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Sociologia

Print version ISSN 0872-3419

Sociologia vol.35  Porto June 2018

https://doi.org/10.21747/08723419/soc35a4 

ARTIGOS

A Composição Sociopolítica do Legislativo Brasileiro: uma análise da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (2004-2015)

The Socio Political Composition of the Brazilian Legislative: an analysis of the Environment and Sustainable Development Commission (2004-2015)

La Composition Sociopolitique du Législatif Brésilien: une analyse du Comité sur L'environnement et le Développement Durable (2004-2015)

La Composición Sociopolítica del Legislativo Brasileño: un análisis de la Comisión de Medio Ambiente y Desarrollo Sostenible (2004-2015)

Carolina Pimentel Corrêa

Pesquisadora de Pós-Doutoramento (PNPD/CAPES) no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, Brasil). Email:carolpimentelcorrea@gmail.com

Endereço de correspondência

 


RESUMO

O Legislativo, tradicionalmente estudado pela Ciência Política, é um objeto que também pode e deve ser analisado pela Sociologia Política. A proposta deste artigo, recorrendo à teoria de Pierre Bourdieu, é mapear a composição sociopolítica da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados Brasileira no período entre 2004 e 2015. Com base na análise dos Relatórios Anuais da Comissão, observamos o nível de escolaridade, o sexo, a faixa etária e as profissões dos Deputados que a compõem. A pesquisa também salienta o tempo de permanência dos parlamentares na Comissão, bem como a sua distribuição dentro dos diferentes partidos.

Palavras-chave : legislativo; comissão, composição sociopolítica.

 


ABSTRACT

The Legislative power, traditionally studied by Political Science, is an object that can and should also be analyzed by Political Sociology. Using Pierre Bourdieu's theory, this article aims to observe the sociopolitical composition of the Environment and Sustainable Development Commission of the Brazilian Chamber of Deputies from 2004 to 2015. Based on the analysis of the Annual Reports of the Commission, this paper observes the level of schooling, gender, age group and the professions of the members of parliament. The research also highlights the length of time the parliamentarians spend in the Commission, as well as their allocation into the different parties.

Keywords : legislative; commission, socio political composition.

 


RÉSUMÉ

Le Législatif, traditionnellement étudié par la Science politique, est un objet qui peut et devrait être analysé par la sociologie politique. La proposition de cet article, en utilisant la théorie de Pierre Bourdieu, est de mettre en évidence la composition sociopolitique du Comité sur L'environnement et le Développement Durable de la Chambre des Députés Brésilienne de 2004 à 2015. Sur la base de l›analyse des rapports annuels de la Commission, le texte se propose d‘observer le niveau de scolarité, le sexe, le groupe d'âge et les professions des parlementaires. Le sondage souligne également le temps passé par les parlementaires dans la Commission, ainsi que la répartition de ceux-ci dans différentes parties.

Mots clés: legislative; Commission; composition sociopolitique.

 


RESUMEN

El Legislativo, tradicionalmente estudiado por la Ciencia Política, es un objeto que también puede y debe ser analizado por la Sociología Política. La propuesta de este artículo, recurriendo a la teoría de Pierre Bourdieu, es mapear la composición sociopolítica de la Comisión de Medio Ambiente y Desarrollo Sos- tenible de la Cámara de los Diputados Brasileña en el período de 2004 a 2015. Sobre la base del análisis de los Informes Anuales de la Comisión, el texto observa el nivel de escolaridad, el sexo, franja etaria y las profesiones de los parlamentarios. La investigación también subraya el tiempo de permanencia de los parlamentarios en la Comisión, así como la distribución de éstos en los diferentes partidos.

Palabras clave: legislativo; comisión; composición sociopolítica

 


Introdução e Contextualização do Problema1

O Legislativo é um dos poderes constitucionais mais relevantes dos regimes democráticos. Trata-se da instituição dedicada à representação popular, na qual os partidos e os seus políticos profissionais expressam os interesses e as demandas da sociedade. Noutras palavras, o parlamento é o espaço onde são tomadas as decisões sobre legislação, bem como onde se travam os debates iniciais do processo de formulação das políticas públicas. Além disso, o Legislativo também é crucial para a governabilidade. Em regimes parlamentaristas, como a Inglaterra, o Poder Legislativo é fundamental, porque o parlamento é responsável pela formação do governo; isto é, o Poder Executivo, nas figuras do gabinete ministerial e do Primeiro-Ministro, deriva da maioria legislativa. Já em países de regime semipresidencialista, como Portugal, o parlamento também desenvolve um papel relevante, pois, normalmente, o Presidente da República designa como Primeiro-Ministro o chefe do partido maioritário. Por outro lado, no presidencialismo, embora a maioria legislativa não esteja diretamente associada à formação do Poder Executivo, a relação de colaboração entre o Legislativo e o Executivo é extremamente importante para a governabilidade, porque o Poder Legislativo pode depor o Presidente mediante processo de impeachment, tal como aconteceu no Brasil em 1992 e 2016.

Por ser uma das engrenagens centrais das democracias, o Legislativo acabou por se tornar um dos principais objetos de investigação da Ciência Política, especialmente interessada na sua análise institucional. No caso brasileiro, por exemplo, destacam-se, com esse viés teórico, os trabalhos de Abranches (1989) – que salientou o facto do modelo político brasileiro funcionar como um Presidencialismo de Coalizão –, de Figueiredo e Limongi (1999) – que destacou os aspectos procedimentais do processo legislativo como explicação para a elevada coesão partidária na Câmara dos Deputados – e de Santos (2000) – que avaliou a interação dos partidos políticos com as Comissões Legislativas.

Não obstante as contribuições trazidas por tais estudos, torna-se necessário constatar que o tipo de abordagem adotada pelos cientistas políticos não lhes permitiu observar outras instâncias igualmente importantes desse fenómeno. Frequentemente, as suas análises restringiram-se às tomadas de decisão parlamentar em Plenário e nas Comissões, considerando-as tão somente escolhas estratégicas de atores racionais-instrumentais. Indubitavelmente, esse estreitamento do ângulo interpretativo do fenómeno foi favorecido pelo facto de que, por alguma razão, o Legislativo despertou pouco interesse nos sociólogos brasileiros e, consequentemente, acabou por se tornar um objeto quase exclusivo da Ciência Política. O problema dessa negligência por parte dos sociólogos e da abordagem restritiva dos cientistas políticos em relação a esse objeto é que aspectos relevantes do processo legislativo permanecem desconhecidos, e somente poderão ser investigados por meio de uma perspectiva sociológica, o que permitirá uma mudança do enfoque teórico e metodológico e a abertura de uma nova agenda de pesquisas.

Portanto, é indispensável que os sociólogos se dediquem a estudar as instituições políticas e que, em diálogo com a produção da Ciência Política, possam contribuir para um conhecimento mais acurado do Legislativo. Essa aproximação da Sociologia, inclusivamente, faz todo o sentido, pois o parlamento é um espaço de representação política no qual a presença, direta ou indireta, de diferentes classes, grupos de interesses e setores da sociedade civil organizada é decisiva. Por outras palavras, num país democrático, organizado com a divisão dos Poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judicial), o Poder Legislativo é o que tem maior permeabilidade com a sociedade civil. Além dos parlamentares serem os representantes diretos dos seus eleitores, o Legislativo possui canais de interface com a sociedade. As Comissões Legislativas existentes no Brasil, por exemplo, enquanto órgãos técnicos e especializados que compõem a Câmara dos Deputados, realizam audiências públicas que permitem essa interação com grupos societários. Nesses espaços, portanto, o debate em torno da formulação de políticas públicas não se restringe aos agentes políticos profissionais e, assim, configura-se um locus no qual se manifestam as trajetórias sociais dos próprios parlamentares, cujos diferentes capitais políticos, que transcendem a esfera do Estado, influenciam tanto as práticas como a composição do campo político.

Com efeito, cabe à Sociologia Política analisar em profundidade esse espaço institucional de interação e seus atores – a Ciência Política, por orientação teórica e até por uma questão de demarcação da sua área disciplinar, não se irá deter a tais aspectos. Obviamente, não se trata de afirmar aqui que nenhum cientista político ou mesmo sociólogo recorreu a instrumentos da Sociologia para estudar o caso brasileiro – alguns pesquisadores dedicaram-se a observar a composição social do Legislativo (Rodrigues, 2002), outros analisaram as elites parlamentares (Coradini, 2007; Codato, 2008; Perissinotto et al., 2009); porém, nenhum dos estudos de orientação sociológica abordou o principal canal de interface do Legislativo com a sociedade: as Comissões. Por outro lado, quando consideramos as investigações dedicadas à análise desse espaço político-institucional, constatamos que nenhuma delas adotou uma abordagem sociológica (Pereira e Mueller, 2000; Santos, 2000; Ricci e Lemos, 2004; Müller, 2005). Em suma, o estudo sociológico das Comissões Legislativas é necessário para preencher uma lacuna tanto na Ciência Política – défice sociológico – como na Sociologia Política brasileiras – défice de estudos sobre o tema.

A minha proposta, neste artigo, é contribuir para dar início ao preenchimento dessas lacunas. Para isso, recorro à teoria de Pierre Bourdieu e analiso a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara dos Deputados brasileira2. O objetivo central é compreender o modo como a Comissão se estrutura em termos da sua composição sociopolítica. Considero que uma análise desse tipo é o ponto de partida indispensável para a subsequente observação da Comissão na sua totalidade, como um espaço institucional e legislativo no qual os parlamentares interagem com diferentes segmentos da sociedade civil e tomam posição a respeito de diferentes temáticas (Corrêa, 2017).

A Câmara dos Deputados possui 25 Comissões Permanentes. A CMADS foi criada em 2004 e, desde então, disponibiliza Relatórios Anuais que compõem a base de dados utilizada nesta análise que cobre o período entre 2004 e 2015. Como enquadramento teórico dos dados, mobilizo a noção de campo político e os principais conceitos da teoria de Bourdieu. Conforme o autor, o campo político possui propriedades, ações, relações e processos particulares, de modo que a sua autonomia como um microcosmo influencia tudo aquilo que o compõe (Bourdieu, 1984; 2000). Assim, parto do pressuposto de que, enquanto um elemento do campo político, a CMADS também comporta o jogo de oposições e de distinções característico desse quadro de ação. A partir das diferenças de habitus e de interesses, os agentes que a compõem assumem diferentes posições e abrigam uma desigual concentração de capital (simbólico, político, económico). Assim, a fim de tentar perceber como se manifestam tais propriedades nesse espaço do campo político brasileiro, identifico e analiso as informações referentes à organização, estruturação e composição da referida Comissão.

Aspectos da estruturação e composição social

Observar o modo como se dá a composição social da CMADS facilita a compreensão do jogo político e, consequentemente, da disputa que ali se estabelece, bem como da posição que cada agente ocupa dentro desse microcosmo. Cada parlamentar é uma peça importante desse jogo interativo e, por isso, a sua formação, a sua profissão, o seu grau de interesse pela temática abordada e a sua trajetória política são aspetos que, em princípio, condicionam as suas tomadas de posição e definem o modo como os capitais são distribuídos dentro desse grupo. Cada agente político e cada partido tem disposições específicas, também entendidas como habitus, que irão estabelecer a dinâmica social do campo político e, consequentemente, das comissões.

Quanto ao escopo da composição desse espaço, o Regimento Interno da Câmara dos Deputados estabelece que nenhuma Comissão Permanente pode ter mais de treze centésimos e nem menos de três e meio centésimos do total de Deputados, desprezando-se a fração (Art.25, § 2º, RICD)3. Desse modo, sendo a Câmara dos Deputados composta por 513 parlamentares, uma Comissão Permanente pode ser formada por, no máximo, 66 e, no mínimo, 17 membros titulares. No entanto, o número de membros titulares que oficialmente compõem as diferentes Comissões Permanentes varia de modo bastante considerável. Algumas Comissões são constituídas por um alto número de membros – são os casos da Comissão de Minas e Energia, que é normalmente formada por 48 Deputados titulares e igual número de suplentes, e da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, para a qual esse número normalmente é de 66 Deputados titulares e o mesmo de suplentes.

No que concerne, especificamente, à Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS), em 2004, ano de sua criação, o Ato da Mesa n.º40 fixou em 23 o total de membro titulares e a mesma quantidade para suplentes.

Em 2005, o Ato da Mesa n.º 55 diminuiu esse valor para 18 Deputados titulares e 18 Deputados suplentes. Comparada às demais Comissões, a CMADS é uma das cinco que possuem o menor número de membros. Não se sabe ao certo o que motiva a Mesa a estabelecer esses valores, mas ao considerar que os partidos políticos, enquanto detentores do capital político delegado dos parlamentares, institucionalizam internamente diferentes papéis e tarefas políticas (Bourdieu, 2000), é possível supor que um dos motivos seja a falta de interesse dos Deputados, dos líderes de partido e dos próprios partidos em compor e priorizar indicações a determinadas comissões.

A quantidade de Deputados titulares que, anualmente, compõem a CMADS tende a manter-se durante o período analisado – algo próximo ao número fixado no Ato da Mesa n.º 55, de 2005. Entretanto, o número de Deputados varia de modo significativo dentro de um mesmo ano, pois os parlamentares migram de uma comissão para outra, deixam de exercer o mandato para assumirem cargos no Poder Executivo ou, ainda, solicitam algum tipo de licença. Por isso, nos dados da Tabela 1, são consideradas apenas as informações oficialmente apresentadas no início de cada Relatório Anual.

 

 

Como se pode observar, a quantidade de Deputados não varia muito, mas, atualmente, abriga um número menor de titulares em comparação com as vagas previstas no ano de criação da Comissão.

Quando procuramos qualificar esses dados ainda um pouco abstratos, podemos observar mais claramente algumas informações relevantes acerca de sua composição social. De início, é interessante identificar como se configura a participação de homens e de mulheres nessa esfera de representação. Normalmente, a Câmara dos Deputados brasileira conta com uma baixa quantidade de mulheres parlamentares e isso, por consequência, reflete-se nas diferentes comissões. Na Tabela 2, temos a discriminação da quantidade de homens e mulheres que foram eleitos para a Câmara dos Deputados nas últimas quatro eleições, o que nos permitirá ter um parâmetro para a análise da representação feminina no âmbito da CMADS.

 

 

De facto, a presença das mulheres na Câmara dos Deputados Brasileira é bastante baixa. Nas últimas eleições, o número de mulheres aumentou, é claro, mas em proporção ainda é muito assimétrico em relação à representação masculina. Isso fica ainda mais demarcado quando comparamos os dados sobre a representação política com a distribuição dessa população no país – segundo dados do último Censo, realizado em 2010, 51% dos brasileiros são mulheres. Num espaço hierarquizado como o campo político, no qual os novos intervenientes precisam atravessar uma espécie de iniciação que os coloca perante provas e ritos de passagem, ingressar como uma mulher pode representar um obstáculo a mais na incorporação do habitus do político, dada a existência de um poder simbólico presente na relação de dominação masculina (Bourdieu, 1998). Nesse sentido, mesmo que por intermédio de uma ordem simbólica, ao tratar-se de posições hierárquicas e de autoridade, um determinado grau de superioridade ainda é concedido ao sexo masculino.

Bourdieu (1998) explica que a representação androcêntrica da reprodução social e biológica se sustenta no senso comum, no sentido das práticas, de modo que as próprias mulheres incorporam essas relações de poder e aplicam-na a toda a realidade e, especialmente, às relações de poder em que se veem envolvidas. Tal conjuntura pode não só influenciar a presença das mulheres no Legislativo brasileiro como, também, intervir no modo como se sustenta a luta de forças dentro desse campo político e, particularmente, na Comissão em questão.

Apesar da pouca quantidade de mulheres eleitas para a Câmara dos Deputados, Deputadas quase sempre estiveram presentes na CMADS – apenas nos anos de 2006 e 2015 nenhuma Deputada apareceu como membro titular da Comissão. Como é possível observar na Tabela 3, as mulheres compuseram a CMADS em percentagem relativamente significativa em determinados anos.

 

 

Em 2010, por exemplo, de 18 membros, três eram mulheres – um valor que corresponde a 16,7% do total de membros naquele ano e que é bastante elevado quando consideramos que a representação política feminina eleita para a Câmara dos Deputados naquele período foi 8,8%. Isso deve-se, principalmente, ao facto de existirem algumas Deputadas que, em virtude de sua vinculação com a temática ambiental, se fizeram presentes na Comissão durante vários anos. Todavia, é importante salientar que a proporção de mulheres dentro da CMADS, que cresceu em 2007 até atingir o seu auge em 2010, voltou a declinar, chegando a atingir, em 2014, valores semelhantes aos alcançados nos anos iniciais da Comissão.

Consideremos agora a idade dos membros titulares da CMADS. A idade é uma variável estrutural importante, porque esta, de algum modo, se relaciona com a variável trajetória e, consequentemente, com a formação e a distribuição dos capitais. Ou seja, o tempo de permanência no jogo político relaciona-se diretamente com a posição hierárquica ocupada e o grau de influência que os agentes políticos possuem (Bourdieu, 1984; 2000). A probabilidade de um parlamentar de idade mais avançada ter iniciado a sua atuação no campo político há mais tempo é maior do que a de um jovem que já assume lugar semelhante no mesmo espaço político. Nesse sentido, a Câmara dos Deputados é composta, na sua maioria, por parlamentares de uma faixa etária específica – segundo os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nas eleições de 2014, por exemplo, dos 513 Deputados Federais eleitos, mais de 50% situavam-se na faixa etária entre os 50 e os 69 anos. No Gráfico 1, são apresentadas essas informações ilustrativas.

 

 

Na CMADS, tais valores, evidentemente, tendem a manter-se. Todavia, há algumas diferenças subtis: menor presença de membros jovens, com menos de 30 anos; maior concentração de membros na faixa etária que compreende o intervalo dos 55 aos 59 anos e a presença mais significativa de membros com mais de 70 anos. Dessa forma, ao observar a composição da CMADS apenas no ano de 2014, é possível perceber que grande parte dos membros titulares se concentra na faixa etária entre 55-59 anos (33,3%), que não existe nenhum membro com menos de 33 anos e que 19,9% dos membros tem mais de 70 anos. Quando se trata de todo o período analisado neste estudo, a Comissão revela características semelhantes, como se pode observar no Gráfico 2. Uma possível explicação para esse perfil é o facto de que a temática abordada pela Comissão exige um certo grau de conhecimento, de experiência política e/ ou de ligação com o assunto, principalmente no que se refere às questões referentes à legislação ambiental.

 

 

No campo político, conforme explica Bourdieu (2000), os agentes mais antigos “socializam” os mais novos e ensinam-lhes o modo como o jogo político acontece. A política não se faz com bons sentimentos, os novos jogadores precisam “ apprendre la langue de bois, les trucs, les rapports de forces, comment traiter avec des adversaires ” (Bourdieu, 2000: 59). Além disso, o capital político pessoal de notoriedade e de popularidade, nos termos de Bourdieu (1984), está associado a ser conhecido e reconhecido por meio, por exemplo, de um nome ou de uma boa reputação, algo que tende a ser maior com o passar dos anos. Assim, quanto mais experiência na carreira política, maior a possibilidade de ser reconhecido pelos eleitores, por agentes influentes no meio político ou por qualquer outro ator individual ou coletivo.

Entretanto, para perceber o modo como se estrutura o jogo político também é preciso lembrar que as aptidões e propensões para discutir política e participar no jogo político são distribuídas de modo desigual, ou seja, o acesso à política depende de diferentes condições sociais (Bourdieu, 2000). Mais do que a divisão do trabalho entre os sexos ou géneros, na qual as mulheres possuem uma propensão bastante menor para responder a questões referentes ao campo político, ainda se pode sublinhar, conforme salienta Bourdieu (1984; 2000), a importância do nível de instrução dos jogadores. Quando se trata da realidade brasileira, um facto que merece destaque é o alto nível de escolaridade dos parlamentares. De acordo com os dados da Tabela 4, nas últimas eleições, em 2014, 79,9% dos Deputados eleitos possuíam curso superior completo.

 

 

Um padrão que não representa, diretamente, o perfil da população brasileira. Apesar do número de brasileiros com nível superior completo ter aumentado nos últimos 10 anos (de 4,4%, em 2000, para 7,9%, em 2010), ainda apenas menos de 10% da população possui esse nível de escolaridade.

Esse número elevado de Deputados Federais com formação superior, obviamente, também é observado na CMADS, conforme indica a Tabela 5.

 

 

Inclusivamente, na Comissão, é interessante notar que, em termos longitudinais, houve um considerável incremento da percentagem de Deputados com nível de formação superior, especialmente a partir do seu 4º ano de funcionamento. Essa elevação pode ser decorrente de um aumento no nível técnico da discussão temática abordada pela Comissão, o que, por consequência, torna o debate mais específico e complexo, de modo a demandar um maior nível de instrução e mais conhecimentos especializados na área de meio ambiente.

A percepção teórica de que o nível de instrução dos Deputados, de alguma forma, indica que esses agentes dispõem de capacidades e aptidões necessárias ao “fazer política”, parece sustentar o perfil-padrão dos políticos que formam não só a Comissão em questão, mas a própria Câmara dos Deputados. No entanto, é preciso salientar que o capital político não se limita à questão educacional. O capital político, como uma espécie de capital simbólico, liga-se também à notoriedade – é um capital de reputação (Bourdieu, 1984; 2000). Portanto, por se tratar dos membros de uma Comissão Permanente que aborda uma temática específica dentro do campo político, é possível supor que o capital político deve estar associado, também, ao nível de especialização do parlamentar.

Desse modo, o nível de especialização dos membros da CMADS é uma variável bastante importante para a compreensão de sua estrutura sociopolítica. Trata-se de observar o político para além da sua formação educacional. Nesse caso, o conceito de especialização pode ser vislumbrado a partir de duas perspectivas diferentes, mas, muitas vezes, complementares. Uma, refere-se à profissão do parlamentar, a outra, diz respeito à conexão que o Deputado possui com a causa. Portanto, relacionar-se profissionalmente, ou mesmo indiretamente, com a matéria trabalhada pela Comissão, faz com que o político tenha uma maior familiaridade com os diferentes assuntos abordados e faz com que a sua presença e a sua fala nesse espaço sejam recebidas com algum grau de reconhecimento pelos demais. O Deputado que possui interesse pela causa tem maior propensão a envolver-se na discussão dos tópicos ali debatidos e a sustentar o seu capital no jogo político.

A cada ano, aproximadamente 30% dos membros da CMADS são formados em alguma profissão ligada à área ambiental. Em 2004, por exemplo, a Comissão tinha nove Deputados (42,8% do total de titulares daquele ano) cuja profissão se relacionava com o Meio Ambiente: extensionista rural, técnico em agropecuária, técnico em meio ambiente, petroleiro, engenheiro florestal, agropecuários, pecuarista, médico veterinário. Em 2013, essa percentagem também foi elevada – oito Deputados (44,4% do total de titulares daquele ano) enquadravam-se nas seguintes profissões: tecnólogo em cooperativismo, produtor rural, técnico em meio ambiente, biólogos, agricultor, engenheiro agrónomo, agricultor. No caso de ocupações não diretamente relacionadas com o tema, destacam-se cinco: advogado, administrador, empresário, médico, engenheiro civil. A Tabela 6 traz dados anuais sobre a proporção de Deputados com profissões relacionadas à temática da Comissão.

 

 

Entre 2004 e 2015, 91 Deputados diferentes compuseram a Comissão, como membros titulares. Destes, 29 tinham uma profissão relacionada com o Meio Ambiente – cerca de 32% do total. Contudo, esse dado por si só não é suficiente para a identificação do nível real de especialização dos parlamentares. Para isso, é preciso observar, também, qual a sua ligação pessoal com a temática. Essa variável é um pouco mais difícil de ser analisada, porque não basta observar o trajeto profissional dos parlamentares, é preciso perceber o modo de atuação desse agente no cenário político brasileiro, em especial no que diz respeito ao seu posicionamento perante determinados assuntos – é preciso identificar as suas “bandeiras” e as suas prioridades no âmbito de sua carreira política.

Desse modo, esta análise exige a observação de diversos fatores como as frentes parlamentares e grupos de trabalho dos quais o Deputado fez parte, as proposições de sua autoria que foram transformadas em norma jurídica, os fóruns e eventos nos quais participou, as possíveis publicações realizadas e, ainda, as Comissões das quais fez parte durante seus mandatos na Câmara dos Deputados. Com base nos dados disponíveis nos websites da Câmara dos Deputados e do Tribunal Superior Eleitoral, foi possível traçar um quadro desse nível de especialização.

Do total de 91 Deputados membros titulares da CMADS durante o período analisado, 43,9% (40) têm uma ligação significativa com a área ambiental. Uma percentagem menor de parlamentares, 18,7% (17), possui algum interesse na área, isto é, destacam o meio ambiente de alguma forma nas suas agendas, mas não apresentam uma participação ativa e constante em frentes parlamentares ou grupos de trabalho relacionados com a questão ambiental e/ou certo envolvimento com alguma proposição de lei que envolva a temática em causa. O grupo dos que não têm praticamente nenhuma ligação com a temática e, portanto, não priorizam essa matéria nas suas agendas, é composto por 37,4% dos parlamentares (34).

Nota-se, então, que a CMADS foi formada por um número considerável de Deputados que se envolvem com as questões do meio ambiente e que escolheram essa temática como um dos tópicos presentes na sua agenda. Isso significa que a Comissão foi adquirindo certo grau de tecnicidade que resultou numa composição cada vez mais especializada – os seus agentes compreendem as especificidades das matérias ali abordadas e, dessa forma, tendem a interessar-se pelo que pode ser deliberado pela Comissão. Segundo Bourdieu (2000), quanto mais o campo político se autonomiza, mais ele se profissionaliza e mais ele se afasta dos leigos, dos profanos, isto é, daqueles que não fazem parte do meio político, dos eleitores. Isto também pode servir para o caso das Comissões Permanentes, que foram criadas como espaços temáticos dentro da Câmara dos Deputados para tratar de proposições de lei específicas, que naturalmente requerem algum conhecimento na área.
A importância de associar o nível de especialização dos parlamentares e seu tempo de permanência na CMADS, mostra-se, assim, crucial. Dos 91 Deputados que foram membros titulares entre 2004 e 2015, 49 (53,8%) permaneceram na CMADS por apenas um ano. A maioria destes Deputados não trata o meio ambiente como prioridade em sua atuação parlamentar – mesmo que haja exceções, como alguns que até presidiram a CMADS. Por outro lado, 42 Deputados, 46,2%, permaneceram na Comissão por dois anos ou mais – um grupo no qual a grande maioria possui interesse pelo tema e sustenta na sua agenda política questões voltadas ao meio ambiente. Além disso, cabe salientar que nove Deputados permaneceram por cinco ou mais anos na CMADS. Seja como for, pode-se afirmar que o nível de rotatividade dos membros titulares é alto. Apenas dois parlamentares permaneceram como membros titulares durante todo o período analisado. Esses dados são exibidos no Gráfico 3.

 

 

A baixa permanência dos membros na Comissão pode ser decorrente de diversos fatores. É preciso observar, por exemplo, a própria existência do grupo de parlamentares que não se dedica à temática do meio ambiente e que permanece pouco tempo na Comissão. Eles ocupam esse espaço por força das circunstâncias, como alguma exigência partidária para preenchimento da cota que lhe cabe nesse espaço. Além disso, há o ciclo eleitoral – muitos Deputados não se reelegem4, seja porque se candidataram a outros cargos representativos, seja porque não tiveram votos suficientes para conquistar novamente a cadeira na Câmara.

De modo geral, as características identificadas até o momento correspondem a uma primeira aproximação sociológica da CMADS e, como tal, ajudam-nos a com- preender alguns aspectos de sua composição social. Em acordo com noção de campo político (Bourdieu, 1984; 1994; 2000), foi possível confirmar que existem fatores específicos que representam ou facilitam o acesso ao jogo político – um jogo no qual apenas as pessoas com determinadas aptidões participam, enquanto as demais são excluídas (Bourdieu, 2000). No caso desse estudo, os fatores identificados são educacionais, etários, de género e de especialização, compreendendo, também, o tempo de permanência na CMADS e a relação do político com a temática abordada pela Comissão. Isso evidencia não apenas o modo como os espaços do campo político são restritos, mas também aponta para a relevância dos interesses e dos diferentes tipos de capital do agente. Todavia, o campo político também é formado por um agente coletivo que dispõe de mais poder do que os agentes individuais e que ocupa uma posição central dentro do campo de lutas: o partido.

A presença dos partidos na composição sociopolítica

No contexto do campo político, os partidos são percebidos como organizações permanentes que almejam a conquista do poder no âmbito dos “poderes públicos” (Bourdieu, 1984). São organizações que se mobilizam para agregar militantes e eleitores com a finalidade de lhes propor não só uma doutrina, mas também um programa de ação e pensamento. Os partidos, então, são os maiores responsáveis pelo direito de acesso ao campo político e, consequentemente, à quantidade de capital político delegado que os políticos possuem (Bourdieu, 1984; 2000). No Brasil, no caso da Câmara dos Deputados, as vagas para membros titulares e suplentes dentro das Comissões são distribuídas de forma proporcional entre os diferentes partidos. O número de Deputados que cada líder partidário pode indicar à determinada Comissão é decorrente de um cálculo que leva em consideração o número de membros do partido ou bloco parlamentar, o número de membros de toda a Câmara e o número de cadeiras disponíveis em cada Comissão. Dessa forma, quem assume o papel oficial de indicação dos Deputados às diferentes Comissões são os líderes dos partidos. Mesmo que o parlamentar deseje participar ou permanecer em determinada Comissão, quem articula esse movimento é, sobretudo, o líder partidário.

As organizações partidárias, por conseguinte, representam uma peça importante no que diz respeito à formação das Comissões Permanentes. Dos 35 partidos que atualmente compõem o sistema multipartidário brasileiro, 17 estiveram presentes e representados na CMADS – considerando-se, também, partidos que já foram extinguidos, como o PFL5. De facto, a força e a posição de um partido no campo político brasileiro estão muito relacionadas ao número de jogadores que este possui e isso reflete-se não só nos acordos e coligações existentes entre os próprios partidos dentro do Legislativo e perante o Poder Executivo, mas também na formação das diferentes Comissões. Dessa forma, tendo como base o total de 91 Deputados que já foram membros titulares da CMADS durante o período analisado, é possível observar, no Gráfico 4, quais os partidos que indicaram mais parlamentares ao longo dos anos para compor a Comissão: o PT, o PMDB, o PSDB e o DEM.

 

 

Acontece que estes são os maiores partidos brasileiros tanto em relação ao número de filiados6, como no que se refere ao quantitativo de eleitos para o cargo de Deputado Federal. Isso pode explicar a maior presença de membros titulares desses partidos na composição da Comissão.

Porém, para perceber com mais clareza a ação dos partidos dentro da CMADS é preciso observar mais do que a quantidade de membros que cada partido indicou para a compor, é importante verificar se os partidos, e quais deles, mantêm os seus Deputados como membros titulares dessa Comissão. Esse tipo de análise, contudo, é mais difícil em virtude da elevada taxa de migração dos parlamentares brasileiros entre as diferentes legendas partidárias. Uma forma de se contornar esse problema é considerar o partido no qual o Deputado estava filiado no momento em que ele foi membro da Comissão. Procedendo assim, e se for observado apenas o conjunto dos 17 Deputados que foram membros titulares da CMADS por quatro anos ou mais, temos o Partido Verde (PV) como destaque, com três membros que permaneceram na Comissão por doze, sete e quatro anos. Mesmo sendo um partido que não elege muitos parlamentares, era de se esperar que o PV se dedicasse intensivamente à Comissão que trata de questões ambientais. Se aumentarmos o quadro de membros a ser observado e considerarmos os membros titulares que permaneceram três anos ou mais, o destaque vai para o Partido dos Trabalhadores (PT), com quatro Deputados que permaneceram na Comissão por três anos, um que permaneceu por quatro anos e outro que permaneceu por doze anos.

Consequentemente, não parece ser por acaso que os dois únicos Deputados que compuseram a Comissão como membros titulares durante todo o período analisado, entre 2004 e 2015, sejam representantes do Partido Verde (PV) e do Partido dos Trabalhadores (PT) – respetivamente, Sarney Filho e Leonardo Monteiro. Ambos os parlamentares têm forte ligação com temáticas do meio ambiente. O PV autodeclara-se, no seu Programa Partidário, um “instrumento da ecologia política”; o PT, por sua vez, apesar de não ter o meio ambiente como bandeira principal, dedica trechos do seu Programa Partidário às questões relativas ao desenvolvimento sustentável (Barros, 2015), além de ser composto por diferentes Deputados que se interessam, especialmente, pelas áreas de agricultura e de energia7. Em grande medida, o interesse dos partidos em relação às questões ambientais, e o modo como percebem essa temática dentro de um modelo de governança ambiental, pode influenciar o posicionamento dos Deputados dentro da própria Câmara e, especialmente, dentro da CMADS.

Considerações Finais

Este artigo teve como objetivo apresentar como se estrutura a CMADS no que concerne à sua composição sociopolítica. A CMADS não está entre as Comissões Permanentes da Câmara dos Deputados que possuem um número elevado de parlamentares, mesmo sendo responsável por abordar um tema tão importante como o meio ambiente. Quando se observa a presença de homens e mulheres na composição da CMADS, nota-se a reprodução do padrão encontrado na Câmara dos Deputados – uma baixa representatividade das mulheres. Contudo, a Comissão quase sempre contou com a presença de alguma mulher parlamentar e sua proporção sempre foi maior do que a proporção do sexo feminino na Câmara dos Deputados. Mesmo assim, o campo político ainda é um espaço amplamente dominado pelos homens.

Ao explorar as especificidades da dominação masculina no mundo social, Bourdieu já chamava a atenção para esse problema ao afirmar que, em algumas posições hierárquicas e de autoridade, se concede ao sexo masculino um certo grau de superioridade. Trata-se de uma dominação simbólica que pode influenciar não só a representatividade das mulheres no parlamento como a própria luta de forças que se desenvolve no jogo político, no que diz respeito a distribuição dos diferentes tipos de capital e a posição que Deputados e Deputadas ocupam dentro do campo político.

Os dados mostraram, ainda, a manifestação de um padrão etário na CMADS. A maioria dos membros titulares que compuseram a Comissão durante o período analisado têm entre 50 e 65 anos, similar ao que ocorre na própria Câmara dos Deputados. Tanto no espaço maior da Câmara como na particularidade da Comissão, fica evidente que a trajetória política desenvolvida num percurso mais alargado de tempo favorece a aquisição de capitais indispensáveis para ser eleito e para ser escolhido e permanecer numa Comissão especializada. Essa trajetória pode significar acumulação de capital político, seja pessoal ou delegado, pois o parlamentar pode ter aumentado sua rede de influências e sua notoriedade com o passar dos anos ou ter afinado sua relação com o partido que também pode lhe conceder capital político.

Reforçando a importância da trajetória associada à formação de capital político, os dados sobre o nível de escolaridade ajudaram a compor o perfil social que permite compreender a composição da CMADS. Como vimos, dos Deputados eleitos nas eleições de 2014, mais de 80% têm formação superior, padrão que se reproduz no caso da Comissão analisada. No entanto, não é apenas a formação universitária que aparece como um indicador importante dos capitais e da posição ocupada pelos parlamentares no campo político, interessa também sua trajetória, sua área de atuação e sua bandeira política. Isso porque, apesar de muitos parlamentares não possuírem formação ou exercerem profissão na área ambiental, eles atendem às demandas desse setor, porque se especializaram, enquanto políticos, nessa clientela. Por isso, existe um número considerável de parlamentares que são membros da CMADS e que se envolvem com questões ambientais e, normalmente, permanecem na Comissão.

Por conseguinte, a composição sociopolítica da CMADS tende a reproduzir a composição sociopolítica da Câmara dos Deputados no que se refere à representação feminina, faixa etária e nível de escolaridade dos parlamentares. Predominam, dessa forma, homens de meia idade com formação/atuação profissional na área ambiental ou identificação política com a temática. Tais características revelam particularidades do campo político brasileiro que podem influenciar diretamente a organização hierárquica da Comissão, os jogos de poder ali desenvolvidos, a distribuição dos capitais e, ainda, o modo como os parlamentares tomam posições políticas nos debates e diante dos projetos de políticas públicas ambientais e proposições de lei formulados no interior dessa Comissão.

Os partidos políticos, enquanto agentes coletivos e maiores detentores de capital político, ocupam esse espaço por meio de seus agentes políticos individuais. Nesse caso, foi possível perceber que os partidos mais presentes na CMADS também foram os partidos que mais elegem Deputados e que possuem o maior número de filiados, nomeadamente, PT, PMDB, PSDB, PFL/DEM. Destaca-se, entretanto, a presença do Partido dos Trabalhadores (PT) e do Partido Verde (PV), especialmente interessados na temática do meio ambiente, que investiram ao longo dos anos nesse espaço de tomada de posição política e formulação de políticas ambientais. O PV, por exemplo, tem na figura do Deputado Sarney Filho seu mais destacado representante dentro da CMADS.

Uma vez caracterizada, mesmo que minimamente, a composição sociopolítica da CMADS, caberia o desenvolvimento de uma etapa mais analítica, a fim de explorar como os agentes atuam dentro dessa estrutura. Dessa forma, este artigo representa o primeiro passo para explorar o quadro de ação de uma Comissão Legislativa a partir de um olhar sociológico. O próximo passo seria analisar como esses agentes políticos, com as suas trajetórias e as suas respectivas posições naquele espaço institucional, tomam posições diante das questões ali propostas, que naturalmente envolvem interesses em conflito, que os obriga a sobrepesar as pressões que lhes são postas pela sua base eleitoral, pelos seus apoiadores financeiros e pelas suas lideranças partidárias (Corrêa, 2017). A análise da tomada de posição dos parlamentares no interior das Comissões permite uma compreensão mais aprofundada e qualitativa do processo legislativo. Permite, sobretudo, a formação de uma nova agenda de pesquisas sobre esse objeto, com instrumentais teóricos e metodológicos da Sociologia Política. Essa agenda de pesquisas corresponde, portanto, às próximas etapas decorrentes da análise aqui empreendida.

 

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Endereço de correspondência Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Av. Bento Gonçalves, 9500 – Campus do Vale, Prédio 43311, Bairro Agronomia, CEP 91509-900, Porto Alegre, Brasil.

 

Artigo recebido em 27 de abril de 2017. Aprovado para publicação em 10 de janeiro de 2018.

 

Notas

1 Este artigo decorre de uma investigação mais ampla desenvolvida na minha tese de doutoramento, realizada no âmbito do Departamento de Sociologia da Universidade do Porto, financiada pelo Programa Erasmus Mundus. Agradeço as sugestões dos professores que compuseram o júri de avaliação da tese: Pierre Guibentif (ISCTE-IUL), João Arriscado Nunes (CES-UC), Carlos Manuel Gonçalves (FLUP), João Teixeira Lopes (FLUP), Helena Vilaça (FLUP) e, especialmente, do meu orientador Virgílio Borges Pereira (FLUP). Agradeço, ainda, ao Paulo Peres pelo constante apoio prestado durante a elaboração da tese e do presente artigo.

2 A escolha da CMADS como o objeto deste trabalho é justificada por diversos motivos. O primeiro diz respeito à posição de destaque do Brasil no cenário da governança global ambiental, pois abriga 60,1% da floresta Amazónica e aproximadamente 16% das águas doces do planeta (Serviço Florestal Brasileiro, 2010). O segundo, refere-se à importância e ao escopo do conflito político, nacional e internacional, que envolve as questões ambientais. A terceira justificação é que as políticas públicas ambientais envolvem questões muito complexas devido aos obstáculos e pontos de estrangulamento que impedem a sua sustentabilidade, como a vasta extensão territorial brasileira, a influência de lobbies políticos, a descontinuidade de políticas locais, a mudança de mandatos, o desafio em conciliar demandas energéticas com os imperativos de qualidade ambiental e as fortes pressões dos movimentos sociais (Bursztyn e Bursztyn, 2013).

3 Tendo em consideração a composição total da Câmara dos Deputados em relação ao número de Comissões e observar, quando possível, o princípio da proporcionalidade partidária (Art.25, § 1º, RICD).

4 Entre os 49 parlamentares que permaneceram somente um ano como membros titulares da Comissão, grande parte atuou na Câmara dos Deputados por apenas um ou dois mandatos de quatro anos. Pode-se, por exemplo, notar que 18 Deputados, daquele total de 49, estiveram ativos no jogo político como Deputados Federais durante apenas um mandato. Para mais detalhes, consultar Corrêa (2017).

5 Para mais detalhes sobre o sistema partidário brasileiro, consultar obras como: Figueiredo e Limongi (1999); Kinzo (2004); Miguel (2010); Moisés (2014).

6 De acordo com o número de filiados apresentado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), atualmente, os dez maiores partidos brasileiros, em ordem decrescente são: PMDB, PT, PSDB, PP, PDT, PTB, DEM, PR, PSB, PPS.

7 Cabe salientar que a questão do meio ambiente ganha pesos diferenciados nos vários partidos brasileiros. Dos 32 partidos existentes no Brasil até 2015, 20 incluíam temáticas da agenda ambiental nos seus websites e nos seus programas, todavia são diversas, por exemplo, as suas concepções no que concerne a um modelo de governança ambiental (Barros, 2015).

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