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Medicina Interna

versión impresa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.24 no.4 Lisboa dic. 2017

https://doi.org/10.24950/rspmi/O274/16/2017 

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

Elastografia Hepática Transitória na Deteção de Varizes Esofágicas Clinicamente Significativas

Transient Hepatic Elastography and Detection of Clinically Significant Esophageal Varices

Ana Cristino1, Carmen Pais1, Renata Silva1, Nuno Silva1, Paulo Carrola1, José Presa2

1Serviço de Medicina Interna, Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, Hospital de Vila Real, Portugal
2Unidade de Hepatologia, Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, Hospital de Vila Real, Portugal

Correspondência

 

RESUMO

Introdução:As varizes esofágicas (VE) representam uma complicação da hipertensão portal, e a sua rotura associa-se a mortalidade elevada. A aplicação de métodos não invasivos no seu diagnóstico, incluindo a elastografia hepática, tem sido alvo de investigação.

Objetivo:Avaliar a utilidade da elastografia hepática transitória como método não invasivo de diagnóstico de VE, para evitar em doentes selecionados a realização sistemática de endoscopia digestiva alta.

Material e Métodos: Análise retrospetiva dos doentes da Unidade de Hepatologia com valores de elastância hepática >13 kPa que realizaram endoscopia digestiva alta até 18 meses após medição.

Resultados: Incluímos 259 doentes (80,7% homens), com idade média de 57,9 ± 9,8 anos, dos quais 65,3% tinham VE (52,1% de grau II-III). Construímos curvas ROC correlacionando elastância hepática com presença de VE, obtendo área sob a curva (AUC) de 0,755, ponto de corte (PC) > 26,6 kPa (sensibilidade 81,1%, especificidade 64,4%) para VE de qualquer grau e AUC 0,68, PC > 28,1 kPa (sensibilidade 82,9%, especificidade 49,7%) para VE grau II-III. Na cirrose de etiologia vírica obtivemos AUC de 0,83 para presença de VE, PC > 19,8 kPa (sensibilidade 95,4%, especificidade 62,2%) e AUC de 0,69 para VE grau II-III, PC > 19,8 kPa (sensibilidade 94,7%, especificidade 42,0%). Nos doentes sem esplenomegalia ou trombocitopenia, a AUC foi 0,89, PC > 26,6 kPa (sensibilidade 86,3%, especificidade 81,8%) para presença de VE e 0,75, PC > 26,6 kPa (sensibilidade 90,9%, especificidade 60,6%) para VE grau II-III.

Conclusão: Verificou-se relação entre valores de elastância hepática e presença de VE, mais significativa nos grupos com cirrose de etiologia vírica e sem esplenomegalia ou trombocitopenia. Os PC revelaram elevada sensibilidade, mostrando a potencial utilidade da elastografia hepática na identificação de doentes que poderão dispensar realização de endoscopia digestiva alta.

Palavras-chave: Cirrose Hepática; Hipertensão Portal; Técnicas de Imagem por Elasticidade; Varizes Esofágicas e Gástricas.

 


ABSTRACT

 

Introduction:Esophageal varices (EV) are a complication of portal hypertension, and its rupture is associated with a high mortality rate. The use of non-invasive diagnostic methods, including hepatic elastography, have been under investigation.

Aim: Evaluate the usefulness of transient hepatic elastography as a non-invasive test for the prediction of presence of EV, to avoid systematic screening with esophagogastroduodenoscopy in a selected group of patients.

Material and Methods: Retrospective analysis of the patients of our Hepatology Unit with a hepatic elastography value >13 kPa who underwent esophagogastroduodenoscopy within 18 months of its evaluation.

Results:We included 259 patients (80.7% males), with a medium age of 57.9 ± 9.8 years; 65.3% had EV (52.1% grade II-III). We built ROC curves correlating hepatic elastography value and presence of EV, and obtained an area under the curve (AUC) for presence of EV of 0.755 (cut-off >26.6 kPa, sensitivity 81.1%, specificity 64.4%) and AUC of 0.68 (cut-off > 28,1 kPa, sensitivity 82.9%, specificity 49.7%) for grade II-III EV. For viral cirrhosis we obtained AUC of 0.83 for presence of EV (cut-off > 19.8 kPa, sensitivity 95.4%, specificity 62.2%) and AUC of 0.69 for grade II-III EV (cut-off > 19.8 kPa, sensitivity 94.7%, specificity 42.0%). In patients without splenomegaly or thrombocytopenia, AUC was 0.89 (cut-off > 26.6 kPa, sensitivity 86.3%, specificity 81.8%) for presence of EV and 0.75 (cut-off > 26. 6kPa, sensitivity 90.9%, specificity 60.6%) for grade IIIII EV. Conclusion: Hepatic elastography values and presence of EV were related, with a higher significance in the groups of viral cirrhosis and those without splenomegaly or thrombocytopenia. Cut-off points had high sensitivity, illustrating the potential utility of transient hepatic elastography in identifying patients who may not need to undergo esophagogastroduodenoscopy.

Keywords: Elasticity Imaging Techniques; Esophageal and Gastric Varices; Hypertension, Portal; Liver Cirrhosis.

 


 

Introdução

O desenvolvimento de hipertensão portal (HTP) e complicações associadas é frequente nos doentes com cirrose hepática, representando a rotura de varizes esofágicas (VE) uma complicação particularmente grave. A HTP considera-se clinicamente significativa quando o gradiente de pressão venosa hepática (GPVH) é = 10 mmHg, estando associada a descompensação clínica e aparecimento de varizes esofágicas.1,2 Um GPVH = 12 mmHg associa-se a aparecimento de ascite e rotura de varizes.3-5

As VE estão presentes em 40% dos doentes com cirrose compensada e até 60% dos doentes com cirrose descompensada.3 A evolução é progressiva, com uma incidência de novas varizes de 7% - 8% /ano, verificando-se uma taxa semelhante de transformação de VE pequenas em VE grandes.3,6,7 O risco de hemorragia é de cerca de 4% ao ano, podendo aumentar até 15% em doentes com varizes grau II-III.3 Os episódios de rotura de VE têm uma mortalidade elevada (10% - 20% às 6 semanas).1

O diagnóstico precoce é importante, pois as estratégias de profilaxia demonstraram redução de hemorragia e mortalidade em até 50%.8,9 Assim, o rastreio e vigilância de VE assumem grande importância, permanecendo como exame de eleição a endoscopia digestiva alta (EDA), que apresenta algumas desvantagens na vigilância a longo prazo (técnica invasiva, desconfortável para o doente e com necessidade de material e pessoal especializado e gastos elevados).7 Além disso, uma percentagem dos doentes não desenvolverá VE durante o seguimento a longo prazo.

Foram realizados vários estudos com o objetivo de encontrar um método não invasivo fiável na previsão da presença de varizes esofágicas, e na seleção dos doentes com benefício na realização de EDA.6,7,10 O mais recente consenso sobre hipertensão portal (Baveno VI) contempla já a integração da elastância hepática nesta avaliação.1

A elastografia hepática é um teste não invasivo de avaliação da fibrose através da medição da rigidez hepática, estando em estudo a sua utilidade na deteção de complicações da cirrose hepática. Estudos recentes demonstraram correlação entre a elastância hepática, o GPVH e predição de HTP clinicamente significativa,11-14 e com a presença e grau de VE e risco hemorrágico,6,7,11-16 existindo já recomendações sobre a possibilidade de evitar EDA em doentes com cirrose compensada, sem trombocitopenia e com elastância hepática < 20 kPa.1

Com este trabalho, pretendemos determinar a correlação entre o valor da elastografia hepática e a presença e grau de VE, e avaliar o seu papel como ferramenta não invasiva na deteção destas.

Métodos

Trata-se de um estudo observacional, retrospetivo, dos doentes seguidos na consulta de Hepatologia. De um universo de 2206 doentes seguidos, foram selecionados aqueles que obtiveram um valor de elastância hepática superior a 13 kPa através da medição com um aparelho Fibroscan® (Echosens, Paris, França), sonda tamanho M, tendo todos obtido medições fidedignas (10 medições válidas, com taxa de sucesso = 60% e IQR < 30%). Destes, foram incluídos os que realizaram EDA até 18 meses após a medição.

Foram avaliados parâmetros demográficos (sexo, idade), etiologia e scores de gravidade da doença hepática (CHILD, MELD-Na), coexistência de trombocitopenia (definida como um valor de plaquetas inferior a 150000/uL e esplenomegalia (definida como um baço com comprimento superior a 14 cm por método de imagem), e presença e grau de VE na EDA.

Os dados foram tratados com o programa Statistical Package for the Social Science® (SPSS), versão 20. Utilizamos o teste de qui-quadrado para a comparação de variáveis categóricas. A normalidade da distribuição das variáveis numéricas foi analisada através do teste de Kolmogrov-Smirnov, tendo-se verificado uma distribuição não-normal dos parâmetros a analisar (elastância e valor de plaquetas). Foram aplicados testes não paramétricos de diferenças entre médias na avaliação destas variáveis nos vários grupos de doentes (teste U de Mann-Whitney para comparação entre dois grupos e teste de Kruskal Wallis para comparação de 3 ou mais grupos). Construímos curvas ROC relacionando o valor da elastância hepática com a presença e grau de VE para testar a capacidade do valor de elastância hepática na predição da presença destas, sendo posteriormente escolhidos os pontos de corte ótimos para maximizar a sensibilidade e especificidade. Em todos os testes usados, a significância estatística foi estabelecida para um valor de p igual ou inferior a 0,05.

Resultados

Foram incluídos 259 doentes (11,7% dos doentes seguidos na consulta de Hepatologia), dos quais a maioria (209 - 80,7%) era do sexo masculino. As características da população estão descritas na Tabela 1.

A idade média foi de 57,9 ± 9,8 anos e a maioria (n = 164; 63,3%) tinha idade compreendida entre os 51 e os 70 anos. A etiologia principal da cirrose hepática foi a alcoólica (n = 152; 58,7%), seguida pela infeção crónica pelo vírus da hepatite C (VHC) (n = 51; 19,7%). A maioria estava na classe A do score de Child-Pugh (n = 162 62,5%) e o MELD-Na médio foi de 10,9 ± 4,9.

Em 191 casos (73,7%) verificou-se trombocitopenia, sendo o valor médio de plaquetas de 120467 ± 69427/uL. Em 145 casos (56,0%) foi documentada esplenomegalia.

A maioria dos doentes (169 - 65,3%) apresentava VE na EDA, de grau I em 81 casos (47,9%) e de grau II ou III em 88 casos (52,1%), correspondentes a 34,0% da amostra total analisada. Trinta e sete doentes (21,9%) tinham história de um ou mais episódios de hemorragia digestiva por rotura de VE.

A presença de VE diferiu entre grupos etiológicos e classificação Child-Pugh (Tabela 2). No grupo de etiologia alcoólica, a maioria dos doentes apresentava VE (74,3%), contra 20,0% no grupo de infeção por vírus da hepatite B (VHB). Os doentes com Child-Pugh A apresentaram a menor proporção de VE (57,4%), seguidos pelos doentes classe B (76,7%) e C (83,3%). Quando ajustado para a gravidade (Tabela 3), verificamos que o grupo de etiologia alcoólica apresentava maior proporção de varizes esofágicas que o de etiologia vírica em todas as classes de Child-Pugh, com diferença estatisticamente significativa apenas nos doentes Child-Pugh A (67,1 vs 46,3%, p = 0,016, df 1).

Os doentes com esplenomegalia apresentaram maior proporção de VE que os doentes sem esplenomegalia (76,6% contra 51,4%).

O valor médio de elastância hepática foi de 41,1 ± 21,4 kPa, e diferiu igualmente de forma significativa entre grupos etiológicos, como podemos observar na Tabela 4; o grupo com infeção crónica por vírus da hepatite B (VHB) apresentava os menores valores (19,1 ± 4,9 kPa), enquanto o grupo da cirrose de etiologia alcoólica apresentava os valores mais elevados (46,5 ± 21,4 kPa). Esta diferença manteve-se quando comparamos a elastância hepática entre a cirrose de etiologia alcoólica e vírica nas várias classes de Child-Pugh (Tabela 3), com valores superiores no grupo da cirrose alcoólica (Child-Pug A 39,8 ± 20,5 kPa contra 28,9 ± 16,3 kPa (p = 0,002, df 1); Child-Pugh B 53,6 ± 19,8 kPa contra 27,26 ± 17,6 kPa (p = 0,009, df 1); Child-Pugh C, 56,1 ± 20,7 kPa contra 19,6 ± 7,8 kPa (p = 0,021, df 1) 0,05).

Os doentes com VE apresentaram valores de elastância mais elevados comparativamente com o grupo sem VE (47,2 ± 20,5 kPa contra 29,6 ± 18,1 kPa, p = 0,00, df 1), sendo estes valores ainda mais elevados no grupo de doentes com VE grau II-III em comparação com doentes sem VE clinicamente significativas (49,5 ± 19,8 kPa contra 36,7 ± 20,9 kPa, p = 0,00, df 1). Os doentes com história de hemorragia digestiva alta não apresentaram diferença estatisticamente significativa no valor de elastância hepática (p = 0,156, df 1).

O valor médio de plaquetas foi inferior no grupo com VE comparado com os doentes sem VE (109650 ± 63888 x109/uL contra 140777 ± 75026 x109/uL, p = 0,00, df 1).

Dentro do grupo de doentes com Child-Pugh A, plaquetas > 150000x109/uL e elastância hepática < 20 kPa (n = 11), que, de acordo com o novo consenso de Baveno, poderiam evitar o rastreio com EDA, apenas um apresentava VE, neste caso de grau I.

A Tabela 5 mostra os diferentes pontos de cortes e respetiva sensibilidade, especificidade, likelihood ratio (LR) e valor preditivo positivo (VPP) e negativo (VPN) obtidos através das curvas ROC (Fig. 1).

A curva ROC relacionando a elastância com a presença de VE de qualquer grau revelou uma área sob a curva (AUC) de 0,75, e para um ponto de corte de 26,6 kPa apresentava uma sensibilidade de 81,1% e uma especificidade de 64,4% para o diagnóstico de VE. A curva para a presença de varizes de grau II-III apresentou uma AUC mais baixa (0,68), com uma sensibilidade de 83,0% e uma especificidade de 49,7% para o ponto de corte de 28,1 kPa, e um VPN de 84,8%.

Os melhores valores obtiveram-se no grupo de doentes com cirrose de etiologia vírica, com uma AUC da curva ROC relacionando a elastância com a presença de VE de 0,83, apresentando para o ponto de corte de 19,8 kPa uma sensibilidade de 95,4% e uma especificidade de 62,2%, e um VPN de 93,3% para a presença de VE. No diagnóstico da presença de varizes de grau II-III, a curva ROC revelou uma AUC baixa (0,69), e para o mesmo ponto de corte de 19,8 kPa o valor de sensibilidade foi de 94,7% e de especificidade de 42,0%, com um VPN de 96,7%.

No grupo dos doentes com cirrose de etiologia alcoólica os valores de AUC foram mais baixos, e os pontos de corte ótimos de elastância para a deteção de VE foram mais elevados, como se pode observar na Tabela 5.

Considerando apenas os doentes que não apresentavam trombocitopenia ou esplenomegalia (n = 44), obtivemos uma AUC de 0,89 (contra AUC de 0,72 nos restantes doentes), com uma sensibilidade de 86,3% e uma especificidade de 81,8% para um ponto de corte de 26,6 kPa, com VPP 82,6% e VPN 85,7% para a presença de varizes de qualquer grau, e uma AUC de 0,75, com uma sensibilidade de 90,9% e uma especificidade de 60,6% para o mesmo ponto de corte, com um VPP 43,5% e VPN de 95,2% para a presença de varizes grau II-III. Os pontos de corte de > 17,3 kPa (VE qualquer grau) e > 18,8 kPa (VE grau II-III) apresentaram sensibilidade de 100% neste grupo de doentes, valor de elastância muito próximo do considerado nas últimas recomendações de Baveno VI.

Discussão

A aplicação da medição de elastância hepática na avaliação da fibrose hepática foi já amplamente estudada, estando a realizar-se cada vez mais trabalhos na sua relação com complicações da cirrose (nomeadamente presença de VE e sua rotura, hepatocarcinoma e descompensação clínica).6,7,11-18

Os trabalhos que relacionam a elastância hepática com a deteção de varizes mostram uma boa capacidade de predição. Embora não tenha sido demonstrada possibilidade de substituir totalmente a EDA pelo valor da elastância hepática na deteção de varizes, têm ocorrido avanços, estando já contemplada no consenso de Baveno VI a possibilidade de evitar EDA em doentes com cirrose compensada, sem trombocitopenia e com elastância hepática < 20 kPa (considerados um grupo com baixo risco de VE clinicamente significativas).1 No nosso trabalho, nenhum doente do grupo com estas características apresentava varizes grau II-III.

A técnica apresenta algumas limitações, tais como a dificuldade ou impossibilidade de realização em doentes obesos ou com ascite3 e a interferência da inflamação hepática ou estados congestivos (como a insuficiência cardíaca), uma vez que aumentam o valor de elastância obtido e podem diminuir a sua acuidade em até 50%.16 Verifica-se heterogeneidade de resultados entre os vários estudos publicados,16,18 com uma meta-análise recente18 a revelar variabilidade: AUC entre 0,6 e 0,9 e pontos de corte ótimos entre 14,5 e 48 kPa na deteção de VE grandes. Esta variabilidade foi dependente da etiologia (com melhor correlação nos grupos de etiologia vírica) e da origem geográfica da população estudada. Os valores de ponto de corte são geralmente mais elevados no grupo de cirrose de etiologia alcoólica,14,16 com menor correlação elastância /presença de VE, o que pode ser parcialmente explicado pela influência da inflamação no valor da elastância em doentes com consumo etílico ativo.16 As VE representam apenas um componente da circulação colateral, e as diferenças encontradas na sua correlação com a elastância hepática podem depender das dinâmicas circulatórias das diferentes populações.19

Os nossos resultados estão de acordo com a literatura atual. A elastância hepática teve valores mais elevados nos grupos de cirrose hepática alcoólica, e também foi mais elevada nos doentes com VE, com diferença estatisticamente significativa. O valor de elastância mostrou uma boa capacidade de diagnóstico de VE de qualquer grau (AUC de 0,76), com os melhores resultados na população com cirrose de etiologia vírica (AUC de 0,83) e doentes sem esplenomegalia e trombocitopenia (AUC de 0,89). Os PC ótimos situaram-se entre os 23,4 e os 26,6 kPa.

A capacidade de predição de varizes grau II-III foi inferior, com AUC < 0,7 em todos os grupos exceto nos doentes sem esplenomegalia ou trombocitopenia (AUC 0,75). A relação entre elastância e rotura de VE verificou-se apenas no grupo de cirrose de etiologia vírica (AUC de 0,70, ponto de corte de 45,7 kPa). Isolando o grupo de doentes com cirrose hepática de etiologia alcoólica, as curvas apresentaram uma correlação inferior, com AUC < 0,70, provavelmente pela interferência causada pelo consumo ativo de álcool e o valor de elastografia.

Os melhores resultados na população sem esplenomegalia e trombocitopenia podem relacionar-se com o facto de, embora inicialmente a fibrose hepática seja a causa do aumento da resistência ao fluxo portal e HTP, nos estados mais avançados existe uma interação de vários fatores extra-hepáticos (vasodilatação esplâncnica, circulação hiperdinâmica, circulação colateral) que contribuem independentemente para o aumento da pressão portal.17,19,21-22 A rigidez hepática parece relacionar-se apenas com o componente estático da HTP, e não representar de forma suficiente as alterações dinâmicas subsequentes,21 não sendo o determinante principal da HTP após o desenvolvimento de circulação colateral.3,21-22 Trabalhos recentes apontam que a otimização da avaliação não-invasiva da HTP e suas complicações passa pela conjugação de vários métodos,21 nomeadamente a elastografia esplénica e a elastografia esplénica modificada (com medições de elastância até 150 kPa).14,19,21-22

Os pontos de corte ótimos apresentam sensibilidade e VPN elevados, com especificidade mais baixa. Dado que a aplicação da elastografia hepática se destina a selecionar um grupo de doentes com risco baixo de existência de VE, que poderiam evitar a realização de EDA de rastreio, a alta sensibilidade é, na nossa opinião, uma característica desejável, poupando a realização de exames invasivos e com pouca incidência de falsos negativos. Como podemos observar na Tabela 4, pontos de corte mais baixos apresentam sensibilidades mais elevadas, sendo que no grupo dos doentes sem esplenomegalia ou trombocitopenia, os pontos de corte de > 17,3 kPa e > 18,8 kPa identificaram todos os doentes com VE e VE grau II-III, respetivamente. A principal utilidade potencial seria a seleção de um grupo de doentes que poderiam evitar a EDA de forma segura, ou seja, doentes com baixa probabilidade de presença de VE clinicamente significativas (grau II-III), embora seja difícil com estes dados definir um valor preciso para utilizar na prática clínica.

Conclusão

Com este trabalho, concluímos que, de acordo com a literatura, a medição da elastância hepática se correlaciona com a presença e grau de VE, podendo fornecer informações úteis sobre a probabilidade pré-teste. Os nossos pontos de corte ótimos para a presença de VE de qualquer grau foram de > 26,6 kPa para a amostra geral, > 23,4 kPa para o grupo com cirrose de etiologia vírica e > 26,6 kPa nos doentes sem esplenomegalia ou trombocitopenia. A relação foi maior nos doentes com cirrose de etiologia vírica e nos doentes sem outros sinais de HTP (trombocitopenia e esplenomegalia), tornando este exame particularmente útil nestes grupos. Os valores de corte com maior sensibilidade apresentam especificidade baixa. Provavelmente a adição de outros parâmetros não invasivos pode melhorar a capacidade de predição da existência de VE clinicamente significativas.

 

Referencias

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Correspondência: Ana Cristino acristino@chtmad.min-saude.pt
Serviço de Medicina Interna, Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, Hospital de Vila Real
Av. Noruega – Lordelo, 5000-508 Vila Real

 

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo

Direito à Privacidade e Consentimento Informado: Os autores declaram que nenhum dado que permita a identificação do doente aparece neste artigo.

Proteção de Seres Humanos e Animais: Os autores declaram que não foram realizadas experiências em seres humanos ou animais.

 

Recebido: 11/01/2017

Aceite: 07/09/2017

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