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Sociologia

versão impressa ISSN 0872-3419

Sociologia vol.36  Porto dez. 2018

https://doi.org/10.21747/08723419/soc36a7 

ARTIGOS

Alianças e conflitos nos segmentos artísticos relativamente especializados: o caso do rock independente de Teresina no início do século XXI1

Alliances and conflicts in the relatively specialized artistic segments: the case of the independent rock of Teresina at the beginning of the 21st century

Alliances et conflits dans les segments artistiques relativement spécialisés: le cas du rock indépendant de Teresina au début du 21ème siècle

Alianzas y conflictos en los segmentos artísticos relativamente especializados: el caso del rock independiente de Teresina a principios del siglo XXI

Thiago Meneses Alves

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Endereço de correspondência

 


RESUMO

O artigo objetiva analisar as dinâmicas de interação entre os agentes e instâncias que compõem os segmentos artísticos especializados a partir de dois polos: as alianças e os conflitos. Tomou-se como realidade empírica um segmento de rock autoral da cidade brasileira de Teresina. A recolha de dados foi feita a partir da aplicação de 32 entrevistas semiestruturadas a um conjunto de agentes que ali atuam ou atuaram no decorrer do período temporal delimitado para a análise. Este microcosmo social configura um arranjo de caráter ambivalente, onde a coesão relativa, alicerçada num conjunto de ações de caráter associativo, existe simultaneamente a uma série de disputas que desvelam as buscas por hegemonia.

Palavras-chave : campos artísticos; mundos da arte; rock independente; Teresina.

 


ABSTRACT

The article aims to analyze the dynamics of interaction between the agents and instances that compose the specialized artistic segments from two poles: the alliances and the conflicts. It took as an empirical reality a segment of authorial rock of the Brazilian city of Teresina. The data collection was done through the application of 32 semi-structured interviews to a set of agents who act or acted in the artistic-musical segment during the time period delimited for the analysis. This social microcosm constitutes an ambivalent arrangement, where relative cohesion, based on a set of associative actions, exists simultaneously to a series of disputes that reveal the search for hegemony.

Keywords : artistic fields; art worlds; independent rock; Teresina.

 


RÉSUMÉ

Cette article vise à analyser la dynamique de l’interaction entre les agents et les instances qui composent les segments artistiques spécialisés à partir de deux pôles : les alliances assumées et les conflits. Ca a pris comme une réalité empirique un segment de rock lié à la ville brésilienne de Teresina. La collecte des données a été réalisée à travers l’application de 32 entretiens semi-structurés à un ensemble varié d’agents qui agissent ou ont agi dans le secteur artistique et musical pendant la période de temps délimitée pour l’analyse. Ce microcosme social constitue un arrangement de caractère ambivalent, où une cohésion relative, fondée sur un ensemble d’actions associatives, existe simultanément à une série de conflits qui révèlent la recherche de l’hégémonie.

Mots-clés: champs artistiques; mondes de l’art; rock indépendant; Teresina.

 


RESUMEN

El artículo tiene como objetivo analizar las dinámicas de interacción entre los agentes e instancias que componen los segmentos artísticos especializados a partir de dos polos: las alianzas y los conflictos. Se tomó como realidad empírica un segmento de rock autoral de la ciudad brasileña de Teresina. A recogida de datos se hizo a partir de la aplicación de 32 entrevistas semiestructuradas a un conjunto variado de agentes que actúan o actuaron en el segmento artístico-musical en el transcurso del período temporal delimitado para el análisis. Este microcosmos social configura un arreglo de carácter ambivalente, donde la cohesión relativa, basada en un conjunto de acciones de carácter asociativo, existe simultáneamente a una serie de disputas que desvelan las búsquedas por hegemonía.

Palabras claves : campos artísticos; mundos del arte; rock independiente; Teresina

 


1. Introdução

Quais as principais estratégias de alianças que permitem a permanência continuada de segmentos artísticos-musicais relativamente especializados, estruturados fora dos tentáculos das grandes indústrias culturais e distantes dos grandes centros econômicos, políticos e mediáticos brasileiros neste início de século XXI? Como se dão, por outro lado, os principais conflitos e tensionamentos que acabam por exprimir a busca por hegemonia nestes contextos bastante instáveis e competitivos?

A partir destes questionamentos, o presente artigo tem por objetivo geral analisar as dinâmicas de interação de um conjunto multifacetado de agentes e instâncias que conformam um segmento de rock autoral, de feições alternativas à música popular massiva2 atualmente veiculada no Brasil, que se estrutura na cidade de Teresina, capital do estado do Piauí. No primeiro tópico é feita uma discussão relacional e não-exaustiva dos conceitos norteadores desta análise – campo artístico e mundos da arte. No segundo tópico, uma apresentação geral da realidade empírica analisada. Por último, é apresentada a análise propriamente dita das alianças e dos conflitos verificados no rock independente de Teresina a partir da interlocução, realizada no âmbito de uma pesquisa de doutoramento, com 32 agentes (músicos, cineastas, fãs, produtores culturais, representantes de instâncias mediadoras, jornalistas e acadêmicos) que mantêm ou mantiveram atividades no segmento analisado neste início de século XXI.

2. Um olhar sociológico multivariado sobre a arte: intersecções e distanciamentos entre os conceitos de campos artísticos e mundos da arte

2.1. Os campos artísticos

Uma das principais inovações conceituais contidas na obra do renomado sociólogo Pierre Bourdieu, o conceito de campo diz respeito essencialmente aos universos sociais particulares, com regras e códigos específicos de funcionamento que, não obstante à relação mantida com o espaço social mais amplo, possuem elevado grau de especificidade. Nas palavras do autor, apresentam-se como “espaços estruturados de posições (ou de postos) cujas propriedades dependem das suas posições nesses espaços e que podem ser analisadas independentemente das características dos seus ocupantes (em parte determinadas por elas)” (Bourdieu, 2003: 119).

Hierarquias, calcadas sobretudo na disposição desigual de recursos – os capitais3 (Bourdieu, 2003: 120) –, são uma das características marcantes destes microcosmos. O imperativo da ação, por parte dos agentes, à luz da metáfora do campo magnético, onde todas as partículas devem se mover para que o sistema venha a funcionar, é outra característica central (Cerulo, 2010: 20-21).

Alguns atributos essenciais dos campos ilustram sobretudo a especificidade destes grupos sociais. Neste sentido, é importante ressaltar o fato de que existem sempre certas “paradas em jogo”, para utilizar um termo do léxico bourdieusiano, que dizem respeito basicamente ao que está em disputa dentro destes agrupamentos e que requerem estratégias específicas de atuação dos agentes. Desta condição estruturante é que decorre a necessidade de cada membro disposto a participar destes “jogos” sociais dispor do habitus4 de campo, o que significa basicamente o (re)conhecimento das regras que regem o jogo. Obviamente, e assim ensina o estruturalismo genético sobre o qual Bourdieu desenvolve a sua obra, estas regras sobre as quais se erigem as dinâmicas de funcionamento dos campos não são estáticas, podendo vir a ser mudadas no decorrer do tempo (Bourdieu, 2003: 121-123).

Ainda que haja uma gama variada de características, ligadas às diversas dimensões da sociedade – política, filosofia, religião, arte, etc. –, existem leis gerais que caracterizam os campos. Assim, em todo e qualquer campo haverá um conflito essencial, via de regra, entre o recém-chegado que busca espaço e visibilidade em território desconhecido contra o estabelecido que, por sua vez, tenta a todo custo manter o seu status-quo. Por outro lado, apesar dos tensionamentos, há sempre convergências relativas calcadas nos interesses comuns dos agentes na perpetuação do seu microcosmo social, preservando os pressupostos basilares que permitem a existência do campo enquanto tal (Bourdieu, 2003: 120-121).

As principais análises a respeito do campo artístico estão compiladas no clássico “As Regras da Arte” (Bourdieu, 1996). Neste livro, são investigadas as condições sociais que permitiram o surgimento de um campo literário relativamente autônomo na França. O que interessa no âmbito restrito deste artigo é sublinhar os atributos básicos que permitem verificar a existência de um campo da arte: (1) a emergência de um conjunto substancial de obras geradas no âmbito do campo artístico em questão; (2) o surgimento de espaços de fruição e exposição das obras; (3) a criação de instâncias de reprodução dos modos de fazer artístico (as escolas de belas artes, por exemplo); (4) o aparecimento de críticos e conservadores especializados (4) (Bourdieu, 1996: 326).

Foram três os grandes tipos de arte verificadas na análise do campo literário francês: (1) arte burguesa; (2) arte social; (3) arte pela arte. O primeiro tipo estaria subordinado estruturalmente à imprensa, por sua vez, dependente dos recursos da política e da economia. Não constituiria o cerne de um campo artístico autônomo. O segundo consistiria essencialmente na arte como elemento de engajamento social e político. O último tipo estaria amparado na ideia de uma autonomia estética do segmento artístico, sobretudo a partir do culto da forma. Este último tipo de arte formularia os pressupostos que permitiriam a autonomização relativa do campo literário francês. Neste sentido, o artista moderno consistiria num “profissional em tempo integral (…), indiferente às exigências da política e às injunções da moral e não reconhecendo nenhuma outra jurisdição que não a norma específica de sua arte” (Bourdieu, 1996: 95).

A predominância dos pressupostos da “arte pela arte” na autonomização do campo artístico acabaria por contribuir para a ideia de uma estética pura, baseada sobretudo na ideia de um gênio criador solitário que, em última análise, acabaria por esvaziar a dimensão histórica das análises artísticas. No entanto, é precisamente essa ideia de estética pura e autônoma da influência de fatores sociais que Bourdieu desconstrói no seu trabalho. Assim, mais do que a análise da obra em si, amparada apenas por critérios estéticos, seria necessário o escrutínio das condições sociais nas quais foram constituídas tais obras, bem como a produção dos próprios pressupostos estéticos que norteiam os critérios de avaliação (Bourdieu, 1996: 320).

2.2. Os mundos da arte

Um dos mais renomados sociólogos estadunidenses do século XX, Howard S. Becker possui contribuições em diversas áreas das ciências sociais. No escopo da problematização das práticas artísticas, o seu célebre conceito de mundos da arte possui lugar de destaque na literatura sobre o tema, verificado na sua aplicabilidade em contextos vários e sua renovação contínua (Guerra e Costa, 2016). Em linhas gerais, a ideia de “mundo”, na perspectiva do autor, diz respeito ao conjunto de pessoas, mas também de instituições, cujas práticas produzem os eventos e produtos que são característicos de um determinado segmento social especializado. Assim, um mundo artístico “será constituído do conjunto de pessoas e organizações que produzem os acontecimentos e objetos definidos por esse mesmo mundo como arte” (Becker, 1977b: 9).

Desde esta definição geral, Becker depreende algumas formulações mais específicas a respeito dos mundos da arte. Assim, as obras de arte consistiriam no produto de ações coordenadas de um conjunto variado de pessoas e instituições a partir de formas específicas de cooperação, as convenções. Os critérios de apreciação destas obras seriam oriundos das dinâmicas internas do próprio mundo artístico em questão. No fim, a coexistência, simbiótica ou conflitual, entre vários mundos da arte, configuraria também um atributo chave destes microcosmos sociais (Becker, 1977b:10-11).

Seriam quatro tipos principais de artistas atuantes nos mundos da arte: (1) profissionais integrados, bem inseridos nas convenções do mundo da arte no qual atuam, com obras de mais fácil assimilação e que gozam mais efetivamente dos bônus desta acessibilidade; (2) mavericks ou inconformistas, não-afinados com as convenções do mundo da arte, com obras de mais difícil assimilação e, por conta disso, com mais desafios para a visibilidade; (3) artistas ingênuos, que possuem pouquíssimas relações com outros membros, instituições e pouco ou nenhum conhecimento das convenções do mundo da arte no qual está inserido; (4) aqueles membros ligados à arte popular, na qual o trabalho realizado, mais do que uma função estética, possui uma função prática (as cerâmicas populares, por exemplo) (Becker, 1977b: 12-26) da arte.

2.3. Algumas intersecções e diferenças entre os campos artísticos e mundos

Após essa breve explanação das duas perspetivas, é possível argumentar em torno de uma convergência fundamental: assim como verificado na problematização de Bourdieu, também Becker desconstrói a ideia de que uma obra de arte é produto apenas dos pressupostos do artista que a concebe, argumentando, pelo contrário, sobre a necessidade da ação coletiva de uma rede multivariada de pessoas e instituições para que um determinado produto artístico chegue a ser o que é. Portanto, para além dos horizontes especificamente ligados a uma visão estética, inserindo o contexto social como elemento definitivo nas análises. Ainda que haja essa convergência fundamental, alguns distanciamentos marcam as duas perspectivas.

O próprio Bourdieu (1996: 321-322) elenca algumas diferenças fundamentais entre a problematização contida no “campo” e da presente no conceito de “mundo”. Para o autor francês, esta perspectiva careceria sobretudo de uma ênfase mais detalhada, do ponto de vista histórico e sociológico, das origens e da forma como estão dispostos os mecanismos de reconhecimento das obras (em suma, uma análise da morfologia e das ideologias presentes no campo artístico).

Para Waqcuant (2005: 119), um dos principais divulgadores da obra de Bourdieu, a diferença fundamental entre as duas perspectivas consistiria no fato de que o “mundo” se concentra nas interações entre os participantes do segmento artístico analisado, enquanto o “campo” se concentra na estrutura de posições ocupadas pelos diversos agentes e instâncias e nas relações de poder, que configurariam o motor de funcionamento por excelência deste tipo de microcosmo social. Assim, enquanto a premissa básica de análise de Bourdieu estaria voltada para a dimensão agonística, de luta, que marcaria o mundo social, Becker estaria interessado sobretudo nas ações coletivas.

Quando Becker (2006) disserta comparativamente a respeito dos conceitos de “campo” e de “mundo”, também ressalta estas diferenças. Assim, para o autor estadunidense, a perspectiva bourdieusiana descreve o ambiente social nas quais as obras de arte são geradas sobretudo a partir da já citada metáfora do campo magnético, onde o foco está nos jogos de poder. Mais do que pessoas de carne e osso, os principais elementos que compõem as análises são as forças, espaços, relações e atores (enquanto entes que possuem poderes relativos).

Já a ideia de “mundo” teria como foco principalmente as pessoas que interagem a partir de ações mais ou menos coordenadas. Estas, parcialmente consensuais a partir de convenções, consistiriam em certos modos de agir mais ou menos padronizados, que surgem no decorrer do tempo, e que se mostram convenientes para o funcionamento do mundo artístico em questão. Numa esquematização geral, enquanto na perspectiva do campo as questões fundamentais de partida seriam “quem dominaria quem”, “usando quais estratégias e recursos”, e “com quais resultados”, a do “mundo” questionaria essencialmente “quem estaria fazendo o quê”, “com quais outras pessoas”, “que afetaria o resultado final da obra de arte” (Becker, 2006).

O que importa sublinhar no âmbito deste trabalho é que ambos os autores reconhecem a dimensão oposta do foco das suas análises. Ou seja: ainda que enxergue a vida social enquanto uma vida de disputas, Bourdieu também argumenta a respeito das coesões relativas que permitem a própria sobrevivência de um determinado campo social. Becker, por sua vez, mesmo focando na ação coletiva, elenca que conflitos também são inerentes aos mundos da arte.

Portanto, na medida em que a proposta deste artigo visa investigar as interações entre um conjunto de agentes e instâncias que atuam no segmento artístico-musical em foco, efetuada a partir do escrutínio analítico das alianças e dos conflitos que atravessam estas dinâmicas, optou-se pela utilização quer da problematização de Bourdieu, quer da de Becker, uma vez que ambas as contribuições, não obstante algumas diferenças fundamentais explicitadas pelos próprios autores, fornecem subsídios de análise sociológica para o objetivo especificamente traçado. Antes da análise propriamente dita, é feita uma breve apresentação do rock independente de Teresina neste início de século XXI.

3. Considerações gerais sobre o rock independente de Teresina no início do século XXI

Teresina é a capital do estado do Piauí, localizado no Nordeste do Brasil. Em 2010 possuía aproximadamente 814 mil habitantes (IBGE, 2010). A distância dos principais centros econômicos, políticos e mediáticos do país é um dos fatores principais que explicam o desconhecimento, em termos nacionais, da produção cultural oriunda daquele território. Junto a isso, a construção interna de uma narrativa que atribui o marasmo como a principal característica da produção musical de Teresina tem sido uma realidade (Medeiros, 2013: 91). Contudo, esta narrativa é contestável quando se escrutina de forma mais cuidadosa o conjunto robusto de obras já geradas naquele ambiente cultural, que, no caso da produção roqueira, viria a atingir uma maturidade e sedimentação expressivas no início do século XXI.

O segmento musical objeto desta análise é problematizado a partir da categoria “independente”. Em linhas gerais, a independência no âmbito musical diz respeito às iniciativas que se estruturam fora do raio de atuação da grande indústria cultural. Historicamente foi utilizada no âmbito da indústria fonográfica para demarcar as diferenças de práticas entre as pequenas editoras e as megacorporações do mundo da música (Shuker, 1998: 144-145), que se refletiam sobretudo na escolha dos casting de artistas e nas estratégias de comercialização e difusão das obras. Aquelas, diga-se de passagem, tiveram um papel importantíssimo na emergência do rock nos Estados Unidos no início dos anos de 1950 (Friedlander, 2002). É importante ressaltar que mais do que uma oposição strictu sensu, o que tem caracterizado historicamente as relações entre underground e mainstream musical é justamente o caráter de complementaridade (Hesmondhalgh, 1999), uma vez que existe uma grande quantidade de trajetórias artísticas que circularam no universo musical underground antes de aportarem na estrutura das grandes indústrias culturais5.

A gênese do rock em Teresina está intimamente ligada ao surgimento do grupo Os Brasinhas, no ano de 1966, na esteira do movimento da Jovem Guarda, variação brasileira do iê-iê-iê (Ferreira, 2006). As primeiras movimentações em torno de uma produção propriamente autoral – os Brasinhas executavam os grandes sucessos de artistas consagrados à época – se daria na primeira metade dos anos de 1970, com o surgimento da Banda da Cidade Verde. Apesar deste avanço, os primeiros registros fonográficos no rock se dão no âmbito do heavy metal e datam apenas da década de 1980 – o álbum homônimo do grupo Vênus (1986) e o split6 Tecnodeath/Stop the Fire (1989), dos grupos Megahertz e Avalon, são dois dos mais importantes registros da altura, ambos os materiais com boa repercussão no underground nacional. Os anos de 1990 são marcados pelo incremento dos grupos atuantes, com subdivisões em vertentes cada vez mais específicas, e com a aparição do primeiro grande cânone do segmento, o grupo Narguilé Hidromecânico. Neste período, a produção roqueira da cidade mostrava uma sincronia com uma tendência em voga na música brasileira marcada pelo diálogo intenso entre tradições locais e transnacionais (Abramo, 1996:1-3; Alexandre, 2013: 31), amparada num forte cosmopolitismo estético (Regev, 2013), e que teve como um dos principais expoentes o grupo Chico Science e Nação Zumbi.

Mesmo com estes avanços substanciais, as limitadas possibilidades de registrar aquela produção, devido o atraso tecnológico verificado em contextos sociais como o de Teresina, apesar da efervescência cultural e criativa, era ainda um dos principais entraves para a sedimentação do rock autoral produzido na cidade. Assim, ainda que já existisse uma extensa produção autoral no âmbito deste gênero de música popular, o registro fonográfico era um acontecimento extraordinário na trajetória de boa parte daqueles artistas. Esta discrepância entre criatividade artística e materialização em obras perduraria até meados do início do século XXI, época em que ocorrem modificações substanciais nos modos de produzir, circular, armazenar e consumir música, possibilitada sobretudo pela emergência do ambiente digital nas sociedades contemporâneas7.

Portanto, na primeira década do século XXI o rock independente de Teresina, na esteira do argumento de Bourdieu (1996; 2003) a respeito dos segmentos artísticos relativamente especializados, atingiria um estágio de relativa especialização e autonomia. Isto seria verificado no surgimento de um corpo substancial de obras, seja numa dimensão fonográfica, seja numa dimensão videográfica; de entidades promotoras daquela produção cultural; de espaços especializados para a fruição; e de um corpo de críticos e curadores dedicados à divulgação e legitimação daquele material artístico.

A reconstituição da morfologia do rock independente de Teresina no início do século XXI que será apresentada de seguida foi fundamentada neste mapeamento e análise preliminares. Ou seja, tendo em vista os pressupostos previstos seja no conceito de campo artístico, seja no de mundo da arte, que concebe a obra de arte como o produto de um conjunto complexo de interações entre agentes e instâncias diversas.

Especificamente, esta reconstituição segue de perto o modelo utilizado por Guerra (2010: 505) na reconstituição diacrônica da gênese e consolidação do rock alternativo português (1980-2010). Assim, foram catalogados 136 projetos musicais com atividades no rock independente de Teresina no decorrer deste início de século XXI; 51 entidades responsáveis pela promoção de eventos, sobretudo concertos (2014-2016); 72 espaços para a fruição do rock autoral (2014-2016); assim como 49 instâncias de divulgação e legitimação, onde atua o corpo de críticos que auxiliam no processo de chancela interna daquela produção musical (2014-2016). Em última análise, esta base fornece a possibilidade para o surgimento, divulgação e legitimação de um corpo substancial de obras, seja numa dimensão fonográfica, seja numa dimensão videográfica8

Feitos estes esclarecimentos iniciais, o próximo tópico trata das interações entre este conjunto de agentes e instâncias a partir de dois pontos inerentes a estes ambientes artístico-musicais: as alianças assumidas e os conflitos travados.

4. Alianças e conflitos no rock independente de Teresina

A análise dos modos de interação entre o conjunto variado de agentes e instâncias que compõe o rock independente de Teresina foi articulado a partir da interlocução com 32 agentes (músicos, cineastas, fãs, produtores, militantes culturais, representantes de instituições mediadoras, jornalistas e acadêmicos)9 que atuam ou atuaram no segmento no decorrer do século XXI a partir da aplicação de entrevistas semiestruturadas, nas modalidades on e off line. Quando presenciais, foi utilizado o registro audiovisual.

O material oriundo destas entrevistas foi tratado a partir da metodologia de análise de conteúdo sugerida por Isabel Guerra (2006: 68-87), que consiste no escrutínio comparativo dos discursos dos agentes para a posterior construção de categorias temáticas. Este procedimento consistiu em cinco fases: (1) transcrição de todas as entrevistas; (2) leitura posterior detalhada para detectar pontos novos e/ou importantes em referência ao guião original; (3) construção de sinopses individuais dos tópicos abordados; (4) análise descritiva com a construção de categorias; (5) análise interpretativa das categorias, verificada no texto final.

No que diz respeito às convergências, foram visualizados os seguintes pontos gerais: (1) a realização de ações coletivas dispersas, sem a presença de instituições mediadoras; (2) a realização de ações coletivas a partir de instâncias mediadoras. No que diz respeito aos conflitos, foram visualizados três grandes pontos gerais: (1) tensionamentos entre os artistas; (2) tensionamentos entre os artistas e o Estado; (3) tensionamentos entre os artistas e os produtores de eventos. Conforme discutido a seguir, cada um destes pontos gerais possui desdobramentos mais específicos.

A heterogeneidade é o termo que melhor descreve o conjunto de agentes e instâncias que formam o rock independente de Teresina neste início de século XXI.

Esta heterogeneidade é de natureza estética (verificada na diversidade de projetos musicais)10, organizacional (verificada na diversidade de entidades promotoras de eventos)11, ideológica (verificada na diversidade de estratégias utilizadas nas ações)12 e sociodemográfica (verificada na forma como esta produção está difusa no território da cidade)13. Não obstante esta natureza heterogênea, as ações convergem num ponto fundamental: o caráter de oposição às práticas predatórias das grandes indústrias culturais, que acaba por influenciar a formatação de obras cujas propostas possuem menos entrada no circuito das grandes audiências, o que obriga os próprios artistas a estruturarem, em muitos os casos, os registros das obras, as estratégias de divulgação, os canais de exposição e a própria formação de público. Conforme argumentado anteriormente, este perfil está bastante afinado com o artista inconformista, segundo a classificação de Becker (1977a; 1977b; 2008). Assim, ainda que os conflitos apareçam de forma marcante nestas interações, norteados, em boa parte dos casos, por estas heterogeneidades, as necessidades comuns em torno dos tópicos supracitados permite a coesão relativa que fornece as condições para que o rock independente de Teresina perdure e se desenvolva no tempo e no espaço.

4.1. Alianças no rock independente de Teresina

As convergências verificadas no âmbito de ações coletivas no rock independente podem ocorrer sem ou com a presença de instituições mediadoras. No primeiro caso as ações costumam ter menor impacto naquele microcosmo social do que no segundo, sobretudo pelo caráter mais pontual das próprias empreitadas, com objetivos, em geral, mais modestos do que aquelas que são viabilizadas a partir de instituições associativas.

Foi verificada a prática de ações coletivas sem a presença de instituições mediadoras por membros inseridos em vários estratos institucionais, o que no caso do rock independente de Teresina corresponde basicamente aos órgãos responsáveis pela aplicação das políticas públicas (poder público), os empreendimentos culturais privados (mercado) assim como as organizações não-lucrativas (terceiro setor). Assim, ainda que atrelados a instâncias mediadoras que exercem importante papel na articulação de ações coletivas no segmento artístico analisado, e que são abordadas mais detalhadamente adiante, muitos destes agentes (também) acabam por viabilizar certas empreitadas a partir de um associativismo não-formalizado. Ou seja: ações coletivas naquele contexto podem ocorrer sem uma instituição que medie tais procedimentos, mesmo quando os seus membros estão associados a algum tipo de instância desta natureza. Além deste tipo de caso, é importante ressaltar também a existência de agentes que, por motivos vários, não se filiam a nenhuma instância mediadora mais específica (a não ser o próprio grupo de músicos no qual atua, no caso do rock independente de Teresina, as bandas), promovendo suas estratégias de atuação de forma mais individualizada.

Para boa parte dos agentes consultados, a pouca presença de instituições de associativismo formalizado no segmento configuraria uma lacuna histórica no rock independente de Teresina:

Eu acho que houve muitas tentativas mas nada vingou. Associações de músicos, conselhos, alguns tentaram fazer algum agrupamento para ser uma espécie de agência, um agenciamento de bandas. Por exemplo, os músicos de bandas associaram àquela agência e toda vez que uma casa quisesse contratar aquela banda, (…) não trataria diretamente com a banda, e sim com a agência, o cachê, tudo isso era visto com a agência, mas nunca vingou (George, músico e proprietário de estúdio de gravação)14.

As dificuldades em criar e promover a longevidade destas instâncias, apesar de diversas tentativas, é um fator constantemente apontado:

Um acontecimento que não foi para frente, mas que é interessante, porque, falando desta questão da profissionalização, teve uma época em que a gente chegou a se reunir, nós, músicos, e a gente ensaiou organizar uma associação. (…) E aí a gente chegou a ir no SEBRAE15, fazer treinamento. [Porque] era uma associação dos músicos. De “vamos nos organizar”. Para fortalecer o mercado e tipo assim: “ah, vamos cobrar um cachê mínimo”. Porque era a reclamação. Tinha banda que estava começando e aí baixava o nível. (…). Enfim. Se organizar para tentar fortalecer a cena. Mas não foi para frente. (Renato, músico e investigador acadêmico).

Contudo, mesmo com esta lacuna no que diz respeito ao número de instâncias dedicadas ao associativismo formalizado, as coisas acabariam por se “organizar”.

Eu acho que se for para sentir falta de algo, eu acho que é o que eu sinto aqui, de organização coletiva mais forte, institucional mesmo (…). É engraçado a gente perceber que mesmo assim, mesmo com esses empecilhos, as coisas se organizam (Tomás, músico e investigador acadêmico).

Obviamente, “as coisas se organizam” não de maneira automatizada, mas, pelo contrário, devido à constatação da necessidade de ações coletivas para atingir determinados fins, ainda que nestes processos não se criem laços tão sólidos entre os agentes que colaboram entre si. Um primeiro grande aspecto que influenciaria este tipo de ação coletiva no contexto analisado seria a precariedade generalizada das condições do fazer artístico, até mesmo no âmbito do poder público, setor que possui as dotações orçamentárias mais relevantes. É neste sentido que em muitas ocasiões empreitadas culturais cuja responsabilidade compete ao Estado acabam por se transformar em mutirões colaborativos informais, onde os artistas depositam força de trabalho e recursos materiais para viabilizar tais eventos:

Algumas coisas são produzidas aqui em Teresina e, às vezes, elas não partem de uma coisa coletiva mas pode ser que acabe se transformando nisso. Por exemplo: O Teresina é Pop, o Teresina é Rock, e até o Salão de Humor [tradicionais programações culturais do calendário da cidade], eles focam basicamente em apresentações de bandas de rock daqui de Teresina. E aí, às vezes, a gente percebe uma estrutura que é tão precária. Por exemplo, a gente tem um amigo que está na Fundação [Municipal de Cultura], que liga pra gente e diz assim: “cara, vocês poderiam tocar no evento tal, infelizmente a prefeitura só pode pagar tanto”. Aí, o cara, às vezes, fica puto com o dinheiro que a Prefeitura pode pagar mas ele quer participar daquilo e ele acaba indo mesmo vendo que aquilo não é justo. Mesmo contrariado, ele acaba apoiando. Então, tem tanta coisa que acontece aqui em Teresina que embora parta de um evento oficial parece que no desenrolar vira uma coisa coletiva (…). Aqui em Teresina a gente vai tendo sempre essa característica de algo precário, de algo que a gente está fazendo com garra, na marra. E a coisa vai acontecendo e tem um lado bom (…). As pessoas vão e gostam. Então, eu acho que neste sentido (…) muitos eventos (…) poderiam ser considerados projetos coletivos (Hermeto, músico e escritor).

Outro exemplo é a realização de empreitadas coletivas pelos próprios artistas. Os festivais de música têm configurado, no decorrer deste início de século XXI, o principal exemplo deste tipo de ação. Motivados sobretudo pela programação cultural insuficiente oriundas do setor público e do setor cultural privado, muitos artistas acabam por organizar os seus próprios eventos, alguns com lugar de destaque no imaginário musical de Teresina.

Eram eventos relativamente grandes que nós montávamos por conta própria. Literalmente a gente pegava o chapéu e saía pedindo a contribuição das bandas, cada integrante da banda dava um pouquinho e aí a gente ia lá, fechava com o som, fechava com o local e fazia os cartazes (Marky, músico e disc jockey).

Apesar deste cenário de dificuldades generalizadas, onde um dos pontos principais é a própria criação e manutenção de instâncias associativas, no decorrer desta investigação foram verificadas também relevantes ações coletivas viabilizadas a partir destas estruturas mediadoras. Por estrutura mediadora entende-se qualquer instância que aglutine pessoas e mesmo outras instituições no intuito de viabilizar certas ações coletivas, geralmente de caráter mais ambicioso e com maiores impactos do que o associativismo que não é formalizado. Estas aparecem sobretudo no âmbito das entidades produtoras de eventos, nomeadamente as produtoras especializadas, associações e os coletivos culturais, estes últimos, detalhados adiante. Ocasionalmente, são verificadas também no âmbito dos espaços de fruição e, mais raramente, no de algumas instâncias de divulgação e legitimação.

Nestes casos, a ideia de parceria, calcada no caráter mais pontual das ações, e de laços menos sólidos entre uma multiplicidade de agentes que se associam (músicos, empreendedores culturais, divulgadores, entusiastas, entre outros), é substituída pela ideia de trabalho coletivo, com laços mais estreitos entre os que colaboram e ações mais ambiciosas, substanciais e duradouras.

Um coletivo, no caso do contexto analisado, consiste basicamente na conexão de indivíduos e/ou instituições que buscam incrementar uma certa linguagem artística a partir da união de esforços. Podem focar também em vários tipos de manifestações culturais simultaneamente (os coletivos multilinguagem). Via de regra, estas instâncias configuram também um importante elemento de conexão da produção cultural local com outros contextos fora de Teresina. No Brasil, o Circuito Fora do Eixo16, principalmente na primeira década do século XXI, configurou uma importante rede de coletivos desta natureza.

Um dos casos mais emblemáticos no rock independente de Teresina é o do coletivo Cumbuca Cultural. Liderado por Ricardo Totte, vocalista do grupo Batuque Elétrico, surgiu na segunda metade dos anos 2000 a partir da união de esforços de membros de destacados grupos de uma vertente que teve bastante visibilidade na primeira década do século XXI, aqui chamada de rock regional17. O coletivo tem produzido, desde então, uma série de eventos de grande destaque no âmbito da música autoral do Piauí. Estas ações tem contribuído de forma relevante para a música local do território analisado, uma vez que trabalha com o tripé divulgação, circulação e preservação dos repertórios. Alguns dos principais eventos produzidos no decorrer da trajetória do coletivo são: Mostra Cumbuca Cultural, Mostra Lança Piau, Conexão Música Piau, Permita-se, Sintonia.

Eu acho que os trabalhos coletivos como o Cumbuca foram essenciais para chegar na visão que hoje nós entendemos como mais coletiva. Se você for pegar essa turma como o Rubens Lima, Geraldo Brito, Edvaldo Nascimento [músicos pioneiros da cidade], eles trabalhavam muito individualmente. O próprio Narguilé Hidromecânico também trabalhou muito [dessa forma] (…), fazendo o seu evento praticamente sozinho (Sebastião, músico e produtor cultural).

Outro coletivo que se tem destacado neste segmento artístico-musical é o Geração Tristherezina. Com um teor altamente politizado das obras, enquadrando- se naquilo que Bourdieu (1996: 89-95) designou enquanto arte social, os membros, alguns deles recém-chegados ao rock independente de Teresina, têm conseguido boa visibilidade dos seus trabalhos, seja a nível de chancela interna por importantes instâncias de legitimação do segmento cultural da cidade18, seja pela circulação exitosa das obras em relevantes instâncias de legitimação do Brasil e do exterior19, no âmbito dos meios de comunicação da grande imprensa (os cadernos culturais de grandes jornais, por exemplo), assim como no âmbito de uma imprensa mais ocupada das questões do universo alternativo (principalmente sítios e blogues especializados) Diferentemente do que é verificado no caso do Cumbuca Cultural, a circulação que ocorre é principalmente das obras, e menos dos concertos dos artistas, sendo aproveitadas as oportunidades oferecidas pelo ambiente digital.

Assim como no caso dos coletivos musicais, as produtoras especializadas e os coletivos multilinguagem também são outras estruturas importantes no âmbito das ações vinculadas a um associativismo mais sólido. No primeiro caso, ainda que de caráter lucrativo, boa parte das ações em torno destas instâncias acabam por se estruturar em torno de parceria nos processos de produção com os próprios artistas, e não apenas a partir da iniciativa do empreendedor cultural. Na medida em que estas empreitadas são organizadas a partir do discurso que versa em torno do fortalecimento da cena de música independente da cidade, existe uma adesão substancial de artistas, ainda que, em muitas ocasiões, estas venham acompanhadas de remunerações baixas ou inexistentes, assim como de condições dos espetáculos aquém do desejado. Este tipo de situação, inclusive, acaba por configurar também um motivo para muitas polêmicas e dissensos, aprofundadas no tópico a seguir.

Os coletivos multilinguagem, sobretudo aqueles que trabalham com a ideia de ocupação do espaço público, têm vindo a desenvolver ações com grande repercussão no cenário cultural da cidade. O evento Salve Rainha, por exemplo, tem promovido nos últimos anos um novo tipo de programação de rua em Teresina que tem contrastado de maneira importante o medo da população provocado pelo incremento da violência urbana. Uma parte relevante da programação musical do Salve Rainha é composta por artistas ligados ao rock independente de Teresina.

Portanto, contando com estruturas organizacionais e estratégias substancialmente diversas, o caráter coletivo, formalizado ou não, é parte importante das dinâmicas de interação no rock independente de Teresina. Estas alianças coincidem com a classificação da socióloga Diana Crane a respeito dos mundos da cultura (1992), refinamento do conceito de Becker focado nos contextos urbanos. Assim, as ações coletivas sem a presença de instâncias mediadoras estariam inseridas no âmbito das redes sociais informais de criadores e consumidores, caracterizadas basicamente pelas modificações constantes de membros e efemeridade das ações. Já as ações coletivas com a presença de instâncias mediadoras são operadas sobretudo no âmbito dos pequenos negócios orientados para o lucro e das organizações não- lucrativas. Obviamente, essa classificação não é rígida, podendo uma instância atuar movimentando mais de um tipo de estratégia.

4.2. Conflitos no rock independente de Teresina

Como já mencionado, os conflitos no rock independente de Teresina são de três grandes ordens: (1) conflitos entre os artistas; (2) conflitos entre os artistas e Estado; (3) conflitos entre artistas e empreendedores culturais. Destes, o que possui maiores desdobramentos são os conflitos entre os próprios artistas.

O primeiro desdobramento dos conflitos entre os artistas diz respeito às animosidades entre aqueles que possuem uma postura predominantemente autoral e aqueles que praticam o cover, execuções de músicas de outros artistas, geralmente sucessos consagrados, no intuito de atrair mais público e tornar financeiramente mais viável as suas atividades, promovendo, no pacote, o trabalho de teor autoral.

O substrato desta polêmica está amparado no posicionamento de oposição à grande indústria cultural, que tende a considerar o tipo de repertório executado na prática do cover – exceções, é claro, existem – um subproduto, de teor demasiado comercial, quando comparado à produção autoral “legítima”. Há um paralelo, neste caso, aos tensionamentos historicamente verificados nos campos artísticos entre os membros associados a uma perspectiva da arte pela arte (foco nos elementos estéticos) e de uma arte social (foco nos elementos ideológicos) contra os membros inseridos no âmbito de uma arte comercial (Bourdieu, 1996: 89-95).

No entanto, na medida em que se adentra de forma um pouco mais detalhada neste tópico, é perceptível a necessidade de uma visão que supere a mera dicotomia entre arte engajada (estética ou ideologicamente) e arte “vendida”, já que a prática do cover acaba por configurar um elemento importantíssimo na sedimentação do rock independente de Teresina. Assim, ainda que seja verificado um caráter de oposição severo em muitas falas, não raramente são apontadas também vantagens trazidas com a execução de músicas não-autorais. Em primeiro lugar, este tipo de prática seria importante num contexto como o de Teresina na medida em que a presença de grandes nomes da música internacional é algo raro na cidade, sendo esta praticamente a única forma de fruição ao vivo deste tipo de repertório.

A existência do cover diferenciado, que cumpre a função de apresentar um repertório alternativo, contribuindo para a formação de um público predisposto a consumir músicas com menos evidência no âmbito massivo, também é outro ponto que não deve ser negligenciado nesta discussão. Este fenômeno foi importante em Teresina na formatação de um segmento indie rock no início do século XXI, sobretudo a partir da atuação da banda Devotchka, que, apesar de não executar um repertório predominantemente autoral, circulava nas programações do indie rock teresinense e contava com membros que posteriormente comporiam importantes projetos da música autoral da cidade.

A própria sustentabilidade financeira dos músicos num ecossistema ainda frágil, caracterizado pela precariedade, acaba por configurar outra justificativa levantada por muitos músicos a respeito da presença do cover. Sem contar no fato de que, muitas vezes, o dinheiro ganho ao executar grandes sucessos é reinvestido na própria produção autoral, a partir da aquisição de equipamentos, financiamento de ensaios e turnês e viabilização de registros fonográficos.

A premissa de que o cover é o estágio preliminar para a produção autoral, ainda que não se aplique cem por cento àquela realidade, não deve ser negligenciada, já que grandes nomes do rock independente de Teresina – Teófilo e André de Sousa são dois bastante emblemáticos neste sentido – atuaram com êxito no segmento antes de enveredarem bem-sucedidas trajetórias autorais. O primeiro atuou na banda Mãezoca News, incubadora de talentos que posteriormente cravariam também seus nomes com desenvoltura no segmento autoral. O segundo na banda Brigite Bardot, que apesar do repertório predominantemente cover emplacou um dos maiores hits autorais já feitos no Piauí, o reggae Freak Lagarta. De fato, esse fenômeno ocorreria com vários artistas que se revezavam entre a produção autoral e a execução de grandes sucessos de outros músicos, vide o caso do grupo Mano Crispim, na primeira década do século XXI. Por último, é importante ressaltar que a prática do cover foi importantíssima no desbravamento de certos espaços estratégicos – a priori, fechados à produção autoral – que foram alcançados graça a atuação pioneira destes artistas que, entre a execução de um e outro grande hit do rock, inseriam suas canções nos repertórios destes espaços.

Portanto, após a interlocução com os agentes, é possível argumentar sobre a necessidade de superação da dicotomia entre arte engajada (estética e ideologicamente) e arte comercial quando o assunto é a presença do cover neste tipo de contexto artístico-musical. Se, por um lado, existe a execução musical menos acurada, que contribui para a precarização do mercado de música da cidade, por outro lado, é possível verificar um conjunto alargado de contribuições no longo prazo dos artistas que alternavam as suas funções entre o cover e o autoral:

Fazendo este olhar retrospectivo, essa questão do cover foi importante porque esses caras é que estavam nos lugares tocando. Foram eles que neste início, fomentaram os espaços. Estas iniciativas foram importantes porque quebraram uma barreira que depois os caras que começaram a produzir [pensaram]: “vamos tocar nossas músicas.” (Renato, músico e investigador acadêmico).

Os conflitos motivados por vaidade no meio artístico não são novidade. No âmbito do rock independente de Teresina este foi um tópico também muito levantado nas entrevistas. Para muitos agentes, o caráter ainda incipiente das ações exitosas em termos associativos estaria diretamente ligado a este tipo de tensionamento. Os projetos musicais que alcançaram maior visibilidade naquele contexto seriam os principais alvos deste tipo de postura.

É como se nós estivéssemos participando de uma mesma miséria, só que às vezes algumas pessoas se sentem no direito de criar uma picuinha com o outro desnecessariamente. Às vezes por inveja — de dizer assim: “Pô, fulano está conseguindo se destacar e eu não”. Eu percebo isso acontecendo aqui claramente, o que é uma coisa ridícula. (Hermeto, músico e escritor).

O pouco tato com a crítica, situação clássica neste tipo de segmento, é creditado sobretudo a este tipo de vaidade oriunda da identidade artística.

Porque a galera é muito “sentida”. A galera não sabe lidar com a crítica Porque para formar essa opinião precisa ter material crítico. Precisa a gente criticar a nossa realidade (Renatão, músico e cineasta).

A rivalidade entre pequenos segmentos que se estruturam principalmente a partir de escolhas estéticas ou filiações a determinadas instâncias (uma produtora ou coletivo, por exemplo) é outro grande foco de conflitos. Um exemplo importante no primeiro caso se deu sobretudo nos anos 2000 entre vertentes mais “puristas” do rock autoral, ligadas aos cânones do rock clássico dos Anos 1950-1970, e da supracitada vertente do rock regional:

Acho que a gente sofreu bastante com isso. Porque um cara que se propõe a fazer um som onde se mistura o regionalismo, eu acho que mesmo que ele não queira, ele se cerca de alguns preconceitos com um som como o nosso. Que é puramente anglo-saxão, que é um rock puro. Então, a gente sempre sofreu muito preconceito (Flávio, músico e jornalista).

No caso dos conflitos entre membros vinculados a determinadas instâncias produtoras de eventos, as principais temáticas que aparecem como elementos que contribuem para este tipo de tensionamento são as discordâncias com os modus operandi destas produtoras, a dificuldade encontrada muitas vezes para certos artistas adentrarem nestas programações, assim como as baixas remunerações existentes. O caráter paradoxal deste tipo de instância é notório. Se, por um lado, configuram um catalisador de ações coletivas exitosas, por outro lado, são também um dos principais elementos onde orbitam muitos dos conflitos verificados entre os artistas. O comentário de um dos agentes sobre as duas principais entidades promotoras de eventos desta natureza no período compreendido entre 2014 e 2016 ilustra este tipo de situação:

Como é que eu vejo as duas produtoras [principais em atividade no período da pesquisa de campo desta investigação] que eu citei? [A primeira], ela dá oportunidade para bandas que nunca tocaram, que só estavam ali ensaiando em estúdio [A segunda], não. Já são bandas que existem, que já tocavam. Até há algumas bandas que surgiram recentemente, mas, pegaram estas bandas e fecharam ali num círculo, pouco mais de oito bandas (Clemente, músico e militante cultural).

As disputas por espaços reduzidos nas programações é outro elemento de promoção de discórdias no rock independente de Teresina. Neste sentido, as programações que proporcionam maior visibilidade, produzidas sobretudo no âmbito de ações do poder público, são aquelas onde este tipo de conflito ocorre com mais frequência20. Os critérios de escalação dos artistas participantes nestas programações, nem sempre claros, é o problema comumente mais verificado. Além de refletirem os tensionamentos e animosidades entre os próprios músicos, este tipo de conflito também diz respeito a uma questão mais estrutural, referente aos constrangimentos que existem geralmente entre campo artístico e campo político.

Os conflitos relacionados à própria natureza do ofício artístico é outro ponto notório. Estes começariam ainda num âmbito intrapessoal e acabariam por repercutir negativamente sobretudo no momento de articular estratégias de difusão das obras, algo, como se sabe, imperativo em segmentos musicais independentes de cariz inconformista. Assim, a dificuldade em assumir para si mesmo a identidade artística, sobretudo devido às instabilidades e incertezas envolvidas neste tipo de profissão, configuraria uma verdadeira batalha pessoal na proporção de ritos de passagem clássicos como a chegada do primeiro filho, por exemplo. Os efeitos desse dilema existencial acabam por se manifestar sobretudo no momento de traçar estratégias mais articuladas aos setores econômicos e políticos, imperativas para a sonhada sustentabilidade financeira. Não por um acaso, a dificuldade para empreender é ainda um dos principais problemas levantados:

Eu acho que o conflito que há é com a sua própria gestão, com o seu próprio entendimento. Essa coisa (…) muito presente no artista local: de o coração falar mais alto do que o empreendedor. Existe o medo de ousar. Desde o momento de subir no palco como no momento de se jogar no mundo, de se aventurar. De um desbravamento qualquer. Desde o momento em crer que o teu trabalho pode e tem que ser divulgado. Desde o momento de fazer uma página na Internet. Na apresentação do teu produto tu tem uma timidez. É muito contido. Porque você precisa se jogar mais, porque você precisa se vender melhor, você precisa entender que palco, que as pessoas vão para ver artistas. Não vão para ver outras pessoas iguais com problemas na vida. Então, você sobe no palco com a mesma roupa que tu passou o dia todo no trabalho. Eu quero ver artista! (Sebastião, músico e produtor cultural).

Para muitos dos membros ali envolvidos, não existiria nem mesmo uma cena musical – no sentido clássico de um conjunto de pessoas e instituições articuladas que trabalham em prol de uma determinada manifestação de música (Bennett, 2004; Straw, 1991). Pelo contrário, o discurso da coletividade apenas seria uma forma de travestir o interesse de divulgar o próprio trabalho:

Quando você vê o cara preocupado com cena você pode observar. Ele está querendo promover o trabalho dele no pacote para poder ver se dá certo. A cena é composta por peças independentes e individualizadas. Você pega fulano, sicrano, e então você compõe a cena. Não uma pessoa que quer se destacar, um artista que quer se destacar, e chama várias pessoas para poder promover o próprio trabalho dele. Isso aí, para mim, não é certo. Isso aí é uma tentativa barata para se autopromover. Infelizmente, é o que mais aconteceu com esse negócio de coletivo aqui até o presente momento (Renatão, músico e cineasta).

Além dos conflitos entre os próprios artistas, existem também aqueles entre artistas e membros do poder público responsáveis pela aplicação das políticas culturais, assim como entre artistas e empreendedores da cultura. Em linhas gerais, estes tensionamentos refletem as relações de subordinação estrutural mais ampla do campo artístico aos campos econômico e político.

No que diz respeito aos conflitos entre artistas e membros do poder público, a impressão forte de tensionamentos gira em torno de tópicos como os ínfimos recursos financeiros destinados para o fomento da cultura local, os baixos cachês, assim como a ineficiência das leis já existentes (A Lei Municipal de Cultura A. Tito Filho) cujo objetivo é a preservação e fomento da produção cultural. Este último aspecto é particularmente crítico, relacionado sobretudo à demora no repasse das verbas, bem como o não cumprimento do texto integral da lei, que prevê editais anuais para financiamento de projetos21.

Por último estão os conflitos entre artistas e empreendedores culturais. Categoria com menor incidência no discurso destes membros, estes litígios costumam se dar sobretudo por conta das dificuldades de remuneração dos concertos. Ainda que também ocorram no âmbito público, com a ocorrência não rara de atrasos e baixas remunerações, este tipo de problema costuma ter maior incidência principalmente no setor privado.

5. Considerações Finais

O artigo teve como intuito investigar as dinâmicas de interação de agentes e estruturas que formam o rock independente de Teresina, capital do Piauí. O quadro teórico-sociológico movimentado na análise foi articulado (sobretudo) a partir das teorizações de Bourdieu e Becker a respeito dos segmentos artísticos relativamente especializados. A partir da interlocução com 32 agentes que atuam ou atuaram no rock independente de Teresina no decorrer do século XXI, verificou-se um conjunto alargado de convergências, mas, também, de tensionamentos, nas interações sociais ali presentes.

As ações coletivas de convergência podem se dar sem ou através de instâncias mediadoras de atuação. Via de regra, as ações conjuntas verificadas no primeiro tipo costumam ter objetivos e efeitos menos substanciais quando comparadas com as do segundo tipo. Ainda que o associativismo formalizado seja uma histórica lacuna apontada por muitos entrevistados, há o surgimento de tais instâncias específicas para a articulação de ações colaborativas no rock independente de Teresina nos últimos anos, estando algumas daquelas experiências bastante afinadas com bem-sucedidas lógicas verificadas no contexto nacional brasileiro, vide o caso dos coletivos culturais.

Já os conflitos são de três ordens: aqueles entre os próprios artistas, aqueles entre artistas e gestores públicos e entre artistas e empreendedores culturais. A quantidade relevante de desdobramentos dos conflitos entre os próprios artistas acaba por ser ilustrativa do longo caminho ainda a ser percorrido na própria articulação de estratégias mais eficazes para o fortalecimento do rock independente de Teresina, não obstante os avanços verificados nos últimos anos. Depreende-se dos dois últimos tipos de tensionamentos, por sua vez, o caráter de subordinação estrutural do setor artístico em relação aos setores político e econômico.

No fim, é possível afirmar que as alianças são fruto sobretudo de uma convergência fundamental: o caráter de oposição às práticas predatórias das grandes indústrias culturais, afinada com o que Becker (1977b, 2008) identifica como artista inconformista. Estas, todavia, coexistem com um conjunto substancial de tensionamentos que acabam por exprimir a competitividade e o caráter agonístico das pessoas e instituições que fazem os ambientes artísticos, característica prevista por Bourdieu (1996, 2003) nas suas análises do espaço social.

 

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Endereço de correspondência Thiago Meneses Alves. Doutorado em Sociologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), (Porto, Portugal). Endereço de correspondência: Rua James Clark, 747, 64202-200, Parnaíba, Piauí, Brasil. E-mail: thiagomeneses85@gmail.com

 

Artigo recebido em 12 de dezembro de 2017. Publicação aprovada em 24 de junho de 2018

 

Notas

1 As reflexões contidas neste artigo têm como base o capítulo 8 da tese “Genealogia, morfologia, dinâmicas e produtos do rock independente de Teresina no início do século XXI”, realizada no 3º Ciclo de Sociologia da Universidade do Porto (2013-2017).

2 Expressões musicais que surgem no início do século XX dentro de um ecossistema comercial inscrito no âmbito de uma grande indústria fonográfica que controlava os aspectos da produção, armazenamento, circulação e consumo. Está diretamente ligada ao desenvolvimento tecnológico vertiginoso verificado neste ramo das indústrias culturais no século passado. Na medida em que estas grandes empresas trabalham a partir da disseminação em nível planetário da sua produção, outra característica fundamental é o fato de o repertório ser de reconhecimento mundial, configurando um quinhão importante da cultura contemporânea. Em termos de estrutura, é marcada pela regularidade no que diz respeito às questões musicais (rítmicas, melódicas e harmônicas) e aos temas, geralmente tópicos em evidência. A existência do refrão enquanto unidade fundamental reflete a característica da repetição, utilizada no intuito de tornar memorizáveis as canções (Janotti Jr, 2005). Diferencia-se (ainda que estas fronteiras não sejam rígidas) particularmente da música erudita e da música popular (no seu sentido folclórico, ou seja, das produções que surgem fora do grande ecossistema comercial das indústrias culturais). Do ponto da presença nas rádios, o principal gênero de música hoje no Brasil nesta vertente é o sertanejo.

3 Estes consistiriam em quatro tipologias principais. O capital econômico (conjunto de bens materiais); o capital social (o circuito de relações interpessoais); o capital cultural (podendo ser este incorporado – conhecimentos gerais –, objetivado – livros, discos – ou institucionalizado – diplomas e certificados); o capital simbólico (soma dos outros capitais, fornece as possibilidades de reconhecimento no espaço social onde o agente atua) (Cerulo, 2010: 24-25). Importante argumentar sobre a especificidade do capital, cujo “valor” está diretamente ligado ao campo no qual circula (Bourdieu, 2003: 121). Neste sentido, não é possível esperar obter os mesmos resultados quando se “joga” no campo político com o capital do campo artístico, por exemplo.

4 Conjunto de disposições duráveis que um agente carrega e que molda a sua prática no espaço social. Noção formulada para superar a dicotomia clássica entre ação e estrutura verificada no âmbito sociológico, uma vez que o habitus também exprime os modos como a estrutura social está depositada nos agentes e os modos como estes agem criativamente aos constrangimentos estruturais (Bourdieu, 2003: 120).

5 Para uma discussão detalhada dos contornos que a independência musical adquire no Brasil conferir Alves (2017), mais especificamente o capítulo 3.

6 Comum nos universos musicais independentes, consiste num registro fonográfico (um long play, cassete, etc.) dividido por dois ou mais artistas, geralmente para a contenção de custos.

7 Um dos aspectos mais notáveis destas transformações é a desmaterialização dos formatos fonográficos, que tem contribuído para a reformulação do business da música já a partir do final do século XX, uma vez que afeta consideravelmente a díade na qual o modelo até então hegemônico se estruturava – a venda de fonogramas em suportes materiais como o LP e a produção de renda a partir da exploração dos direitos de propriedade (Herschmann, 2010). Para uma discussão detalhada sobre este contexto a partir do caso específico do rock independente de Teresina, conferir Alves (2016). Uma análise destas transformações no caso brasileiro pode ser visualizada em De Marchi (2011). Uma análise detalhada do caso português pode ser visualizada em Abreu (2010).

8 Foram catalogados 219 produtos fonográficos em vários formatos (álbuns, extended plays, singles, demos, bootlegs, compilações), em suportes materiais e/ou no ambiente digital, e 59 videoclipes.

9 Não raramente estes agentes ocupam mais de uma função no universo musical analisado. Exemplo: um músico pode ser também jornalista cultural, membro de uma associação ou ocupar um cargo em algum órgão público.

10 Um total de 136 projetos musicais distribuídos em quatro subgrupos – pop rock, indie rock, híbridos e rock vintage. Para mais detalhes sobre a morfologia do rock independente de Teresina conferir Alves (2017), nomeadamente o capítulo 7.

11 Um total de 51 instâncias nas esferas públicas, privadas e do terceiro setor, nos seguintes formatos: produtoras especializadas, coletivos culturais, associações, projetos educativos, fundações culturais, entidades governamentais, entidades estudantis, bares/restaurantes, casas de show, empresas.

12 A despeito de uma convergência fundamental, alinhada ao perfil da arte inconformista (Becker, 1977b, 2008), há uma série de posicionamentos mais específicos, ora mais afinados a uma arte politicamente engajada, ora mais afinados à preservação de certos repertórios, ora – ainda – mais afinados a respeito da necessidade de construção de mercados de médio porte para a produção independente.

13 Há espaços de fruição para o rock independente em todas as zonas de Teresina, ainda que haja uma clara concentração nas zonas mais abastadas

14 Todas as identificações nos excertos correspondem a pseudônimos.

15 Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas.

16 Para mais detalhes sobre o Circuito Fora do Eixo ver Alves (2013), mais especificamente o capítulo 3.

17 Para mais detalhes sobre o rock regional conferir Alves (2017).

18 A vitória do grupo Cidade Estéril, pertencente ao coletivo, no festival Chapada do Corisco em 2017, uma das principais instâncias de legitimação da música autoral de Teresina, é um exemplo neste sentido.

19O caso do músico Valciãn Calixto é particularmente emblemático neste sentido.

20 Os critérios de seleção para a programação do festival Teresina é Pop no ano de 2015, um dos mais tradicionais da cidade, é um exemplo emblemático neste sentido. A queixa geral por uma parte dos artistas que se sentiu excluída era de que haviam muitos nomes que já tinham atuado em edições recentes do festival. Devido a isso, o festival não estaria cumprindo com uma missão básica de um evento público criar oportunidades para a divulgação dos novos nomes da música local.

21 Para mais detalhes sobre a Lei A. Tito Filho ver Alves (2015).

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