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Sociologia

versión impresa ISSN 0872-3419

Sociologia  no.tematico8 Porto dic. 2018

https://doi.org/10.21747/08723419/soctem2018ap 

ARTIGOS

Nota de apresentação

Da ambivalência do turismo na transformação das cidades

1 João Teixeira Lopes,1 Helena Vilaça, 1Natália Azevedo

1 Faculdade de Letras da Universidade do Porto - Instituto de Sociologia da Universidade do Porto

Endereço de correspondência

 

As cidades são um extraordinário laboratório de acelerada e permanente recomposição social. Este número temático da Sociologia: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto - Cidade, cultura e turismo: novos cruzamentos - aborda essa perspetiva partindo da relação entre urbes e fenómenos turísticos.
Na verdade, habitamos cidades perpassadas por dinâmicas translocais e transnacionais. O que não significa, bem entendido, que os enraizamentos (sociais, culturais, territoriais) tenham perdido a sua pertinência heurística. Globalização e localização atuam em copresença, de forma contraditória, tensa, sobre determinada e dialética. Nem as cidades perdem as suas singularidades, nem se transformam em cidadelas inexpugnáveis e autárcicas. Só dessa forma, aliás, poderão ser pontos relevantes em redes mais vastas.
As mobilidades multipolares, de uma forma ampla, têm-se intensificado. O turista transporta o desejo da flânerie mas o tempo é curto e a deambulação ocorre, muitas vezes, antes e depois da viagem, na visita virtual antecipada e no retorno à cidade através do olhar que divaga pelas memórias fotográficas. O autóctone adquire contornos do fremden. Não é o “estranho” que chegou hoje e fica para amanhã, porque já lá estava, mas também já não é o “nativo” porque a rua, a varanda ou o café – materialidades do seu grupo de pertença – estão mais distantes.
Nas negociações entre centro e periferia e no redesenhar da divisão internacional do trabalho após a grande recessão de 2008, as cidades do sul da Europa reforçam o protagonismo nos circuitos turísticos, repetidas vezes anunciado como panaceia infalível.

As consequências, contudo, são ambivalentes, estando longe de poder ser apreendidas por uma lógica de sentido único. Alteram-se prioridades de política pública, densificando os usos turísticos do espaço e gerando novas oportunidades de integração económica. Intensificam-se oportunidades de interação multi e intercultural, com surgimento de reportórios e identidades glocais. Mobilizam-se recursos para a reabilitação, a regeneração, a renovação ou a requalificação urbanas. Por outro lado, novos usos da propriedade (como o alojamento local e formas “criativas” de especulação imobiliária) criam perversos efeitos de gentrificação (com caraterísticas distintas de anteriores vagas – daí falar-se amiúde em gentrificação turística – mas com idênticos efeitos de rent gap, inflação imobiliária, concentração da propriedade e filtragem social). Critica-se o artificialismo de intervenções fragmentárias altamente devedoras de uma lógica de “fachadismo”, já que que os processos de regeneração dos núcleos urbanos, ainda que visem a minimização da degradação, do abandono local e atração de novos habitantes, redundam amiúde numa lógica pobre de embelezamento, artificialização e desvirtuação identitária. A pegada ambiental torna-se mais pesada e exige novas e integradas respostas. De igual modo, a paisagem urbana vai-se modificando, ocupando espaços anteriormente degradados ou até mesmo vazios, ressignificando usos e ocupações, prestando uma (desmesurada?) atenção aos centros históricos, aos patrimónios consagrados e às narrativas de invenção da tradição e da autenticidade, com poderosos e por vezes não pretendidos efeitos de tematização, trendificação e disneyficação. Novas e sobrepostas desigualdades (sociais e territoriais) vão-se impondo. Classes, grupos e espaços ganham visibilidade, enquanto outros entram na sombra e alguns nunca saem da escuridão onde sempre estiveram mergulhados. Espaços públicos, edifícios e vias são transformados pelo diapasão de um urbanismo genérico, de fantasia e ficção, igual em toda a parte e por isso monótono e entediante. No ciclo de valorização/destruição das mercadorias, as cidades hoje efervescentes correm o risco do esquecimento futuro, caso não se façam as escolhas acertadas de políticas públicas de desenvolvimento urbano que sejam mais do que navegação à vista.
Todas estas questões são abordadas, de forma plural e sob perspetivas complementares, nos diferentes textos.

O trabalho de Luís Vicente Baptista, Jordi Nofre e Maria do Rosário Jorge, “Mobilidade, Cidade e Turismo: pistas para analisar as transformações em curso no centro histórico de Lisboa” aborda a magna questão da centralidade das mobilidades nas transformações urbanas, particularmente através dos processos de gentrificação, turistificação e ludificação dos territórios. A partir de um estudo etnográfico em Alfama e no Bairro Alto, propõem-nos, na senda de Amar (2010), que consideremos as implicações sociais e territoriais do homo mobilis, estimulado pela viragem turística das sociedades globais, em íntima articulação com as tendências do capitalismo flexível. De igual modo, os autores questionam o papel determinante das políticas públicas na promoção da turistificação de Lisboa e nos processos de estudantização e de ludificação dos bairros históricos da cidade, gerando novos conflitos sociais.

Diogo Vidal, por sua vez, inspira-se na ritmoanálise de Henri Lefèbvre (1974; 1981) e na visualidade e sensorialidade da cidade para dar conta, através da metodologia dos mapas mentais construídos por estudantes universitários, das diferentes formas de ler e imaginar a cidade do Porto, através de uma interpretação da urbe como um espaço plural, multivocal e multissensorial (“A cidade imaginável: elementos para uma viagem visual e sensorial na cidade do Porto“). Na senda de Kevin Lynch (1960) e Carlos Fortuna (1999), questiona-se sobre as experiências urbanas e a sua legibilidade, concluindo que o Porto é uma pólis com potencial de imaginabilidade, pois possui espaços identitários e organizações das perceções e roteiros, reais e/ou imaginários.

No cruzamento entre a sociologia da arte, da cidade e da cultura, Ricardo Klein dá-nos conta do seu trabalho de pesquisa comparada em cidades como Barcelona, Berlim, Porto, Montevideo e Lima (“La ciudad y el turismo. Experiencias desde la gestión del street art”). Partindo de uma análise documental e visual de obras de street art, nomeadamente graffitis, o autor mostra-nos como o mainstream do negócio e das instituições urbanas apropria e valoriza o graffiti enquanto forma de salvaguarda e revitalização do património, a par da inserção em circuitos artísticos internacionais que atraem significativos fluxos turísticos. Ricardo Klein acentua ainda o cariz ambivalente deste movimento, pois os seus efeitos tanto podem ser de fortalecimento dos laços comunitários como de alavancagem de processos emergentes de gentrificação.
Tiago Miranda mergulha no “olhar turístico” (“The touristic Porto – gazing over the city”) e mostra como a cidade se tornou um modelo de City Break. Ainda que regida sob a lógica de um turismo de massas, a dinâmica turística do Porto, segundo o autor, consegue uma aura de singularidade e “autenticidade”, fortemente enraizada nas origens, percursos e projetos dos turistas, mas também naquilo que há de intrínseco na experiência turística: uma rotina não rotinizada, em que o extraordinário irrompe com fulgor.

Finalmente, Lígia Ferro e Julio Cesar Nicodemos (“Entre o fazer etnográfico e o fazer psicanalítico: reflexões sobre a «escuta» da população sem-abrigo na Rua de Cimo da Vila, cidade do Porto”) cruzam sociologia, antropologia e psicanálise, à escala de uma rua do Porto. Analisando os discursos da população sem-abrigo, estabelecem ligações com os fenómenos mais vastos das deslocações, segregações e relegações urbanas, não se coibindo de lançar desafios epistemológicos, metodológicos e deontológicos através da construção de um trabalho clínico- etnográfico ou etnográfico-clínico.
Em suma, estamos na presença de um número com fortes afinidades temáticas, conceptuais e metodológicas, ainda que jogando numa observação pluriescalar (a rua, o centro histórico, o bairro, as cidades, o capitalismo global…). Não por acaso, há uma mesma rede de conceitos mobilizada, em diferentes apropriações, por vários autores. Denota-se, igualmente, ainda que enquadrada numa preferência pelos métodos mistos, uma forte adesão à abordagem etnográfica, como olhar ou perspetiva, articulação de difer entes técnicas, relacionação local/global e catalisadora de relações sociais de pesquisa em que o investigador é chamado a desempenhar um papel central de crítica, reflexividade e imaginação. E, como tal, de intervenção possível sobre os territórios urbanos.

 

Referências bibliográficas

AMAR, Georges (2010), Homo Mobilis. Une civilisation du mouvement. Paris: FYP, La Fabrique des Possibles         [ Links ]

LEFBVRE, (1974), La production de l'espace, Paris: Anthropos - (1981) Critique de la vie quotidienne, III. De la modernité au modernisme (Pour une métaphilosophie du quotidien) Paris: L'Arche.

LYNCH, Kevin (1960), The Image of the City. Cambridge MA: MIT Press         [ Links ]

FORTUNA, Carlos (1999), Identidades, Percursos e Paisagens Culturais . Oeiras: Celta         [ Links ]

 

Endereço de correspondênciaUniversidade do Porto . Faculdade de Letras, (FLUP) .Instituto de Sociologia (IS-UP) (Porto, Portugal). Via Panorâmica s/n, 4150-564 Porto. Portugal. E-mail:jlopes@letras.up.pt

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