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Sociologia

versão impressa ISSN 0872-3419

Sociologia  no.tematico8 Porto dez. 2018

https://doi.org/10.21747/08723419/soctem2018a5 

ARTIGOS

Entre o fazer etnográfico e o fazer psicanalítico: reflexões sobre a “escuta” da população sem-abrigo na rua de Cimo de Vila da Cidade do Porto

Between ethongraphic and psychanalytical ways of doing: thoughts on “listening” homeless population in the cima de vila street, city of Porto

Entre les manières de faire ethnographique et psychanalytique: réflexions sur l'ecoute de la population sans-abri dans la rue de Cimo de Vila, à Porto

Entre el hacer etnográfico y el hacer psicoanalítico : reflexions dobre la «escucha» de la populación sin abrigo en la calle Cimo de Vila, ciudad de Porto

1 Julio Cesar Nicodemos, 2Lígia Ferro

1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro

2 Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Endereço de correspondência

 


RESUMO

O presente artigo centra-se na discussão das articulações possíveis entre a metodologia etnográfica e a metodologia de pesquisa usada na clínica psicanalítica para a compreensão de territórios urbanos em que transitam indivíduos com consumos abusivos de álcool e de outras substâncias psicoativas ilícitas. Para esta construção teórico-prática, foram consideradas as experiências dos autores tanto no cuidado de consumidores de drogas a partir de estratégias de atenção psicossocial aplicadas no Brasil, como na investigação etnográfica em Portugal. Uma das principais conclusões colocadas à discussão, consiste na evidência de que a articulação de tais metodologias permite uma compreensão mais abrangente e aprofundada dos territórios urbanos, considerando simultaneamente os problemas de ordem coletiva e de ordem individual neles presentes.

Palavras-chave : psicanálise; etnografia urbana; territórios urbanos.

 


ABSTRACT

The text focuses the possible implications of articulating the ethnographic methodology and the research methodology applied in the psychanalytical approach for the comprehension of urban territories where individuals presenting abusive uses of alcohol and other drugs are present. For this theoretical-practical construction, the experiences of the authors in the field of psychosocial care of drug users in Brazil and in the field of ethnography in this type of territories in Portugal were considered for thought. One of the main conclusions of this work relies in the fact that the articulation of these methodologies allows a broader and profounder comprehension of these territorial contexts, considering simultaneously collective and individual problems.

Keywords : psychanalysis; urban ethnography; urban territories.

 


RESUMÉ

Cet article présente une réflexion sur les articulations possibles entre la méthodologie ethnographique et la méthodologie de recherche propre de la psychanalyse dans la compréhension des territoires urbains dans lesquels transitent sujets qui présent consommations abusives d'alcool et d'autres substances psychoactives illicites. Pour cette construction théorique et pratique, les auteurs ont considéré ses expériences dans le champ de l'attention psychosocial au Brésil, autant que ses expériences de recherche ethnographique dans cette sorte de territoires au Portugal. Un des conclusions fondamentales de ce travail nous indiquent que l'articulation entre ces méthodologies nous permet une compréhension plus large et approfondie de ces contextes territoriaux, considérant simultanément problèmes d'ordre collectif et individuelle.

Mots-clés : psychanalyse; ethnographie urbain; territoires urbains.

 


RESUMEN

Este texto presenta una reflexión sobre las articulaciones posibles entre la metodología etnográfica y la metodología de la clínica psicoanalítica en la comprensión de territorios urbanos en los cuales se mueven sujetos que presentan consumos abusivos de alcohol y de otras sustancias psicoactivas ilícitas. Para esta construcción teórico-práctica, los autores han considerado sus experiencias en el cuidado de consumidores a partir de estrategias de atención psicosocial en Brasil, tal como sus experiencias de investigación etnográfica en este tipo de territorios en Portugal. Una de las principales conclusiones de este trabajo consiste en que la articulación de estas metodologías permite una comprensión más amplia y profundada de estos contextos territoriales, considerando simultáneamente los problemas de orden colectiva e individual.

Palabras-clave : psicoanálisis; etnografía urbana; territorios urbanos.

 


1. Introdução

A presente reflexão resulta de uma breve exploração etnográfica na qual se procuraram pontes com a metodologia aplicada na psicanálise, partindo dos relatos recolhidos com os nossos informantes de modo a possibilitar uma leitura coletiva e ao mesmo tempo individual das dinâmicas que perpassam determinados territórios urbanos. Neste sentido, buscamos descrever a partir destas duas metodologias, a articulação entre as problemáticas sociais coletivas e a possbilidade da escuta de cada sujeito na sua dimensão singular. Assim, ao longo deste artigo, colocamos em diálogo os resultados desta exploração etnográfica com outros trabalhos prévios dos autores, de modo a extrairmos consequência práticas e teóricas comuns entre estes dois campos metodológicos – a metodologia etnográfica e a psicanalítica. O estudo que aqui se apresenta, resulta do trabalho conjunto dos autores, o qual se iniciou no Curso Avançado de Etnografia Urbana, lecionado pela segunda autora na Faculdade de Letras da Universidade do Porto1 . No domínio deste curso foi decidido coletivamente, selecionar uma zona da cidade do Porto para realização de uma pequena exploração etnográfica, incluindo algumas idas frequentes ao terreno para realizar observação, procurando identificar informantes privilegiados e fazendo um registo exaustivo e sistemático da informação no diário de campo.

Assim, a zona da Praça da Batalha, no centro da cidade do Porto, foi eleita para realização deste trabalho. A pesquisa sobre a qual se reporta neste texto, centrou-se na Rua de Cimo de Vila, a qual é confluente com a referida praça, pelo facto de esta rua apresentar características territoriais que permitem explorar um tema mais amplo de interesse, o da intervenção interdisciplinar com populações em vulnerabilidade em contexto urbano2 aplicada no contexto de estratégias de redução de riscos e minimização de danos 3 , focalizando aqui mais concretamente a práxis clínica e as ferramentas etnográficas. A rua Cimo de Vila tem em si as marcas encontradas noutros espaços onde o comércio e o uso de drogas estão presentes e são vividas por pessoas em situações de grande vulnerabilidade social. A nossa proposta de reflexão, para além de apresentar os resultados deste breve estudo etnográfico, ousa trazer também outras experiências dos autores para que possamos esboçar um esquema teórico sobre os contributos da metodologia etnográfica para o fazer do psicanalista, quando este trabalha em territórios como as ruas, onde encontra indivíduos que nunca chegariam ao atendimento no seu consultório privado – experiência que o primeiro autor possui a partir da sua inclusão em equipas de atenção psicossocial no Brasil. Do mesmo modo, buscámos contributos a partir da metodologia psicanalítica para o fazer etnográfico, de modo que a dimensão do sofrimento psíquico e as suas especificidades seja abrangida como um elemento da pesquisa etnográfica. Sendo assim, buscamos apresentar leituras interdisciplinares sobre as dinâmicas de populações que permanecem segregadas nas cidades em contextos de vulnerabilidade apresentando, muitas vezes, situações de alcoolismo e de consumo de substâncias psicoativas ilícitas.

Partimos assim dos estudos desenvolvidos no domínio da Escola de Chicago4 , que desde a sua origem nos Estados Unidos da América se dedicou à investigação de problemas sociais em territórios urbanos, a partir de um enfoque sociológico, mas combinando ferramentas teóricas e metodológicas de outras disciplinas (desde logo da antropologia e a geografia). A etnografia surgiu como uma metodologia heurística na abordagem aos problemas sociais mais complexos e ocultos que Chicago vivia então. Tal metodologia de pesquisa, permitiu assim a aproximação a contextos sociais com populações cujos comportamentos se consideravam desviantes (Becker, 1963), para além de auxiliar na construção de novas possibilidades de intervenção e cuidado nestes territórios habitados por uma diversidade de grupos. Não podemos esquecer que a metodologia etnográfica surge no seio da tradição disciplinar da antropologia, fazendo parte do seu património fundacional. Contudo, há muito que a etnografia deixou de ser uma estratégia de investigação de uso exclusivo da antropologia (Cordeiro, 2010: 112), estando inclusivamente na base de um campo interdisciplinar de estudos relevante em Portugal (Cordeiro, Baptista e Costa, 2003). Deste modo, conciliaremos a discussão da relação da metodologia etnográfica com a metodologia clínica exercida no campo da atenção psicossocial brasileira com consumidores de álcool e de drogas ilícitas, tendo os autores uma longa experiência em ambas as áreas. Afirmamos que o tema do consumo abusivo de drogas e da redução de riscos e minimização de danos, assim como os restantes temas que se desdobram deste eixo principal – como é o caso da gentrificação nas cidades contemporâneas –, incluem problemáticas extremamente complexas e que transbordam os campos disciplinares da psicologia e da sociologia no que diz respeito à sua apreensão e compreensão.

2. Entre a clínica e a etnografia: duas posições de não-saber e algumas respostas possíveis no trabalho dos territórios urbanos

Para chegarmos a esta reflexão, onde incluímos a metodologia etnográfica como uma possibilidade para a construção das nossas ações de investigação e intervenção, passaremos a contextualizar as experiências dos investigadores neste domínio. O nosso trabalho teve como ponto de partida as experiências do primeiro autor como psicólogo e psicanalista entre os anos de 20095 e 2018 no campo brasileiro da atenção psicossocial, através de alguns dispositivos de tratamento de consumidores de substâncias psicoativas em situação de vulnerabilidade social, assim como na experiência de Ferro como socióloga e investigadora envolvida em projetos de investigação e de investigação-ação comunitária, principalmente entre 2011 e 2018. Das nossas experiências profissionais, destacamos a coordenação, por parte de Nicodemos, da ERIJAD (Equipe de Referência Infanto- Juvenil para ações de atenção ao uso de álcool e de outras drogas) na cidade de Niterói (Rio de Janeiro, Brasil), como psicólogo na equipa do “Consultório na Rua”, atendendo os sem-abrigo e/ou as (os) profissionais do sexo no centro da cidade do Rio de Janeiro. Salientamos também a experiência de Ferro, especialmente no contexto do projeto RRMD Marvila, no qual desenvolveu intervenção comunitária no âmbito de uma estratégia de Redução de Riscos e Minimização de Danos em Marvila (Lisboa, Portugal6 ). Os trabalhos de Nicodemos construíram-se a partir de uma orientação da clínica psicanalítica, considerando os arranjos possíveis da psicanálise com outros campos do saber, em especial com os da sociologia e da antropologia. As experiências de Ferro circunscreveram-se à dinamização comunitária por via da organização de atividades culturais conjuntas, no âmbito de uma equipa multidisciplinar, no âmbito da qual a clínica psicossocial7 e a intervenção social se encontravam integradas as numa estratégia comunitária (Ferro et al. 2014).

Desde o início do nosso trabalho de intervenção individual e comunitária e de desenvolvimento psicossocial com as diferentes populações (situações de alcoolismo e/ou consumo de outras substâncias psicoativas ilícitas, psicóticos, adolescentes em risco de morte no âmbito do tráfico de drogas, prostitutas, travestis, etc. no caso brasileiro, e situações de alcoolismo e consumidores de substâncias psicoativas tais como a cannabis e drogas sintéticas para uso em contextos recreativos, no caso português), notámos que a conjugação da metodologia psicanalítica, que busca a escuta de cada sujeito na sua singularidade de sofrimento a partir de um vínculo terapêutico e das metodologias usadas na prática sociológica não era uma opção, mas sim uma necessidade perante estes contextos de trabalho, os quais transbordam a prática profissional em contexto de consultório tradicional.

Os estudos da sociologia com consumidores de drogas desde os anos de 1960, e mais especificamente aqueles que aplicaram a metodologia etnográfica, permitiram identificar questões sociais e psicológicas de extrema relevância, as quais basearam as nossas leituras e análises clínicas e sociológicas até à atualidade (Becker, 1963; Jung, 1971; Adler, 1985)8 . Nesta linha, e remetendo para o caso português, devemos dar o devido destaque ao trabalho etnográfico desenvolvido pelo sociólogo Miguel Chaves no extinto Casal Ventoso em Lisboa (Chaves, 1999). Estas considerações confirmam-se sobretudo quando exploramos “territórios psicotrópicos” – termo aprofundado teórico-empiricamente por Fernandes (1995, 2002, 2003, 2015), outra referência incontornável no campo da etnografia urbana dos consumos e tráfico de drogas – para forjar estratégias de intervenção no setor da saúde mental e bem-estar social, particularmente centradas no tratamento clínico prestado a indivíduos em sofrimento psíquico. Sobre a relação entre as ferramentas usadas na prática psicanalítica e etnográfica, e sobre uma possível comparação entre estes dois modos de práxis e de abordagem interpretativa à realidade (tendo em conta que tanto o psicanalista como o etnógrafo partem de um fazer para extrair um saber e não da aplicação de um saber acabado antes da prática, apesar da teoria assumir um papel de comando em ambos os campos), recordamos as palavras do antropólogo brasileiro Gilberto Velho:

“As analogias com a psicanálise, embora um tanto perigosas, são óbvias. Trata-se, afinal de contas, de uma tentativa de identificar mecanismos conscientes e inconscientes que sustentam – e dão continuidade – determinadas relações e situações. Assim, volta-se a um ponto crítico. Não só o grau de familiaridade varia, não é igual a conhecimento, mas pode constituir-se em impedimento se não for relativizado e objeto de reflexão sistemática. Posso estar acostumado, como já disse, com uma certa paisagem social onde a disposição dos autores me é familiar; a hierarquia e a distribuição de poder permitem-se fixar, grosso modo, os indivíduos em categorias mais amplas. No entanto, isso não significa que eu compreenda a lógica de suas relações. O meu conhecimento pode estar seriamente comprometido pela rotina, hábitos, estereótipos.” (Velho, 1987: 128)

Não pretendemos fazer um estudo teórico comparativo entre as metodologias psicanalítica e a etnográfica, mas antes abordar as possíveis conjugações que podem sustentar uma certa prática em territórios até então estranhos ao psicanalista, a partir de algumas coordenadas fundamentais que orientam a sua posição, a qual toca a do sociólogo que aplica a metodologia etnográfica, sem negligenciar as diferenças existentes entre ambas as realidades teórico-práticas. Para tal, partimos das nossas experiências enquanto psicólogo e socióloga, procurando pontes de reflexão teórico - empírica.

O psicanalista opera a partir daquilo que Freud concetualizou como um fazer pela transferência onde o seu campo de intervenção, por excelência, é o território do inconsciente e busca sempre o efeito do seu trabalho a partir do encontro com cada indivíduo na sua singularidade, ainda que os territórios de vida e as suas culturas específicas deixem marcas subjetivas, as quais são coligidas através da escuta clínica. A conceção de inconsciente freudiano aqui presente, resulta de uma leitura de Jacques Lacan (1901-1981). De acordo com este autor, este é composto de significante (Lacan, 1998 a (1958): 695), ou seja, estruturado como uma linguagem e, neste sentido, subverte a noção de um inconsciente “das profundezas da mente”, pois ele está ali onde o indivíduo fala, não há um dentro enigmático em oposição ao fora apreendido pelos sentidos, como alguns ramos da psicologia afirmam (Lacan, 1998 b (1964): 193).

Os etnógrafos não trabalham a partir destas coordenadas específicas da psicanálise, mas ainda assim, são muitas vezes obrigados a lidar com situações inesperadas e que se referem a manifestações inconscientes, através dos relatos de traumas infantis, sonhos e lapsos de linguagem. Neste sentido, queremos propor um diálogo entre duas estratégias metodológicas para que a partir daí possamos reforçar o papel de cada um que as pratica (psicólogos e sociólogos que utilizam as metodologias psicanalítica e etnográfica), considerando que o seu intercâmbio de conhecimentos permite estarmos nos territórios sem produzirmos dicotomias ilusórias e falaciosas entre os fatos coletivos e singulares: relacionamo-nos com o Outro pela linguagem e esta cisão dentro-fora e coletivo-singular não se sustenta nestes casos. As nossas leituras etnográficas do coletivo e de determinada cultura local estão em linha de continuidade com as leituras que realizamos de cada caso, como numa superfície topológica da Banda de Moebius 9 onde não há um plano interior e outro exterior, mas sim uma continuidade entre o dentro e o fora, demonstrando a impossibilidade de uma divisão entre o mundo coletivo e o mundo singular de cada um. Não há sujeito do inconsciente que não seja marcado pelos traços da sua cultura, já nos advertia Freud (1996 g (1921)), ao falar da impossibilidade de separação de uma psicologia individual de uma outra social.

Para ilustrarmos a nossa afirmação, a seguir apresentamos a Banda de Moebius (Elia, 2015: 255). Tentamos assim ilustrar, de forma visual, a nossa proposta de leitura desta composição metodológica.

 

 

Não é raro que alguns etnógrafos sejam convocados pelos seus informantes como atores que supostamente sabem o que fazer perante os seus embaraços e constrangimentos. Tomaremos aqui como exemplo a obra de Oliveira (2011), cujo trabalho com mulheres que se prostituem possui uma relevância ímpar no campo académico, assim como no movimento social pelos direitos das trabalhadoras do sexo. Na apresentação do seu campo de intervenção, a autora descreve um movimento curioso das prostitutas com quem trabalhava na rua, ao identificarem a sua formação em psicologia: depois de as ouvir algum tempo, estas mulheres faziam-lhe constantes pedidos para que ela cuidasse das suas questões subjetivas a partir de uma escuta clínica.

“Foi também nesse seguimento que passei a ser confidente de algumas delas: passaram a contar-me os seus problemas pessoais e a solicitar-me apoio psicológico. Este pedido de apoio, como psicóloga, surgiu várias vezes, tanto para si, como para familiares ou mesmo clientes.” (Oliveira, 2011: 41)

A autora colocava-se à partida no papel de etnógrafa especificamente e não se propunha a realizar qualquer tipo de intervenção clínica naquele contexto. Contudo, surgiam pedidos que pediam soluções para os problemas encontradas por aquelas protagonistas, o que poderia fazer uma diferença importante na vida de cada mulher que a ela se dirigia. Vemos estes tipos de pedido também noutros trabalhos de cariz etnográfico, no 10 que estabelecem com os indivíduos, fazem com que emerjam pedidos que suscitam escuta atenta e requerem soluções. Perspetivando este problema a partir de outro prisma, o mesmo se passa com os analistas que ignoram as necessidades e pedidos coletivos presentes nos territórios e que dizem respeito àquilo que escutamos, mas pelo fato de nos determos em cada caso como único e individual, ignoramos a dimensão mais macrossocial das problemáticas presentes. Nesta direção, tanto o fazer da psicanálise quanto da etnografia, compreendidas como metodologias de pesquisa, conjugam sempre investigação e ação (pois na medida em que escutamos um indivíduo, este facto por si só, já produz consequências). O nosso percurso prático no campo psicossocial revela que a sua conjugação pode e deve trazer benefícios importantes para a intervenção, em especial em territórios urbanos. Aliás, o que verificamos é que quando não se aplica uma metodologia que implique escuta baseada numa presença frequente do psicólogo ou do sociólogo no território apostando na construção de vínculos, o que resta é o cumprimento de protocolos de investigação e de tratamento que não consideram os saberes dos atores em presença.

Sabemos que em várias pesquisas etnográficas, as práticas coletivas e individuais se revelam a partir da escuta do etnógrafo, e muitos afirmam as suas angústias em relação ao que fazer nessas situações. Consideramos que os vínculos entre os etnógrafos e muitos dos informantes da pesquisa, implicam mais do que empatia, uma vez que favorecem contextos através dos quais os atores passam a supor um acolhimento e resposta, tanto ao nível coletivo, envolvendo a tradução científica e a intervenção social e comunitária, como no plano mais individual, em que a escuta faz emergir algo de singular daquele que lhe fala sobre a sua posição diante desta trama de laços sociais em que está inserido. Ao falar para alguém que apresenta um saber-fazer e entendimento dos fenómenos coletivos, o indivíduo apresenta-se na sua dimensão singular. Mas o que podemos aprender da experiência do etnógrafo e das situações etnográficas, as quais favorecem frequentemente a descoberta de algo inesperado e que está aparentemente para além do seu trabalho de campo stricto sensu? Podemos avançar algumas hipóteses para responder a esta pergunta. É evidente que os resultados de muitos trabalhos etnográficos contribuem para a construção de orientações de cuidados clínicos com diferentes populações. Talvez não seja uma posição apenas de complementaridade metodológica, mas sim, ao nível das ações do cuidado, de posições de investigação (de cariz clínico-etnográfico) que possuem traços comuns.

Lembramos que não foram os psicanalistas os primeiros a explorar os territórios povoados por atores sociais em diferentes situações de vulnerabilidade social, apresentando consumos de drogas. Aliás, os psicanalistas ainda revelam dificuldades em sair dos seus consultórios. Foram os sociólogos e os antropólogos que tomaram a iniciativa de realizar as primeiras pesquisas em territórios psicotrópicos de diferentes países e podemos destacar o trabalho pioneiroOutsiders: estudos de sociologia do desvio, de Becker (1963) . Ainda hoje, afirmamos que são poucos os trabalhos no campo psicanalítico que descrevem com precisão igualável, os fenómenos do uso de drogas em contextos socialmente vulneráveis. Deste modo, consideramos que cabe aos analistas, principalmente aqueles que se dedicam ao atendimento destas populações nos seus próprios contextos de vida (favelas e bairros sociais), incluírem nas suas investigações, estes dados etnográficos para que possam adotar uma escuta mais realista, considerando os laços sociais presentes sem que caiam na pressa de afirmarem os seus “diagnósticos” de toxicodependência.

Rocha e Eckert (2013) falam-nos da experiência do etnógrafo destacando a atenção flutuante na observação da vida social. Destacamos a importância dessa atenção flutuante, principalmente numa fase inicial da pesquisa, prévia à etapa em que se realiza observação detida e sistemática. Parte-se assim de uma posição em que não se sabe o que se vai descobrir, sendo necessário um trabalho de escuta demorada e paciente. Curiosamente, Freud (1996 a (1912)) fala-nos da escuta analítica com os seus pacientes, afirmando que é necessária uma atenção flutuante, algo que está na contramão de uma aprendizagem concentrada em determinadas informações que nos são transmitidas. É necessário que não nos fixemos em pré-conceções sobre aquilo que cada um de nós diz, deixando que cada ator possa, ele mesmo, construir o seu campo de novos significados. Este ponto de partida comum entre ambas as práticas- a psicanalítica e a etnográfica-, perante aquilo que escutamos, é realmente aquilo que pode apreender uma dada realidade na sua radicalidade – realidade esta que é simbólica e por isso artificialmente tecida, pois a realidade não está dada a priori e passa apenas a existir a partir daquele ou daquela que nos conta sobre ela.

É a partir desta posição de não-saber que o nosso fazer, tanto na psicanálise quanto na etnografia, extrai o seu material através de um saber inédito de cada indivíduo e sobre os laços sociais ali constituídos. A focalização e compreensão aprofundada das práticas e representações dos indivíduos é fundamental para a intervenção a partir da sociologia e da psicologia. Os encaminhamentos mais inusitados para serviços de apoio que já presenciámos, deram-se justamente a partir de uma decisão unilateral por parte do profissional em cena, sem que o outro falasse sobre o seu saber a propósito da sua interpelação. Para ilustrarmos a nossa afirmação, citaremos um caso acompanhado por Nicodemos no âmbito do trabalho desenvolvido pela equipa do “Consultório na Rua” (unidade móvel) no ano de 2012, no centro da cidade do Rio de Janeiro. Em 2012, João (nome fictício) tinha 29 anos e iniciou as suas idas à unidade móvel no Centro do Rio de Janeiro, solicitando cuidados médicos para um problema no seu olho esquerdo, pois sentia que estava a perder a visão. Os elementos da equipa já tinham ouvido dizer que o João estava a dormir na rua e que fazia uso intenso de cocaína, para além de participar na rede de tráfico de drogas existente no centro da cidade. Com frequência, ele chegava à unidade móvel apresentando hematomas e feridas de arma branca no seu corpo, relatando ter sofrido violência dos seus colegas da “boca de fumo”11

É importante considerar que João já estava em situação de rua há cinco anos, desde que se mudou do estado do Espírito Santo para a cidade do Rio de Janeiro e que, apesar de conseguir dinheiro através do tráfico de drogas e de alguns trabalhos informais que realizava na construção civil, nunca decidiu arrendar um quarto para si ou morar num abrigo da Prefeitura do Rio de Janeiro. João dizia com frequência aos elementos da equipa, o que considerava que supostamente eles gostariam de ouvir, isto é, partilhava os desejos de conseguir uma boa vida doméstica, laboral e íntima no âmbito familiar: “quero um trabalho digno, arrumar uma casa, resgatar minha família do Espírito Santo e parar de cheirar pó (cocaína)” (João, Centro do Rio de Janeiro, Brasil: março de 2012). Entretanto, todas as vezes que algum profissional de saúde tentava intervir para resolver as suas supostas mazelas psicossociais, ele reagia de forma bastante violenta, chegando a agredir um dos profissionais, ameaçando com atos de grande violência (João expunha-se a confrontos de rua bastante violentos).

Foi justamente o que os elementos da equipa sabiam sobre a vida na rua, a partir dos muitos casos que acompanhavam que permitiu que se suspendesse o furor curandis de reinserção social, passando simplesmente a escutá-lo no seu sofrimento. Aos poucos, João conseguia falar um pouco mais da sua história e reposicionar-se como ator face às escolhas que fazia como os seus únicos modos de satisfação, muitas vezes mortíferos. Passou a viver num quarto (dentro de um cortiço12 ) arrendado por ele próprio, com o dinheiro que ganhava e dizia estar usando pouquíssima quantidade de cocaína. Ingenuamente, a equipa passou a agir com júbilo às conquistas de João e com a sensação de “dever cumprido” face à redução da quantidade de drogas consumidas. A partir de certa altura, João passou a exprimir grande angústia ao psicólogo, dizendo que precisava voltar para a rua e que “já não aguentava mais aquela realidade”. Num dos atendimentos, mencionou que à medida que o seu uso de cocaína diminuía, “alguns pensamentos proibidos aumentavam”. Sobre estes pensamentos, dizia com grande sofrimento, que passou a ser invadido por eles todas as noites que chegava ao seu quarto e que encontrava um dos seus vizinhos pré-adolescente. Dizia que “sentia vontades sexuais estranhas” e que a cocaína era a única coisa que intercetava aqueles desejos. Falava que neste momento ficava “entre o ilícito (da droga) e o proibido (da relação sexual com um pré-adolescente)”, o que o fez decidir novamente pelo seu retorno à rua e ao uso de cocaína, até que outras soluções possíveis fossem encontradas.

Partindo do caso de João, notamos que algumas investigações etnográficas prévias já nos advertiam para o facto de que nem todos os que estão em situação de rua poderem ou quererem residir numa casa, tal como o urbanita padrão, como iremos designar este ideal de ego social. Contudo, ao escutá-lo na sua singularidade, foi possível darmos um passo em frente, percebendo o que impedia João de sustentar esta vida de urbanita padrão. A verdade é que até aos nossos dias, poucos são os psicanalistas que se disponibilizam para escutar estes indivíduos nos seus territórios e contextos de vida, algo que os cientistas sociais que realizaram etnografia sobre estes temas, já fazem há muito tempo. Escutar os indivíduos nos seus territórios e enfrentando as situações adversas que regem o seu quotidiano, é um contributo ímpar para que o fazer clínico possa proporcionar o acesso a pessoas que até então não poderiam beneficiar da metodologia psicanalítica.

Freud (1996 e (1919)) advertia-nos de que a metodologia psicanalítica precisava de ser reinventada (ainda que não perdesse o seu rigor concetual), para que pudéssemos alcançar um público diferente daquele sobre o qual se debruçou em Viena no início do século XX- as histéricas oriundas de uma classe social abastada. Em jeito de metáfora, ele afirmava que as suas descobertas clínicas eram como “ouro em estado de pureza” no campo médico, mas que face aos novos fenómenos sociais como a vida perpassada por constantes sofrimentos de algumas crianças e os homens que abusam de álcool, este ouro por ele encontrado, deveria fundir-se com o “cobre” de outras metodologias de trabalho para que pudesse ter implicações para a prática, proporcionando uma combinação entre tratamento analítico e outras abordagens práticas. Não podemos deixar de notar na forma como Freud hierarquizava os saberes, consagrando as suas descobertas como ouro, no entanto reconhecendo que as mesmas apenas teriam implicações para a prática, caso se conjugassem com outras metodologias.

Também encontramos inúmeras referências a estudos da sociologia e da antropologia em algumas passagens de obras de Freud como base estrutural mínima para que, a partir destes conhecimentos, pudéssemos desdobrar as nossas leituras teóricas. O próprio texto pré- psicanalítico de Freud, Über Coca (2017 (1884)), já destacava o conhecimento dos povos primitivos e das sociedades andinas em relação à utilização da folha de coca em tratamentos medicinais. Além deste texto, temos outras obras em que esta perspetiva sociocultural se expressou numa metáfora sobre a realidade psíquica, como no texto Totem e Tabu (1996 b (1913)) onde Freud recorre à realidade mítica para falar da dinâmica das neuroses e do tabu do incesto. Não é em vão que a história da psicanálise é mediada por críticas e interlocuções com diferentes antropólogos como Claude Lévi-Strauss (1975) e Bronislaw Malinowsky (1973). Ambos interrogaram a pretensão freudiana de que as suas descobertas fossem universais, mas sem deixar de reconhecer a grandiosidade da sua obra. Portanto, o nosso intuito não é a invenção de uma interlocução inédita entre dois campos de investigação, mas sim as implicações para a prática deste diálogo, entendendo como nos pode auxiliar em novos modos de atenção e intervenção nos mais variados territórios vividos por aqueles que connosco partilham os seus saberes e problemas.

3. Uma breve exploração etnográfica: o encontro com um território urbano e com um urbanita na rua cimo de vila

Para cumprir os objetivos propostos no Curso Avançado de Etnografia Urbana, era necessário explorar etnograficamente a Rua de Cimo de Vila, rua confluente com a Praça da Batalha, situada na cidade do Porto. Aqui buscámos elementos de reflexão, partindo da experiência dos dois autores do presente texto. Portanto, o recorte etnográfico foi realizado tendo em conta um critério de comparabilidade, isto é, o contexto explorado no Porto, deveria possuir elementos em comum com os territórios trabalhados previamente por Nicodemos no Brasil.

 

 

Inicialmente, partimos das coordenadas metodológicas da etnografia, delimitando o nosso recorte etnográfico, considerando que o mesmo se poderia expandir, de acordo com os elementos que emergissem do próprio trabalho de campo. Realizámos as incursões no território entre os meses de julho e agosto de 2017, em dias e horários diferentes da semana. Não conhecíamos ao certo a complexidade e as relações de poder existentes naquele território urbano que se estende de uma esquina de acesso à rua através da Praça da Batalha, onde de um lado existe o Hotel Mercure, um hotel de quatro estrelas vocacionado para turistas com considerável poder aquisitivo, e do outro, um prédio de habitação antigo. O contraste arquitetónico, social, cultural e económico atravessa os quase 300 metros de extensão da rua Cimo de Vila. Nesta rua convivem imigrantes originários de países como Bangladesh, Índia, Emirados Árabes e portuenses de idade avançada, com os seus comércios em prédios pequenos, alguns deles reabilitados para acolher turistas na modalidade de hostel. Sobre a Rua de Cimo de Vila, um dos nossos informantes, Raul (nome fictício), voluntário numa instituição de caridade, afirmou que:

“A Rua de Cimo de Vila é uma das poucas ruas do Porto que sobraram e que tem estas características, mas vai ser diferente, pois muitos destes prédios foram comprados. As pessoas que circulam na rua vêm para a instituição comer todos os dias, isto passou a acontecer porque os donos dos restaurantes da Praça da Batalha fizeram um acordo para realizar donativos para a instituição e assim evitar que os sem abrigo peçam comida aos clientes”. (Raul, rua Cimo de Vila, Porto: julho de 2017).

Percebemos que as palavras de Raul revelavam uma tensão entre o processo de turistificação da cidade e as práticas e estilos de vida antes presentes naquele território. Sabemos que, em 2011, cerca de 39% dos edifícios das freguesias da Sé, São Nicolau, Vitória e Miragaia se encontravam desabitados (Pereira, 2017). Estes edifícios são, entretanto, transformados em espaços de restauração, hotelaria e outro tipo de negócios pensados para o visitante ocasional. Na rua aqui explorada, foi possível perceber uma disputa pelo espaço pautada pela especulação imobiliária aliada ao processo de turistificação da cidade. Sobre este processo na cidade do Porto, o sociólogo João Queirós afirma:

“O turismo, apontado como força desorganizadora dos padrões da vida social, como responsável pelo aumento tendencial dos preços dos bens e serviços disponíveis na área e como elemento exponenciador das pressões do setor imobiliário sobre os moradores e os proprietários tradicionais, transforma-se, entretanto, muito frequentemente, na própria justificação de um direito a ficar. Como se pressentissem a impossibilidade prática de travar o curso da mudança, muitos moradores tentam encontrar nas lógicas associadas ao turismo a justificação para a garantia de um lugar nesse processo (“o segredo do centro histórico é esta gente”; “se isto não serve, tanto não serve para mim, como não serve para os turistas.” (Queirós, 2015)

Partindo da reflexão de Queirós (2015), será necessário acrescentar que os sem-abrigo em cidades do mundo que enfrentam processos de turistificação, são frequentemente excluídos desses processos. Eles são os primeiros a serem banidos dos territórios em mudança, como se verificou no caso do centro da cidade do Rio de Janeiro nas vésperas do Campeonato do Mundo de Futebol, e como os técnicos do dispositivo de atenção psicossocial chamado “Consultório na Rua” puderam constatar empiricamente. Parte importante do sofrimento psíquico e social daquela população nesse momento, residia no frequente recolher obrigatório, ao abrigo do qual se violavam os seus direitos básicos de circulação na cidade. Estas ações foram apresentadas como medidas de apoio ao tratamento do uso abusivo de drogas e as suas vítimas deslocadas para abrigos designados como “especializados para toxicodependentes” e distantes do centro da cidade. Apesar do problema se apresentar com outras roupagens e de os atores e meios serem distintos, um processo semelhante parecia estar a ocorrer na Rua de Cimo de Vila.

No cenário desta rua portuense, constatamos a presença de turistas e imigrantes em diferentes horários e dias da semana que circulavam entre o comércio (mercearias, lojas de venda de souvenirs, de couros e cabedais, de conserto de sapatos e roupas), ou nos bares e tascas, onde consumiam bebidas destiladas. Ao cair da noite, constatámos a abertura de portas de prostíbulos, nos quais trabalhadoras do sexo de meia idade se apresentavam à porta, com roupas e acessórios que denunciavam a sua pertença a uma classe social economicamente desfavorecida, além da circulação de um número maior de pessoas sem-abrigo e de homens que movimentavam um comércio silencioso nos cantos da rua. A par das descrições do contexto analisado, de acordo com vários períodos do dia, sistematicamente registadas em diário de campo, também nos dedicámos à compreensão da história do lugar. As características morfológicas atuais desta zona têm origem nos anos 1980, momento em que a praça sofreu uma reestruturação urbanística e se afirmou como ponto hoteleiro na cidade do Porto. Contudo, o seu nome, Batalha, tem origens no século X, quando ocorreu um grande confronto entre os sarracenos de Almançor e os habitantes da cidade, sendo que na ocasião os portuenses saíram derrotados. Uma parte das construções arquitetónicas históricas localizadas na Batalha datam do século XIX e XX, sendo que a Igreja de Santo Ildefonso localizada na parte norte da praça, foi reconstruída no ano de 1730.

Ao longo do trabalho observámos um contraste significativo entre a Praça da Batalha e a Rua de Cimo de Vila que, não sendo sede de hotéis para turistas, preserva algumas das suas características antigas, de uma cidade ainda não invadida pelo mercado do turismo e a especulação imobiliária (apesar de termos identificado um par de alojamentos locais). Em meados dos anos 2000, um argelino foi preso nesta rua por suspeita de participação em grupos de terrorismo internacional, o que fez com que a rua ganhasse novas marcas de estigma em relação aos imigrantes que ali viviam e ainda vivem13 . Analisando a diversidade sociocultural da rua, rapidamente se conclui que aquele espaço poderia ser alvo de estudos etnográficos centrados em diferentes temáticas. Contudo, decidimos focalizar o comércio e o consumo de drogas ilícitas.

A dinâmica do grupo dos sem-abrigo também fazia parte do trespassar psicotrópico daquele território, já que muitos deles consumiam cannabis, além de observarmos a presença de algumas pessoas alcoolizadas, mas sem níveis intensos de desorientação. Era notória a formação de grupos diferenciados entre os que usavam substâncias psicoativas ilícitas e lícitas. Com as incursões frequentes naquele território, evidenciou-se uma rotina dos sem-abrigo na rua. Eles formavam uma fila todos os dias por volta das 18h para receber o jantar oferecido pela instituição de caridade. Esta instituição funciona no anexo de uma igreja (Igreja da Ordem do Terço), edificação majestosa no meio dos pequenos prédios, revestida por azulejos típicos da cidade. Muitas das informações que recolhemos ali, foram oferecidas através de Joaquim14 , que estava na rua todos os dias da semana, naquele horário específico para o jantar. Ele referia que havia cenas que ali se repetiam, também com o grupo dos sem-abrigo. Aos poucos foi possível notar que muitos deles habitavam nas redondezas da Praça da Batalha. Sobre o atendimento aos sem-abrigo, Miguel (um outro voluntário da instituição, a quem nos aproximámos algumas vezes para conversar durante as suas pausas de trabalho, as quais usava para fumar no meio da rua, próximo dos sem-abrigo que ali permaneciam) disse que o seu trabalho naquele contexto já durava há mais de um ano e que notava a importância da presença de profissionais que se disponibilizassem para escutar os sem-abrigo, acrescentando que muitas das histórias que contavam eram muito tristes. Outra voluntária, Teresa, revelava o seu espanto ao conhecer aquelas histórias de vida de muitas perdas afetivas e materiais, mas que ao mesmo tempo eles tomavam decisões sobre os seus cuidados e o que deveriam ou não aceitar como caridade, “às vezes fico indignada pois eles são muito rudes e não percebem que estamos ali como voluntários e não como seus empregados” (Bianca, rua de Cimo de Vila, Porto: agosto de 2017).

Apesar do nosso interesse científico no uso de drogas ilícitas e no seu comércio, a presença dos sem-abrigo evidenciando consumos de álcool, era frequente. Joaquim, informante que mais esteve connosco no território, falou-nos do seu consumo de álcool, “dos copos que tomava todos os dias”, mas fazia uma separação entre ele e o seu grupo de amigos e os outros que usavam substâncias ilícitas como a heroína. Contou-nos a sua história, repetidas vezes, da saída de casa quando entrou em conflito com a esposa e das dificuldades que passava na rua nas noites de inverno. De modo irritado dizia que se usasse heroína, certamente “a ajuda social apareceria” (“mas como apenas bebo os meus copos e moro na rua sem perturbar ninguém, ninguém me ajuda”). “Existem as carrinhas para esses aí. Para nós que só vivemos nas ruas não há nada” (Joaquim, Rua de Cimo de Vila, Porto: julho de 2017). O discurso de Joaquim está carregado de lamento sobre a sua condição atual. Ao falar da sua história de vida, das perdas dos laços familiares, fala também de um sofrimento insistente, semelhante a outras histórias, mas com a a “escuta” da população sem-abrigo na rua de Cimo de Vila da Cidade do Porto”, marca da sua singularidade. Também se tornou notório que, apesar de Joaquim não nos falar sobre a sua história com o consumo de álcool, isto estava explícito de alguma forma, através da nossa escuta.

Neste sentido, como compreender um dado território urbano sem escutar um pouco as singularidades daqueles que o constroem? Isto não significa que todos os etnógrafos necessitem de formação clínica, mas que, numa aposta ética, consideramos que somos responsáveis por aquilo que escutamos e estamos implicados com os atores da nossa pesquisa. Muitas vezes somos apenas testemunhas do que nos dizem e este facto por si só, numa escuta implicada, produz efeitos de cuidado, pois quase ninguém pode escutar as suas histórias. Joaquim é um exemplo disso. Não estávamos ali para introduzir nenhum tipo de dispositivo clínico, mas identificámos que precisávamos testemunhar algo que ele nos contava sobre a sua vida, para além dos dados que recolhíamos para a nossa pesquisa. Aos poucos percebemos que o problema do uso de álcool naquele contexto e na vida dos sem-abrigo, possuía relações diretas entre si, mas também com todo o processo de turistificação local que em breve produziria novas marcas nas vidas de Joaquim e dos restantes, quer dizer novas ruturas. Na verdade, o uso abusivo de álcool e de outras drogas neste contexto de modificações da paisagem urbana, onde se deslocam populações para novas zonas metropolitanas e a deterioração da vida daqueles que permanecem nos territórios que sofreram algum tipo de intervenção ou mesmo daqueles que se mudam para as periferias, é apenas um aspeto que assola esta população. Queirós (2015) fala-nos da desdensificação populacional da região central da cidade do Porto para a ocupação de serviços destinados ao turismo a partir dos anos de 1970 e da deslocação destas populações para a zona do Bairro do Aleixo, por exemplo, bairro em que há constante atuação do narcotráfico na cidade.

“Com efeito, para além da acentuada desdensificação da Ribeira-Barredo registada ao longo da segunda metade da década de 1970 na sequência da saída de perto de quinhentas famílias para o Bairro do Aleixo e para outros bairros camarários, e para além da processuação do processo de transferência de moradores mal alojados do centro histórico para espaços de habitação pública, antigos ou recém-concluídos, localizados na periferia citadina.” (Queirós, 2015: 159)
Os atores sociais que observámos na Rua de Cimo de Vila, tinham naquela rua e na Praça da Batalha um lugar de circulação onde construíam os seus laços de vida com comerciantes, turistas que por ali circulam, entre si e com as instituições de apoio social. “Quando chega o inverno eu fico num canto dessas lojas e protejo-me do frio. Toda a gente aqui já me conhece”, disse José ao falar sobre a sua circulação naquele território.

Além deste diagnóstico mais macrossocial, notamos que outros Josés e alguns dos seus companheiros de rua pediam que adotássemos uma posição de escuta em relação aos seus testemunhos de vida e sobre aquele território. Para falar daquela rua, era preciso falar de si, tal como referido por diferentes voluntários da instituição de caridade:

“Enquanto servimos o jantar, eles falam das vidas deles, contam as suas histórias que são difíceis de serem ouvidas. Seria muito importante que existisse algum profissional que pudesse cuidar dessas coisas, pois para mim é muito difícil. Há dias em que saio daqui com algo muito pesado, sem saber o que fazer com todas aquelas histórias que oiço.” (Teresa, rua de Cimo de Vila, Porto, agosto de 2017).

Conclusão

As nossas idas ao campo tiveram como principal objetivo a construção de uma reflexão etnográfica, partindo de pontos de vista disciplinares distintos. Contudo, e a partir das experiências dos autores, a separação entre a escuta clínica e a escuta do etnógrafo não se sustentou na prática. Não foi possível ignorar esta dimensão que caraterizava aquele território, composta por discursos que se apresentavam apenas porque oferecíamos uma escuta interessada. Poderíamos sempre cingir-nos ao trabalho etnográfico tradicional de recolha de dados, mas não poderíamos fazer calar esta busca por falar. Por outro lado, estes discursos e representações, podem e devem ser considerados quando propomos estratégias de cuidados e de intervenção social e psicológica, partindo das nossas pesquisas. O contrário também se aplica: um psicanalista não poderá afastar-se de uma leitura que faça uma cisão entre um indivíduo e as marcas que lhe são impressas pelos seus territórios de vida.

Sabemos que o processo de gentrificação certamente provocará deslocações dos sem- abrigo e de outros grupos que ali se encontram (residentes e imigrantes com baixos recursos económico-sociais, profissionais do sexo, etc.) para outras zonas da cidade, assim como, provavelmente, dos traficantes de drogas ilícitas. Nestes contextos territoriais, escutar é também responsabilizar-se por aquilo que se escuta e dar alguma consequência ao que nos chega no plano macropolítico e também naquilo que constitui o território subjetivo de cada indivíduo, sejamos sociólogos ou psicólogos no exercício das nossas profissões. É fundamental conhecermos o nosso limite nesta escuta, o qual se relaciona necessariamente com os saberes teórico-empíricos e as ferramentas específicas de cada tradição disciplinar. Contudo, podemos apoiar estes atores a acederem a uma rede de cuidados que garanta um mínimo de atenção psicossocial e propor à cidade novas medidas de intervenção que considerem estas experiências

investigativas. A escuta pede respostas que estão em consonância com o processo de invenção de novos destinos e lugares para o indivíduo, primeiramente no vasto mundo do Outro, lugar de uma estrutura de linguagem, como nos aponta Lacan, e depois e a partir disso, outros lugares possíveis na cidade para que também possam servir de referência para o acolhimento destes indivíduos. A partir deste percurso, surge uma reflexão que poderá eventualmente ser útil para os investigadores que exploram o território urbano, orientados por estas metodologias de pesquisa. A nossa proposta de trabalho clínico-etnográfico ou etnográfico-clínico (depende do que está na frente nesta ordem de palavras conectadas por um hífen), é também demonstrar em concreto, a responsabilidade do campo académico que, muitas vezes, toma o saber destas populações nestes territórios apenas como um objeto final das suas pesquisas, sem consequências práticas das conclusões alcançadas. Existe, sem dúvida, um compromisso ético e político com os atores da s nossas investigações e intervenções sociais e psicológicas. O campo académico não pode tomar estes cidadãos apenas como seus objetos de investigação, mas também permitir que as suas vozes sejam escutadas, tanto na sua dimensão singular a partir dos impasses singulares de cada um, como na sua dimensão coletiva.

Deste modo, e para finalizarmos, salientamos que escutar é também responsabilizarmo- nos por aquilo que ouvimos. Tanto o etnógrafo como o psicanalista, querendo ou não, embatem nos limites das suas formações disciplinares, onde pedidos, coletivos ou da esfera íntima, se colocam pedindo soluções pragmáticas, mas as suas respostas não existem a priori e nem sabemos se devemos ou não os auxiliar nas suas buscas. Entretanto, o encontro com estas pessoas produz efeitos quando os escutamos e este facto não pode ser negligenciado. Não podemos ignorar os efeitos de uma escuta implicada (e também o que dizemos a partir da nossa posição de “especialistas” e/ou académicos) daqueles com quem falamos, já que contar as suas histórias tem consequências sobre eles e os seus grupos. Ao escutarmos o que Joaquim e o que os outros sem-abrigo tinham para nos dizer sobre a Rua de Cimo de Vila, percebemos que eles nos falaram sobre as suas vidas, as suas dificuldades e sobre a circulação na cidade. O processo de gentrificação existente na cidade do Porto e as suas consequências na vida de cada um daqueles atores sociais, requer respostas em diferentes escalas.

Na nossa primeira ida ao campo, ainda na Praça da Batalha, comprámos doces numa loja como uma estratégia de aproximação aos comerciantes locais. Quando perguntámos à vendedora sobre a relação entre os comerciantes e os sem-abrigo que ali circulavam, ela disse: “Eles não se misturam, ficam na deles” (Júlia, Praça da Batalha, Porto: julho de 2017). Ao escutarmos os comerciantes e aqueles que circulam pela praça e pela Rua de Cimo de Vila e que são considerados sem-abrigo, percebemos que há fronteiras simbólicas que não estão marcadas pelas ruas e os restantes elementos da arquitetura urbana, - os sem-abrigo também não falam de interações sociais significativas entre eles e os comerciantes locais a não ser pontualmente para pedir água e comida, ou quando são expulsos dos estabelecimentos comerciais, pelo facto de fazerem estes pedidos aos clientes locais –, mas sim por obstáculos que dizem respeito às diferenças de condição social e como aquela região da cidade cumpre uma função social para cada um dos grupos. Podemos concluir que a Rua de Cimo de Vila, à semelhança dos espaços urbanos do Rio de Janeiro que foram referidos, apesar de comportar diferentes grupos sociais (alguns que apenas circulam e outros que ali permanecem por muitas horas e dias), estabelece fronteiras intransponíveis entre os indivíduos que possuem relações apenas pontuais, mas não convivem no sentido mais sctricto do conceito de conviver (viver com).

Os processos de mudança urbana que acontecem um pouco por todo mundo, produzem deslocações de milhares de pessoas todos os anos para as periferias das cidades. As evidências científicas encontradas em diferentes trabalhos, assim como os nossos resultados obtidos a partir da escuta clínico-etnográfica, oferecem-nos material para afirmarmos que há um efeito de segregação nestas dinâmicas sociais com uma forte intervenção dos poderes públicos, para que os espaços centrais das cidades sejam lugares pensados para os visitantes ocasionais, que os usam como lugares de passagem ou de curta permanência. As consequências destas ações que unem dinâmicas do capital, conciliando interesses privados e públicos, abrem caminho para diferentes situações sociais de pobreza e exclusão, assim como de sofrimento psíquico para os residentes que por se deslocarem para as regiões periféricas, rompem os seus laços comunitários de solidariedade constituídos por indivíduos e instituições. A partir da instituição C.A.S.A (assim como das velhas mercearias dos imigrantes e das casas de prostituição), de cada vez que voltávamos ao campo para o nosso trabalho de investigação, notávamos um avançar acelerado de trabalhos de construção civil, provavelmente a maioria deles serão para arranjar casas que servirão os turistas que ali se instalarão provisoriamente. Esta informação foi avançada no terreno por um dos pedreiros que trabalhava nas obras de uma das casas (António, Rua de Cimo de Vila, Porto: agosto de 2017).

Cidades como o Porto, assim como o Rio de Janeiro, experimentam interferências constantes em nome da produção de cenários turísticos cobiçados por pessoas do mundo inteiro. Além de gerarem lucros mais diretos no âmbito do setor turístico, também influenciam a especulação imobiliária, aumentando o valor das rendas e da venda de imóveis. Como resultado deste processo e como metodologia de ação (através do impulso de processos de mudança urbana), todos os atores considerados desviantes e não desejáveis pelos poderes públicos, são deslocados para as regiões periféricas, contribuindo para a segregação de bolsas de pobreza, nas quais os problemas psicossociais predominam. Deste modo, cabe-nos a nós, através das nossas metodologias etnográficas, psicanalíticas, entre outras metodologias ao dispor, colocarmo-nos como aqueles que dão voz a estes indivíduos frequentemente silenciados. Pensamos que este trabalho de reflexão ainda está muito longe de ser concluído, mas pensamos que dá um passo além nesse sentido.

 

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Endereço de correspondência Faculdade de Psicologia na Universidade Salgado de Oliveira (Campus de Niterói, Rio de Janeiro, Brasil)Campus de Niterói, Rio de Janeiro, Brasil. Email: jconico@yahoo.com.br

 

Artigo recebido em 25 de maio de 2018. Aprovado para publicação em 3 de setembro de 2018

 

Notas

1 Os cursos de formação contínua de Etnografia Urbana (introdução e avançado) são lecionados por Lígia Ferro na Faculdade de Letras da Universidade do Porto desde o ano letivo de 2014/2015. Até ao momento, o curso de introdução à etnografia urbana teve seis edições e o curso avançado de etnografia urbana, uma edição.

2 A propósito veja-se também Ferro et al, (2014).

3 Julio Nicodemos encontra-se a desenvolver a sua pesquisa de doutoramento sobre a práxis clínica com populações em vulnerabilidade em conjunto com estratégias de redução de riscos e minimização de danos e o impacto das políticas de descriminalização das drogas nos tratamentos destes indivíduos. As políticas e estratégias de Redução de Riscos e Minimização de Danos relacionadas com o consumo de drogas e as epidemias da SIDA e hepatites virais, surgiram na Holanda e expandiram-se para diferentes países do mundo na passagem dos anos 80 para os anos 90, com o intuito de interferir no impacto destas epidemias.

4 A Escola de Chicago foi o principal núcleo de inovação para os estudos das ciências sociais ao final do século XIX e início do século XX, tecendo uma abordagem às questões suscitadas pelas diferentes populações que devido ao processo de industrialização das cidades, passaram a ocupar novos territórios e estabeleceram novas dinâmicas nestes espaços. Como exemplo destes estudos, podemos destacar o livro paradigmático de Whyte (1943), Street Corner Society e o modo como através da metodologia etnográfica, as ciências sociais se puderam aproximar destas populações, descrevendo-as e analisando-as de modo aprofundado, rigoroso e inovador.

5 Ano em que o pesquisador concluiu a sua Residência Multiprofissional em Saúde Mental na Rede de Atenção Psicossocial de Niterói (RJ).

6 Projeto promovido pela APDES (Agência Piaget para o Desenvolvimento) e financiado pelo ex-Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT); para mais detalhes conferir Ferro et al. (2014).

7 A expressão clínica psicossocial tem a sua origem na reformulação da assistência em saúde mental no Brasil que ocorreu a partir do início dos anos 200 com a Reforma Psiquiátrica Brasileira. Esta expressão refere-se ao cuidado clínico de pessoas em sofrimento psíquico nas instituições que compõem a rede de atenção psicossocial (nos Centros de Atenção Psicossocial, ambulatórios de saúde mental, etc.). A principal característica da clínica psicossocial é justamente a possibilidade de intervenções fora dos settings clássicos de psicoterapia, como por exemplo espaços coletivos ou territórios de vivência dos atores sociais.

8 São aqui como exemplos, o trabalho Outsiders de Becker (1963), The Drug Takers de Jung (1971) e Wheeling and Deling de Adler (1985). Todos estes trabalhos consistem em estudos etnográficos realizados por sociólogos que envolvem o tema do uso e do tráfico de drogas com populações mais ou menos “socialmente invisíveis”.

9 A Banda de Moebius é uma figura topológica inventada em 1858 pelo astrônomo e matemático alemão August Ferdinand Moebius.

10 Transferência é um conceito fundamental descrito por Freud (1996 a (1912)) e retomado por Lacan (1998 a (1951)) para a compreensão de um vínculo específico entre o paciente e o seu analista. Trata-se do motor do tratamento, permitindo que cada indivíduo possa endereçar os seus pedidos e a partir daí desdobrá-los no percurso dos seus tratamentos. Apesar do conceito de transferência apontar a especificidade deste vínculo do trabalho clínico, todo e qualquer indivíduo pode endereçá-la (a transferência) a alguém que ele supõe possuir um saber que poderá ajudá-lo. Contudo, é o psicanalista que irá considerá-la como ferramenta fundamental de trabalho.

11 Estabelecimento ilegal de comércio de drogas situado em comunidades e favelas.

12 Casa que funciona como uma habitação coletiva para a população socioeconomicamente desfavorecida.

13 Informações históricas recolhidas com os nossos informantes e no jornal Público de 05 de dezembro de 2007. https://www.publico.pt/2007/12/05/jornal/viagem-a-volta-do-mundo-na-rua-do-cimo-de-vila-240261 (Consulta realizada em 10 de outubro de 2017).

14 Todos os nomes citados neste artigo são fictícios.

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