Satisfaction with hospital at home. J Am Geriatr Soc. 2006; 54: 1355-63.         [ Links ]

7. Mendoza H, Martín MJ, García A, Arós F, Aizpuru F, Regalado De Los Cobos J, et al. Hospital at home care model as an alternative in management of decompensated chronic heart failure. Eur J Heart Fail. 2009; 11: 1208-13.         [ Links ]

8. Leff B, Burton L, Mader SL, Naughton B, Burl J, Koehn D, et al. Comparison of stress experienced by family members of patients treated in hospital at home with that of those receiving tradicional acute hospital care. J Am Geriatr Soc. 2008; 56: 117-23.         [ Links ]

 

 

Correspondência:Francisca Delerue mdelerue@hgo.min-saude.pt
Serviço de Medicina, Diretora da Unidade de Hospitalização Domiciliária / Coordenadora da EGA / Coordenadora do Gabinete de Codificação, Hospital Garcia de Orta
Av. Torrado da Silva, 2805-267, Almada, Portugal

 

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship.

 

Recebido:13/01/2018

Aceite: 17/01/2018

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