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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.24 no.2 Lisboa jun. 2017

 

ARTIGO DE OPINIÃO / OPINION ARTICLE

Faça as Coisas Direito e Faça as Coisas Certas

Do the Things Right and Do the Right Things

António Oliveira e Silva

Serviço de Medicina Interna, Hospital São João, Porto, Portugal

Correspondência

 

Palavras-chave:Desempenho e Análise de Tarefas; Tomada de Decisões.

 


Keywords: Decision Making; Task Performance and Analysis.

 


 

Quando se fala em liderança clínica referimo-nos ao papel dos médicos nos processos de aperfeiçoamento e de segurança dos cuidados assistenciais, quer ao nível da sua prática individual, quer num âmbito mais organizacional. É um conceito que tem como premissa que se são os médicos os responsáveis pela prestação de cuidados, então serão os que estarão em melhor posição para avaliar da sua qualidade e para poder identificar e conduzir os processos de melhoria. A liderança clínica é fundamental na avaliação crítica dos resultados e do desempenho assistenciais. Em todo o mundo o aumento exponencial dos custos em saúde está em todas as agendas. Face a esta realidade e à consequente necessidade de determinar opções e escolhas, é grande a tentação de regulação da atividade e de restrição da autonomia dos profissionais que, no exercício das suas competências, determinam uma grande parte dos custos – os médicos. Esta é a visão mais imediatista e, até, mais primária, sobre o problema. É valorizar o sintoma em vez da doença. O aumento dos custos em saúde está, em primeira análise, diretamente relacionado com o progresso: novos medicamentos, novas tecnologias, novos dispositivos médicos, novas intervenções. Evidentemente que este progresso é bem-vindo mas, paralelamente, todos estes avanços dão entrada num sistema e instituições muito fragmentados, com formas de organização e de liderança arcaicas, organizadas em torno dos seus profissionais e não em razão dos problemas e das necessidades do doente. Os hospitais à semelhança, por exemplo, das universidades, não são simples estruturas hierárquicas mas caem antes numa categoria de “burocracia profissional”, tal como definida por Mintzberg. Neste tipo de organização, a atividade está sob controlo de uma estrutura de organização profissional muito hierarquizada e verticalizada que se autorregula – médicos, enfermeiros, técnicos –,um pouco à semelhança da organização corporativa medieval dos artesãos: desde o aprendiz (o interno) ao mestre (o assistente graduado sénior). Por outro lado, as estruturas horizontais de prestação assistencial (serviços, departamentos) estão largamente baseadas nas especialidades médicas e não nos problemas do doente, o que normalmente conduz a descontinuidades no processo assistencial, a multiplicação de recursos, a dificuldades na comunicação e, por norma, a cuidados pouco eficientes. O caos organizativo torna muito difícil a avaliação de resultados e dificulta a intervenção em tempo oportuno. Este mis-match entre a inovação científica e técnica e a organização e tipo de liderança dos sistemas e organizações de saúde, dificulta a avaliação de resultados, não promove a avaliação do valor das intervenções e, claramente, contribui de forma significativa para o aumento dos custos em saúde.

Nos hospitais e nas instituições de saúde em geral, torna-se urgente adequar a estrutura, atualizar os processos e fomentar novos tipos de organização hierárquica e de gestão. É sempre difícil delegar autoridade e poder, partilhar responsabilidades orçamentais e confiar processos de decisão às unidades mais diretamente envolvidas no processo assistencial, mantendo as responsabilidades plenas na gestão da instituição. Nos hospitais, todos os dias centenas de pessoas tomam milhares de decisões com influência direta na vida dos doentes, na qualidade dos cuidados e no equilíbrio orçamental das instituições. Uma liderança com metodologia tipo command-and-control é absolutamente inviável e certamente fracassará em todos os seus resultados: é impossível determinar a partir do topo e de um modo tempestivo a decisão certa em todas situações que acontecem no quotidiano dos hospitais. Os modelos de gestão que implicam uma maior delegação de liderança, aproveitam e capacitam as pessoas para uma maior autonomia - alinhadas pelos valores e objetivos major da instituição -, evitando a necessidade de uma burocracia excessiva e de decisões a partir do topo. Em suma, as organizações de saúde com maior sucesso tratam todos os seus profissionais como líderes potenciais nas respetivas esferas de atuação.

Podem os médicos alhear-se destas questões que respeitam à reforma das estruturas e dos modelos de gestão hospitalares? Na minha opinião, não podem, nem devem. A alternativa à assunção de responsabilidades executivas é a abdicação da liderança nos processos de inovação estrutural, é a perda de protagonismo nas políticas de saúde, é, no fundo, fugir à responsabilidade que temos enquanto médicos, ou seja, a de usar todas as nossas competências de modo a protegermos o cidadão, particularmente, o cidadão doente. A maximização no aproveitamento e na priorização de recursos são absolutamente fundamentais para a manutenção da liberdade e da autonomia clínicas. A prodigalidade de gastos num determinado doente, ou num determinado serviço, conduz, necessariamente, à negação do tratamento adequado a alguém que dele necessita. Gerir implica tomar decisões; não apenas aquelas que dizem respeito ao dia a dia dos serviços clínicos, mas também decisões de longo prazo relacionadas com a planificação estratégica das instituições, com a definição das necessidades e com a priorização dos investimentos, tudo isto suportado por orçamentos economicamente viáveis. Os médicos devem ter um papel ativo nos órgãos executivos das instituições de saúde, não por modismo passageiro ou porque chegou a vez de “mostrar o que valem” mas porque, em benefício dos cidadãos, é necessário que recursos finitos sejam gastos com base em decisões informadas. Sem este comprometimento e envolvimento qualquer planeamento em saúde estará comprometido.

 


Correspondência: António Oliveira e Silva aosilva60@gmail.com
Serviço de Medicina Interna, Hospital São João, Porto, Portugal
Alameda Prof. Hernâni Monteiro, 4200–319 Porto

 

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

 

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