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Sociologia

Print version ISSN 0872-3419

Sociologia vol.36  Porto Dec. 2018

https://doi.org/10.21747/08723419/soc36a6 

ARTIGOS

Conhecer a doença: os doentes em primeiro lugar

Connaître la maladie: les patients à la première place

Conocer la enfermedad: los pacientes en primer lugar

Knowing disease: patients first

Paula Silva

Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto Instituto de Investigação e Inovação em Saúde Universidade do Porto

 

Endereço de correspondência

 


RESUMO

Habitualmente, a vivência do cancro pelos doentes não se reflete no compromisso biomédico em restabelecer a saúde. O artigo explora esta problemática pela análise de narrativas de doentes oncológicos, com recurso a uma estratégia de investigação-ação enquadrada numa abordagem contemporânea da Grounded Theory. Tal permitiu compreender a construção pessoal e social do cancro, bem como viabilizou a produção multidisciplinar de booklets sobre a doença. Foram realizadas 133 entrevistas semiestruturadas a doentes com cancros da mama, pulmão, cólon, esófago, próstata, tiroide, bexiga e estômago.

Palavras-chave : experiência da doença oncológica; biomedicina; booklets sobre cancro

 


RESUMÉ

Habituellement, l’expérience du cancer par les patients ne se reflète pas dans l’engagement biomédical à rétablir la santé. L’article explore ce problématique en analysant les récits de patients atteints de cancer, en utilisant une stratégie de recherche-action dans une approche contemporaine de la théorie ancrée (Grounded Theory). Cela nous a permis de comprendre la construction personnelle et sociale du cancer, ainsi que la production multidisciplinaire de brochures sur la maladie. 133 entretiens semi-structurés ont été réalisés chez des patients atteints de cancers du sein, du poumon, du côlon, de l’œsophage, de la prostate, de la thyroïde, de la vessie et de l’estomac.

Mots-clés : expérience du cancer; biomédecine; livrets sur le cancer

 


RESUMEN

Habitualmente, la vivencia del cáncer por los enfermos no se refleja en el compromiso biomédico en restablecer la salud. El artículo explora esta problemática por el análisis de narrativas de enfermos oncológicos, recurriendo a una estrategia de investigación-acción enmarcada en un abordaje contemporáneo de Grounded Theory. Esto permitió comprender la construcción personal y social del cáncer, así como viabilizó la producción multidisciplinaria de folletos sobre la enfermedad. Se realizaron 133 entrevistas semiestructuradas a pacientes con cáncer de mama, pulmón, colon, esófago, próstata, tiroides, vejiga y estómago.

Palabras clave : experiencia del cáncer; biomedicina; folletos sobre cáncer

 


ABSTRACT

Frequently, patients´ experience of cancer is not reflected in the biomedical commitment to restore health. The paper explores this issue by analyzing the narratives of cancer patients. It was used an action-research strategy in a contemporary approach of Grounded Theory. This allowed us to understand the personal and social construction of cancer, as well as enabled the multidisciplinary production of cancer booklets.133 semi-structured interviews were conducted with patients with breast, lung, colon, esophagus, prostate, thyroid, bladder and stomach cancers.

Keywords: experience of cancer; biomedicine; cancer booklets

 


Introdução

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (2014), a avaliação do impacto da saúde engloba, entre outros determinantes, os contextos sociais, culturais, económicos e físicos, bem como os atributos pessoais. Emerge assim uma definição mais abrangente de saúde e doença, que reflete a «interpenetração das práticas médicas com as ciências da vida e do alinhamento de conhecimentos, práticas, instrumentos e formas de regulação associados à biologia e à patologia» (Nunes, 2006). A biotecnologia tem vindo a ganhar relevância neste domínio (principalmente por via da genética e da biologia molecular), criando espaço para incorporar na identidade do sujeito o que vários autores designaram por biosocialidade (Rabinow, 1996) ou cidadania biológica1 (Petryna, 2004; Rose; 2007; Biehl e Moran-Thomas, 2009). Deste modo, o cunho marcadamente biomédico do conhecimento (Carapinheiro, 1986; Prior, 2003; Landzelius, 2006; Barbot, 2006; Cruz, 2007) passa a ter de considerar - numa amplitude diferenciada consoante o espaço e o tempo onde se desenvolve - a experiência da doença (Delbanco, 1992).

O novo paradigma conjuga as dimensões disease e illness (Kleinman et al, 1978; Kleinman, 1988) 2. «Nos estritos termos biológicos do modelo biomédico, este facto significa que a doença é reconfigurada somente como uma alteração da estrutura biológica ou do seu funcionamento.» (Kleinman, 1988: 3-4). O autor considera, todavia, que sendo doença «(…) a experiência vivida da monitorização dos processos corporais (…), inclui a categorização e a explicação, de acordo com o senso-comum acessível a todos os leigos no grupo social, dos modos de sofrimento causados por esses processos patofisiológicos.» (Kleinman, 1988: 3-4). Nessa medida, «[n]a experiência humana inata dos sintomas e do sofrimento (…) deverão incluir-se os julgamentos dos doentes sobre a melhor forma de lidar com essa angústia e com os problemas de cariz prático que ela cria no quotidiano. (…)» (Kleinman, 1988: 5-6). A abrangência e o envolvimento que daqui resultam traduz-se no surgimento de novos grupos sociais e novas temáticas (Klawiter, 2008).

Este cenário de mudança reflete a multidimensionalidade material e simbólica do universo da saúde e da doença e corresponde à rutura com a tradicional assimetria da relação médico-doente, frequentemente pautada pela existência de um «fosso comunicacional» (Parsons, 1951). A nova arquitetura invoca duas ordens de grandeza para a construção de conhecimento: organizacional (designadamente das instituições de investigação científica e/ou prestadoras de cuidados de saúde) e relacional (entre agentes e atores e entre estes e os objetos tecnológicos).

A necessidade de vincular o progresso da biotecnologia e a afirmação do sujeito portador de enfermidade estabelece assim uma abordagem integrativa na abordagem da saúde/doença. Esta mudança de registo determina um rearranjo das dinâmicas internas das várias áreas disciplinares que intervêm naquele campo, e, paralelamente, uma recomposição dos conhecimentos e das competências dos seus múltiplos agentes. Destes, destacam-se os profissionais de saúde e os doentes, cujos papéis e interesses são diferenciados.

Em Portugal, a pluralidade de formas que a supremacia médica revela na prestação dos cuidados de saúde (Silva, 2011; Tavares, 2014) impede a desejável articulação entre os saberes biomédico e experiencial da doença. Este facto adquire maior notoriedade na doença oncológica, como resultado da trajetória clinicamente mais bem referenciada que possui e que facilita o predomínio da narrativa médica. Tal conjuntura é potenciada por fatores de natureza biológica e social, nomeadamente a incidência mais elevada de cancro em faixas etárias avançadas (Globocan, 2012; Nolen et al, 2017) e o perfil marcadamente paternalista da relação médico-doente (Kaba e Sooriakumaran, 2007), em particular junto da população idosa. Acresce a este o facto desta categoria frequentemente possuir menores recursos pessoais, escolares, económicos e sociais, o que fomenta uma atitude de delegação no médico na condução da doença3, e, por consequência, inibe a (co)gestão individual na respetiva história (Silva, 2013).

Saúde e doença constituem assim um universo que articula um sem-número de realidades materiais e simbólicas - entre outras, o corpo, a (s)subjetividade(s), a(s) reflexividade(s), as emoções e as perceções subjetivas de risco - cujo estudo torna necessária uma abordagem integrativa de todos os signos que se conjugam entre a disrupção e a irrupção de novas biografias (Bury, 1982)4. As novas constelações do conhecimento resultantes desta mudança determinam a existência de condutas interativas na alocação de um recurso escasso como são os cuidados de saúde, que se repercutem na organização social dos bens e serviços que lhes estão associados. No atual contexto de sociedades pautadas pela inovação, pelo conhecimento e pela heterogeneidade de formas de participação cívica5, os cuidados de saúde considerados como “bem”6 deverão promover uma transformação das relações entre os vários atores e agentes. No mapa das coordenadas possíveis, essa mudança poderá consistir numa inflexão, num deslocamento ou num descolamento.

A complexidade desta disposição apresenta o seu expoente máximo no cancro. Começaremos por explorar a etimologia da palavra.

1.1. O cancro

A palavra cancro remete para karkinos (em grego, caranguejo), cuja analogia com a configuração dos vasos sanguíneos circundantes a tumores, atribuída a Hipócrates (460-370 a.C.), continua a ser associada à representação da doença (Mukherjee, 2010; Sobrinho-Simões, 2014). A designação cancro, atribuída ao médico romano Celsus (28-50 a.C.), corresponde à tradução para latim de karkinos (Wagener, 2009). Galeno (130-200 d.C.) aplicou o termo oncos (em grego, inchaço) para descrever tumores; dele deriva oncologia, sinónimo de massa ou carga: «o cancro foi imaginado como um fardo transportado pelo corpo» (Mukherjee, 2010: 47). As suas caraterísticas biológicas mais distintivas consistem no facto de não respeitar fronteiras celulares e a necessidade de um hospedeiro para sobreviver (Kumar et al., 2005; Sobrinho-Simões, 2010).

A doença oncológica constitui uma das principais causas de morte a nível mundial. Segundo a Globocan (entidade especializada em cancro da Organização Mundial de Saúde), em 2012 surgiram 14,1 milhões de novos casos e ocorreram 8,2 milhões de óbitos (destes, mais de metade nas regiões menos desenvolvidas do planeta)7. As projeções apontam para um crescimento de 19,3 milhões de novos casos anuais até 2025, essencialmente resultantes do aumento e envelhecimento global da população (Globocan, 2012). Segundo a Agência Internacional de Investigação em Cancro (IARC), este contexto invoca a necessidade de redução dos comportamentos de risco, através da adoção de medidas de prevenção e do diagnóstico precoce. Para além destas, a implementação de legislação restritiva da exposição a ambientes carcinogénicos foi também recomendada pela IARC (2014). No entanto, o sucesso desta iniciativa é considerado unicamente em função das atitudes e comportamentos individuais, excluindo desta forma a interferência dos fatores sociais e culturais que enformam as sociedades contemporâneas (nomeadamente as representações e práticas sobre o consumo). Do mesmo modo, não contempla a aleatoriedade própria ao cancro e, nessa medida, a influência não parametrizada dos fatores biológicos que influenciam a atividade dos genes. A este propósito, Susan Sontag afirma que na doença oncológica «o paciente é substituído pelo «não-eu» (…), o cancro é a doença do Outro» (Sontag, 2009: 77-78).

A Organização Mundial de Saúde engloba na definição de doença crónica todas as que não são transmissíveis, apresentam longa duração e progressão geralmente lenta. Incluem-se neste grupo as doenças cardiovasculares, as doenças respiratórias crónicas, a diabetes e o cancro (WHO, 2014). À caraterização biomédica de cronicidade (Güth et al., 2010; Phillips e Currow, 2010) contrapõe-se a conceção leiga, associada sobretudo ao confronto com a morte. É no entanto recorrente para ambas a utilização de metáforas e eufemismos, de que constituem exemplos “doença má”, “doença prolongada” ou “luta contra o cancro”8. O recurso às primeiras foi alvo de análise por Susan Sontag, para quem o léxico militar aliado ao cancro - “guerra química” ou “invasão”, “colonização” e “bombardeamento” (respetivamente para a ação da quimioterapia e radioterapia) - «assume um surpreendente tom literal e de autoridade» (Sontag, 2009: 77). Neste contexto, «a própria doença é concebida como o inimigo com quem a sociedade trava uma guerra» (Sontag, 2009: 77).

2. O Projeto: génese e implementação

A compreensão das dinâmicas biopsicossociais associadas ao cancro, em particular as que decorrem da experiência da doença, constituiu o eixo do projeto multidisciplinar “Conhecer a doença: os doentes em primeiro lugar” (2011-2016), financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e desenvolvido no Instituto de Patologia e Imunologia da Universidade do Porto (IPATIMUP).

Na reposição do estado de saúde, o ato médico frequentemente não considera a plenitude da vivência da doença. Nessa medida, constituiu objetivo geral do projeto estudar a diversidade de relações entre os saberes experiencial e biomédico que modelam a doença oncológica. Explorar a multidimensionalidade inscrita nesta problemática estabeleceu como necessária a análise de narrativas de doentes - através dos estudos de caso de cancros da mama, pulmão, cólon, esófago, próstata, estômago, bexiga e tiroide - que igualmente se pronunciaram sobre material informativo em saúde que lhes foi disponibilizado. O relatório anatomopatológico foi tomado como referência9.

O projeto teve por base uma iniciativa implementada em 2008 por um grupo de anatomopatologistas da Universidade Johns Hopkins (EUA), e que consistiu na elaboração de um conjunto de Frequently Asked Questions (FAQ10) associadas a relatórios anatomopatológicos de biopsias de cancro e respetivas lesões precursoras. A informação neles contida constituiu a base da análise dos modos como os doentes a interpretaram e dela se apropriaram, tendo igualmente permitido identificar, do ponto de vista da vivência da doença, os aspetos suscetíveis de melhoria. Ou seja, ao tentar estabelecer uma interseção entre os conhecimentos experiencial (da doença) e biomédico, o projeto debruçou-se sobre os pontos de contacto entre construção social e pessoal da doença. A investigação visou igualmente equacionar as narrativas pessoais face ao papel dos profissionais de saúde, às formas de ativismo das associações de doentes e às consequências das políticas públicas de saúde existentes em Portugal, fortemente restritivas na atualidade quanto à oferta qualitativa e quantitativa dos respetivos cuidados.

A redação das FAQ foi consequente à recorrência de questões colocadas telefonicamente - pelos próprios doentes ou pelos clínicos que os acompanhavam - com vista ao esclarecimento de dúvidas suscitadas pela leitura dos relatórios. Correspondeu à desconstrução da linguagem técnica contida naqueles, tornando-a assim decifrável por pessoas sem literacia médica (Epstein, 2010).

Naquele mesmo ano, decorreu em Sirmione (Itália) a reunião “ Patient-Centric Sirmione Pathology Group - Putting Patients First”, com o objetivo de conferir mais visibilidade à patologia e aos patologistas. Estiveram presentes os autores das FAQ e alguns anatomopatologistas europeus, que decidiram adotar a estratégia nos respetivos países. Tendo o diretor do IPATIMUP sido um dos participantes, ficou assim definido o ponto de partida do projeto “Conhecer a doença: os doentes em primeiro lugar”.

A etapa inicial consistiu em averiguar o grau de proximidade entre as realidades norte-americana e portuguesa, não só em termos objetivos (biomédicos) como subjetivos (das pessoas com doença). Por outras palavras, tentar compreender, numa perspetiva integrada e temporalmente continuada, os diferentes modos de conhecimento inerentes à construção social e pessoal da doença oncológica.

Num primeiro momento procedeu-se à tradução das FAQ, correspondentes a diversas condições patológicas associadas a diferentes fases de doença. Realizada por anatomopatologistas do Centro Hospitalar de São João (CHSJ) - simultaneamente investigadores no IPATIMUP - foi posteriormente sujeita à apreciação de clínicos e representantes de associações de doentes que interessavam às patologias contempladas, com o propósito de obter eventuais sugestões de alteração.

“Conhecer a doença: os doentes em primeiro lugar” tornou mandatório resgatar a experiência da doença, e, nessa medida, o acesso aos discursos de doentes oncológicos através de entrevistas. Tal permitiu igualmente aferir o modo como a literacia em saúde interfere na gestão das doenças crónicas11. Definida como a aptidão para aceder, compreender e utilizar informação em saúde pela realização de tarefas de leitura, numéricas e de resolução de problemas (Sørensen et al, 2012; Poureslami et al, 2017), o projeto tornou necessário conhecer as histórias de doença e o entendimento dos seus portadores sobre a forma e conteúdo das FAQ. Esta estratégia facilitou o acesso aos modos de interpretação e de apropriação da informação, e, por consequência, a definição dos conteúdos na produção de materiais informativos sobre cancro, um dos objetivos do projeto.

Para cumprir este propósito, a recolha de narrativas ocorreu em tempos e trajetórias de doença distintos, sendo a existência de um relatório anatomopatológico o requisito indispensável para a realização daquelas. Apesar de a versão norte- americana contemplar condições benignas (com FAQ correspondentes), o projeto “Conhecer a doença: os doentes em primeiro lugar” incidiu exclusivamente em casos de malignidade. A carga negativa associada ao cancro justificou a opção. As entrevistas tiveram lugar em dois hospitais públicos da cidade do Porto (CHSJ e IPO-Porto), após submissão do projeto à Comissão Nacional de Proteção de Dados e às Comissões de Ética de ambas as instituições, que foi aprovado sem alterações.

3. Metodologia e trabalho de campo

“Conhecer a doença: os doentes em primeiro lugar” procurou conhecer e compreender os significados decorrentes da experiência da doença. A análise de narrativas de doentes com cancro permitiu aceder à pluralidade da sua vivência e à multiplicidade das interpretações: “a literatura demonstra claramente o benefício prático da incorporação da experiência do doente, não apenas dentro da relação médico-doente, mas também na relação investigador-sujeito” (Epstein, 2007: 517). Saliente-se ainda o facto de a investigação em saúde privilegiar as metodologias qualitativas (Calnan, 1987; Waitzkin, 1991; Carapinheiro, 2001; Cabral et al., 2011; Cecílio et al., 2014).

A proximidade entre construção empírica e teórica, em que a primeira fundamenta a segunda, conduziu à opção metodológica pela Grounded Theory (Glaser e Strauss, 1967)12. Caraterizada por uma inversão dos cânones mais habituais de construção de conhecimento, a teoria assume-se como ponto de chegada, decorrendo do processo de comparação constante entre os dados - com caráter provisório - e a área substantiva de estudo. É a revisão permanente daqueles que determina a conclusão da pesquisa somente quando se revela redundante a comparação sistemática entre as respostas que se obtêm e os dados que lhes dão origem.

Ao longo do tempo, a versão original da Grounded Theory foi perdendo o seu cunho positivista, passando a integrar o investigador no processo de investigação13. É também de realçar que uma investigação em meio hospitalar como a desenvolvida neste projeto, acarreta um sem número de condicionantes (previstas e não previstas) que inviabilizam a adoção integral dos princípios metodológicos sugeridos. Daqui se depreende aquela aproximação teórica no projeto “Conhecer a doença: os doentes em primeiro lugar”.

O desenvolvimento do trabalho desencadeou a necessidade de efetuar uma melhor caraterização sociológica da problemática em estudo, recaindo na recolha de narrativas que não exclusivamente de doentes: em concreto, de profissionais de saúde e representantes de associações de doentes. A maior proximidade com o universo da(s) doença(s) evidenciou o seu papel de informantes privilegiados. Constituiu razão adicional o facto de as associações de doentes participarem (ainda que em graus variáveis14) na coprodução de conhecimento em saúde e, consequentemente, na investigação biomédica.

Esta dinâmica metodológica reflete a plasticidade da Grounded Theory e reforça a pertinência da sua aplicação na investigação. Não obstante, temos consciência que a construção sociológica do projeto foi condicionada pela sua génese marcadamente biomédica e, nessa medida, poder ser considerada como um constrangimento epistemológico. Esta vicissitude foi no entanto assumida como um desafio que potenciou a sensibilidade teórica do investigador, «um importante aspeto criativo da Grounded Theory» (Strauss e Corbin, 1990: 44; Suddaby, 2006)15.

Foi propósito deste trabalho aceder ao(s) significado(s) do cancro. Nesse contexto, a entrevista consistiu na principal técnica de recolha de dados, tendo sido aplicados dois guiões com caráter semi-diretivo. A amostra foi constituída por um total de 133 doentes com patologia maligna seguidos em duas instituições hospitalares do Porto (ver descrição anterior).

As entrevistas decorreram em dois períodos e foram realizadas em dois momentos. O primeiro respeitou casos de doença maligna da mama, próstata, cólon, esófago e pulmão, e o segundo cancros de estômago, bexiga e tiroide. Consultada a literatura sobre o número mínimo que tornasse possível atingir a saturação teórica (Guest et al., 2006; Robinson, 2014), optou-se pela realização de 25 entrevistas para o primeiro conjunto de patologias. A agressividade do cancro do esófago limitou as entrevistas a dois doentes, pelo que foi decidida a sua junção aos respondentes com cancro do cólon e a designação global grupo de patologia digestiva. O desenvolvimento subsequente da investigação permitiu perceber as regularidades e singularidades da doença oncológica, facilitando assim a compreensão do universo das três patologias incluídas no segundo período, traduzida em 11 entrevistas para cada uma daquelas.

Como referido, a existência de um relatório anatomopatológico foi o requisito obrigatório para a realização do primeiro momento de entrevista, onde se procedeu à entrega das FAQ adequadas à situação clínica do respondente. Foi aplicado - numa versão traduzida, revista, ampliada e adaptada à doença oncológica - um guião de entrevista baseado no McGill Illness Narrative Interview (MINI), construído com o objetivo de incitar a narrativa sobre doença (Groleau et al., 2006). A eventual abordagem de algum tópico não contemplado foi viabilizada pela inclusão de uma pergunta de resposta aberta.

A tradução do guião original foi efetuada pela equipa do projeto “Avaliação do estado de conhecimento público sobre saúde e informação médica em Portugal” (FCT-HMSP-IISE/SAL-ICT/0003/2009), tendo a adaptação para a oncologia sido executada os membros do projeto “Conhecer a doença: os doentes em primeiro lugar”. Foram também estes os autores do guião correspondente ao segundo momento de entrevista, realizado cerca de 15 dias após o anterior ou ajustado em função da agenda das consultas hospitalares dos entrevistados (Silva, 2018). A sua realização visou a obtenção de feedback quanto à leitura das FAQ.

Após registo áudio, procedeu-se à transcrição integral e análise16, por patologia, de cada um dos momentos de entrevista. Para o primeiro, correspondeu à codificação - aberta, axial e seletiva - dos dados. Em função da proximidade definida pelo investigador, aqueles foram progressivamente associados em conceitos e categorias (principais e secundárias), respeitando os princípios reformulados da Grounded Theory já descritos. Foi assim construída uma árvore categorial que remete para a categorial central (no original, core), i.e., o cerne da análise que viabiliza a elaboração da teoria verdadeiramente fundamentada nos factos. A não conformidade integral com os cânones da Grounded Theory não desvirtuou, a nosso ver, o espírito subjacente à metodologia, nomeadamente pelo desconhecimento prévio da realidade em estudo17. “Conhecer a doença: os doentes em primeiro lugar” partiu de narrativas de doentes oncológicos. No entanto, o desenvolvimento da investigação permitiu perceber a importância de incluir as de outros atores que influenciam a perceção da doença na primeira pessoa. Assim, foram elaborados dois guiões de entrevista, aplicados aos “elementos de ligação”18 e aos responsáveis das associações de doentes que colaboraram no projeto desde o seu início (Silva, 2018). Um dos guiões, exclusivamente dedicado às associações de doentes, incidiu na respetiva génese e dinâmica organizacional. O outro, aplicado a ambos os grupos, abordou aspetos relativos à vertente individual e institucional que enformam a doença oncológica. A análise destas entrevistas será apresentada após a dos doentes.

4. Sociodemografia da amostra

Constituíram elementos caracterizadores da amostra (entre outros) o sexo, a idade, o nível de instrução e a profissão. Globalmente, registou-se uma maioria de respondentes do sexo masculino. No primeiro grupo de entrevistados, Operários, artífices e trabalhadores similares foi a profissão mais frequente; quanto à escolaridade, o 1º ciclo do ensino básico foi a mais registada. O grau de licenciatura foi observado em 15% dos casos; somente um entrevistado possuía mestrado e nenhum doutoramento. Cinco dos entrevistados no IPO-Porto não sabiam ler ou escrever, ou, apesar de deterem essas competências, não apresentavam qualquer grau oficial de ensino. De modo contrário, foi no ensino secundário e na licenciatura que recaiu a percentagem mais elevada de escolaridade completa para o segundo grupo de entrevistados, tendo sido Técnicos e Profissões de nível intermédio a profissão mais frequente.

Este cenário faz antever um comportamento desigual no que respeita à literacia em saúde, assunto a que voltaremos mais adiante.

5. As narrativas: primeiro momento

A análise das entrevistas fez emergir o Tempo como estruturante: «o tipo de doença molda a experiência e o modo de relação com o tempo» (Charmaz, 2006: 110). A polissemia desta dimensão tem na evolução biológica da doença um forte aliado, projetando-se no doente de forma diferenciada. E ainda que a referência cronológica seja distinta para profissionais de saúde e doentes, quer a perspetiva objetiva da biomedicina como a subjetiva do sujeito portador de doença fundamentam-se em três estádios: diagnóstico, tratamento e recuperação (idealmente, a cura). O diagnóstico espoleta o início da contagem do Tempo19 e determina a perceção da doença. Sublinhamos que o termo diagnóstico é simultaneamente entendido numa perspetiva biomédica (através dos sinais e sintomas) e sociológica (nomeadamente pelas implicações psicológicas, sociais, emocionais e de definição de futuros que envolve). Os entrevistados serão referenciados pela idade (à data da entrevista) e pelo sexo.

A análise do primeiro conjunto de narrativas fez emergir quatro dimensões principais que derivam do Tempo: Sinais e Sintomas, O Confronto com a Notícia, De Pessoa a Doente e De Doente a Pessoa. Apesar de ocorrerem paralelamente à categorização biomédica, enformam a trajetória da doença do ponto de vista de quem a experiencia. Derivadas destas dimensões, foram sucessivamente estabelecidas categorias em função da proximidade contextual com a que lhe dá origem. A ordenação corresponde à gradação Dimensão/Categoria/Subcategoria. Para as últimas foram igualmente estabelecidas categorias subsidiárias, designadas por Sub/subcategoria e Sub/sub/subcategoria. Com o propósito de não adensar o texto, esta estratégia analítica não será sempre mencionada.

Apresenta-se em seguida o modelo concetual que traduz essa aceção, permeada pelos agentes, atores e redes de relações que a espaços e em intensidades diferentes intervêm naquela dinâmica (Quadro 1). Na análise global das entrevistas, e para uma melhor compreensão da doença oncológica em toda a sua extensão, serão apresentados alguns dos excertos mais exemplificativos do primeiro grupo.

 

 

Na doença oncológica o Tempo (e os tempos que abarca) é determinante. A análise do primeiro grupo de entrevistas permitiu concluir que, para além daquele, o cancro é a doença do Ser. As duas questões iniciais, “Quando sentiu os primeiros sintomas da sua doença?” e “Gostaríamos de saber mais sobre a sua experiência. Pode contar-nos sobre o momento em que descobriu que sofria desta doença?”, serviram de motto para uma descrição pormenorizada sobre a(s) história(s) da doença, pelo que no decorrer da narrativa os entrevistados frequentemente antecipavam as perguntas. Esta constatação permitiu certificar a correta construção do guião.

Do conjunto das cinco patologias inicialmente contempladas no projeto, a da mama foi a definida para iniciar as entrevistas. Pesou na decisão a maior diversidade etária e a existência de um elemento do sexo masculino no grupo dos 25 respondentes. Tal permitiu conceber a organização futura das entrevistas e estabelecer uma análise comparativa.

O cancro da mama é o mais frequente nas mulheres e o segundo mais frequente no mundo. Em Portugal, as taxas de incidência, mortalidade e prevalência a 5 anos são aproximadas às registadas na Europa e no resto do mundo (Globocan, 2012). « Mas estando eu com a doença acho que é mais suave para mim dizer tenho um tumor maligno e que me estou a tratar e que vai correr tudo bem, do que ouvir assim, “olha, a fulana está cancerosa”. Isso é quase uma sentença de morte.» (43 anos; sexo feminino). Este excerto reflete a noção do cancro como «doença-flagelo, inteiramente associada à morte» (Herzlich e Pierret, 1991: 83).

Como referido, a interpretação da doença vivida abarca outras vertentes que a biomédica ignora ou menospreza. Grande parte das vezes remetem para a insuficiência da informação: « Tive acesso ao relatório da anatomia patológica. Tive. Mas percebia pouco do que lá dizia, a não ser que era carcinoma e que era para extrair. » (48 anos; sexo feminino). Por outro lado, se o conteúdo do diagnóstico é importante, a forma como é transmitido também o é: « O médico foi agressivo, eu nunca tinha tido uma consulta daquele teor. » (65 anos; sexo feminino) ou « A forma como me deram a notícia … Foi isso e não esclarecer… Olhe, ficaram muitas dúvidas, não é? O que é que é? O que me vai acontecer? Muitas dúvidas .» (43 anos; sexo feminino). Ainda que as narrativas não permitam identificar uma tipologia de resposta, são indicativas da dualidade entre a necessidade de aceder ao diagnóstico (sempre tendo em atenção as caraterísticas de personalidade do indivíduo) e o medo em conhecê-lo. As emoções são assim transversais à trajetória da doença, influenciando o seu curso e potencialmente o seu surgimento (Gross, 1989; Iwamitsu et al ., 2005).

A tarefa de informar, maioritariamente imputada ao médico, teve nos Alicerces uma forte rede de suporte20. A família, As relações de amizade e a Espiritualidade constituíram o eixo principal dos apoios. Os cônjuges e parentes consanguíneos foram os mais frequentemente mencionados: «O meu marido, a minha família, o meu genro e essencialmente o meu netinho de cinco meses. Tem sido um estímulo e digo-lhe já: ele é o meu herói.» (65 anos; sexo feminino). Para além dos afetos, foi também sublinhada nos Alicerces a importância da qualidade da prestação dos cuidados de saúde: «Porque eu oiço muito falar dos protocolos, não é, eles têm os protocolos de tipo americano, mas o protocolo de tipo britânico é diferente. Portanto, fiquei um bocado tentada, “se eu fosse…”. Mas depois, aquilo que eu ouvi, é que as coisas se passavam de forma idêntica ao que se passam cá. E também, sinceramente, confiava nas pessoas a quem estava entregue.» (48 anos; sexo feminino). A qualidade da prestação de cuidados foi extensiva aos profissionais: «Não é só competência, acho que há ali duas ou três partes... É a parte humana, a parte de saber lidar com as pessoas, a parte de saber acarinhá-las e tudo isso acho que é muito útil à doença...» (61 anos; sexo feminino).

A incerteza e o risco são dois fatores que perpassam a vivência da doença oncológica, «à cabeça há momentos que a gente vem tudo à cabeça, ou morrer, será que vou ficar sem peito, será que vou ficar assim, será que vou ficar assado, o que é que vai ser de mim, o que é vai ser da minha filha. Pronto, penso!» (58 anos; sexo feminino).

A perceção da alteração da imagem corporal imposta pela doença corresponde à passagem De Pessoa a Doente, a terceira das dimensões. Cada caso é um caso traduz simultaneamente a pluralidade e a unicidade do cancro. A doença é plural; o doente, uno: «é importante a gente ter informações para saber. Mas eu tinha medo de ir saber e não gostava de ouvir porque pensava que cada caso é um caso.» (38 anos; sexo feminino). Esta conceção não se restringe aos doentes: «(…) Pronto, eu vinha já assim com um plano de perguntas para ele [médico] responder e ele pronto, ele disse, “cada caso é um caso”.» (58 anos; sexo feminino).

Na transição De Pessoa a Doente o corpo assume um lugar central, traduzido por Corpo em si e para si: «(…) o que se realçava de negativo mais para mim era a quimioterapia. Perguntaram-me porquê e eu não frisei a parte da fisiologia, (…) reportei-me apenas à imagem, portanto, a queda dos pelos e do cabelo e que alterava completamente a imagem e que isso iria-me deixar mesmo muito abatida.» (41 anos; sexo feminino).

Para além deste aspeto, A doença e o quotidiano foram também valorizados, nomeadamente pela perda das capacidades para exercer uma atividade, desde as mais básicas - « Quando era para tomar banho: precisar de alguém; quando era para me vestir: precisar de alguém; queria sair lá fora: ou ia de carro ou então sozinha não ia porque tinha medo de cair, e tal… » (65 anos; sexo feminino) - até às relacionadas com o trabalho: «“ ó mãe, quando é que tu vais trabalhar?” (…) Portanto, ele também tem a noção de que a mãe só está bem quando estiver a trabalhar.» (48 anos; sexo feminino). Emerge neste ponto a noção de corpo como instrumento (Silva e Alves, 2011), que faz alavancar a valorização de outros aspetos da vida. Esta etapa, definida pelo Tempo, foi designada De Doente a Pessoa. O processo de reconstrução identitária que lhe corresponde envolve «uma hierarquia implícita que as pessoas doentes criam, na medida em que isso lhes permite adaptarem-se à perda corporal e à mudança» (Charmaz, 2006: 171). Tal legitima o ajuste identitário na razão direta da evolução da doença: « Eu tive uma irmã que faleceu com 50 anos em consequência de cancro da mama (…). E antes sem mama mas viva...do que...ao pé dela. Mesmo que o partir seja antecipado .» (65 anos; sexo feminino).

Aceder às regularidades e singularidades dos discursos permitiu compreender o ponto nevrálgico da vivência da doença oncológica e, simultaneamente, criar os conteúdos mais adequados para os materiais informativos previstos no projeto.

Relativamente ao primeiro aspeto, para os dois primeiros grupos de entrevistados - doentes com cancro da mama e da próstata - a centralidade da vivência da doença foi variável em função do género. Se para o feminino a recuperação é o objetivo, para o masculino a consequência dos tratamentos (incontinência urinária e disfunção erétil) passa a ser nuclear, porque é assumida como perda da masculinidade. Esta constatação permite afirmar que no cancro de próstata se regista uma “rivalidade” entre a força da biologia e a capacidade para assumir novas atitudes e comportamentos face à doença (mesmo que permeados pelo apoio familiar, psicológico, ou o disponibilizado pelas associações de doentes). Nessa medida, a identidade pessoal prévia à doença é possível de readquirir no que ao cancro da mama diz respeito. Tal resulta da possibilidade de restabelecimento da imagem corporal, que minimiza substancialmente o sentido de irreversibilidade associado à doença. No caso da doença maligna de próstata, a impossibilidade de recuperação das funções fisiológicas impede a reorganização identitária. Neste caso, a doença corresponde à desestruturação da identidade de género.

A agressividade biológica é a caraterística mais relevante dos cancros de pulmão e do esófago (o que justificou para este o reduzido número de doentes selecionados para entrevista). A consciência deste facto foi, no entanto, frequentemente omitida das narrativas, principalmente as dos doentes com cancro do pulmão. Contrariamente aos entrevistados dos grupos anteriores, o livre arbítrio no consumo de tabaco ou álcool introduziu uma componente de corresponsabilização pelo surgimento da doença. Este aspeto não emergiu nos doentes com cancro do cólon (que partilhou com os de esófago o grupo de patologia digestiva), pelo facto de as cirurgias se terem revelado curativas em quase todos os casos, a que correspondeu uma reorganização identitária absoluta 21.

As diferenças no perfil sociodemográfico e no comportamento biológico do segundo grupo de patologias refletiram-se nas vivências relatadas. Nessa medida, registou-se uma concordância entre a narrativa dos doentes da tiroide e a progressão indolente da doença, que contrasta com as restantes. Para estes, e do mesmo modo que para os entrevistados com cancro do cólon (ainda que por diferentes motivos), a recuperação da doença foi o foco. A esmagadora maioria salientou a importância do conhecimento dos direitos dos doentes oncológicos, frequentemente desconhecidos. Foi curioso perceber que este aspeto, partilhado pelos doentes gástricos e de bexiga, esteve omisso das histórias do primeiro grupo. A nosso ver, a causa reside na idade mais avançada da maioria desses doentes, que naturalmente delegam a gestão da doença nos acompanhantes ou familiares, pelo que não se confrontam com este tipo de questões.

Os entrevistados com cancro da bexiga foram os que mais diversidade narrativa revelaram. No entanto, o acesso à informação que permitisse lidar com a biologia da doença foi globalmente considerado insuficiente. A agressividade dos tratamentos, igualmente sublinhada, faz aproximar, em termos identitários, estes doentes e os com patologia prostática.

A análise das entrevistas a doentes com cancro do estômago revelou uma contradição entre agressividade da doença e a positividade dos discursos. De alguma forma, esta caraterística já tinha sido detetada nas entrevistas relativas à patologia pulmonar e esofágica. Da mesma forma que para os respondentes com cancro da tiroide, também os de bexiga reforçaram a importância do conhecimento sobre os direitos dos doentes oncológicos.

6. O “contraditório”

Com o objetivo de ampliar a perspetiva de análise, no decurso da investigação surgiu a necessidade de entrevistar os “elementos de ligação”22 e os responsáveis das associações de doentes que colaboraram no projeto desde o seu início.

A opinião generalizada dos primeiros foi sobreponível à dos doentes, nomeadamente: i) o significado do cancro como confronto com a morte e a pluralidade das dimensões biopsicossociais que abarca; ii) o decréscimo na qualidade da prestação dos cuidados de saúde em oncologia, como resultado da (des)organização institucional e da conjuntura política e social. Foram ainda referidos os níveis deficitários de literacia em saúde revelados pelos doentes, bem como o recurso destes à internet como sinónimo de ganho efetivo de conhecimento.

O confronto entre a análise das entrevistas aos doentes e aos elementos de ligação, permitiu verificar que só em parte acontece a constatação verbalizada pelos clínicos. Se é verdade que os doentes mencionaram aceder à internet após o conhecimento da sua situação clínica, tendencialmente procuram o médico - e este especificamente - para discutir a sua doença: «(…) sempre que se vira aqui a página na net, é o mesmo que virar a página aqui na vida real. É uma conversa diferente (…) [Decidi] desistir da net. (…) É mais fácil a gente perguntar ao nosso médico. (…) É mais fiável e... Entretanto também esquece aquilo, porque se não na net a gente passa noites agarrados àquilo e chega ao fim, sei lá… 20% de reaproveitamento… Se calhar nem isso. » (48 anos; sexo masculino).

Como descrito, foram construídos dois guiões de entrevista aplicados aos responsáveis das associações de doentes. Em termos de dinâmica organizacional, a maioria revelou debilidades financeiras e um predomínio da vertente assistencial e de voluntariado. Os entrevistados realçaram a escassez da articulação formal com os organismos da tutela e, tal como os “elementos de ligação”, referiram os reduzidos níveis de literacia funcional e em saúde dos doentes, bem como os efeitos nefastos da recessão político-económica no domínio da saúde. Fruto da missão primeira das associações de doentes, foi enfatizada a necessidade de concertação entre conhecimento biomédico e experiencial na trajetória da doença.

7. As narrativas: segundo momento

As caraterísticas do trabalho a desenvolver posteriormente à realização das entrevistas - produção de booklets sobre doença oncológica - conduziram a um tratamento quantitativo dos dados obtidos no segundo momento de entrevista. O foco da análise centrou-se na compreensão dos entrevistados quanto ao seu diagnóstico anatomopatológico e nas dimensões consideradas essenciais do ponto de vista da experiência da doença. A apreciação destes parâmetros revelou-se fundamental para a elaboração dos conteúdos das publicações referidas, sempre numa ótica de articulação entre os saberes técnico e experiencial da doença oncológica. É esta a razão pela qual se apresentam agora os resultados do segundo momento de entrevista.

As variáveis que resultaram da transposição para SPSS dos tópicos do guião compreenderam a acessibilidade da linguagem e dos conteúdos, a credibilidade das FAQ e o (potencial ou efetivo) aumento do conhecimento sobre a doença resultante da leitura daquelas.

Este foi o ponto de partida para o trabalho multidisciplinar subsequente, cuja conclusão distou dois anos do acesso inicial aos respondentes. Assim, a necessária (e desejável) validação da versão revista e aumentada por todos os doentes correspondeu, numa primeira fase, ao envio das FAQ originais e dos novos documentos (em formato booklet pela facilidade de manuseamento). Após um período acordado entre ambas as partes, os doentes foram convidados a participar em focus group, estando na posse do documento que lhes tinha sido enviado e no qual constava um pequeno inquérito alusivo aos aspetos gráficos (tamanho de letra, inclusão de imagens complementares ao texto, …). Por forma a salvaguardar a eventual necessidade de modificação, os conteúdos só foram “fechados” após a realização dos grupos de discussão23.

Os booklets estão disponíveis no site do projeto24, bem como no da Direção-Geral da Saúde25.

Notas conclusivas

A diversidade de propostas que ao nível da saúde perpassa a vida dos sujeitos coloca uma questão elementar: como gerir a individualidade/subjetividade com o coletivo/objetividade? Dito de outra forma, como articular direitos, liberdades e garantias com políticas públicas? Torna-se necessário considerar que uma democracia só será efetivamente participativa se equacionada em modalidades bem definidas, elas próprias definindo o tipo de comunicação que se estabelece. Para lá da componente individual, participar implica também a existência de um objetivo comum entre os vários intervenientes, o que evidencia a dicotomia singular/coletivo. Este trabalho tornou assim compreensível que o exercício da democracia implica necessariamente uma abordagem multidisciplinar. Daí o destaque no contexto versus ação.

Esta aceção reflete-se na questão do paternalismo médico e na autonomia em cuidados de saúde O primeiro assume-se como um “poder-saber”, conquanto o segundo, alicerçado na experiência dos sujeitos (e, portanto, social e culturalmente enformado), é conotado como um “não-saber” (Silva et al., 2013). Deste modo, o «poder técnico-científico» transforma-se num «poder técnico-carismático» (Carapinheiro, 1991: 85), o que faz perdurar a sua influência e evidenciar o estatuto socioprofissional dos médicos (Carapinheiro, 2005). Na medida em que este resulta igualmente da relevância pública que lhe é atribuída, converte-se num «poder discricionário» (Carapinheiro et al., 2013: 57).

Como este trabalho de alguma forma documenta, a literacia em saúde e a capacitação dos doentes que daí decorre constituem formas exequíveis para o rearranjo das dinâmicas profissionais, pessoais e organizacionais no campo da saúde e da doença. Ao resgatar a experiência dos sujeitos, a abordagem pragmática ressalta a pluralidade dos fenómenos. Neste enquadramento, torna-se papel do sociólogo explicitar e descrever as competências cognitivas e reflexivas dos atores sociais, que implicados num quadro observacional efetuam um contínuo processo de produção de sentido. A regularidade passa a ser permeada pelas noções de diversidade, rutura e crítica, o que se traduz na emergência de uma multiplicidade de coletivos e arenas que remetem para os atores (humanos e não humanos) em situação.

Os modos como se interpretam os processos e mecanismos que articulam políticas públicas e os atores políticos remetem para um contexto em que o conflito advém das primeiras. A dinâmica que ocorre nesses espaços de interação é definida em torno de um conjunto de temas e assuntos, pelo que incluem o conflito, o estabelecimento de alianças e processos de negociação. Este projeto reforça que a questão da negociação é intrínseca ao domínio da saúde. As estruturas sociais não existem independentemente dos seus membros, sendo o significado conferido à ação (própria e dos outros) alvo de permanente negociação e (re)construção. Regista-se por isso um dinâmico e contínuo processo de interpretação, que traduz a articulação entre reflexividade e ação.

Considerando as caraterísticas inovadoras - porque efetivamente multidisciplinares - do projeto “Conhecer a doença: os doentes em primeiro lugar”, consideramos que será possível aplicar a mesma metodologia em trabalhos desenvolvidos no campo da saúde (não exclusivamente no foro oncológico). A conjuntura internacional imporá, num médio/longo prazo, a adoção de medidas institucionais que integrem os vários atores e agentes em situação. Consideramos que esta seria uma abordagem a privilegiar em Portugal, cuja população apresenta reduzidos níveis de escolaridade e graves assimetrias em termos de mobilidade territorial e de acesso à informação.

 

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Netgrafia

http://conheceradoenca.ipatimup.pt

http://training.seer.cancer.gov/disease/war/ https://www.dgs.pt/?cr=32377

 

Documentos Legislativos e Judiciais

Despacho n.º 13 832/2007, Manual de Boas Práticas Laboratoriais de Anatomia Patológica

 

Endereço de correspondência Paula Silva. Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (Porto, Portugal). Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Porto, Portugal). Instituto de Investigação e Inovação em Saúde Universidade do Porto (Porto, Portugal). Endereço de correspondência: Gabinete de Comunicação e Imagem da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Alameda Prof. Hernâni Monteiro, 4200-319 Porto, Portugal. Email: psilva@med.up.pt

 

Artigo recebido a 15 de fevereiro de 2018. Publicação aprovada em 28 de setembro de 2018.

 

Notas

1 Também designada por cidadania médica, biocidadania, cidadania em saúde ou cidadania terapêutica (Mulligan, 2017).

2 O psiquiatra Barahona-Fernandes traduziu o vocábulo illness por dolência, i.e., «o adoecer vivido como sofrimento» (Barahona-Fernandes, 1979).

3 De todos os profissionais de saúde, nestes em particular.

4 Michael Bury considerou a artrite reumatoide (doença crónica) como o expoente máximo de uma experiência disruptiva, cujos efeitos se refletem na identidade do doente, alterando a sua biografia e self. Partilhamos esta noção no que ao cancro diz respeito.

5 Que expressam o papel diferenciado dos atores e agentes - singulares ou coletivos - e ocorrem na relação direta do contexto social, temporal, económico ou cultural. Contandriopoulos afirma que as relações de poder subjacentes ao fenómeno correspondem a “uma perpétua luta simbólica entre os agentes de modo a influenciar mutuamente as perceções correspondentes às suas respetivas posições e, mais globalmente, às suas perceções da realidade como um todo” (Contandriopoulos, 2004: 322).

6 O consumo da generalidade dos bens esgota-se no ato (Stiglitz, 2003), conquanto o dos cuidados de saúde se prolonga nos efeitos que gera. É esta a sua caraterística distintiva.

7 Estes dados resultam de uma análise comparativa com 2008, em que se registaram 12,7 milhões de novos casos e 7,6 milhões de óbitos.

8 Em 1971, Richard Nixon e o congresso norte-americano declararam guerra contra o cancro - “War on Cancer” - pela atribuição de uma verba adicional de 100 milhões de dólares ao National Cancer Institute (NCI) destinada à investigação em cancro. O NCI integra o agrupamento National Institutes of Health (NIH), uma das 11 agências que compõem o Departamento Norte-Americano de Saúde e Serviços Humanos, cuja principal atividade é a investigação e a formação no domínio da oncologia (http://training.seer.cancer.gov/disease/war/).

9«Relatório de exame anatomopatológico - documento escrito, validado por especialista em anatomia patológica, que contém, obrigatoriamente, as conclusões dos procedimentos de análise efetuados, sob a forma de diagnóstico, e que são acompanhadas de comentários quando for julgado conveniente» (Despacho n.º 13 832/2007, Manual de Boas Práticas Laboratoriais de Anatomia Patológica). É o conteúdo deste relatório que determina o diagnóstico; no caso, de malignidade.

10 FAQ; em Português, Perguntas Mais Frequentes.

11 Vários estudos evidenciam o importante papel desempenhado pela literacia em saúde na prevenção e tratamento das doenças crónicas (nas quais se inclui o cancro), bem como na promoção da saúde (Poureslami et al, 2017).

12 Em Português, Teoria Fundamentada nos Dados.

13 Dos autores responsáveis por esta mudança, destacamos Charmaz (2006) e Morse et al (2009).

14 Resultantes de questões de natureza geográfica e institucional (Rabeharisoa e Callon, 2002).

15 Exercida durante mais de 20 anos, a atividade profissional como técnica de anatomia patológica facultou um acesso privilegiado ao universo da doença oncológica, não só em termos laboratoriais como os relativos à dinâmica institucional. Este enquadramento facilitou não só o ingresso nas instituições para o desenvolvimento do trabalho, como permitiu um desempenho mais completo enquanto socióloga.

16 Com recurso ao software de análise qualitativa NVivo (versão 10). «A transcrição literal da entrevista MINI permite a análise através de uma ampla gama de estratégias interpretativas, [designadamente a] grounded theory» (Groleau et al., 2006: 684).

17 De que temos consciência ter sido possível aceder pela afiliação institucional da investigadora e pelo seu passado profissional.

18 Ou seja, os clínicos de ambas as instituições hospitalares. Para além da função de mediação entre estas e a investigadora, sinalizaram e endereçaram o convite aos doentes para a realização das entrevistas.

19 Daí ter sido considerado condição obrigatória para a realização das entrevistas.

20 A bold assinalam-se as categorias analíticas

21 Este potencial viés em termos sociológicos - do qual temos perceção - constitui uma das limitações e restrições passíveis de ocorrer em investigações realizadas em meio hospitalar.

22 Ver descrição na página 10.

23 De referir que no primeiro Focus Group, dedicado ao cancro da mama, duas das doentes presentes (mais jovens), focaram a questão da fertilidade, que não tinha sido abordada por nenhum dos profissionais de saúde envolvidos na elaboração do booklet. Esta estratégia revelou-se correta em termos metodológicos, mas igualmente assertiva para confirmar a importância do conhecimento experiencial da doença em projetos desta natureza.

24 http://conheceradoenca.ipatimup.pt

25 https://www.dgs.pt/?cr=32377

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