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Medicina Interna

versión impresa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.24 no.4 Lisboa dic. 2017

https://doi.org/10.24950/rspmi/Editorial/2017 

EDITORIAL / EDITORIAL

A Medicina Interna no Ensino pré-graduado

Internal Medicine in Pre-Graduate Education

Lèlita Santos

Editor associado

Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal Faculdade de Medicina da Coimbra, Coimbra, Portugal
CIMAGO – Centro de Investigação em Meio-Ambiente, Genética e Oncobiologia, Coimbra, Portugal

 

A Medicina Interna é a especialidade, como muitos gostam de definir, holística, defendendo uma visão integral e integrada do doente e um entendimento geral dos fenómenos fisiopatológicos presentes. Com o aumento da longevidade existem cada vez mais pessoas atingidas por doenças crónicas que se sobrepõem, polimedicadas sujeitas a interações medicamentosas ou com sintomas gerais e obscuros difíceis de contextualizar.

É o Internista que, em meio hospitalar, observa o doente em todos os seus aspetos físico, cognitivo, social e até emocional. A Medicina Interna pode considerar-se a base de sustentação de todas as especialidades hospitalares e aquela que faz a gestão dos problemas integrados do doente. Em 2015 (estatísticas da Ordem dos Médicos) existiam 6000 internos de especialidade em Portugal, dos quais 1000 estavam em Medicina Interna e 2000 em Medicina Geral e Familiar. Em 2015 o número de especialistas de medicina interna registados na Ordem dos Médicos era de 2464 para um total de 19 050 médicos. Os internistas têm várias áreas de competência que vão desde os Cuidados Intensivos, Intermédios e Emergência, passando pela Diabetes, o VIH, as doenças autoimunes, as doenças hepáticas, o risco vascular, os cuidados Paliativos e a Geriatria, entre outras.

Já em 2012 a Sociedade Espanhola de Medicina Interna,1 defendia que todos os Internistas deveriam possuir, como competências fulcrais: atendimento personalizado ao doente, conhecimentos clínicos, competências técnicas, competências de comunicação, profissionalismo, noção dos custos nos cuidados médicos e competências académicas. Para este último requisito era considerado, como vários autores o fazem, que o ensino e a investigação clínica são responsabilidades importantes dos Internistas, independentemente do local onde exercem a sua atividade. É neste contexto que podemos enquadrar alguma reflexão sobre o ensino médico.

O documento fulcral no ensino médico em Portugal é “O Licenciado Médico em Portugal”,2 que foi elaborado em 2005, na sequência do projeto das Competências Nucleares do Licenciado em Medicina, que se seguiu à publicação da Resolução do Conselho de Ministros nº 140/98, de 19 de Novembro, relativa à Reforma do ensino nas áreas da saúde.

Nesse documento é preconizado que os jovens médicos devem ser capazes de gerir, sob supervisão, as situações clínicas mais comuns, para além de estarem ao corrente de outras, relativamente raras, mas potencialmente graves. Esta orientação deve ter reflexo nos contextos educacionais, de forma a ultrapassar qualquer dificuldade determinada pela especialização excessiva. Igualmente é afirmado que ao licenciado devem ser facultados os níveis de conhecimentos e competências, apropriados a cada situação ou aptidão médica, de modo a produzir o médico pluripotencial que se espera que as faculdades forneçam no final da formação pré-graduada.

Assim, seria de todo razoável que no ensino médico existisse uma preponderância importante da Medicina Interna e, por inerência, de docentes Internistas, de forma a ultrapassar qualquer dificuldade determinada pela especialização excessiva, como recomendado em “O licenciado médico em Portugal”. O objetivo é formar um médico capaz de “gerir as situações clínicas mais comuns” e “produzir o médico pluripotencial”, a tal forma holística da Medicina Interna.

Desde sempre o ensino médico tem sofrido modificações, mantendo-se no entanto as Escolas Médicas muitas vezes enclausuradas dentro das suas paredes, sem abertura a outras instituições e à comunidade, tornando o ensino muito teórico, demasiado livresco, sem ligação à prática clínica e/ou à investigação. No entanto, já na década de 70, o relatório conjunto da Network of Community-Oriented Educational Institutions for Health Sciences defendia novas estratégias, como o ensino baseado em problemas e a fusão das Ciências Básicas com as Clínicas, isto é, o ensino prático. Este conceito foi posteriormente reafirmado pela Associação Americana das Universidades Médicas3 e a tendência nas últimas décadas tem sido a de tornar o ensino médico mais prático, com as disciplinas clínicas introduzidas cada vez mais precocemente no curso.

Nas recomendações da Declaração de Edimburgo,4 o desafio considerado mais importante foi “formar médicos que promovam a saúde de todos”, sendo de esperar que o médico seja formado como “um ouvinte atento, um observador cuidadoso, um comunicador sensível e um clínico eficiente”, reconhece-se aqui o currículo escondido em que a Medicina Interna é uma especialidade particularmente rica. O Internista tem ainda uma missão acrescida, demonstrar ao estudante a interdisciplinaridade de ser médico e o trabalho e gestão de equipas, com o objetivo de tornar a educação médica em mais do que uma soma das suas partes.5

Se os Internistas são importantes para a educação médica e se a estrutura hospitalar deve ter como seu pilar base, a Medicina Interna, então porque é que o mesmo não está refletido nas universidades portuguesas? Qual é a razão para que, na Academia, os Internistas em Coordenações de Unidades Curriculares (UCs) e de programas de ensino, ou nos órgãos de governo das instituições estejam pouco representados? Mas igualmente importante, porque é que nos últimos anos os doutoramentos em Medicina Interna têm sido tão poucos, ao contrário de outras especialidades nomeadamente nas áreas das aptidões não clínicas? Ou ainda mais, porque é que existem docentes, pessoas altamente competentes na sua área mas que não são clínicos e lecionam UCs com componente curricular eminentemente clínico?

O certo é que todos os afazeres a que os Internistas acorrem na sua vida clínica diária nos hospitais, que vão desde o serviço de urgência à enfermaria, a consulta externa, o hospital de dia, a residência interna, o apoio aos diversos serviços do hospital, entre outros, são demasiado absorventes mas é isto que é “rentável” para os serviços e para as administrações hospitalares. Não é compreendido que deva ser contemplado um horário específico para dedicar ao ensino pré-graduado e à investigação e os docentes clínicos começam a ter cada vez mais dificuldade em encontrar tempo para o estudo e a investigação, assim como para o ensino. Os clínicos acabam por se sentir pouco atraídos para a vida académica, nomeadamente os Internistas. Em 2015 foi publicada em Diário da República uma Resolução do Conselho de Ministros (nº 18/2015) que preconizava a preparação de uma nova geração de médicos investigadores com capacidade para desenvolver a investigação clínica nacional.6 Apesar disso, não se notou por parte da gestão hospitalar uma mudança de atitude, a tendência é considerar o ensino como uma tarefa que não cabe na missão da instituição, acrescida de custos. As instituições onde existe ensino clínico são dependentes apenas do Ministério da Saúde, o que pode ser um entrave para a educação e a investigação. Assim, a qualidade do ensino pode ir-se degradando.

A educação médica deveria ser um objetivo central nas políticas de Saúde, enquadrando a formação dos médicos com as necessidades da sociedade, contribuindo para o desenvolvimento do sistema de saúde e simultaneamente recuperando o homo academicus.

No geral, mas em particular para os Internistas, é fundamental que as unidades de saúde compreendam que a formação pré-graduada e a investigação clínica melhoram a atividade assistencial, estimulam-na e não lhe são prejudicais, podendo mesmo tornar-se uma fonte de receitas e de inovação e desenvolvimento.

Talvez seja possível que, idealmente, um dia sejam incluídos como importantes para as unidades de saúde indicadores dedicados à avaliação da investigação e da formação, bem como da qualidade de ambas. Isso poderá estimular os gestores e os profissionais, em especial os Internistas, para a atividade docente.

 

Referências

1. Porcel JM, Casademont J, Conthe P, Pinilla B, Pujol R, Garcia-Alegria J. Core competencies in Internal Medicine. Eur J Intern Med. 2012;23:338– 41.         [ Links ]

2. Vitorino R, Jollie C, McKimm J, coordenadores. O Licenciado Médico em Portugal. Core Graduates Learning Outcomes Project. Lisboa: Faculdade de Medicina de Lisboa; 2015.         [ Links ]

3. Physicians for the twenty-first century. Report of the Project Panel on the General Professional Education of the Physician and College Preparation for Medicine. J Med Educ. 1984; 59:1-208.         [ Links ]

4. The Edimburgh Declaration. Med Educ. 1988; 22:481-2.         [ Links ]

5. Armstrong K, Keating N, Landry M, Crotty B, Philips R, Selker P. Academic general internal medicine: a mission for the future. J Gen Intern Med. 2013;28:845-51.         [ Links ]

6. Resolução n.º 18/2015 de 19 de Março de 2015 do Conselho de Ministros. Diário da República: I série, No 67. [Consultado 2017 set 30]. Disponível em: https://dre.pt/application/file/66934077        [ Links ]

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